E a vida segue…

E a vida segue. Ainda que esteja monotemática, por motivos óbvios, tento não perder a programação madrileña, que de tranqüila não tem nada.

 

Fim de semana, dois aniversários para ir e um concerto de música e dança brasileira no parque. O primeiro aniversário, na sexta e felizmente pertinho de casa, sossegado, agradável e um bolo maravilhoso. O outro no sábado, começou pela hora do almoço e entrou pela noite. Na sequência, uma das convidadas tinha um show para fazer e lá fomos para dar um apoio moral com nossos caxixis e tamborins! E quando acabou o show, para onde ir? Ué, aqui para casa, lógico! Resultado, seguimos cantando e tocando até às 5 da matina.

 

Domingo, já havíamos marcado de ir ao parque com alguns amigos. Uma preguiça daquelas e Luiz de ressaca! Mas como dispensar o ar livre do começo de outono? Em breve o frio vai complicar, melhor termos reservas de luz.

 

Chegamos lá e os amigos tinham armado o maior esquema, mantas no chão, geladeirinha portátil com comidinhas e bebidas. Ok, no Brasil a gente chama isso de farofa, né? Pode ser, mas é uma delícia.

 

Muito bem, eu juro que fui toda animada para assistir aos shows  e dançar, mas foi só olhar aquelas mantas convidativas espalhadas na grama que não resisti a me integrar a elas. Ou seja, fui até o Parque de Aluche simplesmente para cochilar na companhia de amigos.

 

Até aí, tudo ótimo! Num bom humor daqueles! Cheguei a me surpreender comigo mesma de como estava levando esse período tão leve e tão segura do que quero.

 

Daí chegou segunda-feira e não tinha vontade de tirar o nariz da cama! Agoniada, querendo que o tempo passasse logo. Como de um dia para o outro meu humor muda dessa maneira? E na hora em que começarem os hormônios? Putz! Bom, tive umas notícias chatas no fim de semana de duas amigas que precisaram abortar por problemas genéticos. Será que fiquei impressionada? Mas isso eu já sabia que era assim. Tive pesadêlo com meu pai, pára de pensar nisso! Será que é TPM? Será a lua? Nem vontade de sair para correr eu tive!

 

Mas no fim da tarde teve ensaio do coral e deu para espantar os fantasmas. Uma amiga chamou para uma roda de samba, achei que Luiz não fosse animar em plena segundona, mas ele animou. E na volta para casa ainda paramos para comer fora e dar uma baixada de adrenalina. Conversarmos um pouco sobre todas as mudanças que estão prestes a acontecer e, na verdade, em muitas frentes ao mesmo tempo. Aliás, é sempre assim, uma mudança puxa a outra, que puxa a outra…

 

Na terça-feira, não conversei, despertador para bem cedo! Fui correr! E à tarde, pilates! Vamos malhar!

 

Luiz conseguiu chegar um pouco mais cedo do trabalho e me chamou para jantar fora. Tinha algumas boas notícias, nada definitivo, mas a gente aprendeu a comemorar cada etapa e nisso somos muito bons. Jantamos no Paralelo Cero, acompanhados de um belo Bourgogne Premier Cru.

 

Quarta-feira, lá fui eu correr e gastar o jantar da noite anterior!

 

No que estou escrevendo em casa, me chamam pelo Facebook, uma amiga perguntando se queria pegar um cineminha. Por que não? Vamos nessa!

 

Fui assistir a Árvore da Vida, não sei como se traduziu no Brasil, mas é o filme do Terrence Malick que andou gerando algumas polêmicas. Bom, para mim não teve polêmica nenhuma, achei chatérrimo mesmo! Verdade que visualmente é lindo, mas me deu a sensação de passar duas horas e meia olhando um aquário!

 

Na sequência, um amigo em comum havia chamado para uma apresentação, ele é bailarino de salão. Lá fomos nós achando que seria uma apresentação de samba. Quando a gente entra no local, está rolando uma palestra… ops! Caraca, será que entramos em uma roubada?

 

Acabou que nem foi roubada. Realmente, o iniciozinho foi uma palestra, mas logo começaram as apresentações. E além desse nosso amigo bailarino, outros amigos músicos, muito feras, também tocaram. Acabou valendo bem à pena! No final, todo mundo se conhece.

 

Voltei caminhando toda nostálgica e pensando na ambigüidade de sentimentos que tenho por essa cidade. Essa coisa provinciana que me irrita profundamente, mas ao mesmo tempo, é bastante confortável. Como é ruim a sensação de estacionar no tempo e como é boa a certeza de encontrar o conhecido.

 

Tem coisas que as pessoas “normais” não percebem mais, como o alívio de saber de cor o caminho para casa, desviar da pedra solta na calçada com antecedência, reconhecer os cachorros da redondeza, os horários dos seus vizinhos. São detalhes que, por princípio, não deveriam ser mais que rotina, mas entram e saem da minha vida a todo momento e por isso eu presto mais atenção nessas bobagens. No final das contas, são essas mesmas bobagens que nos trazem a sensação de lar, de pertencer.

 

E eu vivo nesse dilema entre aproveitar meu momento atual, meu lar de agora, e o comichão de buscar algo novo.

 

Não sei se me explico bem, eu realmente aproveito cada momento, não tenho dúvidas disso, mas na hora em que entro naquele quentinho confortável do ninho, não é que eu não goste, mas pressinto que a mudança virá. Então já não resisto, porque não há alternativa, a vida seguirá e me arrastará com ela. Melhor ir de boa vontade.

Um dia bom

Pois é, passado o furacão de dúvidas, decisões e feijoada do Luiz, entrei em uma fase diferente, a de começar a visualizar as mudanças.

 

Sei que tudo é muito recente e a gente não tem idéia dos possíveis resultados, mas eu sou aquela pessoa que detesta surpresas. Gosto de me preparar, de me antecipar. Não acho que por isso a gente deva deixar de viver o presente, mas digo no sentido te ter uma estratégia. Acho bom ter o plano A, o B e o C. Na hora do vamos ver a gente pode improvisar um pouco, mas sempre melhor improvisar com algumas cartas na manga.

 

E vamos combinar, se depender do apoio da família e da torcida dos amigos, é sucesso garantido! Nesse aspecto, não posso reclamar da sorte que temos.

 

No início do mês que vem, provavelmente por volta da primeira semana de outubro, a gente começa o tratamento de fertilidade para valer. Sei que com tudo que está envolvido e com o turbilhão de hormônios que se aproxima, não deve ser um período simples. Olho para uma sacola de compras cheia de caixas de remédios e penso, quanta coisa tem que entrar para sair um bebê! Não tenho como evitar os inconvenientes que virão, mas posso tentar fazer com que as coisas não cresçam mais do que o necessário.

 

Acho que, a partir de agora, passaremos umas duas semanas de calmaria e logo chegará a tempestade. Tudo bem, sabendo que ela vem, melhor armar os guarda-chuvas, não é mesmo?

 

Estou me cuidando em muitas frentes, no que só tenho a ganhar. Por exemplo, acho que de um modo geral somos bastante corretos com a comida. Sempre tem um dia ou outro de excesso, mas na média me alimento muito bem. Ainda assim, redobrei esse cuidado e estou tentando ser o mais saudável e equilibrada possível.

 

Também aumentei o ritmo de exercícios para 5 vezes na semana. Normalmente, ou corro, ou vou ao Pilates. Alguns dias, inclusive, faço as duas coisas. Acho que isso vai me ajudar a não implodir com os hormônios, além de aumentar o nível de endorfina que é uma mão na roda! E o principal, para uma mulher, nesses momentos complicados e de possíveis frustrações, convenhamos, ajuda muito ter a bunda dura!

 

O que me faz lembrar de uma brilhante amiga carioca, que em um período de crise pessoal tinha orçamento para fazer terapia com um bom analista ou se matricular em uma academia de ginástica. Elegeu a segunda opção e me ilustrou com a seguinte pérola: minha cabeça está ferrada mesmo, vou continuar tendo problemas com ou sem analista… então, pelo menos é melhor ter problemas com a bunda dura! Uma sábia!

 

Muito bem, voltando ao tema, com tudo isso rolando, obviamente é meu principal pensamento todos os dias, fica difícil ter qualquer outra prioridade.

 

Daí, duas coisas me ocorreram, a primeira é que o caminho começa quando decidimos caminhar e não quando colocamos o pé na estrada. E a segunda é que, em breve, todas minhas prioridades vão mudar. Não serei outra pessoa, mas terei novos hábitos, horários, compromissos e por aí vai.

 

No que diz respeito ao caminho, me dei conta que já estou nele desde a hora em que disse sim. Entretanto, todo o contexto me distraiu e acho que é hora de começar a desfrutá-lo (ou, eventualmente, me assustar!). O jogo não vai começar, já começou, estejamos prontos ou não. Eu já sou mãe e Luiz já é pai, simplesmente estamos de altas por alguns meses e não sabemos por que buraco essa criança vai sair, aliás, literalmente. Podemos aproveitar esse tempo para resistir, adiar, sofrer ou aprender. Eu quero aprender.

 

Algumas fichas começaram a me cair, como por exemplo, em uma situação normal, você fica esperando para ver se sua regra desce e, com isso, se engravidou. No meu caso, se chegarmos até a etapa de implantar os embriões, já saio do médico tecnicamente grávida! Ou seja, minha espera é para saber se aborto ou não. É forte e é melhor me preparar.

 

Pois bem, mas sejamos otimistas e vamos acreditar que tudo dará certo. Nessa hipótese, comecei a pensar no segundo caso, que minhas prioridades vão mudar. Comecei a imaginar como seria meu dia, o que deveria fazer, quais seriam as atividades nas coisas mais básicas como ter tempo para comer ou ir ao banheiro de porta fechada. Resumindo, acho que terei dias de querer sair correndo e outros de felicidade extrema, mas em ambas situações, tudo será diferente.

 

Minha rotina é bastante livre e meus horários muito flexíveis e é bem provável que estranhe voltar a ter compromissos inadiáveis. Ao mesmo tempo, pensei que ainda assim, com toda essa liberdade, eu dificilmente estou desocupada. Ninguém tem todos os dias de férias ou fim de semana. É interessante notar que de uma maneira ou de outra, a gente se ajusta à semana de trabalho, mesmo se não tiver um trabalho fixo.

 

Daí eu pensei, por que vou esperar ficar totalmente ocupada com a família para reclamar que não tenho tempo para mim? Se tenho hoje a liberdade, por que não aproveitá-la? Depois é outra coisa, não quero ter do que me lamentar.

 

Tenho um casal de amigos que teve gêmeos, há cerca de um ano. Desde o princípio, ele e a mulher tiram uma  noite da semana para eles. Faça chuva ou faça sol, nas quintas-feiras está contratada uma  babá e eles saem os dois para jantar sozinhos. Achei sensacional! Está anotado no meu caderninho, não esquecer que tenho vida própria e também uma vida de marido e mulher!

 

Inspirada neles, pensei que também podia tirar um tempo para mim. Decidi ter um dia para fazer coisas legais! Assim do nada, no meio da semana e porque sim.

 

Acordei cedo, esperei o ruído que Luiz estava indo trabalhar e levantei. Muito bem, adoro tomar um super café da manhã, mas nos fins de semana estamos sempre com sono para fazer isso fora de casa. Pois me arrumei com a roupa de ginástica e fui tomar café no Le Pain Cotidien, sozinha e curtindo minha companhia, modéstia às favas! Ovo quente, capucchino com café descafeinado, pão de cereais com manteiga e presunto, suco de laranja e algumas frutas e um tomate que vieram na decoração. Eu sempre como os enfeites!

 

De lá, fui para o parque correr. Adorei passear pelas calçadas e ver as lojas ainda abrindo e tudo começando devagar.

 

Na volta para casa, depois de suar a refeição que foi meu café, parei em uma loja de sucos e tomei um de manga com abacaxi e laranja. Geladinho, amo sucos naturais, sem açúcar nem nada!

 

Abrindo a porta de casa e já pensando em tomar um bom banho, outra idéia me ocorreu, por que não ir a um hamman? Assim, ao invés de um banhozinho qualquer de chuveiro, me banho em três piscinas térmicas! Ainda rola uma sauna e uma massagem básica! Fechado!

 

E lá fui eu para o hamman!

 

No trajeto observei as ruas que tanta gente atravessa o oceano para conhecer e eu tenho embaixo da minha porta. Acho que devia passear mais, inclusive é grátis!

 

Depois de relaxar na água, meu elemento, e soltar toda a musculatura em uma massagem de meia hora, saí pelo centro da cidade leve e achando tudo lindo!

 

Só tinha um detalhe me incomodando, começou a me dar a maior fome. Seguindo minha linha do dia, pensei, o que eu quero comer? Já sei, sushi! Bom, mas são 16 horas, onde vou achar comida japonesa agora?

 

Achei, no Mercado de San Anton. Aliás um lugar elegante, moderno e agradável. Verdade que tudo é um pouco caro, mas não tem milagre e era o meu dia de fazer coisas legais!

 

Comi devagar observando a arquitetura e os cabos de metal que se entrelaçavam em linhas tensas, como nos meus trabalhos de arte. Deu vontade de voltar a criar, de fazer outra exposição. Sinto que não vou demorar a me debruçar sobre o papel de seda, estou com vontade de voltar a esse mundo.

 

E assim voltei para casa, pensando que deveria ter outros dias como esse, por que não?

 

Não preciso de um dia inteiro sempre, ninguém normal tem tempo nem dinheiro para isso, mas tem pequenos atos que estimulam a mudança. O que posso tentar fazer diferente hoje? Comprar flores no caminho de casa, resolver subir de escada ao invés de elevador, começar a ler um livro, usar uma roupa de outra cor. Tem coisas muito simples que a gente vai deixando de lado sem perceber e quando vê, caiu em uma rotina chata.

 

E esse é um risco maior para quem tem filhos. Não por causa dos filhos, é o casal mesmo que acaba usando a desculpa fácil do cansaço e da falta de tempo, ou espaço, ou dinheiro, ou qualquer coisa.

 

Não tenho certeza do que vou inventar amanhã, mas estou disposta a começar meu dia com essa pergunta: o que quero fazer diferente agora?

A Já Tradicional Feijoada Anual do Luiz 2011

Setembro tem o aniversário secreto do Luiz, meu marido que gosta de festas… desde que não seja a do seu aniversário. Foi como nasceu a já tradicional feijoada anual do Luiz! Que já expliquei também pelo blog algumas vezes e estou sem paciência de contar tudo outra vez.

 

O que importa é que em um sábado por ano, logo após seu aniversário, aqui em casa rola uma feijoada completa para ele. Ingredientes contrabandeados diretamente do Brasil, carne seca, costelinha defumada, paio, lingüiça portuguesa, tudo de direito! Importantíssimo uma farofinha, falsa couve à mineira, feita com bastante alho, azeite e bacon e, por último mas não menos importante, um arroz bem refogado com cebola e alho!

Algumas entradinhas para segurar a fome enquanto chega todo mundo: torresmo, frutos secos, vinagrete com pão, batatinha, azeitonas e salaminho. Uma amiga trouxe umas esfihas caseiras deliciosas, então aproveitei e fiz um tipo de kafta (porque para ser sincera precisava esvaziar o congelador), não era exatamente brasileiro, mas o povo aqui tem preconceito não, se for gostoso a gente come!

 

Como todos os anos, fizemos camiseta e tudo, ou seja, a feijuca tem abadá para entrar!

Ao longo dos anos, essa história ganhou fama e o número de convidados foi aumentando, chegando até umas 50 pessoas.Tem gente que nem espera convidar, entrou setembro já começam a perguntar que dia cairá a feijoada! Considerando que cozinho sozinha em um apartamento normal e corrente, começou a complicar.

 

Esse ano fomos um pouco mais rigorosos com o número de convidados, além disso, pedimos que ninguém trouxesse o amigo do amigo, porque não cabe! A gente gosta muito de conhecer gente nova e tal, mas fala sério, deixar de convidar amigos queridos nossos para vir alguém que a gente nunca viu e provavelmente não verá novamente… Enfim, sempre tem uma ou outra exceção negociável, acontece e é normal quando você mora em um país estrangeiro, mas seguramos o máximo. Em outras festas, não costumo me importar, todo mundo é bem vindo! Mas na feijoada anual tem regulamento, precisa merecer! Sem falar de quem inclusive merece, simplesmente não cabe e ponto final!

 

Assim que não fizemos muito alarde, tínhamos 40 convidados cravados e vieram 36 pessoas. Movimentado, mas confortável.

 

De qualquer maneira, cozinhei umas 50 porções, porque apesar de ser um almoço, conheço bem nossos amigos (e a mim mesma), nunca é uma rodada só. Não me lembro de nenhuma festa em casa que tenha durado menos de 9 horas, contadas no relógio. Portanto, é de costume que quando caia a noite, a fome aperte novamente e daí esquento uma segunda rodada. Ninguém se faz de rogado e começamos tudo outra vez!

 

Não precisei me preocupar com a sobremesa, duas amigas trouxeram torta de três chocolates, pavê de abacaxi, mousse de limão, brigadeiros e beijinhos. Bolo de aniversário estava proibido! Quebrou um galhão, porque me libera de ter que pensar nos doces. E se alguém está achando que depois de uma feijoada ninguém ia agüentar sobremesa, aviso que foi tudo! Quem ficou até o final ainda conseguiu levar quentinha, no esquema festa na casa de avó!

Temos muitos amigos que são músicos, algo que aconteceu naturalmente, porque a gente participa de um coral e também porque saímos bastante e vamos a vários concertos por Madri. Então, um conhece o outro, que conhece o outro… Resultado, sempre tem música ao vivo em casa. Costuma ter alguém que realmente sabe e um monte de amadores que tentam acompanhar. Acontece que dessa vez havia uns 5 profissionais e muito bons! De maneira que o nível musical subiu bastante. Lógico que é informal e a maioria está para se divertir, mas houve momentos que realmente me senti privilegiada de conhecer gente tão talentosa. Bom, e claro que aproveito para dar minhas batucadas e aprender um pouco.

 

Tomei minha cachacinha. Andei abstêmia um bom período e nem foi difícil, honestamente falando. Mas considerando que nosso tratamento só começa no mês que vem, achei que não era grave dar uma relaxada, afinal, não estou grávida ainda, nem fazendo promessa. Estava bem e feliz, por isso desceu sem problemas e no dia seguinte estava nova em folha!

Mas continuando com a feijoada, quando a música ao vivo acabou, Luiz assumiu o DJ que mora no interior de sua pessoa e deu sequência a uma festa Ploc! Músicas dos anos 80, quando a mulherada enlouqueceu e se organizou em coreografias bem para lá de marraquesh! Sim, participei de algumas delas, Paquitas e Menudo era um pouco demais para mim, afinal eu já era mocinha nessa época e era meio mico. Mas Rosana, como uma deusa, Flash Dance e otras cosillas más… não ia me negar, certo? Bem que foi divertido e, no futuro, tenho fotos para chantagear deus e o mundo!

 

Acho que pelas duas da manhã se foram os últimos convidados, que inclusive já nos ajudaram com a arrumação e a descer o lixo. Sabe como é, a intimidade permite essas coisas e a verdade é que nos ajuda bastante. Fomos dormir com a casa bem ordenada. Vamos combinar que não há nada pior que acordar no dia seguinte com a sala do avesso, né? Preferimos esticar um pouco e resolver na mesma noite, ou melhor, madrugada.

 

E assim foi a Já Tradicional Feijoada Anual do Luiz 2011! Para mim, com certo ar de nostalgia antecipada. Como e onde estaremos no ano que vem? Seremos só Luiz e eu ou estaremos enlouquecidos com uma família? Estaremos ainda em Madri? Alugaremos um galpão e cobraremos ingressos para chamar todo mundo?

 

Vida louca vida, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve…

Sigo no talvez, o que é boa notícia

Muito bem, acordei na quarta-feira, ou melhor, levantei, porque dormir que é bom, nada!

Luiz ainda teve uma reunião com cliente pela manhã, mas conseguiu sair a tempo para me buscar e irmos juntos ao médico.

Resumindo a ópera porque de suspense já basta, foi uma boa consulta. Sim, somos férteis. Entretanto, seria bem difícil engravidar por vias normais. Nada é impossível, tem gente que ganha na loteria, certo? Estatisticamente, seriam probabilidades parecidas.

No início de toda essa história, não queria nem imaginar tratamentos, fertilizações artificiais, provetas e afins! Demais para minha cabeça.

