Já devo ter contado em algum momento que temos um amigo que costuma dormir aqui em casa alguns fins de semana, um que conhece Luiz desde os tempos de faculdade.
Tradicionalmente, sempre depois de tomarmos todas e mais algumas, fazemos planos de pegar o carro no dia seguinte e ir até Bruxelas jantar em um restaurante português, que esse nosso amigo é fã. Sabe aquela conversa de bêbado recorrente? Pois é, mas a gente levava a sério, simplesmente, não conseguíamos acordar razoavelmente cedo no dia seguinte para pegar a estrada.
Com a possibilidade de mudar de Londres beirando a esquina, resolvi correr atrás de coisas e viagens que faltam fazer por essas bandas, mas que antes não havia pressa. E encabeçava a lista duas pendências: a tal viagem à Bruxelas e uma viagem de trem Londres-Paris. Luiz tinha uns dias sobrando de férias e não tive dúvidas em tentar encaixar ambas as viagens!
Bruxelas tinha que ser com nosso amigo, afinal, já havia virado até lenda! E gostamos de viajar com ele, não é todo amigo que você gosta que combina bem em viagem, mas com esse, sempre costuma dar certo.
Daí, combinamos o seguinte, sair com ele de carro no sábado, em direção a Bruxelas e dormir por lá. No domingo, ele voltava para Londres, porque tinha que trabalhar na segunda-feira, e Luiz e eu seguíamos de trem para Paris. De Paris, também voltávamos de trem para Londres. E pronto! Duas pendências resolvidas! Melhor que a encomenda!
Conto agora a primeira parte da viagem, de Londres a Bruxelas. Muito bem, no sábado pela manhã, fomos para a casa desse amigo que tem carro e partimos para a estrada.
Sempre ouvi falar que a Bélgica era super monótona, que Bruxelas não tinha nada demais e tal. Estive na Bélgica antes, em Bruges, que achei uma graça! Mas ficou faltando a capital. Nosso amigo havia estado em Bruxelas diversas vezes, por conta de trabalho e contava sobre alguns lugares que gostava bastante de lá. Então, achei que valia muito à pena conhecer sua Bruxelas, certamente, mais divertida