Acontece que me peguei em plena consulta, onde descobri que dos quatro tratamentos existentes, eu já não era apta a dois. E os outros dois que eu posso tentar, um é doação de óvulos, o que vai muito além dos meus limites. Situação em que preferia adotar uma criança. Vamos combinar, se nem seria minha mesmo, para que suportar uma gravidez? Nada contra a técnica, acho até uma boa alternativa para uma mulher que tenha essa necessidade de parir, mas francamente, não é meu caso. Para mim, aquele barrigão desinteressante é só o meio para um objetivo maior.

Ou seja, se for para ser do nosso sangue, só me resta uma alternativa e é agora ou não é mais!

Vamos lá, funciona mais ou menos assim, em linguagem leiga, no terceiro dia após a menstruação, começo a tomar uma porrada de hormônios para estimular os folículos. Dependendo desses folículos, tomo outra porrada de hormônios para estimular a ovulação. Depois, também dependendo de quantos óvulos saiam, talvez precise tomar um inibidor, porque tem um mínimo, mas também tem um máximo de óvulos, ou parece que enfraquece as possibilidades. Muito bem, esse óvulos são retirados cirurgicamente e fertilizados pelo sêmen do meu digníssimo marido. Falando assim não é muito poético, né? Daí precisa esperar para ver se rola uma química entre as partes e saem embriões. Acho bom os espermatozóides do Luiz gostarem dos meus óvulos; ou meus óvulos não fazerem muito doce, porque é o jeito! Esses embriões são classificados em A,B,C e D, quanto mais perto do A, maior a probabilidade da gravidez vingar. E de acordo com o número e qualidade de embriões, se implantam, também cirurgicamente, até um máximo de 3 deles de cada vez. Os embriões que sobram, quando sobram, são congelados para futuras implantações. Pelo que entendi, meu “pacote” inclui até 3 tentativas de implante de embriões. Você que decide quantos quer implantar, por isso há maior incidência de gêmeos que em uma gravidez natural. Essa confusão toda leva mais ou menos um mês, entre começar a tomar a medicação e a primeira tentativa de implante dos primeiros embriões. Ufa!

Enquanto o médico te explica esse procedimento, ele faz questão de te dizer que durante o tratamento, é vida normal! Hã, hã… qual a parte do normal aí que não entendi? Normal para quem, cara pálida?

Bianca, para de pensar, simplifica: just do it! Melhor nem olhar para o Luiz, senão começo a especular! Se ele não está dizendo não é porque concorda!

Portanto, me vi aceitando condições como se nem controlasse as palavras que saiam da minha boca. No carro, perguntava ao Luiz em que momento mesmo o impensável há umas semanas virou o próximo passo? Desconfio que foi na noite anterior, quando me dei conta que talvez é melhor que não.

Pois é, depois de escutar tudo isso na consulta e ainda por cima concordar, vim para casa e Luiz seguiu para o trabalho. Eu achava que estaria exultante em saber que ainda era possível, mas minha reação foi meio bizarra, acho que fiquei em estado de choque, meio paralisada e com a cabeça a mil por hora. Sem rir, sem chorar, só absorvendo.

Falei primeiro com minha mãe por telefone. Tomei coragem de ler os comentários do blog e responder rapidamente. Mas só conseguia pensar que queria sair correndo!

Então saí! Coloquei um tênis e fui para o parque correr e suar como uma louca! E viva a endorfina!

Cheguei exausta, consegui cozinhar um pouco e sem salgar a comida, o que é um excelente sinal! Sim, porque abrindo parênteses, sábado tem aniversário do Luiz e faço sozinha uma feijoadinha básica para umas 50 pessoas! E isso, porque como de costume, fomos super restritos no número de convidados, mas essa é uma outra história.

Durante a noite, dormi que foi uma beleza! Acordei descansada, fui buscar na farmácia os remédios que futuramente terei que tomar, adiantei um pouco mais a feijuca, fiz ginástica puxada… e de repente, percebi que estava feliz.

Entubei! Pensando bem, na pior das hipóteses, não dará certo. E nesse caso, perdemos algum dinheiro, ganharei alguns quilos pelos hormônios, choro os três dias de protocolo e a vida segue sem arrependimentos.

De uma maneira ou de outra, minha decisão já foi tomada e em ambas as possibilidades, vou ser mãe. Agora vou concentrar meus esforços para engravidar, não sei se é a melhor alternativa, mas é a que tenho no momento. Se não der certo, vai me fortalecer e amadurecer a idéia da adoção, e se der certo, estarei mais preparada para uma gravidez também. Assim que pensando bem, só tenho a ganhar.

Acontece que pode dar certo e, sabe que no fundo, começo até a achar que se tivéssemos gêmeos ia ser bem legal!

Essa noite ainda é talvez

Amanhã saberemos se somos um casal fértil ou não. Assim, na bucha!

 

Enrolei para chegar esse dia por mil razões que nem me arrependo. Cada um sabe que nível de frustração é capaz de tolerar. Cada um sabe seu momento de se testar e elegemos o nosso.

 

Eu sou de encarar os problemas, tenho coragem para isso normalmente. Mas sou péssima em lidar com a frustração. Eu odeio saber que não posso qualquer coisa e a cada dia que passa não posso mais alguma coisa. A gente supera, mas é foda!

 

Já houve o tempo que eu acreditava que podia tudo e sei que isso não tem volta. Não sou mais especial que ninguém e é assim para todo mundo. A gente simplesmente envelhece. Tem um monte de outras vantagens, é verdade, mas continua sendo foda!

 

Hoje não sei se prefiro a certeza do não ou a esperança do talvez.

 

Meu lado racional sabe que se a resposta for não, melhor saber logo e tomar outra direção. Eu não vou morrer por causa disso, só que dói um bocado, dói só de imaginar.

 

E essa noite não quero dormir, porque pode ser minha última noite de talvez.

 

Não quero desabafar com o Luiz, ele já sabe, tem as preocupações dele e esse assunto preciso resolver entre eu e meu umbigo. Já quis escrever para minha mãe, já me imaginei conversando com amigas, com estranhos, mas no fundo no fundo, o que preciso mesmo é um pouco de solidão. A mesma que encontrei no meu enorme muro das lamentações, foi muito bom poder falar com a parede. Assim que aqui estou com minha parede particular para ordenar as idéias.

 

E aí, parede, e se for não?

 

Se for não, mais uma vez, vai ser foda! Estou repetitiva, mas essa é a frase que domina meu pensamento agora. Vai ser complicado levantar da cama, principalmente no outono. Vai ser difícil brincar com crianças por um tempo. Vai me dar medo de encontrar com as grávidas e não ser capaz de afastar do pensamento o por que não foi comigo. E mais uma lista de absurdos que não quero nem pensar.

 

Vou passar três dias chorando e felizmente, sei que meu prazo para depressão é de três dias. Daí acordo melhor, levanto, dou uma sacodida na poeira e seguiremos. Vai passar.

 

E era isso que precisava me lembrar, não preciso de força para o resto da minha vida, só um pouco de serenidade para amanhã e kleenex para os próximos três dias. Pronto.

 

E se for talvez? Nada garantido, mais uma série de decisões pela frente e também não vai ser fácil. A diferença é que para conseguir alguma coisa que tenho a mínima chance o ânimo é outro.

 

Ainda, que para ser bastante sincera, também me borro de medo do sim. As estatísticas são assustadoras. Na minha idade, a possibilidade de ter uma criança com síndrome de Down, por exemplo, é por volta de 1 em 100 e sobe a cada dia (com 20 anos é de 1/1925; com 45 é de 1/32). Eu farei 42 anos em novembro.

 

Eu não sei o que fazer. O não me derruba e o sim me enche de dúvidas.

 

Tudo pode dar certo e correr às mil maravilhas? Claro que pode! Conheço um monte de gente que simplesmente prefere ignorar os possíveis problemas e fazer de conta que nada de ruim pode acontecer. Me pergunto se essas mulheres nasceram em marte! Porque me parece um completo absurdo e inconseqüência sequer pensar na encrenca que podemos estar nos metendo. Estou disposta a encarar, mas não de maneira leviana ou ingênua.

 

Tenho vontade de bater a cada vez que escuto um: ih, sei da amiga da amiga da irmã da minha prima que teve filho com 47 anos e deu tudo certo! Como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo! Parece conversa de fumante que sempre conhece um velho de uns 98 anos de um povoado do fim do mundo que fumou e bebeu a vida inteira e é super saudável… Conhecer alguém que teve essa experiência e as mesmas dúvidas, talvez realmente me ajudasse; lendas urbanas, não me levam a lugar nenhum, por melhor que sejam as intenções, só me irritam.

 

E cada vez que tento recorrer aos meus instintos sobre o que sinto de verdade, minha cabeça vira uma bagunça, não consigo ver com clareza. Só me volta a pergunta do por que complico tanto? Desde que o mundo é mundo as mulheres engravidam, é parte da vida! Por que para mim é todo esse drama? E daí me irrito comigo mesma!

 

A bola da adoção ainda está no ar, continua sendo uma possibilidade. Ao mesmo tempo, ao pensar mais a respeito, também penso que não é nada simples nem rápido. A responsabilidade é exatamente a mesma.

 

Não tenho dúvidas que poderia amar igual, mas me questiono se seria capaz de me conter caso notasse alguém olhando diferente para essa criança, ou se pularia em seu pescoço como uma onça raivosa defendendo a cria! E isso pode acontecer, na verdade, dependendo do quanto formos fisicamente diferentes, pode acontecer todos os dias.

 

Muito bom, parede, agora não tenho apenas uma dúvida para me preocupar, tenho um milhão delas!

 

Uma coisa de cada vez e um leão só por dia. Lição do Caminho de Santiago, no início, você vai dormir cheia de dores e acha que não vai agüentar o dia seguinte. Quando amanhece, a noite de sono e o descanso te curaram em boa parte. Você levanta nem que seja porque não tenha outra alternativa, começa a andar e esquenta a musculatura. Nada te dói mais, a endorfina te anima e você segue. Tanta coisa acontece durante o dia que você só se importa com os próximos passos. À noite vai doer outra vez, mas você já não pensa que não poderá, confia que amanhecerá melhor.

 

Hoje eu não posso fazer mais nada. Não preciso fazer nada, tenho o conforto embriagante do talvez.

 

… E eu corri para o violão, num lamento, e a manhã nasceu azul… Como é bom poder tocar um instrumento…

 

Para Caetano é bom saber tocar um instrumento, para mim é um alívio poder escrever.

 

Melhor dormir e guardar forças para o leão de amanhã. Menos mal que não confronto ele sozinha.

Algumas considerações após a viagem e encerramos esse assunto!

Eu tenho um lado meio camelo, depois de ingerir rapidamente as informações, gosto de revisitá-las e fico ruminando e espremendo significados que sei que estão lá, mas não me aparecem de forma tão evidente. Preciso ir juntando as pontas soltas até digerir realmente o alimento.

Por uma questão logística, visitamos dois países culturalmente bastante diferentes entre si, Israel e Jordânia. Não são exatamente inimigos nesse momento, mas também não podemos dizer que sejam amigos. A tensão não é imaginária, ela existe e tem seus motivos em ambos os lados.

Não tenho conhecimento suficiente para julgar quem está certo, ou quem estaria certo em que ponto especificamente. E acho que nem vem ao caso. Não tenho a intenção de comparar duas nações, porque não se compara chocalho com banana! Diferenças são mais ricas quando entendidas e não quando comparadas.

Mas posso traçar analogias com experiências que vivi e é o que vou fazer agora.

Meninas tem a mania de ter uma melhor amiga, não sei se é universal, mas era algo recorrente na minha infância. Com a adolescência isso foi perdendo o sentido e na fase adulta chega ser bobo você querer categorizar seus amigos.

Mas o que importa no momento é que a minha primeira melhor amiga no colégio era judia. A conheci no primário da Escola Paroquial Santo Antônio. Sim, ambas estudávamos em um colégio católico.

Certo dia minha mãe foi chamada à direção para conversar, nada raro de acontecer, porque  vira e mexe eu arrumava alguma confusão. Mas dessa vez, a diretora sabendo dessa amizade e afim de evitar mal entendidos, queria avisar minha mãe que minha melhor amiga era judia e filha de pais separados. Queria saber se ela tinha algum problema em relação a isso. Não, minha mãe já sabia dessas duas informações, afinal frequentávamos as casas mutuamente, e não tinha a menor restrição a respeito. Vale comentar que além do colégio ser de freiras, naquela época, pouca gente se separava, ainda era um tabu. E quanto à religião, acredite se quiser, era motivo de medo ou vergonha se dizer que não era católico. Portanto, mais do que preconceito, honestamente acredito que a diretora estava se adiantando para mediar uma possível situação constrangedora para todos os lados. Hoje isso parece abominável ou ridículo, mas estamos falando de trinta e tantos anos atrás.

Em relação à nossa amizade, não fazia a mínima diferença. Ela me dizer que era judia e não católica era como se me contasse que preferia sorvete de baunilha ao invés de chocolate. Só entendi que havia algo relacionado a uma maneira diferente de pensamento quando descobri que ela era liberada de fazer os deveres de casa e as provas de religião (católica).

Obviamente, no mesmo dia cheguei em casa pedindo para minha mãe: quero ser judia!

_ Hein? E por que você quer ser judia?

_ Não precisa fazer dever de casa de religião. Minha amiga não faz!

_ Bianca, ela não estuda a religião católica, mas ela estuda a religião dela. Se você quisesse ser judia ainda ia estudar mais!

Já não me pareceu tão bom negócio e assim perdi meu interesse em me converter! Mas ela continuava sendo minha melhor amiga.

No ano seguinte, ela foi estudar no turno da manhã e segui no turno vespertino, portanto, acabamos por nos separar. Até que houve uma gincana entre todas as turmas do primário e finalmente nos reencontramos.

Só tinha um problema, como agora éramos de turmas diferentes, também estávamos em times diferentes, competidores! E para completar, a torcida da sua turma se sentava bem ao lado da minha, em uma arquibancada de ginásio. Ficamos completamente divididas e achando aquela gincana um saco!

Até que resolvemos ignorar a competição, fomos nos aproximando e sentamos lado a lado, abraçadas, bem na escada que funcionava como corredor, separando as duas torcidas. Escutamos reclamações dos dois lados, que éramos traidoras, essas coisas de criança. Nos defendemos mutuamente e continuávamos querendo que nosso time ganhasse, mas seguimos abraçadas até o fim.

Eu juro que não me lembro quem ganhou. E não tinha idéia de como esse gesto me serviria várias vezes como metáfora, muitos anos depois.

O tempo passou e não sei onde ela foi parar, perdemos o contato. Uma pena, mas isso tudo aconteceu bem antes da internet e dessa facilidade em localizar as pessoas.

Mas enfim, pela adolescência comecei a estudar sobre o holocausto e foi só então que descobri que ser judeu não era apenas como torcer por um time diferente. A coisa era bem mais complexa. Talvez até por causa da minha amiga de infância, me solidarizei à causa.

Vou ser bastante sincera e provavelmente politicamente incorreta, mas alguns anos mais tarde e bastante mais crítica, comecei a notar certo corporativismo no mundo empresarial. E mesmo socialmente, vi nesse universo judaico um espaço fechado e restrito. Interpretei como um tipo de preconceito às avessas que não gostei. Como assim? Eu não devo ser preconceituosa com eles, mas eles podem ser comigo?

E novamente com o tempo, isso já não me fazia diferença, não era algo que me fizesse pensar tanto a respeito e tive pela vida outros bons amigos judeus, que muitas vezes nem sabia que o eram.

Mas agora, com a ida a Israel, não houve como não pensar que poderia ser tratada diferente ou com certa frieza no país. Esperei por isso, talvez de maneira inconsciente. Coisa que não aconteceu e, portanto, me sinto na obrigação moral de ressaltar esse ponto.

Fui muito bem tratada, não sofri absolutamente nenhum tipo de preconceito. As pessoas eram naturalmente simpáticas e abertas. Tem sua cultura? Claro que sim, talvez disso tenha valido sua sobrevivência. E entendendo um pouco melhor essa questão agora que moro na Europa. Todos os países aqui são protecionistas, que não se tenha ilusões a esse respeito. E sim, esse protecionismo em algum momento pode gerar preconceito, mas não é a mesma coisa e não necessariamente o geram.

A grande mensagem que recebi é: se você não me quer o mal, nem me mudar, seja o que quiser e seja bem-vinda. Diga-se de passagem, meu lema de vida!

E agora, mudando o lado da fronteira, vamos até a Jordânia, que dentro do mundo árabe, está entre os mais liberais. Ainda assim, estamos falando de um país muçulmano.

Não é o primeiro país muçulmano que visito e já havia quebrado esse mito de que todos estão prontos para colocar uma bomba na cintura!

A gente escuta muita coisa e acredito que parte deva ser verdade, mas não me sinto confortável em falar do que eu imagino que é, só posso falar com propriedade sobre o que vi e como foi minha experiência.

E na minha experiência, fui tratada com amabilidade, respeito e simpatia.

Uma coisa é fato, absolutamente todas as pessoas que se relacionaram conosco de alguma maneira, a primeira pergunta que faziam era: de onde vocês são? Depois que respondíamos que éramos brasileiros, nos diziam sempre que éramos bem-vindos. Leio isso de duas formas, existe uma preocupação com sua origem além da simples curiosidade. Tenho minhas dúvidas se todos seriam bem-vindos e isso poderia ser categorizado como preconceito. Por outro lado, o Brasil não é um país muçulmano e eles sabem muito bem disso. E ainda assim, nos aceitavam abertamente.

Nós éramos turistas e eles dependem do dinheiro do turismo para viver, certo? Certo, mas sério, me senti infinitamente menos explorada do que quando visitamos a Itália, por exemplo. Existe a abordagem, mas não sofremos nenhum tipo de assédio. E pode acreditar, mais de uma vez nos ajudaram e para nossa surpresa, sem nenhuma expectativa em receber nada em troca.

Tive esse sentimento que eles gostam e se orgulham que você saia de lá com uma boa impressão do país e deles. Um detalhe me chamou a atenção, estão constantemente sorrindo. O brasileiro tem muito dessa atitude também.

Na Jordânia não é obrigatório o uso do véu, nem a rainha usa. Ainda assim, é comum ver as mulheres locais de cabeça coberta e os homens também. Sim, é verdade que funciona como identificação de tribos e origens, mas vai encarar aquele sol a pino sem estar com sua cabeça coberta para ver o que te acontece! Nem sempre é uma questão religiosa. E por não sê-lo, me deu vontade de amarrar minha cabeça também, sabe por que? Eu acho bonito e protege do sol.

Com ou sem a cabeça coberta, as pessoas me olhavam igualzinho. Inclusive fisicamente, não senti nenhuma barreira. Gostavam de fotos e de sair nas fotos conosco, tinham vontade de se relacionar.

Não percebi ninguém nos julgando, ninguém tentou me converter e ninguém me tirou nenhum pedaço. Ah, mas se você for para o interior… mas no fundo no fundo… mas outras 32 mil hipóteses que não aconteceram. Como já disse anteriormente, só posso avaliar o que vivi.

Muito bem, fizemos praticamente toda a viagem por nossa conta e risco, mas em dois dias tivemos guias nos conduzindo. Um deles em Jerusalém e outro em Wadi Rum; um judeu e um muçulmano.

Conversando com o judeu, lembro dele falando algo como que no fim das contas a religião de cada um pouco importava, cada qual que acreditasse em suas verdades e respeitasse os demais. No fundo, o que provocava todo conflito era o dinheiro e não a religião. Atrás de todas as guerras, conspirações e afins, sempre há alguém ganhando economicamente e será o que regerá a direção. O resto segue a boiada. Não foi exatamente com essas palavras, mas a idéia era essa.

Do outro lado da fronteira, o muçulmano, em jejum pelo Ramadán, reclamava que o mundo árabe era muito unido contra seus inimigos, mas entre si, cada um seguia seus interesses. Que o dinheiro estava estragando as pessoas que perderam o foco do que importava de verdade.

O judeu simplesmente queria circular sem medo de ser atacado em sua casa, ficar em paz com sua família e suas crenças. O muçulmano queria ficar em paz no seu deserto, com sua família e seus cavalos. Se alguém ganhava com o conflito, certamente não era nenhum dos dois e tinham bastante clareza quanto a isso.

Eles nem sabem que desde pontos antagônicos, acreditavam na mesma coisa. Porque o ser humano é muito mais parecido do que imagina.

Mesmo Luiz e eu, pela nossa aparência, poderíamos ser um casal  de uma judia e um muçulmano. Não somos, mas temos nossas diferenças e nem sempre são tão pequenas. Tem dias que me lembro da oração das mulheres casadas: deus, daí-me paciência… porque se me deres força, mato ele! Não tenho dúvidas que ele terá suas queixas também, mas no fundamental nos parecemos em muita coisa. Chega uma hora que você já não faz questão absoluta de ter razão, não quer mudar mais ninguém, só quer que te aceitem como você é e ficar em paz na sua casa.

Pode ser entre duas amigas, um casal ou dois países, mas o conceito é muito parecido, respeito.

Sei que é uma utopia quase ingênua, mas tem dias que a gente descobre que vale mais a pena sentar no meio da escada e assistir a partida abraçados. Afinal, há muito mais chance de você recordar desse momento do que se lembrar de quem ganhou o jogo.

Chegando ao fim da saga!

Só havia se passado 10 dias e parecia que estávamos fora há uma vida! Chegou a hora de atravessar a fronteira novamente no caminho inverso e tomar o rumo a Madri.

 

Acordamos tardíssimo nesse dia, assim, umas oito da manhã! Tomamos café, nos despedimos do gerente do acampamento em Wadi Rum e pegamos a estrada em direção a Aqaba.

 

É estranho quando você está chegando na cidade, porque como vem de uma região mais alta, vê Aqaba, o mar vermelho e Eilat por detrás. O contraste é gigante! Estão coladas, cortadas por uma linha divisória fina e ao mesmo tempo totalmente diferentes!

 

Deve ser parecido quando os gringos chegam ao Rio e se deparam com o morro e o asfalto lado a lado, a tensão que, por conviver a cada dia, não lembra mais o quanto é tensa, nem percebe quão bruto é o contraste.

 

Deixamos o carro na locadora e um dos atendentes nos deu uma carona até a fronteira com Eilat. Luiz todo estressado com medo de não passar!

 

Fizemos todos os controles, assim como na ida, nem mais nem menos. Cruzamos a fronteira a pé e ainda demos sorte de haver um taxi do lado israelense disponível, nem tivemos que esperar.

 

Nosso vôo era só no fim do dia, porque quando marcamos não tínhamos idéia do quanto seria fácil ou difícil a trajetória da volta. Acontece que tudo acabou sendo mais simples do que pensamos e chegamos cedo para burro no aeroporto.

 

Pensamos em guardar as malas ali e sair para passear na cidade. Nem lembramos que com a possibilidade de atentados, não existe um lugar para você deixar sua bagagem! Seria o ponto perfeito para se deixar um explosivo, por exemplo. Além do mais, o aeroporto é minúsculo, até um pouco confuso.

 

Lá fomos nós tentar embarcar mais cedo, mas antes… claro que havia um controle de segurança. Tudo bem que é necessário e tal, mas para ser sincera, começava a me encher o saco.

 

Dessa vez, ainda tínhamos o carimbo da Jordânia no passaporte para enriquecer o diálogo com o agente!

 

_ Tá vindo da onde tá indo para onde? Blá, blá, blá…Para que time torce? O que foram fazer na Jordânia?

_ Visitar Petra.

_ Conheceram alguém durante a viagem?

_ (Veja bem meu amigo, você sabe quem está entrevistando? Eu falo com deus e o mundo!) Só gente do hotel…

_ Receberam algum presente ou encomenda de alguém?

_ Não! (Bom, eu ganhei uma pedra de uma nômade, mas acho que isso não conta, né?)

_ Compraram alguma coisa?

_ Sim, os lenços de colocar na cabeça!

_ Algum motivo religioso?

_ Não, acho bonito e protege do sol.

_ Vocês entendem que estamos fazendo essas perguntas porque estamos sob ameaça de bomba e podem ter utilizado vocês?

_ (Glup!) Entendo, pode perguntar à vontade.

_ Ok, boa viagem!

 

Depois desse controle, fomos ao balcão entrar em uma fila de espera e tentar um vôo mais cedo. É como uma ponte aérea e achamos que tínhamos boas chances de conseguir.

 

Esperança que foi diminuindo à medida que o tempo foi passando e o aeroporto não parava de encher!

 

Sentados, esperando, conhecemos o casal que estava ao lado, ele era brasileiro, maior coincidência. Até que queria conversar mais, mas a essa altura, você fica tão paranóico que alguém pode estar te observando que se restringe ao limite da educação. Logo chegou a hora do vôo deles e nos despedimos.

 

Luiz ia pedir informações no balcão de tempos em tempos. Em um desses intervalos, um rapazinho com uma mala grande me pediu se podia vigiar a mala dele enquanto ele ia não sei onde. Desculpa amigo, mas não vai rolar nem a pau Juvenal! Ele franziu o rosto, mas não se queixou, saiu com sua mala. Desconfio que era um policial disfarçado me testando.

 

Aliás, no meio dessa muvuca, fica passando alguns agentes, checam atrás dos painéis e cantos do aeroporto, procuram bombas. Se existe alguma mala um pouco afastada de alguém, perguntam de quem é. E se não há um dono, isolam a área e explodem a bolsa. Felizmente, não presenciamos esse fato.

 

Enfim, quando já estávamos desanimando, escutamos nosso nome! Conseguiram nos encaixar em um vôo mais cedo! Lá vamos nós!

 

Mas antes, claro, novo controle na hora de ir para a sala de embarque! Uma coisa me chamou a atenção positivamente, eles não barram as garrafas de água nesses controles de segurança. A água é muito preciosa para você jogar fora.

 

É curioso porque esse aeroporto é bem pequeno e simples. No salão de embarque chegam a complementar os assentos com cadeiras de plástico, dessas de praia. Gente saindo pelo ladrão, parece uma estação rodoviária! A rodoviária mais segura do mundo!

 

Embarcamos em um avião daqueles pequenos e balançantes. Mas não sei, talvez pela quantidade de coisas que havíamos passado nos últimos dias, incluindo um passeio de balão pelo deserto, me pareceu fichinha! Nenhum sinal de medo ou vertigem.

 

Chegamos bem a Tel Aviv. Tomei um banho caprichado e lavei meus enormes cabelos, coisa que em Wadi Rum seria bastante complicado.

 

À noite, saímos com o casal de amigos israelenses para jantar e nos despedir. Nos levaram ao Porto, em Old Jaffa. Um lugar agradável, em frente a uma marina de pescadores. A música ao vivo era um pouco mais pesada do que nós quatro esperávamos, mas incomodou mais a eles do que a nós.

 

Manhã seguinte, aeroporto internacional para pegarmos o vôo para Madri. No caminho, um taxista completamente tarado por futebol! Muito simpático e, quando viu que Luiz levava uma camisa do Brasil, a única que ainda estava limpa, ficou todo empolgado e engatou na conversa. Ficou feliz quando dissemos que nos sentimos em casa na cidade e que a praia lembrava bastante as praias do Rio (o que é a mais pura verdade!).

 

Antes de entrar no aeroporto, advinha o que tem? Controle de segurança é claro! Nem falamos nada, o próprio taxista que se comunicou com o guarda. Mas já abri as janelas logo para eles olharem para a gente e adiantar a história. Foi rápido.

 

Na entrada do aeroporto, tem controle novamente, mas é aleatório, não pediram para a gente parar. Achei interessante os avisos de proibições na porta. Não podia fumar, não podia levar animais, nem armas. Achei que cigarros, cachorros e armas não deveriam estar na mesma categoria, mas enfim…

 

Lá fomos nós para a fila do check in e… mais um controle!

 

_ Tá vindo da onde, tá indo para onde, para que time torce? Falou com alguém, conhece alguém… blá, blá, blá…

 

Passamos pelo raio X, dessa vez a mala do Luiz foi aprovada direto e a minha não, precisava abrir. Fiquei pensando o que raios eu tinha na mala que poderia levantar suspeita? Os carregadores de celular?

 

O que levantou suspeita foi um livro! Ela me perguntou se eu tinha um livro na mala. Eu pensei que tivesse entendido errado. Ao invés de responder já abri logo a mala para ela olhar o que quisesse e encurtar o caminho.

 

Ela queria realmente saber do livro. Que por acaso era um guia da Jordânia. Me perguntou onde havia comprado, respondi que no aeroporto de Madri. No mesmo segundo ela perdeu o interesse e disse que podia fechar a mala.

 

Muito bem, finalmente, fizemos o check in. Agora era ir para o salão de embarque!

 

Mas antes… outro controle! Taquiupariu lá longe! Lá vamos nós outra vez, mais uma vez, de novo! Uma fila do caramba, pelo menos não foi tão demorado.

 

Lá dentro é legal, bem grande e com boas opções de lojas e de onde comer. Comprei um vestido maravilhoso da Michal Negrin! Nunca me imaginei comprando roupa em aeroporto, mas não é que me encantei pela loja?

 

O vôo da volta foi tranquilo, voltamos em uma segunda-feira, o avião vazio que deu para nos espalharmos pelas poltronas livres.

 

Confesso que chegar em Madri foi um certo alívio. Mostrar meu passaporte espanhol e simplesmente passar direto! Sem filas, sem perguntas, sem stress! A mesma sensação que tinha antes quando mostrava meu passaporte brasileiro no Brasil, de ser reconhecida, como se estivesse usando um crachá ou soubesse a senha de entrada!

 

Não sei por quanto tempo, mas é bom sentir essa sensação de chegar em casa, independente de onde ela seja. Nem sempre a tenho, nem sempre terei, mas hoje sim.

O deserto de Wadi Rum, Jordânia

Localizada aproximadamente a uma hora e pouco da fronteira de Aqaba, se encontra uma região do deserto onde é possível alojar-se. É um território protegido e há uma série de regras para se construir ou se habitar.

Ali não há um grande hotel ou resort, mas acampamentos que seguem as tradições nômades. Há um centrinho de cidadezinha com guias e informações turísticas, mas tudo muito austero e rústico.

Você não pode simplesmente pegar sua barraca e ir para lá acampar. Como disse antes, é um deserto, mas tem regulamento. Inclusive, é bastante perigoso de se perder para amadores ou pessoas que não conheçam a região. É sempre aconselhável que você se movimente com guias locais.

Os beduínos habitam essa região há milhares de anos e seu estilo de vida está totalmente adaptado às condições áridas existentes. De maneira geral, nos pareceram ser gente amável e sorridente. Se movimentam de tempos em tempos com seus rebanhos de camelos, bodes e ovelhas. Administram com cuidado os escassos recursos naturais, principalmente a água. Suas tendas são feitas pelas mulheres com a lã dos bodes. Em árabe chamam essas tendas de “casas de pelo”. Segundo eles, é a solução mais apropriada ao meio ambiente. As tendas podem ser desmontadas e remontadas com freqüência, garantindo liberdade de movimento. Possuem aberturas flexíveis que se adaptam às mudanças de direção do vento e são biodegradáveis. Tem uma coloração marrom escuro e são compactas como uma lona.

Muito bem, descobrimos um acampamento, o melhor dessa zona, chamado Bait Ali. Uma amiga do trabalho do Luiz havia ficado lá e nos deu a dica. É bem cuidado, dentro das limitações existentes, e possui uma boa estrutura, capaz de proporcionar conforto, mas ao mesmo tempo, deixar que você experimente a aventura de estar no coração de um deserto.

É um complexo murado, onde você pode optar por alojar-se em cabanas ou quartos. Há banheiros comunitários para quem elege as cabanas e os quartos possuem banheiros privados. Por incrível que pareça, cheguei a cogitar optar pelas cabanas, afim de viver mais intensamente a experiência. Mas a possibilidade de ter um banheiro privativo e, pasmem, um ar condicionado disponível, foi irresistível. Principalmente, pelo fato de termos ido exatamente no verão.

Resumindo, sim, fomos a um acampamento nômade, mas não passamos nenhum sufoco, nem precisamos fazer o número 2 atrás de uma moita!

Enfim, ficamos em um quarto grande, austero na medida exata. Tinha o que precisávamos e mal parávamos ali. Não tinha televisão nem frigobar. O banheiro era simples, não há banheira nem secador de cabelos, estávamos em um camping, lembra? Mas era limpo. Não tínhamos problema de falta de água, entretanto o aquecimento era solar, de maneira que se quiséssemos tomar banho quente, havia horário para isso. Não tem tanta pressão na água e é um pouco regulada, mas a verdade é que você se sente até mal com qualquer tipo de desperdício nesse sentido. Eu só tomava uma ducha rápida no final do dia, para dormir limpa.

O maior luxo do local é uma piscina, tenho quase certeza absoluta que deve ser a única da região! Imagino que a água não seja trocada nunca! No máximo, vão completando a que se evapora. Mas tratando com cloro, está ótimo! E quebrava um galhaço entre uma programação e outra!

O restaurante é uma grande tenda, bastante agradável e aberta para o ar circular. A comida é caseira e bem gostosinha, ainda que repetitiva. Não tem muita opção de cardápio, mas a gente já esperava por isso. Para ser sincera, foi bem melhor do que havia me preparado.

Conto tudo isso no início, para desmistificar aquele negócio de passar necessidade e tal! Nós não fomos ali para nos martirizar nem pagar nenhum pecado! Mas é importante deixar claro para quem pretenda passar pela experiência que não é um resort de luxo impoluto! E agora quem vai ser repetitiva sou eu, estamos no meio de um deserto, certo? Tem areia, pó, inseto… não é um conto de fadas! Tem que estar com o espírito preparado para isso.

Talvez para uma pessoa normal, nem seja tão diferente, mas eu sou aquela fresca com TOC que não deixa ninguém andar de sapatos em casa, na minha geladeira não entra nada que não foi lavado, se for fruta ou verdura, desinfeto! Sou alérgica a pó e a fumo! Nos lençóis da minha cama não se encosta roupa da rua! E posso seguir com a lista de absurdos que estou acostumada a lidar, mas o ponto já foi dado.

Portanto, imagino que para quem conviva comigo, não entenda muito bem que raios nós fomos fazer ali? No máximo, pode achar que fui para agradar o Luiz.

Pois que fique claro que eu estava louca para ir para lá! Talvez até mais do que ele. Meu corpo e minha mente me pediam aos gritos para estar cercada por um deserto. Era esse tipo de natureza que me aconchegaria naquele momento.

Por que? Nem idéia! Mas já não brigo com meus instintos há muito tempo!

Sei que tenho a sorte de ter uma disciplina do cacete e uma chavinha na testa que ligo e desligo se quero realmente alguma coisa. Portanto, assim que cheguei, virei a tal chavinha e me dispus a tolerar o que viesse e fosse necessário para entender um outro tipo de vida. Acho que aprender é sempre o foco de qualquer experiência, é sua finalidade, e não dá para aprender perdendo tempo com queixas e resistência. Não quer fazer, não faça! Mas se fizer por sua livre escolha, não se queixe.

Eu escolhi estar ali.

Mas vamos à prática, chegamos a Wadi Rum por volta de umas 14 horas. Não estávamos preocupados em chegar na região, já que havíamos passado por sua entrada no caminho para Petra. Entretanto, no próprio website do acampamento, eles alertavam que se imprimisse uma foto do seu portão para comparar quando chegássemos. Porque às vezes, quando se pedia informação, algumas pessoas tentavam te enganar e te levar para outro lugar.

Vamos combinar que não é uma situação das mais tranqüilas do mundo, principalmente, quando você nunca foi por aquelas bandas. Assim que fui prestando uma atenção do caramba!

Não foi difícil encontrar o lugar, ou estávamos tão atentos que parecia que vivíamos ali desde criancinhas! Na porta do local, comparamos com a foto para ver se estava tudo igual e estava. Bom, tem que ser aqui!

Era ali!

Chegamos na recepção ainda na adrenalina da viagem e de querer fazer tudo que fosse possível! O recepcionista e gerente, tranquilamente, quase irritante de tão tranquilo, foi deixando claro que aquele não era o ritmo do lugar. Nos reprogramamos e tudo ficou mais fácil. Na verdade, acho que ele gostou de cara do Luiz, brimo, né?

De qualquer maneira, ali já passamos para ele tudo que queríamos fazer e ele se encarregou de nos agendar nos horários convenientes. Deixamos tudo por sua conta e acho que ele gostou da confiança.

Fomos deixar as coisas no quarto e aproveitar na piscina enquanto nos aguardava a atividade do dia, um passeio de quad, que já explico do que se trata.

Apesar de ver todos os detalhes no website, a gente não tinha certeza do que encontraria por lá. Sabe como são essas coisas, as pessoas costumam colocar as melhores fotos e quando você chega se depara com a realidade é uma tremenda roubada! Mas felizmente, não foi o caso. Eles tinham exatamente o que haviam anunciado. Sem desperdícios, mas sem privações.

Na piscina, conhecemos duas alemãs que viajavam sozinhas. Simpáticas, discretas e fariam um passeio de balão no dia seguinte conosco. Comentamos um pouco sobre os problemas na fronteira, elas também só souberam do atentado em Eilat pelos amigos preocupados que enviavam mensagens. Contamos sobre o que sabíamos, que a fronteira estava aberta, mas talvez fossem um pouco mais rigorosos. Luiz trocou telefone com elas, já que atravessariam um dia antes e poderiam nos enviar uma mensagem avisando se foi tudo bem.

O passeio de quad estava marcado às 17h30, afim de pegarmos o por do sol. Quad é como uma moto de quatro rodas. Eles chamam de Boggie Safari, mas enfim, trata-se de um veículo que anda bem tanto na areia quanto na neve, evita que você atole. Às vezes você atola assim mesmo, mas é mais fácil se locomover.

Havia andado uma vez em um desses na neve, mas fazia anos e nem me lembrava direito. Achei que fosse na garupa do Luiz só curtindo a paisagem, mas eles são individuais. Então, se é o jeito, vou ter que aprender a conduzir… Já fui mais aventureira, hoje em dia, acho que tenho um pouco de preguiça.

Mas encarei e fiquei feliz de haver feito isso, porque me diverti bastante pilotando o tal do quad pelas dunas e em volta das montanhas de pedra. Estávamos em um grupo de umas 8 pessoas e 2 guias, um ia na frente e outro atrás de todo mundo. Valeu, mas a gente ficou com vontade de fazer com menos gente e comendo menos areia. Aconselho quem faça a levar óculos escuros. No dia seguinte, fizemos uma nova excursão, só nós dois e um guia. Aí sim, foi 10! Primeiro porque o trecho foi mais longo, estava mais habituada a conduzir o veículo e mais abusada.

Acho que não passei de 50 km/h, mas a sensação de velocidade é bem maior. Você olhar em volta e não ver nada além de montanhas, pedra e areia é muito bacana! De tempos em tempos a gente dava uma paradinha para tirar uma foto ou conhecer uma gruta. Enquanto você está andando, o calor é bem suportável, porque venta, mas quando a gente para com o sol na cuca é de matar! E aquela história de miragem é verdade, tem horas que você tem certeza que está de cara para um lago que não existe.

Pode parecer besteira, mas te dá uma sensação de liberdade muito gostosa. E assistir o por do sol lá no miolo sem nada a sua volta é show!

O jantar foi cedo, Luiz puxou papo com uma inglesa meio chata da mesa ao lado, que se juntou a nós, mas tudo bem. Também se juntaram as alemãs, que eram mais legais. O sono foi batendo e no dia seguinte, madrugaríamos mais uma vez, assim que logo após a refeição, nos recolhemos.

Ficamos um pouco do lado de fora do quarto sentados olhando para o céu. Deu até vontade de dormir  por ali  mesmo, porque a temperatura essa hora é bem mais agradável.

Não me lembro de ter visto um céu tão estrelado. Se notava claramente a via láctea atravessando de uma ponta a outra e descobri que ela existia mesmo! Já havia estudado a respeito, mas na minha ignorância urbana, não pensei que pudesse ser tão visível! Luiz foi deitar, ainda fiquei um tempinho ouvindo os grilos e olhando para o céu.

Dia seguinte, às 5 da matina estávamos de pé. O gerente do hotel nos fez prometer não perder o sol nascendo de cima de uma colina atrás da piscina. E lá fomos nós escalar o morro para ver o sol nascer!

Eu nem conseguia me lembrar se já havia acordado alguma vez na vida de propósito para ver o sol nascer! Até aconteceu várias vezes de voltar da balada com o sol nascendo, mas não é exatamente a mesma coisa.

Não me arrependi, foi bacana, me fazia cada vez mais parte do contexto, não me sentia uma turista.

Na sequência, ainda bem cedo, pelas 6 e meia da manhã, chegou uma caminhonete que veio nos buscar para a aventura do dia, um passeio de balão!

Olha, não vou tirar onda, estava me borrando de medo de subir naquele treco! Ficava imaginando que tipo de controle rígido do equipamento seria obrigatório no meio do nada na Jordânia! Esse pensamento preconceituoso me fez sentir até vergonha. Quer saber, por que não? Sabe o que a Jordânia produz? O que ela exporta? O país vive de turismo e fosfato, não tem mais nada! Portanto, se passa alguma coisa com turistas, olha o tamanho da encrenca!

Resolvi que esse pensamento era mais razoável. E ainda que não fosse, veja bem, com medo ou sem medo, eu não ia deixar de passear de balão pelo deserto jordão nem morta!

Minha maior preocupação é que me desse alguma vertigem. Porque o medo é controlável, a vertigem tem vida própria, ela decide quando vai aparecer ou não. Vou adiantando que não apareceu!

Fui grudada nas barras de segurança o tempo quase inteiro. Minhas digitais devem ficar cravadas ali para sempre! Esperei o tempo inteiro aquilo balançar e sair de lado, mas isso nunca aconteceu.

O vôo é tão suave que mal sentimos o movimento. O único ruído mais impressionante é da válvula de gás, quando solta aquela labareda para esquentar o ar. O piloto era excelente! Um tchecheno muçulmano que morava em Amman e levava seus balões para passeios pelo país.

A paisagem que já era impressionante desde baixo, de cima é de cair o queixo. Parece que estamos em marte! Por alguns momentos que conseguia relaxar um pouco, a sensação era de paz. Mas na maior parte do tempo, estava era na maior adrenalina mesmo!

O pouso foi tão suave quanto a decolagem e o vôo. Enquanto se desmontava toda a parafernália, o piloto nos ofereceu um café com biscoitos, afinal, estávamos em jejum. Muito amável e generoso da parte dele, que por causa do Ramadán, continuaria em jejum até às 19:30 horas.

Voltamos para o acampamento e morgamos um pouco na piscina. A gente não sabia se teria almoço ou não. Exatamente, por causa do Ramadán, onde só se come antes do sol sair e depois do sol se por. Eu já tinha entubado que ia ficar com fome, comi uma barrinha de cereal e me dei por satisfeita. Até que descobrimos que sim, o restaurante do acampamento estava funcionando normalmente. O que? Em 30 segundos fui do satisfeita a faminta! Engraçado o que é a expectativa, né?

No meio da tarde, como contei, foi nosso segundo passeio de quad. Dessa vez, só nós e o guia. Acho curioso quando revejo as fotos e noto que até minha postura havia mudado. A cada momento encarávamos um desafio novo. Podia ser nada demais e certamente nada desagradável, mas o fato é que ao cumpri-lo me sentia bem, mais forte.

Bacana também estar experimentando essas coisas junto com Luiz. É legal quando conseguimos compartilhar uma atividade ou situação. Estamos juntos há muitos anos, mas seguimos com nossas tarefas individuais, o que não é ruim. Mas acho que esses momentos fortalecem os laços de maneira positiva e divertida. No mínimo, muda o assunto! O mais importante é a possibilidade de conseguir falar de sentimentos e sensações com quem entende, afinal, mesmo com alguma interpretação diferente, vivemos a mesma experiência.

Nossa estadia chegava ao fim e com ela, nossa última atividade programada, ir de jeep para o coração do deserto, assistir o por do sol. Todos tão iguais e tão diferentes ao mesmo tempo!

Outro guia nos buscou no acampamento. Simpático, falante e orgulhosíssimo de sua terra. Era até bonito de se escutar. Nativo na própria região, tinha uma fazenda de cavalos. Falava de seus animais como um verdadeiro chefe de matilha. Se embrenhava pelas montanhas e dunas com conhecimento exato de onde estava indo, ou pelo menos, essa era a imagem que passava.

Reclamava da maneira capitalista com que as pessoas andavam se comportando por aqueles dias. Mas me pareceu interessante que ele não culpava os turistas e sim os próprios moradores, gente que já não se importava tanto com a região como antes, agora o que todo mundo queria era mais e mais dinheiro. E para que? Eles não precisavam desse desenvolvimento todo, já tinham o mais rico, o deserto! Dizia que ele nunca seria capaz de viver em uma cidade e contava que sentia falta de dormir ao ar livre, como fazia com seu pai.

Se queixava do mundo árabe, que parecia muito unido e de certa forma, sim que o era em relação aos seus inimigos. Mas que entre si, de unidos não havia nada, era cada um cuidando dos seus interesses. Outra vez, no fim das contas, o que se buscava era o dinheiro.

Mas não eram só reclamações, como disse antes, estava muito orgulhoso da sua região e se sentia feliz pela nossa empolgação e respeito pelo local. Explicou o significado do termo Wadi Rum, wadi é vale e rum é gigante, alto, elevado.

Falava um bom inglês, dizia que seu pai aos 80 anos falava ainda melhor. Aprendeu sozinho, como boa parte dos outros moradores. Aliás, fiquei impressionada com a quantidade de gente que falava inglês, desde os meninos ainda pequenos aos adultos. Acontece que, considerando a importância do turismo para o país, falar inglês muitas vezes significa comer.

Contava bastante sobre Lawrence da Arábia, segundo ele, a família do seu pai o conheceu pessoalmente. Para quem não conhece, foi um oficial britânico e escritor que encontrou essa região e se encantou por ela. A visitou em diversas ocasiões entre 1916 e 1917. Em 1962, Wadi Rum serviu de cenário para o filme de David Lean sobre essa história. Fiquei até com vontade de assistir o filme agora.

Enfim, a medida que o sol se punha, a energia do nosso guia também se esgotava. Levava em jejum desde às 4 e meia da manhã e faltava alguns minutos para poder comer e se hidratar.

Assistimos sossegados ao por do sol, completando o ciclo do dia.

A volta para o acampamento foi feita na velocidade da luz! Acho que a fome e a sede devem ter apertado, coitado!

Chegamos e o restaurante do acampamento estava cheio do pessoal local, era uma celebração de Ramadán. Luiz ficou na dúvida se poderíamos nos misturar ou deveríamos esperar acabar. O problema é que minha fome foi apertando também e não via nada demais!

Então, para fazer uma horinha, subimos a colina outra vez, a mesma que vimos o sol nascer e esperamos a noite chegar.

Quando a fome apertou de verdade, Luiz foi perguntar ao gerente do hotel se já poderíamos jantar e ele foi bem simpático dizendo que claro que sim! A hora que quiséssemos!

Ficamos no nosso canto afim de não perturbar nem invadir a privacidade de ninguém. E nos surpreendeu que ao final da refeição, o grupo de locais que estava celebrando o Ramadán nos enviara um prato cheio de doces. Muito amável e gentil, mas não sabíamos como agradecer.

O gerente se juntou à nossa mesa por um momento e começou a conversar como se fôssemos amigos há anos. Perguntamos a ele o que deveríamos fazer, afinal queríamos agradecer da maneira correta. Ele simplesmente nos respondeu que deveríamos ignorá-los. Eles cumpriram com a generosidade implícita ao Ramadán, mas isso não queria dizer que deveríamos estabelecer contato. Assim estaríamos todos à vontade. Então tá, se ele disse que é assim, a gente ignora, né?

Daí, ele começou a contar que um antigo amor seu que acabou mal estava justamente ali no restaurante. Eles foram namorados, terminaram e ela se casou com outro. Ele também se casou com outra. Ambos estavam agora divorciados e ela apareceu assim sem mais nem menos ali no acampamento para tentar uma reconciliação. Mas ele ainda estava muito magoado, olha a novela!

Senti que o olhar do Luiz começava a exprimir certo desespero, ele fica nervoso quando prevê esse tipo de confissão ou aproximação, eu, pelo contrário, fico louca para saber os detalhes. Ele resmunga em português entre os dentes, e não é que as pessoas te contam a vida mesmo? Respondo, sempre amor, estou até acostumada! Enfim, antes do Luiz entrar em completo pânico, dei um jeito de encerrar a conversação e fomos para o quarto. Uma pena, porque tinha mais um milhão de perguntas para fazer e acho que o gerente parecia irredutível porque estava com dor de cotovelo, mas ainda gostava dela.

No dia seguinte, acordamos pela manhã, tomamos nosso café com calma e chegava ao fim nossa aventura em Wadi Rum.

Lógico que não me aguentei e perguntei ao gerente, que também estava doido para contar, se ele havia conversado com a ex-namorada. Disse que saíram para um passeio a pé e parece que ficaram até às 4 da manhã conversando, esclarecendo as coisas, mas ele seguia irredutível, porque dizia que a culpa não havia sido dele. Deu vontade de dizer, deixa de ser bobo, estão você e ela divorciados mesmo! Vai aproveitar! Mas fiquei na minha, nos despedimos e seguimos viagem.

Próximo à saída do acampamento, vi um círculo de embalagens de papelão, o mesmo tipo que eles usam para as velas de iluminação. E supus que deva ter sido o cenário da conversa. Será que não rolou nada mesmo, hein? Bom, mas não tenho nada com isso.

Minha cabeça logo se dispersou e tentei entender aquela sensação no peito. Hora de ir embora.

Sabia que ia gostar de lá, mas não imaginava que seria capaz de me sentir tão à vontade. Não digo que quisesse viver assim e não faço apologia da pobreza, só acho que quando cheguei ali, ao olhar toda aquela falta de tudo e um ambiente totalmente árido e inóspito, me parecia impossível que alguém pudesse viver dessa maneira! Ou melhor, não apenas sobreviver, mas ser feliz, ter momentos de prazer.

Fui embora outra pessoa, mais uma vez. Sim, eu seria capaz de viver assim. Novamente, não é minha opção e seria difícil, mas me vi capaz. E gostei de saber que seria capaz, dá uma sensação de poder, de rompimento de novos limites.

Entendi que dentro daquela vida bastante austera, havia momentos de puro prazer pelo simples fato de estar a céu aberto. O céu é grátis!

É que às vezes eu preciso ir muito longe para ver o que tenho tão perto.

Petra

Chegamos em Petra por volta das 17 horas, não lembro exatamente, mas foi nessa ordem de grandeza. A estrada estava bem sinalizada e não tivemos maiores problemas. Um pouco de atenção e um mapa foi o suficiente. Na entrada da cidade, pedimos informação na recepção de um hotel e para um policial na rua, ambos prestativos, e chegamos bem.

Nos hospedamos no hotel Movenpick, há dois hotéis dessa mesma cadeia, ficamos no que é praticamente ao lado do Parque Nacional que abriga o centro histórico de Petra. Excelente opção!

É assim, existe a cidade em si e um local de visitação que abriga o que seria a antiga Petra e seus monumentos. Essa antiga Petra fica dentro de um Parque Natural, que abre suas portas às 6 da manhã e fecha às 18 horas (no inverno às 17 horas).

Portanto, imaginamos que pelo horário de chegada, nossa visita ficaria para o dia seguinte. Acontece que logo na recepção nos perguntaram se queríamos fazer uma visita noturna. Veja bem, macaco quer banana? Claro que sim! Fiquei empolgadíssima em saber da possibilidade!

Deixamos nossas entradas compradas e deveríamos comparecer com elas no portão principal desse parque, acho que às 20 horas ou algo assim. Saímos com mais antecedência que o necessário, pois ainda não sabíamos o quão perto estávamos e, portanto, chegamos cedo ao local. Não me importei, assim já fomos entrando no clima e descobrindo onde era o que.

Petra foi reconhecida em 2007 como uma das novas 7 maravilhas do mundo. Seguramente, é o destino mais cobiçado da Jordânia. Mas acho que ficou realmente conhecida, ou pelo menos mais popular, após o filme do Indiana Jones e a Última Cruzada. Aliás, o filme foi providencial para o desenvolvimento do turismo na cidade, até hoje tem cartazes do “Indiana” na entrada e se vendem chapéus a seu estilo.

Na antiguidade, Petra foi habitada pelos edomitas, um povo semita assentado entre o golfo de Aqaba e o Mar Morto, em torno do século XIII a.C. O antigo testamento os chama de filhos de Esaú. Foram eles quem impediram que os israelenses cruzassem seu território para chegar à Terra Prometida. O que provocou uma guerra quando, ameaçados pelos povos nômades, os edomitas se expandiram em direção ao ocidente. Durante o reinado de David, os israelenses conseguiram se impor e se apoderaram do teritório de Edom. Após a morte de Salomão, aproveitaram a debilidade dos inimigos, cujo reino estava dividido e recobraram sua independência. O soberano do reino de Judá se apoderou de Sela, a capital bíblica de Edom. Sela deve ser a origem do nome de Petra, porque em grego significa pedra.

A história segue por aí e se pode pesquisar mais a seu respeito com meia dúzia de cliques pelo Google.

O fato é que traz uma enorme emoção caminhar pelas rotas das antigas caravanas de mercadores e passar por entre as frestas de pedra impressionantemente altas até dar de cara com o Khaznah. Em seguida, o caminho se abre a centenas de tumbas, templos, aquedutos, teatro, locais de culto, enfim, uma infinidade de construções incrustradas nas pedras e te faz viajar no tempo e no espaço.

Mas vamos por partes.

Chegamos cedo ao local da visita, se não fomos os primeiros, estávamos entre eles. De maneira que nos posicionamos bem no início do trajeto. Aos poucos as pessoas e os grupos foram chegando, muitos italianos. Acredito que haveria por volta de uma centena de pessoas.

Um guia de turbante xadrez vermelho, típico da região da Jordânia (cada cor e amarração de turbante define sua procedência dentro do mundo árabe) tomou a liderança quase que em silêncio e o seguimos de bem perto. Como éramos os primeiros da fila, foi bacana poder ter o impacto de ver o caminho se abrindo, sem aquela quantidade de gente na frente.

O trajeto noturno não é completo, é de aproximadamente uns 3 km até o Khaznah, feito com a exclusiva iluminação de velas, dentro de sacos de papel pardo. Dava um ar de procissão, mas sem estar atrelado a uma religião. Até porque, nesse caso, o “sacerdote” ia na frente de turbante xadrez e um cigarro na mão. Fiz o possível para ignorar o fedor do cigarro, porque não queria perder a pole position!

Agora, imagina entrar em Petra a pé, tendo como trilha sonora apenas as passadas de uma centena de pessoas pisando na areia, praticamente em silêncio e aninhada entre a luz das velas. Era praticamente um ritual mágico. Quando você começa a se emaranhar por entre pedras gigantescas intercaladas por frestas verticais parece estar saindo de um útero gigante! É tudo fora de proporções humanas, mas ao mesmo tempo é aconchegante. A temperatura já é fresca, mas em determinados pontos ainda se sente o calor emanando da pedra, energia viva. É uma emoção que nem tenho com o que comparar, porque não me lembro de sentir outra força da natureza tão brutal, dá vontade de chorar!  Sério, acho que nunca visitei um lugar onde minha mandíbula inferior  estivesse tão frouxa! Porque me peguei diversas vezes literalmente com a boca aberta admirada e era absolutamente espontâneo!

Até que se deparando com uma ranhura enorme, você percebe que chegou ao Khaznah. Como se fosse um espaço secreto bem mais amplo acabando de revelar-se.

Al-Khaznah é o monumento mais famoso de Petra, muita gente inclusive pensa que é o único, mas é só o mais conhecido. E concordo, que o mais impressionante. Mas enfim, em frente a ele também iluminaram com centenas de velas e nos puseram sentados em tapetes no próprio solo de areia. Estávamos entre os primeiros a chegar, portanto, sentamos logo na primeira fila e aguardamos a que todo grupo chegasse à sua velocidade. Nos foi pedido para manter silêncio, o que traz um ar ainda mais mágico. Enquanto você espera, um rapazinho vem com uma incomensurável bandeja e serve chá a todos.

Sim, tomei sem um pingo de frescura. Imagina, com tamanha cortesia nunca iria negar! Sabe quanto a água é importante em um lugar assim? E estava ótimo, a propósito. Vale dizer que não tivemos nenhum problema com alimentação nem bebida.

Quando todos estão sentados e acomodados, o guia do turbante xadrez, que até então é um cidadão magrelo, sem graça, que você não dá nada e acha que nem deve saber falar direito, pois muito bem, esse nativo se posiciona frente ao monumento, entre as velas, e começa a disparar um discurso com a eloqüência de um presidente de multinacional! E em inglês perfeito!

Ele agradeceu a todos, falou um pouco do lugar e apresentou as duas seguintes atrações musicais, uma flauta e um instrumento que não consegui enxergar direito pela falta de luz, mas o som me lembrava uma gaita de foles misturada com cordas, era algo exótico. Segundo o guia, o instrumento mais antigo do mundo, mas acho que isso ele falou só para impressionar.

De qualquer maneira, a música ali naquele momento foi muito bem vinda. Chegou junto a um gato filhote que se roçava entre nós e outros visitantes, na esperança de ganhar comida e algo de carinho.

O concerto acabou e fomos liberados para voltar em nossa velocidade, era só seguir a rota das velas.

Nossa volta foi bem menos mágica que a ida. Estávamos famintos e tínhamos a esperança de encontrar o restaurante do hotel aberto! Voltamos voando baixo, ainda bem que a experiência com caminhadas ajuda bastante. Mesmo assim, foi bacana, só um pouco corrido.

Chegamos no restaurante nos minutos finais, suando e com aquela cara de desespero e o maître foi gentil conosco. Afinal, com meu habib marido, ele não ia se negar a servir um conterrâneo, né? Também facilitamos e escolhemos rápido, a gente já sabia o que queria, churrasco árabe! Uma mistura de espetinhos de frango, cordeiro e kafta, que seguiu uma entrada cheia de pratinhos (hummus, tajine, charuto de folha de uva, tabule…). Uma delícia!

A noite acabou por aí! Balada não é exatamente o forte dessa região. O que se aproveita é o dia. Acordamos sempre muito cedo, no esquema 6 da matina, mesmo! Nem era difícil, porque essa hora o sol já está a pino! E por incrível que pareça, acordava mais fácil que o Luiz! Acho que em 18 anos que a gente se conhece, esse é um fato sem precedentes! Definitivamente, essa viagem me quebrou paradigmas como um todo! Acho que sou uma nova mulher!

Portanto, no dia seguinte, mal saiu o sol e já estávamos a postos! O dia, aliás, como todos os outros, prometia ser longo.

Tomamos um bom café da manhã e seguimos para o parque histórico.

Logo na entrada, você deve tomar uma decisão: caminhar ou montar em um animal. É possível ver tudo caminhando, na minha opinião, é a melhor maneira, porque você não perde nenhum detalhe, vai para onde bem entende e na sua velocidade. Entretanto, não vou dourar a pílula, é pauleira! Meu preparo físico é bom, meus sapatos eram adequados e foi dureza! Não me arrependi e vale considerar que quisemos ver tudo em um só dia, poderia ser mais ameno se dividido em dois dias. Enfim, resumindo, é possível, mas é bom saber onde está se metendo.

Tem gente que não aguenta e para essas pessoas há algumas opções. A mais completa é o burro, porque chega em todos os lugares e há uma série de subidas. O cavalo vai bem, mas não tenho certeza se chega ao topo do local alto de sacrifício (a subida mais alta do passeio). E tem a charrete que só vai até o Khaznah. Lá dentro, também se pode passear um pouco de camelo, mas em trechos menores.

Portanto, para quem está com criança pequena ou tem alguma dificuldade de locomoção, acho selvagem! Idosos eu nem digo, porque depois do Caminho de Santiago, já vi que tem coroas que dão de mil a zero na garotada em termos de resistência. Mas tem que ter preparo.

Dito isso, seguimos em frente. Eu disposta a caminhar e Luiz buzinando no meu ouvido que queria uma carona equina! Sinto muito, mas não vou nem morta! Meu negócio é pé no chão!

Muito bem, era difícil competir com o impacto que o lugar nos causou na noite anterior e sabíamos disso. Ainda assim, foi impactante. Porque é certo que durante o dia não há todo aquele tom de mistério, acontece que por outro lado, se revelam  milhões de detalhes, a grandeza e novamente a força da natureza local.

É engraçado porque o principal momento da visita é quando você chega ao Khaznah, ou pelo menos, é o que está no imaginário de boa parte das pessoas. Acontece que estamos acostumados a ter um “grand finale” e, nesse caso, o auge em teoria, está praticamente no começo do trajeto. Então, melhor guardar energia, porque ainda tem coisa pacas para ver!

O problema é que a gente esquece de tudo isso quando vê aquela fenda se abrindo e um monumento cravado em pedra cor de rosa começa a aparecer como em um sonho!

Al-Khaznah, ou tesouro do faraó, deve seu nome a uma antiga lenda de que um faraó havia ocultado ouro na parte superior do “tholos”. Até hoje há marcas de disparos feitos pelos beduínos, que acreditando no conto, tentaram  se apoderar do tesouro. A coloração da pedra pode alterar de cor de acordo com a iluminação do sol, mas é predominantemente rosa.

Aliás, essa é uma característica a ser observada em todo o trajeto, as cores das pedras são bastante interessantes. Há infinitas tonalidades de rosa, vermelho, azul, verde… muito bacana!

Depois de ficar algum tempo meio embasbacados olhando e fotografando esse monumento, a gente segue o caminho e descobre que o lugar é enorme!

A quantidade de tumbas esculpidas é gigantesca. No começo, você aponta uma a uma como se tivesse descoberto algo que ninguém notou, fotografa e tal. Na segunda centena, você só pensa: outro buraco? Vai ter defunto assim lá longe!

Bom, não são todos tumbas e, até hoje, mora gente em alguns desses buracos. Não digo dentro da rota turística, mas aquilo é muito grande. Por exemplo, houve um momento que vimos um cachorro dar uma corrida em um par de turistas que saíram um pouco da rota e foram fazer não sei o que perto de uma dessas grutas. Assim que os turistas voltaram para o caminho, o cachorro parou de os perseguir. Ou seja, era absolutamente territorial, ele morava ali com certeza. E outras vezes me dava a sensação de estar sendo observada. Com o tempo você vai habituando seu olhar e distinguindo o mimetismo de coisas que parecem uma só: pedra.

Mas voltamos aos principais pontos do trajeto, acho que depois do Khaznah, o ponto (literalmente) mais elevado do trajeto é o local alto de sacrifício. Não se iluda, a subida para Al-Madhbah, nas indicações High Place, não é só uma maneira de dizer, é alto para cassilda mesmo! Está muito bem conservado e a vista lá de cima é impressionante!

Sempre tem alguém lá embaixo te oferecendo para subir de burro. É uma opção, mas não para mim.

Os degraus estão razoavelmente bem conservados, a maioria do percurso é bem viável, apesar de bastante cansativo. Entretanto, há alguns trechos que você sobe quase de quatro e se pergunta porque se meter nessas encrencas mesmo, hein? E em algumas das quinas agradeci ferozmente estar sobre meus próprios pés, porque se estivesse sobre um burro, minha vertigem me atacaria. Mas eu tenho vertigem com frequência, para quem não tem, não deixa de ser uma ajuda bem-vinda.

Na verdade, uma ou outra vez achei que a tal vertigem pudesse me empacar, mas pensava logo, agora não, afastava a possibilidade da cabeça e seguia. Foi bem melhor do que de costume.

Pequeno detalhe, não sei se já falei que devia estar uns 40 graus na nossa cuca!

Até que chegamos ao topo! É de tirar o fôlego, ou foi a subida que o tirou?

Havia um vendedor nômade justo nesse ponto mais alto. Você os encontra o tempo inteiro. Começamos a olhar em volta a paisagem e ele foi espontaneamente contando toda a história para a gente e mostrando em volta o que era cada coisa, como um guia.

Luiz me falou entre os dentes, agora acho que a gente vai ter que comprar alguma coisa, né? Nem que seja por educação! Ele não nos forçou a nada, mostrou o que estava vendendo, mas sem assédio, o que nos deu mais vontade de colaborar. Luiz comprou umas moedas romanas antiquíssimas e, com certeza, falsas. Tudo bem, valeu pela explicação de onde estávamos.

Levei um guia por escrito, para ter uma idéia do que estávamos fazendo, mas uma orientação local é sempre bem recebida.

Resolvemos explorar um pouco a área e aproveitar para respirar, afinal ainda faltava coisa para ver. Sentei em uma beirada e Luiz foi se aventurar pelas pedras.

Logo que Luiz se misturou com a paisagem, surgiu uma nômade tocando uma flauta. Fiquei com vontade de fotografá-la, mas não queria invadir a privacidade de ninguém, assim que fui disfarçadamente fotografando tudo em volta e, por acaso, ela estava no contexto.

Acontece que assim que me avistou veio em minha direção e começou a puxar o maior papo. Queria usar a câmera fotográfica, me fotografar, pediu para tirar foto dela, me deu uma pedra, falou que viu Luiz, perguntou se era meu marido, se ele era um bom marido, enfim, até que me fez companhia.

Daí Luiz chegou e assim que isso aconteceu, o discurso assumiu tom choroso e ela começou a contar que o marido morreu, que tinha filhos, se ele não podia dar 1 dinar para ela, essas coisas. Luiz falou que não tinha, com educação, e ela também não insistiu nem foi grosseira. Tentou, mas se não rolou… Pediu se pelo menos ele tirava uma foto minha com ela e ele tirou.

Ela saiu e foi conversar com o primeiro vendedor nômade, nós ficamos um pouquinho por ali, mas decidimos seguir viagem! Passamos pelos dois, que nos informaram por onde se descia da montanha, pelo outro lado, afim de fazer a rota completa.

No caminho, sentamos para tomar um pouco de água e sombra. Porque dali para frente, se notava que seguiríamos um bom pedaço só embaixo de sol. A manhã estava no fim e o dia havia esquentado um bocado!

Felizmente, eu tinha na pele camadas e camadas de protetor fator 50, além de um bonezinho que lembrava uma caçadora de borboletas, mas bastante eficiente para proteger rosto e pescoço. Fiquei com vontade de usar aqueles lenços enrolados na cabeça, pareciam bastante eficientes, além de bonitos. Mas isso ficaria para depois.

Sentados na barraca, escutamos dois talvez americanos grandões conversando, algo como: não quero saber, não subo mais nem um metro! Chega! Nos metemos na conversa para avisar que eles já tinham chegado, era andar mais uns 50 metros não íngrimes e era o local alto de sacrifício! Eles se alegraram agradeceram, e nós seguimos nosso caminho, dessa vez para baixo.

O fato de ser para baixo amenizou, mas não deixou nada fácil. Andamos pacas e ainda havia umas placas no caminho dizendo que se você saísse do trajeto oficial estaria por sua conta e risco. Considerando que nem sempre tínhamos certeza se estávamos na rota certa, bastante tranquilizador, não?

Imagino que quando há uma quantidade grande de turistas, não seja um problema achar o caminho certo. Mas estávamos em pleno verão e época de Ramadán, é temporada baixa, tinha pouca gente. Bom que não disputávamos espaço com ninguém, mas também não tínhamos quem seguir.

O cansaço foi minando as energias e me deixando mais irritada, até que finalmente, chegamos na base da subida ao Templo Grande. Ali se encontra um bom restaurante, banheiros, enfim, um oásis!

Os banheiros estavam surpreendentemente limpos, ótimas condições. Acho que os céus me recompensaram por não me aliviar em alguma tumba mais discreta pelo caminho. O restaurante era grande e com boa aparência. Sem ser um luxo, mas considerando onde estávamos, bem melhor do que imaginava! Resolvemos então, parar e almoçar direito.

O ar condicionado foi mudando o estado de espírito e descansando o corpo. Achei que estava recuperada e pronta para seguir com toda corda.

Mas quando você sai e aquele calor te bate na cara novamente, dá um minuto de desespero!

Luiz queria subir ao Templo Grande, eu já tinha visto pedra e gruta para os próximos 50 anos! Acho que já estava delirando! Enfim, estou aqui, então vamos. Chegamos na beiradinha da subida, com 10 pessoas em volta oferecendo burros, Luiz querendo pegar um burro. Eu já disse que não vou no burro! Vai você de burro e eu fico aqui embaixo no restaurante esperando! Não tem problema nenhum, eu espero, demora o que você quiser! Mas sozinho ele também não queria ir nem a pau! Então, vamos a pé outra vez!

Acontece que na entrada há uma placa recomendando fortemente que você vá com um guia ou há o risco de se perder! Pronto, aviso divino, chega! Parecia os dois americanos lá de cima, não subo mais um metro!

Desistimos e resolvemos seguir pela cidade baixa mesmo. Ainda tinha um monte de construções para ver. E não me arrependi!

Realmente, ainda havia bastante coisa para ver. A gente passou por uma avenida com grandes colunas e logo voltamos a base da subida para o alto do sacrifício, pelo outro lado. Ali há o antigo teatro e outras milhões de tumbas, grutas e monumentos.

Aos poucos, fomos reconhecendo o caminho de volta e não vou negar que foi um alívio rever o Khaznah e me imaginar em breve na piscina do hotel!

Não estou reclamando do lugar, que fique bem claro! Achei o máximo e acho que deu para perceber, né? Simplesmente, a gente estava caminhando há mais de 7 horas embaixo de um sol escaldante! Tem um momento que o corpo pede arrego!

Logo na saída do parque, tem umas tendas que vendem uma série de produtos locais. Assim que a gente passou por uma delas, Luiz disse que já estava pronto para comprar um lenço da Jordânia. Estava louca por um também, mas não sabia como amarrá-lo direito.

Problema nenhum para o vendedor, que sabia dar todos os nós do mundo com lenços femininos ou masculinos! E, louco para vender, teve a maior boa vontade em me explicar diante do espelho. Já saímos de lá fantasiados! Espírito nômade totalmente incorporado!

Claro que, ao chegar no hotel, todo mundo voltou a falar em árabe com Luiz! Que por sua vez, ficou de má vontade em usar o turbante, resolveu que só ia usar no pescoço.

_ Melhor mesmo, porque se você andar com essa cabeça amarrada como eles por aí, eu vou te perder! Tudo igual!

Aproveitamos o finalzinho da tarde na piscina e Luiz começou a receber recados de amigos perguntando se estávamos bem, porque havia acontecido algum tipo de atentado. Para ser sincera, a gente nem deu muita bola no início, pensamos que alguma granada deveria ter explodido na Faixa de Gaza e neguinho acha que é aqui do lado, deixa para lá!

Mas logo os recados começaram a se multiplicar e a gente achou melhor se informar. No quarto, um pouco mais tarde, deixamos a TV ligada na CNN e vimos do que se tratara. Na fronteira de Eilat com o o Egito, justo no dia seguinte que passamos, haviam atacado um ônibus de turistas.

_ Ops! Foi perto mesmo, que bom que a gente já passou, né?

Luiz e seu lado cavaleiro do apocalipse já começou a dramatizar, dizendo que iam fechar as fronteiras e blá blá blá…

Falei para ele não viajar na maionese antes do tempo, quer saber, liga para o nosso amigo israelense, que a essa altura se tornou nosso oráculo da viagem, e pergunta para ele. Melhor do que ficar se descabelando à toa.

Nosso amigo foi se informar e nos disse que a fronteira entre Jordânia e Israel, via Eilat, estava aberta. Poderiam estar mais rigorosos em relação à segurança, mas não tínhamos nada a esconder. Além do mais, o tal ônibus de turistas não era exatamente só de turistas, parece que na sua maioria eram militares israelenses a paisano, segundo a versão oficial, de férias.

Eu me fixei na informação: a fronteira segue aberta e acabou! Uma coisa de cada vez e ainda faltavam alguns dias para a gente atravessar de volta.

Nesse dia, jantamos com calma e comemos bem, como de costume. Sem exageros, comida saudável, mas admito que começava a se tornar um pouco repetitiva.

Dia seguinte, acordamos sem pressa e fizemos um pouco de hora para tomar o café da manhã mais tarde e reforçado. Sairíamos pouco antes da hora do almoço, sem saber quando e como seria a próxima refeição.

A essa altura, tinha incorporado totalmente o deserto nas veias, já saí coberta pela minha pashmina enrolada na cabeça, como se fosse assim desde criancinha! Além de útil, fala sério, não é um charme? Principalmente, porque a Jordânia é razoavelmente liberal, a rainha, por exemplo, não usa o véu. Portanto, nem estava usando porque era obrigada, foi porque gostei mesmo. Muito mais elegante que meu boné de caçar borboletas!

Luiz não quis enrolar seu turbante, deixou pelo pescoço mesmo, o que não impediu que o recepcionista se despedisse dele em árabe, lógico!

Muito bem, próximo destino: Wadi Rum! Só faltava a gente lembrar como saia da cidade…

O que era um pouquinho mais enrolado do que parece. Abrimos a janela para pedir informação a um taxi, cujo o motorista mais do que prontamente falou, me segue! Ligou o motor e nem se preocupou com a nossa resposta.

Bom, segue ele, ué! No final ele deve te cobrar a corrida, afinal, a gente está meio escaldado a esperar que sempre queiram nos arrancar dinheiro de alguma forma, mas fazer o que, pelo menos a gente não se perdia.

Ele se embrenhou por aqui, por ali e a gente atrás. Daí ele parou o carro, saltou e disse que era só a gente seguir reto.

Luiz agradeceu e perguntou quanto lhe devia pelo trajeto. No que ele riu, gesticulando, nada, imagina! Eu moro aqui em frente e já vinha para casa mesmo…

Pagamos apenas com nossas línguas, ele fez na maior boa vontade!

Perguntamos onde poderíamos abastecer no caminho e ele recomendou que, nesse caso, melhor voltar e abastecer em Petra mesmo, porque o próximo posto estaria meio distante. Nos disse mais ou menos como fazer e lá fomos nós.

A gente se enrolou um pouquinho, achávamos que estávamos certos, mas meio inseguros. Quando a gente vê, o taxi atrás da gente outra vez, ué, vocês se perderam? A gente riu e disse que um pouco. Ele confirmou que estávamos certos dessa vez e era por ali mesmo, logo após a mesquita, à direita.

Beleza, agradecemos outra vez e seguimos. Passamos em frente a uma mesquita bem na hora da oração, você escuta do lado de fora. O que provocou um certo engarrafamento na sua frente, cheio de gente estacionado em fila dupla, mas enfim, passamos.

Chegamos no posto e estava fechado, deserto, parecendo esses postos de filme americano no meio do nada!

Bom, se o taxista mandou a gente para cá, o posto deve estar funcionando. A pessoa deve ter saído. Pela proximidade da mesquita, deduzimos que estaria rezando. O jeito era esperar a reza acabar e ver se aparecia alguém.

Nisso para uma caminhonete e faz sinal para a gente perguntando se estava fechado, o que a gente confirmou. Ele gesticula e chama Luiz para avisar que mais a frente há outro posto maior que talvez estivesse aberto. E fez igual ao motorista de taxi, me segue!

Não conversamos, subimos rápido no carro e seguimos o segundo estranho do dia! Luiz se perguntando porque acreditava nessas pessoas assim do nada e eu dizendo que a experiência anterior havia sido positiva. Isso deve ser normal por aqui, né?

O segundo posto também estava fechado, mas pelo menos era maior e havia sombra para a gente esperar. O rapazinho da caminhonete que seguimos saltou e explicou que realmente era hora de alguma oração. Olhei para o seu rosto e reconheci: você trabalha no hotel! A gente estava lá, mas seguimos agora para Wadi Rum.

Ele sorriu parecendo satisfeito em ser reconhecido: isso, eu fritei os ovos hoje de manhã para vocês! Também se lembrava de nós, perguntou de onde éramos. Quando falamos que éramos brasileiros, ele disse que éramos bem-vindos e que ele precisava ir, voltaria em outro momento. Mas podem esperar tranqüilos aqui porque virá alguém.

Sem outra alternativa, ficamos esperando por ali. Um pouco surreal você estar em um posto de gasolina na estrada, esperando uma oração acabar. E roubo não deve ser um problema por aquelas bandas, porque o celular, provavelmente do atendente, ficou ali sobre o parapeito de uma janela, tocando inutilmente.

Chegou mais um carro, o motorista puxou papo comigo perguntando sobre o posto. Eu disse que acreditava que era hora da oração e estávamos esperando. Ele fez aquela cara de, ah é, esqueci! Falei que deveria ser mais uns cinco minutos, ele olhou seu relógio, fez cara de quem estava calculando e me respondeu que faltava uns vinte.

Perto do tempo que ele profetizou, começaram a chegar outros carros e movimentar o lugar. Chegaram junto com o atendente do posto, que rapidamente fez a fila andar.

Ufa! Finalmente, pudemos seguir para Wadi Rum, com tanque de gasolina cheio e garrafas de água, por via das dúvidas.

Na fronteira entre Israel e Jordânia, de Tel Aviv a Petra

Turista é um saco! Vamos combinar, a gente está muito menos preocupado com os problemas político ideológicos de cada lugar, a prioridade é a logística! Feio de dizer, mas é a verdade.

De maneiras que nosso interesse principal ao começar a preparar nossa viagem era Israel, sem deixar de ir a Jerusalém. Daí a gente começou a olhar o mapa e me dei conta que estávamos muito perto de Petra, outro local que era louca para conhecer.

_ Ah, Luiz, eu quero porque quero ir a Petra também!

No meu carácter prático feminino: a gente pega um carro em Israel, vai dirigindo até a Jordânia e no caminho para Petra ainda dá uma paradinha no Mar Morto!

Ele me olha com aquele jeito de ai-meu-santo, Bi, tem estradas por ali que a gente não pode andar e ainda por cima com um carro emplacado em Israel!

_ E se a gente for de avião?

_ Não existe vôo conectando Israel com países árabes! A maioria nem o reconhece como Estado, lembra?

Ops! Foi quando me toquei de onde estava me metendo, juro que havia esquecido completamente de todos os conflitos dessa região!

Bom, não é possível! Deve ter um monte de turistas tentando aproveitar a viagem e esticando até Petra. Pergunta ao nosso amigo israelense, ele deve saber!

E lá foi Luiz perguntar para o amigo dele, que nos informou que naquele momento (sim, essas coisas mudam a qualquer momento) o relacionamento entre Israel e Jordânia estava bom. Não deveríamos ter problemas se cruzássemos a fronteira entre Eilat, do lado israelense e Aqaba, do lado jordão.

E isso não seria perigoso? Veja bem, viver é meio perigoso! Mas aparentemente, não deveríamos encontrar maiores riscos.

No início, me preocupou um pouco, depois entubei que nada ia nos acontecer e acreditar que está protegido é o melhor amuleto que alguém pode levar.

Então, o trajeto era o seguinte: avião de Tel Aviv até Eilat; pegar um taxi até a fronteira; atravessar a fronteira a pé; pegar um carro alugado do lado de Aqaba e dirigir até Petra. Só isso! Simples, né?

Alguém parou para pensar na quantidade de encrencas que poderíamos nos meter? Luiz sim, eu não! E vou adiantando que deu tudo absolutamente certo, redondinho! Mas quem quiser saber os detalhes, sigo contando.

Nosso vôo em Tel Aviv saía pelas 11 da manhã em um aeroporto relativamente próximo ao hotel, como se fosse um Santos Dumont ou Congonhas, inclusive bem menor. Tivemos tempo de tomar café da manhã com calma e arrumar as malas. Uma maleta de mão para cada um, viajamos bem leves.

No aeroporto, todo aquele esquema de segurança outra vez! Tudo bem. Esperando pelo vôo, pela quantidade de gente, percebi que seria avião pequeno. Putz, balança pacas!

No ônibus que levava ao avião, reparei em um soldado viajando fardado com rosto de quem tinha uns 14 anos! Legalmente, ele não podia ter isso, mas parecia um menino que me lembrava mais um escoteiro.

Muito bem, já falei que todo mundo ali tem uma penca de filhos, né? De maneira que mais da metade do vôo era de crianças, sério! O pessoal ainda sentando e aquela algazarra infantil.

O avião decola naquele esquema albatroz balançante e as mães e pais, para distrair as crianças, batem palmas, dão gritinhos de eh-uh-ah, como se estivessem em uma montanha russa! Para Luiz foi o inferno, achei engraçado, distraiu as crianças e Bianquinha também!

Pelo menos é rápido, menos de uma hora depois já estávamos pousando. Na saída, o soldadinho de chumbo nem agüentou chegar ao banheiro e colocou a alma para fora na pista de pouso mesmo! Acho que sua carreira militar não vai durar muito… Fiquei feliz que não fui eu, geralmente eu enjôo nessas balançadas, mas acho que a bagunça da criançada realmente me distraiu.

Nosso plano era almoçar ainda em Eilat, talvez no próprio aeroporto, porque ao cruzar a fronteira havia o risco de não encontrarmos local para comer tão cedo, afinal eles estavam em Ramadán. O aerporto era minúsculo, não tinha nada, então melhor comer na cidade, que por sinal, era muito bonitinha. Parecia destino de férias.

Da pista de pouso a gente viu uma churrascaria e a idéia de comer carne de boi foi muito bem vinda! Afinal, a gente não tinha idéia de como seriam as refeições dos próximos dias. Adianto que não tivemos problemas com isso, mas nesse momento, a gente ainda não sabia.

Comemos no El Gaúcho, sem muita pressa, mas sem muita calma, porque nos esperava a “misteriosa” estrada até Petra.

Bom, pegamos um taxi e fomos até a fronteira dos dois países. No caminho, compramos água e barras de cereais, por via das dúvidas. Rolava uma certa adrenalina, não vou negar. Dúvidas se deveríamos mostrar os dois passaportes, se mostrávamos um na saída e outro na entrada, se poderia ter o passaporte carimbado em Israel, se deveríamos perguntar isso, enfim, fora os controles de sempre.

É burocrático e tenso, acho que a gente mostrou os passaportes uma oito vezes! Mas não foi tão demorado. Você paga uma taxa na saída de cada país. E sim, você deve mostrar o passaporte que entrou em Israel, e a Jordânia aceita você entrar no país com esse carimbo. Pelo menos, ali nessa fronteira. No lado Israelense, inclusive mostramos os dois passaportes, eles estão acostumados com gente de dupla nacionalidade. Não queria nenhuma ponta solta, se tem um lugar para você não bancar o espertinho é ali! Conselho: verdade, sem floreios nem longas explicações.

Há um momento em que você sai de Israel e atravessa um corredor grande, como uma rua, todo cercado e a céu aberto, bem antes de entrar na Jordânia. É onde você se sente literalmente em terra de ninguém. E com aquele sol na sua cuca, essa sensação é bem mais intensa! Sorte que nossas malas eram pequenas.  Resumindo, saímos de um país a outro a pé!

Entrando do lado da Jordânia, a diferença é radical! Os controles tem a mesma rigidez, mas a estrutura é bem inferior. Dá um pouco aquela sensação de faroeste. Você olha a paisagem e percebe que em 500 metros todo o ambiente mudou e você já está no deserto. É a hora que você pensa, o que estou fazendo aqui mesmo, hein?

Calma, vai melhorar!

Alugamos um carro da Avis, pela internet é claro. No website, entendemos que havia uma escritório da empresa em plena fronteira, o que inclusive nos fez optar por eles. Olhamos em volta e nada de escritório nenhum! Vimos uma placa de informações turísticas, subordinados ao Ministério de Turismo. Perfeito, vamos lá perguntar!

Entramos em um escritório de repartição pública de mil novecentos e antigamente. Dois oficiais fardados atrás da mesa e outro no sofá. Todos assistindo uma novela na TV! Mal olharam para nossa cara. Luiz começou perguntando sobre a Avis e só balançaram a cabeça que não, o escritório era no centro de Aqaba. E vocês tem um mapa? O cidadão olhou para Luiz como se ele viesse de outro planeta! Mapa? Que mapa? Ok, ok, muito obrigada!

Ainda escutamos ele falar já para nossas costas que o taxi até a cidade custava 6 Dinars.

Sem outra alternativa, lá fomos nós buscar nossa próxima condução. Não tem um ponto, fica um cidadão ao lado de um burro perguntando se você quer um taxi. Te dá um pouco de medo de responder que sim e ele te apontar o burro, mas é um carro de verdade que ele chama.

Em alguns minutos chegou um cidadão que não devia tomar banho há alguns dias. Me chamou a atenção ele levar uma garrafa de água e tomá-la. Ué, ele não está no Ramadán? Cobrou o dobro para nos levar à cidade, 12 Dinars. Luiz olha para minha cara perguntando se aceitamos. Amor, olha a sua volta, a gente está no meio do nada! O motorista foi todo o trajeto tentando nos convencer a desistir do carro alugado e pagar para ele nos levar até Petra, naquele automóvel cheirosinho. Luiz teve a genial idéia de dizer que, infelizmente, o carro já estava pago, mas muito obrigada pela oferta, bom saber para uma próxima vez… tipo assim, nunca!

Chegamos meio tontos no escritório da Avis. Nos enrolamos um pouco com o inglês do atendente, dizíamos que no website o escritório era na fronteira. Ele dizia que a gente chegou mais cedo. A gente entendia que o carro ainda não estava pronto… Até que finalmente entendemos que o que ele realmente queria dizer é que, de acordo com a hora que você diz que chega, ele envia alguém com o carro até a fronteira e te espera. Como a gente chegou mais cedo, não havia ninguém ainda! Ah, bom!

Até que ele era simpático, é que já estávamos irritados com a fronteira, o taxista e o calor. Melhor baixar aquela adrenalina e mudar de estação.

Ainda pedi para dar uma passadinha no banheiro, já que não sabia como seria a estrada até Petra. Um cidadão pegou uma chave e me acompanhou pelo lado de fora, já fui pensando, putz, roubada! Óbvio que o banheiro era daquele buraco no chão. Respira fundo, Bianca, mas não tão fundo!

Aceitei que dali para frente deveria ser assim mesmo e incrivelmente consegui usar o tal banheiro.

Vale dizer que dali para frente não foi assim mesmo e esse foi o único banheiro que encontrei dessa maneira. Mas também não sabia disso nesse momento.

E sim, eles tinham um mapa! Só precisávamos abastecer e seguir viagem!

Claro que o carro não tinha GPS! Mas quer saber, a gente já cansou de viajar antes desse invento dos céus e sempre chegamos em qualquer lugar! Verdade que brigávamos o caminho inteiro, mas chegávamos!

Então, Luiz foi dirigindo e assumi a navegação. Até que a gente nem brigou tanto, acho que tínhamos mais com que nos preocupar. Não estávamos nem um pouco afim de errar o trajeto.

E, a propósito, Aqaba é muito sem graça! Tem aspecto muito mais pobre que Eilat.

Deixamos o Mar Vermelho para trás e logo ao sair da cidade, passamos pelo primeiro posto de controle. Um oficial fez sinal para Luiz parar. Já fui logo pegando todos os documentos, mas foi só Luiz baixar a janela e o agente olhar para o seu rosto que o mandou passar imediatamente! Pequeno detalhe, a gente entendeu que era para seguir pelo gestual, porque ele falou em árabe!

_ Viu? Foi olhar para sua cara… e vê lá se vou parar esse saudita! Passa! Passa!

Agora era Luiz quem estava em casa!

A estrada é boa, sem grandes estruturas para paradas, mas também não é tão longa. É asfaltada normalmente, tudo direitinho. Mas é engraçado você ver algumas tendas nômades e camelos durante o caminho. Além da certeza que estamos no deserto! Árido, árido, árido!

Acredito que mais ou menos uma hora depois de estrada, vimos a entrada para Wadi Rum, onde pararíamos na volta, e já ficamos mais tranqüilos em ver que não era difícil encontrá-la.

Seguimos até Petra, acho que foi algo como 3 horas de carro desde Aqaba, talvez um pouco mais, não deu para cansar. Seguimos as indicações do mapa e não foi complicado. Só na entrada mesmo da cidade ficamos um pouco na dúvida, mas perguntamos pelo caminho e nos indicaram, em inglês, sem maiores problemas. Foram inclusive bem simpáticos.

E assim chegamos em Petra, sãos e salvos! Mas isso conto na próxima história.

Jerusalém

Fervorosos religiosos que, pelo título, vieram parar nesse post, aviso que talvez não seja a leitura mais adequada, sou politicamente incorreta pacas, então melhor buscar outras referências e todos seremos felizes, ok? Mas se quiser seguir sem julgamentos, seja bem vindo!

Então já vou começar com uma piadinha que diz mais ou menos assim, o Papa resolveu dirigir na estrada e trocou de lugar com seu motorista. Saiu a toda velocidade e acabou sendo pego por um radar. O carro da polícia sai correndo atrás deles e manda encostar. Salta um policial para pedir os documentos e quando a janela do motorista abre, aparece nada mais nada menos que o Papa! O policial meio sem jeito, diz que ele pode seguir a viagem e volta para o carro. O outro policial pergunta:

_ E aí, multou?

_ Eu não, não quero encrenca para o meu lado…

_ Mas quem estava no carro?

_ Olha, não olhei, mas o motorista é o Papa!

E quando o motorista é o Papa…

Por que contei isso? Veja bem, fomos visitar a cidade acompanhados por um guia que nos buscou no hotel bem cedo e ficou conosco até o fim da tarde. Acho que valeu muito à pena e recomendo uma visita monitorada, pelo menos da primeira vez, ou corre-se o risco de perder uma série de detalhes importantes. Bom, ele era um senhor judeu, nativo em Tel Aviv e ferido na guerra do Yom Kippur. Ou seja, definitivamente não era católico e, assim mesmo, algumas vezes tirava a bíblia para nos dar referências geográficas de onde estávamos. Exatamente, ele não estava pregando com a bíblia e sim utilizando-a como roteiro.

Isso mesmo, galera, o guia oficial por escrito de Jerusalém é nada mais nada menos que a Bíblia!

E quando o roteiro da cidade visitada é a bíblia…

Vamos combinar que o assunto fica mais sério! Acho que foi quando minha ficha caiu do peso (no mínimo) histórico que estávamos prestes a experimentar. Impressiona!

Jerusalém fica há cerca de uma hora de carro de Tel Aviv. Esperava que a estrada fosse árida e seca, mas havia muito mais verde do que imaginava. A estrada é boa e segura hoje em dia, mas nosso guia ia nos contando de como era no passado e da quantidade de emboscadas feitas durante esse mesmo trajeto. Achei interessante o tom de informação sem mágoa, vinda de uma pessoa que sentiu na carne os ferimentos de combate. Não tenho como saber seus sentimentos reais, mas juro que não notei ressentimento, e sim esperança em uma eventual e futura conciliação. Porque é muito fácil para a gente que está de fora falar em paz e união, mas para quem está na mira da bala, não é tão simples assim. Para ele, por mais que déssemos voltas em ideologias e crenças, no fim das contas, o ponto decisivo sempre acabava sendo dinheiro. De qualquer maneira, para mim que havia praticamente perdido as esperanças de uma pacificação nessa zona, pude notar que apesar dos enormes pesares, muita coisa evoluiu para o bem e não deixou de ser uma mensagem de otimismo e respeito.

Nesse clima, chegamos à cidade. Achávamos que havíamos escolhido bem o dia, porque pensei que o mais cheio fosse no domingo, por causa das missas. Ledo engano! Acontece que estávamos em Israel, lembra? Segunda é dia de bar mitzvah e a cidade estava bombando! Achar uma vaga não foi mole, mas demos sorte.

Esperava que Jerusalém fosse pequena, mas é bem grande. O que se visita, digamos assim, dentro dos muros da antiga cidade, deve ser algo por volta de 1 km2.  Mas até você chegar nesse centro histórico, é uma cidade grande como outra qualquer.

Pelo caminho, uma quantidade de judeus ortodoxos pela rua, com chapéus que nunca tinha visto antes! Alguns de pele, inclusive. Era um pouco bizarro olhar os pontos de ônibus repletos desses homens de chapéus engraçados, mulheres com roupas de festa um pouco cafonas, algumas muito cobertas, outras de mini saia!

E quando entramos no centro histórico, a mistura é ainda maior, porque juntam com os turistas de mil línguas, peregrinos, religiosos, curiosos, uma babel que me parecia organizada, apesar de tudo. Era vivo e talvez um pouco confuso, mas não era caótico.

O primeiro lugar que fomos foi o Monte das Oliveiras, de onde se pode ver de um lado Israel e do outro a Jordânia. A diferença de paisagem é absolutamente radical! O lado Israelense tem vegetação e o lado Jordão é um deserto.

Lado Israelense
Jordânia, vista do Monte das Oliveiras

Dali você tem uma vista panorâmica de Jerusalém e das suas fronteiras. Destaca-se a cúpula da Roca (a cúpula dourada de uma enorme mesquita). Os muçulmanos acreditam que esse foi o lugar de partida da Al Miraaj, viagem aos céus do profeta Maomé. Considerando que os judeus são proibidos de caminhar por esse trecho devido a tal motivo, parece conveniente escolher esse lugar para Maomé viajar para os céus, não? Mas enfim, nessa briga esotérica político religiosa não vou me meter!

Bom, o Monte das Oliveiras recebe esse nome por motivos óbvios, ali existe um bom número dessas árvores com troncos larguíssimos que descrevem sua antiguidade. É onde se encontra a Igreja da Agonia, não sei se seria essa a tradução. Mas pelo que me lembro dos estudos no colégio, foi onde Cristo se isolou por 40 dias e 40 noites (ou seriam 7 dias e 7 noites? 40 era Noé?). Enfim, ali ficou sabendo do seu futuro flagelo. É quando ele pede ao pai que afaste dele esse cálice, mas logo se entrega e confia em sua vontade.

Também nessa região fica o Horto de Getsemaní, onde acredita-se que Jesus foi traído por Judas.

Ainda nessa zona, há a Igreja da Assunção e a tumba de Maria. Não é comprovado que é a tumba de Maria, mas acredita-se que pode ser aí, e se isso é verdade, a tumba de José seria uma outra que está à sua direita.

Muito bem, daí seguimos para o centro histórico propriamente dito. A cidade velha está rodeada por oito portas de acesso, a principal porta de entrada, por onde Jesus teria entrado pela cidade, foi literalmente fechada pelos muçulmanos. É que os judeus acreditam que quando o verdadeiro messias chegar à terra, entrará por esse portão, daí os muçulmanos fecharam, porque fica no seu lado da cidade. Mas tudo bem, porque os judeus acreditam que  não é um simples muro que vai impedir o messias de passar, afinal, tipo assim, ele é deus, né? Pode passar por cima. Enfim, esse assunto vai ficando muito surreal  para Bianquinha!

Para entender melhor esse rolo, é bom saber que a cidade é dividida em quatro bairros: judeu, cristão, muçulmano e armênio. Quando passamos de um bairro a outro, parece que literalmente mudamos de país! Ainda que seja a mesma cidade, as diferenças são nítidas.

Olhar para esse quadrado de terra e imaginar como pode esse pedacinho de chão em território árido ser o coração de tantos conflitos pelos quatro cantos do mundo é algo muito forte. Estamos falando simplesmente do berço de três religiões, nada menos que o judaísmo, cristianismo e islamismo! Uma cidade, que independente de sua fé ou crença, gerou um fato que mudou o calendário do planeta. E ainda assim, quase que paradoxalmente, nunca foi um lugar de paz.

Até hoje a convivência de toda essa mistura é complicada. Para os muçulmanos, a Cúpula da Roca (Rocha) é o local onde Maomé ascendeu aos céus. Apesar do seu formato, não funciona como mesquita, seu principal objetivo é guardar a “santa rocha”; para os judeus, essa mesma rocha foi o local do sacrifício frustrado de Isaac e onde Salomão ergueu o primeiro templo judio, em 960 A.C. Os judeus seguem rezando no Muro das Lamentações (parte da parede desse templo de Salomão, do lado judeu). E os cristãos seguem peregrinando até o Santo Sepúlcro, por uma Via Crucis que já mudou de lugar algumas vezes e passa pelo lado muçulmano. Sim, tudo isso está junto no mesmo espaço, mas não tem nada a ver com paz ou integração.

Desde a época de Jesus, a cidade já foi conquistada 11 vezes e totalmente destruída por 5 delas. A Jerusalém bíblica, segundo especialistas, se encontraria a cerca de 20m abaixo da terra de hoje, ou seja, não é o mesmo lugar de 2000 anos atrás.

Mesmo sabendo de tudo isso, é emocionante estar ali? Putz, para caramba! Só estou avisando que está muito longe de ser um paraíso de serenidade.

Bom, os cristão costumam estar bastante curiosos por realizar a peregrinação que Jesus fez até a crucificação. A Via Dolorosa, ou Via Crucis, está em sua maior parte no lado muçulmano e pode ser visitada normalmente. Na prática, se encontra em meio a um comércio e, como já disse, não há provas “científicas” que Jesus passou por aí mesmo, mas os cristãos percorrem esse trecho com bastante fervor e acredito que se não era, virou verdade. As cinco últimas, das 14 estações, ficam no bairro cristão e terminam na igreja do Santo Sepulcro, onde acredita-se que Cristo foi sepultado. Mas já vou chegar lá!

Não sei dizer se conheci tudo ou se fui aos pontos mais importantes, mas vou contar dos lugares que fomos os que mais me marcaram. Portanto, mais do que uma referência de viagem, o que posso oferecer é uma experiência pessoal.

Quem acompanha o blog sabe que sou ateísta, não escondo isso de ninguém, como também não escondo o respeito que tenho pela crença das pessoas. Talvez sabendo disso, na viagem a Jerusalém, tinha uma série de amigos e pessoas da família que me pediam para serem lembradas de alguma maneira, outras era eu mesma que achava que gostariam de ser lembradas. Aceitei o encargo com boa vontade, mas me preocupava um pouco a consciência sobre minha falta de fé. Tem coisas que não dá para se fazer de mentirinha ou só um pouquinho. E eu queria a experiência inteira.

Busquei vivências pessoais passadas no que tivesse mais parecido a fé ou tentei me lembrar de momentos em que ainda acreditava, enfim, de certa maneira, a vontade que as pessoas queridas melhorassem ou se curassem de verdade me motivaram a buscar o que não tinha e talvez esse tenha sido um pequeno milagre, dependendo da interpretação de cada um. Simplesmente decidi que nesse dia em especial eu seria uma pessoa de fé e acabou. Sem cobranças e sem explicações.

Dentro desse contexto, minha perspectiva se ampliou e a quantidade de sensações e emoções que vieram no pacote são indescritíveis. Fico feliz de ter vivido um dia assim.

Mas vamos lá, minha igreja favorita foi a “Sleeping Mary”, onde segundo a bíblia, Maria faleceu. É um espaço de energia totalmente feminina, limpo e sem aquele turbilhão turístico que sempre me incomoda um pouco. No andar inferior se encontra uma imagem de Maria como uma bela adormecida sendo guardada por imagens de santas mulheres sobre ela. O que vou dizer deve ser considerado uma heresia, mas me lembrou um grupo de bruxas alegres e unidas como em uma irmandade secreta. Ali deixei alguns nomes em um livro de pedido de graças e orações. Foi onde me senti melhor.

No chão, são símbolos do zoodíaco!

Seguimos caminhando pela cidade e às vezes entrávamos em alguma igreja ou templo, nem sempre sei a diferença. Era um pouco confuso, mas também intrigante ver no mesmo espaço símbolos judeus, altares católicos, aviso de que lado estava a direção de Meca, uma missa celebrada por indus, uma sinagoga com judeus etíopes… Outras vezes, passávamos em meio a algum tipo de celebração, por entre pessoas quase que em transe religioso e era como se estivéssemos assistindo a um filme de tão surreal! As pessoas simplesmente ignoram quem está ao lado ou passando, não em um sentido ruim, mas porque estão dentro de sua própria viagem. Eu também seguia minha própria viagem.

Possível local da Santa Ceia

E em todos esses lugares íamos pensando em quem acreditávamos que precisava de ajuda, em quem queríamos que estivesse melhor, enfim, o pensamento era sempre para um bem maior.

Fomos também a um museu arqueológico e a placa na entrada intimidava: algo como ao descer 3 metros de altura, voltávamos 2 mil anos de história.

Até que finalmente chegamos ao Muro das Lamentações. Não é difícil conseguir informações históricas do que se trata, mas para mim, foi o momento mais emocionante de todo o dia. Nem sei explicar exatamente porque, afinal, não sou judia, mas era o lugar que tinha maior vontade de estar dentro de Jerusalém. Talvez seja pelo fato de sua história não estar aliada a um poder sobrenatural, toda a energia que emana foi trazida pelas pessoas ao longo dos anos. E não há dúvidas que foi ali mesmo.

Muito bem, o costume é escrever papeizinhos com seus pedidos e colocar entre as ranhuras do tal muro. Há uma divisão, no lado direito ficam só as mulheres e o lado esquerdo só os homens. Não é escondido ou secreto, você vê claramente os dois lados, simplesmente vão mulheres para um lado e homens para outro.

Na noite anterior, escrevi um monte de papeizinhos para cada pessoa da minha família e alguns amigos, com o pensamento super concentrado e voltado para eles. Levei na bolsa e pedi que Luiz colocasse para mim. No lado masculino há mais espaço para isso, acho que os homens pedem mais. Mas falando sério, achei que assim também fecharíamos um ciclo de energia e iria um pouco de cada um.

Comigo foi apenas o meu papel e entrei sozinha. Foi o único momento do dia que pedi só para mim. E foi como se não existisse mais ninguém no mundo, só eu e a parede, agora o papo é entre nós!

O que pedi não é um segredo, quero ser mãe. Pela primeira vez não me importou que fosse menino ou menina, nem que fosse meu sangue. Acho que entendi quando as mães dizem que tanto faz, que só importa que tenham saúde. É muito mais que um jargão maternal.

Chorei igual criança, um vexame! Mas ninguém ligou ou eu não percebi. Saiu como um desabafo, uma válvula de pressão. Foi intenso e rápido. Não demorei a me recompor e aparentar meu habitual controle para encontrar Luiz e o guia. Mas estava mexida e emocionada, ainda bem que levei meus óculos escuros!

Dali fomos comer no bairro muçulmano. Uma birosca simples, mas segundo o guia, de comida barata e confiável, ainda que ele não nos recomendasse a carne, por não garantir a procedência. Comemos hummus, falafel, salada de tomates com pepino e pão pita. Estava fresco e resolveu o assunto! Para os atendentes deveria ser um sacrifício nos servir, afinal, estavam em pleno Ramadan.

O contraste ao entrar no bairro muçulmano é gigantesco. Passamos um portão e parece que entramos em um túnel do tempo ou algo assim. Até as roupas das pessoas era diferente! O comércio de rua lembrava bastante os mercados de Istambul.

Daí, no meio desse comércio, você descobre que já está na Via Dolorosa, ou Via Crucis. Ok, já disse que não há uma prova propriamente dita que Jesus passou exatamente por ali e blá blá blá, mas há uma probabilidade de ser por essas redondezas, simplesmente algumas camadas mais embaixo. O fato é que já faz um tempo que os cristãos realizam o ritual de passar por essa rota com toda sua carga de fé e é difícil passar por um lugar assim indiferente.

De qualquer forma, me pareceu algo bizarro haver nesse mesmo trajeto, fiéis, cruzes, lojas, restaurantes, gente morando. Fiquei imaginando os diálogos:

_ E aí, Yoseff, passa lá em casa para tomar um café!

_ Onde você mora?

_ Na Via Dolorosa, mais ou menos pela estação em que Verônica enxugou o rosto de Cristo, em frente ao açougue do Said…

_ Onde tem a padaria?

_ Não, a padaria é depois, já é onde Jesus encostou a mão na parede!

Sei lá, para quem mora por ali, essa conversa deve parecer normal, né?

Enfim, para ser sincera, a Via Crucis mesmo não me trouxe grandes emoções. Achei o aspecto histórico e os contrastes interessantíssimos, mas nada muito além disso.

E assim chegamos ao ponto final do dia, a visita ao Santo Sepúlcro! Esse é o local onde Cristo haveria sido crucificado, envolto no sudário e sepultado. Naquela época, o local ficava fora das muralhas da cidade, onde aconteciam as execuções. Hoje em dia não é a céu aberto, construíram uma enorme basílica nesse local. Na verdade, nem sei dizer se é uma igreja só, é uma mescla de capelas interligadas e com estilos de épocas diferentes.

Outra vez, não há uma comprovação definitiva, mas há indícios fortes que o local foi esse. É considerado o lugar mais sagrado de Jerusalém.

Dentro do Santo Sepúlcro, há três lugares que chamam mais a atenção. O primeiro é a capela construída sobre a rocha de Gólgota, possivelmente, onde foi erguida a cruz de Cristo. Há uma outra capela minúscula onde se guarda a pedra que os anjos apartaram do seu sepulcro. E finalmente, uma pedra maior retangular, onde se acredita que o corpo de Jesus foi repousado após a crucificação.

Esses três lugares passam obviamente por peregrinação intensa. Para as duas capelas, havia filas gigantescas! Para a pedra onde Cristo foi repousado, e a que me interessava, era mais tranqüilo.

A confusão da fila para tocar na rocha de Gólgota me fez sentir tentando entrar em alguma atração da Disney. Sensação essa que me fez desistir na hora e sentar com o guia para esperar Luiz. Ele também desistiu e veio logo em seguida.

Fomos até a segunda capela, a da pedra do sepulcro, e também havia uma fila irracional. Disse, deixa para lá, vamos para a terceira pedra e depois, se aqui estiver mais vazio a gente vê o que faz.

A terceira pedra, que na verdade fica logo na entrada da basílica, seria onde Jesus foi deitado após sua morte. Há um ritual de abençoar crucifixos nesse local. Não é feito por padres ou nenhum religioso. Simplesmente você coloca a cruz entre a pedra e sua mão e é você mesmo quem abençoa o objeto. Era aí onde éramos encarregados de ser os porta-vozes da família e dos amigos. E também por nós mesmos.

Geralmente as pessoas se ajoelham, algumas também beijam a pedra, enfim, não consigo me ajoelhar, tenho dois joelhos operados. Então, só sentei ao lado do Luiz e reuni tudo que conseguisse de fé, afinal, já havia praticado um pouquinho durante o dia. Procurei pensar em cada pessoa, uma de cada vez, e lembrar o que precisavam de verdade. Nem percebi, mas acho que entrei em algum tipo de transe e não tenho muita noção de quanto tempo fiquei ali. Só pensei nisso depois, quando me dei conta que Luiz já havia acabado, levantado, tirado fotos, inclusive minhas… assim que devo ter demorado.

Ele quis subir para tirar algumas outras fotos e fiquei com o guia conversando um pouco e voltando ao mundo dos vivos. Ele me contou que a pedra era cheirosa, provavelmente devido à quantidade de incenso sempre pairando sobre ela. Esfregou a mão e me mostrou. Achei legal, esfreguei minha mão também e fiquei com aquele aroma gostoso de incenso comigo. Intuitivamente, levei a mão à barriga, quem sabe me dá uma forcinha!

Luiz voltou e resolvemos voltar à segunda capela, para ver se a fila estava menor. Incrivelmente estava! Chegamos entre um grupo e outro e conseguimos tocar no tal fragmento de lápide. É muito rápido, na dúvida, pedi saúde.

Ainda visitamos um pouco as redondezas da basílica, uma mistureba de estilos e colunas às vezes sobrepostas.

Saímos do Santo Sepúlcro e nos dirigimos ao carro, aí acabava nosso intenso dia. Estava moída, uma sensação de que iria desmoronar, como se toda minha energia tivesse saído do corpo.

Aconteceu um evento meio esquisito, que não tenho vontade de compartilhar, talvez em algum momento, porque é bastante pessoal e não tenho o menor interesse em motivar especulações. Melhor me hidratar. Compramos água no caminho para o carro e fui me recuperando.

O trajeto de volta foi bem mais calado que o da ida. Estávamos todos exaustos e tinha muita informação na cabeça para absorver, muitas sensações para entender e o mais importante, a certeza que havia passado por uma experiência única.

Shalom!

Começando por Tel Aviv

A primeira vez que Luiz foi a trabalho a Tel Aviv, fiquei meio preocupada. Tinha na cabeça a mesma imagem de perigo que boa parte das pessoas que conheço tem.

Verdade que no aeroporto ele era revistado até as orelha, porque tem uma cara de brimo danada! Ainda por cima, tinha no passaporte vários carimbos de países árabes, os quais também ia a trabalho, e para complicar um pouquinho, ainda tinha que pedir que não carimbassem o passaporte em Israel, porque teria sua entrada vetada em alguns países que não o reconhecem como estado. Ou seja, apesar de não estar fazendo absolutamente nada errado, era um prato cheio para o pessoal do controle de fronteiras.

Ainda assim, ele sempre voltou com uma boa impressão de lá, os momentos de tensão se resumiam à saída da Espanha e entrada em Israel. Lá dentro, esse clima de medo e suspeita se dissipava. Considerava Tel Aviv como uma cidade de praia das mais normais do mundo!

Meu lado brasileira entendeu isso perfeitamente desde o início. Ainda que não seja algo do qual me orgulhe, a gente foi acostumado, por exemplo, a saber que um seqüestro de ônibus foi notícia internacional escabrosa em diversos países e para a gente, foi mais uma notícia do jornal das oito. A gente se habitua e a vida segue. Não é o todo, é uma parte.

Assim que tinha uma baita curiosidade para conhecer Israel algum dia e finalmente, esse dia chegou.

Fui preparada psicologicamente para passar por controles mais rigorosos nos aeroportos, até porque estava com meu marido com cara de saudita. Mas na prática foi bem razoável, se ele tem pinta de habib, eu bem que tinha de Sarah. Na saída, passamos pelos controles normais, o que deixou Luiz quase decepcionado, uma saudade daquele agente que o conheceu tão intimamente e agora não manda um e-mail, um telegrama… e claro que ele vai querer me matar pela piadinha, mas tudo bem.

Pousamos em Tel Aviv e lá fomos nós passar pela imigração. Agora nós temos dois passaportes e ficamos na dúvida até o último minuto com qual dos dois entraríamos em Israel, de maneira que ele pudesse ser carimbado, sem prejudicar próximas visitas a países árabes. No último minuto, Luiz resolveu entrar com o passaporte brasileiro. Acontece que nosso vôo vinha da Espanha e não tínhamos um vôo do Brasil no trajeto. Resultado: para a salinha ao lado por favor!

Pronto, estava muito fácil! Chegamos em uma sala com umas 20 pessoas e pensei, putz, isso vai demorar pacas! E até então, não sabíamos exatamente porque havíamos sido parados. Quer dizer, eu tinha certeza que só havia sido parada porque estava com Luiz!

Surpreendentemente, cinco minutos depois um agente nos chamou de lado e começou, bastante educado, com as perguntas de sempre: o que veio fazer no país, conhece alguém, é a primeira vez… blá blá blá… até que chegou na pergunta onde estava a conexão do nosso vôo do Brasil. Quando dissemos que tínhamos dupla nacionalidade e que morávamos na Espanha, o agente fez ar de quem finalmente entendeu a história e fomos liberados sem maiores problemas. Por isso, cheguei a conclusão que dessa vez não fomos parados só pelo Luiz e sim por parecer haver uma ponta solta na nossa procedência. Até aí, normal.

Ficamos em um hotel bem na frente da praia, o Renaissance. Pelo caminho fui reparando na arquitetura da cidade e os contrastes entre o novo e o antigo. Muitos edifícios com cara de velhos, com a fiação toda por fora, ao lado de construções mais modernas. Lembrava cidade brasileira, para ser sincera, poderia ser centro de São Paulo. Mesmo na orla da praia, você encontra construções caquéticas ao lado de edifícios recén construídos.

Na porta do hotel, você passa por controle de entrada. Aliás, coisa bastante comum em entradas de restaurantes, discotecas, bares etc. Se tem público, vão revistar sua bolsa e passar por detector de metais. E quer saber, acho bom. Há um histórico de atentados, melhor prevenir. Mas tudo é feito com certa naturalidade, porque é parte do dia a dia deles. Relaxei e não me senti invadida, proteção é de bom tamanho.

Do quarto do hotel tínhamos vista para o mar, que parecia bastante convidativo. Mal pousamos as malas e despencamos para praia, na tentativa de já curtir o primeiro dia.

Na areia em frente ao mar, se esquece completamente de qualquer tipo de tensão ou conflito. O ambiente é agradável, as pessoas simpáticas, as roupas de banho normais e o povo com cara de saudável. O tipo de areia e o contexto te lembram muito as praias cariocas, mas muito mesmo!

Também tem um calçadão onde o pessoal passeia, aparelhos de ginástica públicos disponíveis e quiosques pela areia. É possível alugar espreguiçadeiras, cadeiras e barraquinhas. E o melhor, também tem vendedores ambulantes de picolés com seus isopores e afins, além de gente dos quiosques que vem até sua espreguiçadeira e te servem na beirinha da água.

Ainda é permitido se jogar frescobol (que ali tem outro nome que não lembro) e o ruído das bolas nas raquetes de madeira nos faz lembrar das praias cariocas e da região dos lagos de há algum tempo atrás. Chega a ser nostálgico! Para completar, sentamos em um quiosque para beliscar alguma coisa e quando nos demos conta, a música era… brasileira! Estou em casa!

E nem ficou só nisso, no finalzinho da tarde, em pleno calçadão da praia, uma roda de capoeira! Vem cá, em que país estou mesmo?

Muita família! Os casais se casam cedo e não me lembro de ter visto nenhum com menos de três filhos! É daí para cima!

Elegemos um quiosque em frente ao hotel como nosso favorito, o LaLa Land. Boa comida, atendimento simpático, mesinhas literalmente na areia da praia e à noite ofereciam música ao vivo (inclusive, bossa nova, é claro!).

Tanto no hotel como na rua, as pessoas foram muito amáveis e simpáticas. Não sei se a Espanha deixa a gente meio acostumado com grosseria, sei lá, mesmo quando educados, os espanhóis tem esse jeitão meio agressivo. A gente mesmo acaba atuando igual, por costume. Então, quando somos tratados com gentileza é música aos nossos ouvidos.

E da mesma maneira que todo mundo chega para falar com Luiz em árabe nos países respectivos, em Tel Aviv, todo mundo começava a falar comigo em hebraico! Era uma a mais! Bom, não há um único tipo físico no país, todos os esteriótipos encontrados nos filmes americanos referentes a judeus estão lá, os narizes, os óculos grandes, o cabelo crespo… mas há muito mais do que isso. Tem sua cultura muito própria, mas também há uma série de referências dos muitos países pelos quais estão espalhados. Portanto, não é difícil encontrarmos algo que nos lembre algum lugar e no caso do Brasil, que também é essa mistureba, a afinidade é imediata.

Os ortodoxos, com suas roupas pretas e chapéus engraçados não chamam grandes  atenções e não é difícil encontrá-los passeando também pelo calçadão da praia com uma esposa bem coberta e uma penca de filhos! Na mesma calçada em que passa o esportista malhado correndo, a mocinha linda de pareô, a outra de véu, a coroa gordinha sem noção de biquini com elástico largo, o rapazinho de patinete motorizado, a bicicleta estacionando, os namorados, os amigos, os que estão tentando paquerar alguém… tudo junto!

Não tivemos problemas com o idioma. Claro que não falo hebraico, ainda que tenha ficado curiosa e aprendido meia dúzia de palavras, mas todo mundo com quem nos relacionávamos falava inglês, da recepcionista do hotel à garçonete e o motorista do taxi. Com mais ou menos sotaque, nos comunicávamos sem o menor problema.

Quanto à comida, foi difícil encontrar uma culinária tipicamente judaica. Não sei nem dizer se existe! Porque novamente, há uma mistura de influências de países diferentes. Mas se posso ressaltar alguma coisa, diria que há alguns ingredientes constantes: pepino, yogurt, pão pita, tomates, queijos, azeite de oliva… enfim, os mesmos encontrados na culinária árabe. Acontece que passeando pela rua, tem de todo tipo de restaurante internacional e o Mc Donald’s é Kosher. Ou seja, se você não for viciado em comer carne de porco, não terá nenhum problema para comer bem em Tel Aviv. Honestamente, até a tal carne de porco encontramos no cardápio de um dos lugares que fomos, mas não quis pedir. Pequeno detalhe, tanto em Israel quanto na Jordânia, fujam do suco de laranja! Exceto se vocês vejam a laranja sendo espremida ali na sua frente, porque o suco artificial é um horror! Uma mistura de redoxon com fanta sem gás!

Uma coisa que já sabia, mas acho curioso para quem não conhece é que, olhando para o mar, na ponta esquerda da orla, se encontra Old Jaffa, a parte árabe da cidade. Sim, no meio de Tel Aviv há um bairro árabe. Porque de fora, a gente tem a impressão que são inimigos mortais, mas de dentro, ainda que com ressalvas, convivem pacificamente.

Ao fundo, à direita está Old Jaffa

Old Jaffa também é a parte mais antiga da cidade e sua arquitetura com construções de pedra refletem isso. Ouvi dizer que foi um bairro marginalizado, mas hoje está renovado e abriga comércios, restaurantes e galerias de arte. Jantamos ali na primeira noite, em um lugar chamado Aladin. Despojado, informal e com vista para a praia.

Temos um casal de amigos de Tel Aviv, Luiz conheceu o marido através do trabalho, são da mesma empresa. Era para ele que perguntávamos nossas dúvidas e pegávamos referências de lugares para ir. Saímos para jantar com eles duas noites e foi show! Temos essa sorte e privilégio de sempre encontrar amigos legais em partes diferentes do mundo. No primeiro jantar, nos levaram ao restaurante do hotel Montefiore. Excelente comida e atendimento, achei o melhor que fomos em Tel Aviv!  Seguia uma gastronomia de base francesa com toques orientais. Pela intimidade com que cumprimentavam o pessoal da casa, se notava que nossos amigos eram clientes freqüentes de lá. No segundo jantar com eles, na nossa última noite na cidade, fomos a um restaurante que ficava no porto, em Old Jaffa, esse mais despojado e original, chamado The Container.

Nas outras refeições que fizemos na cidade sozinhos, optamos por beliscar pela praia mesmo, no LaLa Land. A parte mais divertida era quando chegava a conta e não sabíamos nem se estava de cabeça para baixo!

Em dois dos dias que estivemos por ali, resolvemos conhecer os arredores, em um deles fomos a Jerusalém, outro a Cesarea e Nazareth.

Cesarea é conhecida por suas ruínas romanas. Veja bem, não quero decepcionar ninguém e isso depende muito da expectativa de cada um. Para os brasileiros em geral deve ser um passeio bem bacana! Acontece que moro na Europa e viajo pacas, ou seja, estou de ruínas romanas até o pescoço! Já não é algo que me chame a atenção, mas enfim, recomendo a quem se interesse pelo tema.

Já Nazareth é sem gracérrima! Francamente, não tem nada demais. Mas ficava na passagem para chegarmos a Tiberias, no mar da Galiléia, nosso objetivo do dia. Infelizmente, tive digamos, problemas femininos em Nazareth e por motivos de força maior, voltamos para o hotel. Tudo bem, o resto do dia foi aproveitado na praia.

Bom, agora, Jerusalém é outra coisa! Na verdade, era minha maior curiosidade em Israel. Mas essa história, vai ficar para o próximo post!

A viagem a Israel e Jordânia

É difícil saber por onde começar, tudo muito diferente e às vezes muito igual. Então, começo pelo resumo, foi tudo ótimo! Quero escrever sobre cada lugar com calma, mas ainda há algumas informações que preciso absorver melhor.

O que gostei mais: as pessoas. Em ambos os países fomos tratados com muito maior amabilidade e simpatia do que esperávamos e em nenhum momento me senti um peixe fora d’água.

O que gostei menos: a tensão nos aeroportos e fronteiras. Em Israel, o controle é bastante rigoroso, ainda que educado e profissional. E sim, é necessário, os riscos são  reais. Vinha sempre na minha cabeça a frase, divirta-se, mas não se distraia! Na Jordânia, parecem ser menos rigorosos, mas não é menos tenso. Entretanto, uma vez dentro de cada país, a tensão se dissipava.

O que mais me marcou: os contrastes. Em todos os sentidos, da paisagem à cultura. Entre eles e entre nós.

O mais surpreendente: experimentar o deserto sem sofrer. Fui capaz de passar por uma série de restrições sem sentir que perdia nada, aprendi um pouco sobre resignação, algo bem longe da minha natureza, e descobri que aceitando sem relutar também podia estar feliz e aproveitar o que havia de melhor.

O mais inusitado: consegui ter fé por um dia. Na visita a Jerusalém, meu interesse era muito mais histórico que espiritual, mas ao mesmo tempo, achei que a experiência não seria completa. Além do mais, tinha uma série de “pedidos encomendados” que me jogava uma certa responsabilidade nas costas. Então, lembrei do réveillon, único dia do ano em que tenho fé, e achei que se era capaz de fazer isso  na noite de 31 de dezembro, por que não tentar? Abri minha mente e resolvi não pensar a respeito, just do it! Funcionou, pelo menos por um dia. E tudo bem, porque era o único dia em que isso me importava mesmo.

O mais bonito: o sol. Acho que nunca vi tanto nascer e por do sol na vida! Os dias começavam cedo e eram longos e intensos. Uma semana e meia e parece que estou fora há uma década!

E porque imagens valem por mil palavras, seguem algumas imagens e assim que der, prometo tentar traduzir em palavras.

Praia em Tel Aviv
Praia em Tel Aviv
Por do sol em Tel Aviv
Muro das lamentações, Jerusalém
Via Crucis, Jerusalém, onde Jesus se apoia na parede
Igreja do Santo Sepúlcro, no Monte Sinai. A pedra onde Jesus foi colocado após a crucificação. É onde se abençoam os crucifixos.
Petra, Al-Khaznah em visita noturna
Al-Khaznah durante o dia, Petra, Jordânia
Petra, no local alto do sacrifício (é alto pacas!)
Minha amiga beduína
Wadi Rum, deserto da Jordânia, passeando de quad no por do sol
Assistindo o sol nascer do acampamento em Wadi Rum
Esperando para subir no balão
Vista de dentro do balão, deserto em Wadi Rum
Born to be wild... 😀
Pedra cogumelo, deserto de Wadi Rum
No caminho para assistir o por do sol
A cor mais linda!
Ele e eu
Por do sol, Wadi Rum, Jordânia

Fazendo as malas

Quem mora pela Europa, principalmente pela Espanha, sabe que em agosto o povo todo tira férias.

Pessoalmente, não gosto dessa coisa concentrada em um único mês, mas fazer o que? Ainda que não sigamos agenda escolar, Luiz é praticamente obrigado a tirar ao menos uma parte das férias em agosto, ou fica mal visto pela empresa.

Enfim, se é o jeito…

Em princípio, ficaríamos em Madri mesmo, mas quando vi que teríamos duas semanas com Luiz em casa, achei um desperdício.

_ Sou uma pessoa legal, vou te dar três alternativas: Israel, Grécia ou Croácia? Eu prefiro Israel! Sou louca para conhecer Jerusalém (acho que sou a ateísta que mais vai a lugares santos!).

_ Hein?

_ Duas semanas é muito tempo para ficar em casa, a gente pode viajar só uma delas. A gente nem sabe se vai continuar morando na Europa… já pensou se a gente muda para o Brasil? Vai ser muito mais difícil…

_ Também prefiro Israel, mas não sei… vou pensar…

_ Pensou?

_ Pensei, vamos para Israel…

E mais ou menos assim começou a história! No princípio ele não estava lá muito animado, mas logo se empolgou, foi ler mais a respeito, pegar indicações e acabamos esticando a viagem até à Jordânia.

Muito bem, só tem um probleminha, apesar de serem países vizinhos, não são exatamente amigos. A gente não pode, por exemplo, alugar um carro em Israel e dirigir com ele pela Jordânia. Enfim, algumas questões logísticas que vamos tentar resolver indo de avião até a fronteira e alugando um carro por ali.

_ Luiz, e a gente vai sair dirigindo pelo deserto da Jordânia? Isso é seguro? Você entendeu que não é em todo lugar que minha habilidade para fazer amigos funciona, né?

Israel não me preocupa, ele já esteve por lá a trabalho e, fora no aeroporto, onde o revistam em lugares que nem eu conheço, o resto é tranqüilo. Ele andou perguntando para um amigo israelense e para uma amiga espanhola que já fez algo do gênero e parece que não é complicado. É na Jordânia que não sei muito bem o que esperar. Luiz tem pinta de “brimo”, vamos ver no que dá! De qualquer maneira, já estou meio passadinha para alguém querer me trocar por camelos, acho que tudo bem.

Sei que a Jordânia é relativamente liberal, o que quer dizer que podemos nos dar relativamente bem ou relativamente mal, mas faz parte. Não vou mais me encucar com isso, quero porque quero conhecer Petra e dormir no deserto em um acampamento nômade, então pronto.

Em Israel, o que me deixa mais curiosa é Jerusalém. Acredito no Jesus histórico e quem sabe ali, ao vivo e a cores, o tal do Espírito Santo me dá uma forcinha, né? Se o outro nasceu até sem os pais fazerem sexo! Não custava nada nos conceder um óvulozinho atrasado e um espermatozóide mais atrevido… não precisa ser santo… melhor até se não for…

Enfim, é isso, no próximo sábado aterrizaremos em Tel Aviv . Na volta, conto tudo!

Decisões importantes

Ando pensando bastante e tomando algumas decisões. Lógico que prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo, mas às vezes é preciso tomar decisões e marcar algumas rotas ou nos perdemos pelo caminho.

Decidi ser mãe. Eu sei que já decidi que não, depois decidi que sim, depois não sabia, depois que não outra vez, depois… ai, cassilda, nem eu aguento mais essa conversa!

O fato é que esse assunto há uns quatro anos é bem mal resolvido na minha vida! Durante esse período não tomei anticoncepcionais. Talvez contasse com o acidente, o acaso, o destino… já nem me importa mais a verdadeira razão, porque ela mudou ao longo do tempo. Por outro lado, admito que nunca me empenhei realmente em ser pró-ativa nesse sentido, nas coisas mais básicas, como por exemplo, buscar meu período fértil. Francamente, até me sabotei uma porção de vezes!

O que mudou? Duas coisas, pela primeira vez senti Luiz aceitando a possibilidade da paternidade, porque uma coisa é dizer sim, a outra sou eu acreditar, porque as atitudes sempre nos entregam e sou escorpiana. Acredito muito mais no que o corpo diz do que a boca fala. A segunda coisa que mudou fui eu mesma. Só agora acho que entubei nas entranhas o fato de poder ser mãe, acima do que simplesmente ser capaz de ter um filho. Tarde, né? Pois é, mas foi só agora, paciência.

Existe uma consideração fundamental que talvez não tenha ficado clara, decidi que posso ser mãe, independente de que sangue tenha essa criança.

Muito bem, vamos a aspectos práticos, faço 42 anos em novembro. Estou no limite do limite e nem sei mais se sou fértil ainda! Mas resolvi dar um último fôlego, para não me arrepender de não haver tentado direito.

Parei de beber álcool, abstêmia total! Pelo menos nos próximos meses de tentativa. Achei que fosse ser difícil, considerando as selvagens noites madrileñas e a oferta de vinhos disponíveis, mas com toda franqueza, não está me custando nada. Tenho a vantagem da força de vontade, o que me falta em juízo, me sobra em disciplina.

Comecei a tomar ácido fólico, afinal, mal não faz. E, seguindo recomendação de uma amiga, também estou tomando um tal de Utrogestan, que é um suplemento de progesterona.

Comprei um teste de ovulação e hoje já é o terceiro dia que faço e dá negativo. É bem frustrante, achei que fosse lidar melhor com a situação, mas acho que faz parte.

Não tenho a menor intenção de fazer algum tratamento como inseminação artificial. Se já fico frustrada com um teste negativo de ovulação caseiro, imagina em um tratamento desses! Sem chance, uma pessoa precisa conhecer seus limites.

Em princípio, tento essa estratégia até o fim desse ano.

E se não der certo?

Como disse antes, talvez de maneira não tão clara, não preciso parir para ser mãe. A adoção é uma alternativa que cada vez me parece mais próxima. E sim, estou pensando seriamente a respeito e Luiz topou.

Mesmo não tendo desistido ainda de engravidar, comecei a me informar a respeito de adoções. Olha, não é mole! Primeiro que já é difícil decidir em que país começaria esse processo. Hoje moro em Madri, mas é um ano em que tudo pode mudar! De qualquer maneira, se quiser adotar uma criança espanhola, o tempo de espera está entre 8 e 10 anos! Acho inviável. Mas se topar entrar no processo de uma criança estrangeira (o que é meu caso), o tempo cai por volta dos 2 anos. No Brasil, eu não tenho informações. Mas se alguém tiver, eu quero.

Fiquei na dúvida se deveria ou não abrir essa informação, porque é algo bastante íntimo. Pressão é tudo que não precisamos nesse momento. Mas cheguei a conclusão que, depois de 17 anos de casada e sem filhos, todo tipo de cobrança e pressão que já ouvi… estou mais do que calejada! E vai que alguém pode me ajudar? Eu acredito na melhor intenção das pessoas, um pouco de torcida e canja de galinha não fazem mal a ninguém!

E é isso, sigo esperando para que lado o destino nos levará, mas dessa vez, pelo menos a gente está dando uma força para ele!

Paralelo Cero, um restaurante que já nasceu entre nossos favoritos

Nós temos alguns restaurantes preferidos na cidade, quem acompanha o blog sabe que de vez em quando posto por aqui. Pois muito bem, em um desses restaurantes, trabalhava o Mike e era ele quem sempre decidia que vinho iríamos tomar. Nos últimos 5 anos, ele nunca errou!

Pois é, o Mike ficou nosso amigo e sempre nos pareceu ter suas próprias ambições. Bom, mais do que isso, porque de boas intenções o inferno está cheio, ele correu atrás do seu sonho e, além da experiência profissional na área, foi se aperfeiçoar e se formou como sumiller.

Há dois anos, começou a planejar seu próprio restaurante, junto com um amigo, engenheiro comercial e seu sócio. Pensaram com muito cuidado em todos os detalhes até que finalmente lançaram no início de agosto o Paralelo Cero (em  português, paralelo zero).

Trata-se de um restaurante de alta gastronomia equatoriana, adaptada ao paladar espanhol. Na verdade, na minha opinião, os restaurantes de gastronomia mais refinada estão acima de nacionalidades, porque ainda que sigam uma linha, desenvolvem sua própria personalidade. E é o caso do Paralelo Cero.

Conto toda essa história porque, como amiga, foi bacana poder acompanhar esse trajeto e estar presente no sucesso que foi sua inauguração. No chapéu de cliente, adoro saber que há mais um excelente lugar para se frequentar e que o universo gastronômico madrileño vem se ampliando, saindo do lugar comum das tabernas de toda la vida. Ambiente bem decorado, limpo, moderno. Cozinha envidraçada, não há o que esconder. Pessoal simpático e treinado para atender bem.

Mas vamos ao que interessa, e a comida?

Ainda não tivemos a chance de cobrir todo o cardápio, mas chegaremos lá! Recomendo começar com as “croquetas de gallo de corral”. As croquetas são um clássico espanhol, que os brasileiros costumam achar sem graça devido a falta de recheios generosos, como estamos acostumados. Entretanto, essas são realmente especiais, vale experimentá-las, o sabor do frango de granja é bem pronunciado, delicado ao mesmo tempo e conta com a surpresa de uma crosta crocantinha com côco ralado.

Seguimos com “langostínos com almidón de yuca”. Langostino é parecido a um camarão, com a textura mais firme, que lembra a de uma lagosta. É bastante saboroso, foi servido à milanesa de mandioca e estava no ponto perfeito.

Outro prato recomendado pela casa são os “Yapingachos”. Tortinhas de batata, com molho de maní picante (tolerável aos paladares mais delicados), lingüiça, ovo e trufas.

Agora, tanto na minha opinião, quanto na do Luiz, o campeão foi o prato principal, um “seco de gallina pintada”. É um tipo de embutido de galinha da angola, com molho do próprio assado, arroz negro e aspargos verdes. É de ajoelhar, imperdível!

Algumas outras recomendações são o “ceviche de corvina y pulpo” (ceviche de peixe branco do atlântico e polvo) e “prensa de carrilleras” (uma carne cozida prensada, macia e saborosa, servida com um purê divino!).

Acho que a melhor alternativa de bebida para acompanhar é um bom vinho. O que o Mike te sugerir, pode aceitar de olhos fechados! No último jantar, tomamos um Chablis na temperatura ideal, que além de casar com a refeição, foi excelente pedida para uma noite de verão.

Feriado com a agenda concorrida

Semana passada foi feriado aqui em Madri. Nem adianta me perguntar  do que, não tenho a mínima idéia. É difícil a gente viajar nos feriados e até prefiro ir na contramão do fluxo turístico. Portanto, nunca me preocupo em saber quando é o que. Só sabia que segunda-feira passada era feriado, porque a amiga que nos chamou para o show da Cyndi Lauper no domingo me avisou!

 

Muito bem, no sábado, tínhamos só um almoço, um jantar com uma amiga que morou em Madri e estava de passagem e, na sequência, um aniversário! Na verdade, ainda tínhamos um convite para uma piscina, mas já tinha avisado que não iria dar conta!

 

Felizmente, na sexta, os amigos do almoço perguntaram se podia ser adiado para o domingo. Tudo bem, tínhamos o show, mas era mais tarde. Maravilha, assim dividimos melhor os compromissos!

 

Demos conta de fazer tudo e foi ótimo!

 

Acontece que no jantar da sexta-feira, foi o seguinte, essa amiga que morou aqui em Madri e voltou para o Rio, hoje vive com o namorado e está grávida de uma menina. Casar oficialmente não foi exatamente uma prioridade para eles, as coisas aconteceram mais naturalmente. Entretanto, ela comentou durante esse jantar que gostaria de em algum momento fazer uma festa, um evento, enfim, alguma coisa que marcasse esse ritual de passagem com a família e os amigos.

 

Uma outra amiga mexicana e eu ouvimos, nos olhamos meio cúmplices e, assim que deu, combinamos: e se a gente fizesse um casamento para ela aqui? Não seria o definitivo, mas seria simpático e carinhoso. Por que não? Enfim, combinamos entre a gente e chegamos à conclusão que deveríamos fazer meio que de surpresa, sem levantar expectativas nem formalidades. Simplesmente dizer que era um jantar entre nós e quando eles chegassem, descobrissem que era uma celebração da união dos dois.

 

Beleza, marcamos para terça-feira, até porque na segunda era feriado e não daria para comprar os ingredientes para o jantar. Na quarta eles já iam embora, ou seja, não havia outra data!

 

Acontece que não queria fazer qualquer jantar, né? Afinal, era um casamento, tudo bem que não era oficial, mas havia esse intuito. Precisava ser especial, puxa! Melhor que já houve um casamento em nossa casa e assim tinha alguma experiência anterior.

 

Por sorte, conseguimos comprar no feriado mesmo alguns ingredientes no Mercado de San Miguel. Adiantei algumas coisas na segunda-feira à noite, fiquei até umas três da matina cozinhando. O resto foi uma correria na terça, mas deu tudo certo!

 

Éramos oito pessoas, todas vestidas de branco. Trouxeram flores brancas e um bouquet de noiva também branco. Comprei no bazar aqui de baixo uma tiara de princesa, um véu e uma gravata de paetês. Tudo de fantasia, é lógico, mas era informal e ficou divertido.

 

Servimos queijos de autor, ovos de codorna trufados, crostillant de queijo, mini hambúrgueres com molho de pistache, bolinho de bacalhoada, bolinho de arroz com amendoim, verrine de salada de camarões com guacamole, quiche de tapioca e abobrinha, e couscous de cordeiro. Luiz fez um cardápio com nomes divertidos, afinal, ele é o homem de marketing aqui de casa, e assim eles também poderiam levar alguma recordação. O bolo de casamento, compramos pronto, não dava tempo de fazer e não faz parte dos meus talentos!

Claro que rolou uma cerimônia improvisada, com Luiz vestido de padre. Tinha uma fantasia aqui de algum halloween, inclusive, foi usada no primeiro casamento que fizemos aqui em casa também.

 

Resultado, foi bacana, até emocionante em alguns momentos. Valeu a correria e eles merecem!

 

Uma coisa legal, uma das convidadas, que antes conhecia mais de vista e agora ficamos em contato, adorou a história do jantar. Depois fiquei sabendo que Luiz já tinha feito propaganda para ela de que quero trabalhar com isso. Enfim, ela está envolvida com redes sociais e tomou a iniciativa de me divulgar, por exemplo, aqui. Assim que de maneira natural, pouco a pouco vou me inserindo nesse mundo profissionalmente da melhor maneira possível, entre amigos.

 

Na quarta, foi ensaio do coral. Aproveitamos para comemorar dois aniversários de integrantes e mais comidinhas rolaram… seguindo nesse ritmo, quem vai rolar daqui a pouco sou eu!

 

Na quinta, fomos à inauguração do restaurante de um amigo que conhecemos aqui quando ainda era barman. Bom, nunca foi um simples barman, tinha muita iniciativa e se notava que era alguém com suas ambições e grande potencial. Sempre torcemos bastante por ele e conhecer seu restaurante foi uma emoção e uma alegria enorme. Estava tudo delicioso e o lugar é lindo, dos que você tem a impressão que foi planejado com cuidado e executado da maneira correta. Ontem, por ser a inauguração, foi só uma amostra, assim que for jantar por ali, postarei um texto com maiores detalhes.

 

Na sequência, Luiz ficou em casa, porque tem que acordar muito cedo, e fui encontrar amigos na Sala Barco. É bem perto de onde moramos e toda quinta tem outros amigos tocando forró por lá. Acho chato ir sem Luiz, fico meio desanimada, mas papear um pouco também é legal e assim durmo melhor quando chego. No verão, parece um desperdício chegar cedo, fico com a impressão de estar perdendo tempo.

 

E para quem anda morrendo de preguiça, até que a agenda não vai mal…

Preguiça de verão

Mas ando numa preguiça…

 

É normal nessa época do ano por aqui, o verão espanhol é conhecido por sua dureza, faz um calor desértico, seco e árido. A temperatura esse ano não está das piores, mas mesmo assim a gente sente as conseqüências, principalmente as mulheres. A gente retém líquidos, incha que é uma maravilha! Até meus olhos acordam inchados e olha que a gente dorme em ar condicionado.

 

Tem seus pontos positivos também, a iluminação é fenomenal! Muda o astral das pessoas, muda a cor dos prédios, muda a cor da roupa, muda a cor da pele. Bom, minha pele não muda muito, porque sigo branquela e usando protetores de fator estratosférico. Mas as pessoas normais ficam mais morenas e mais bonitas.

 

Entretanto, esse ano algo aconteceu com o meio ambiente, porque está estranho para muita gente. Por exemplo, amigas (morenas) com alergia a sol; o pessoal, eu inclusive, acordando com os olhos inchados ou embaçados, como se fosse uma conjuntivite; alergias que são mais normais na primavera… Enfim, algo diferente no ar tem!

 

E eu com uma preguiça anormal! Em junho estava com a hiperatividade a mil, mal conseguia dormir. Agora, pareço meu gato, onde me esbarro quero me largar e tirar uma soneca!

 

Decidi bravamente não parar com o pilates, porque é uma maneira de me forçar à alguma atividade física. Vou às terças e quintas e quero morrer quando me levanto e lembro que é um desses dias! Mas é verdade que depois da ginástica, saio me sentindo muito melhor. No mínimo, menos inchada!

 

Agora, pergunta se a fome passou? Claro que não, né? Murphy é infalível! No calor a gente não costuma sentir menos fome? Para mim sempre foi assim, mas não sei que raio que me deu que ando esfomeada! Combinação excelente para quem diminuiu o ritmo de atividades!

 

Caraca, mas que preguiça… acho que vou fazer uma “siesta”…

Cyndi Lauper em Madri

Há cerca de um mês li em algum lugar que a Cyndi Lauper viria a Madri. Confesso que nunca fui uma fã ardorosa, mas achava ela divertida e achei legal a possibilidade de reviver um pouco dos 80 e da minha adolescência.

Chamei Luiz que não se empolgou tanto a princípio, mas também não chegou a negar. Mais próximo ao evento, uma amiga que já havia comprado seu ingresso acabou me reanimando a assisti-lo.

Felizmente fomos! Porque foi definitivamente um dos melhores shows que já compareci! Ela arrebenta em vários sentidos!

Vamos começar pelo começo, a imagem. Artistas muito estilosos quando jovens, às vezes não sabem envelhecer e fica aquela caricatura de alguém que não cabe mais na roupa que usa. Bom, obviamente, a Cyndi está longe de ser uma velhinha, mas já é uma senhora, digamos assim, e fiquei na dúvida de como ela conseguiria ser fiel à sua porra-louquice, sem ficar ridícula. Pois ela conseguiu! Continuou usando aquele cabelo colorido meio rasta e roupa original, mas que lhe cabiam perfeitamente na maior naturalidade. Seguiu parecendo a mesma pessoa, só que evoluída e não envelhecida.

Uma presença de palco totalmente consciente, madura, de quem sabe o que está fazendo. Liderança dos músicos, sem ofuscá-los em nenhum momento, muito pelo contrário, puxando o que cada um tinha de melhor. E uma energia que não é para qualquer um!

E o principal, uma voz do caramba! Afinadérrima, potente e exótica sem ser cansativa. Repertório de arrepiar literalmente, blues rasgado! Já chegou mostrando a que veio, levantou a galera e não deixou a peteca cair até o final! Impecável!

A louca ainda saiu duas vezes do palco e se misturou com o público embasbacado que não acreditava na sua ousadia. Tem que saber muito e ser muito segura para fazer isso uma vez só, imagina duas!

E sim, ela passou do meu ladinho, juro, cara a cara! Minha amiga e eu abrimos passagem e ainda esbarrou no Luiz!

Admito gente, fiquei tiete! Uma inspiração, quero ser assim quando crescer! Antes eu tinha um modelo para quando chegasse a uns sessenta e poucos anos, que era daquelas francesas que usam os cabelos bem curtinhos grisalhos, acho elegantérrimo! Mas pensando bem, não tem tanto a ver comigo. Agora quero ser uma coroa ruiva, rasta e divertida!

Foto de Angela Farias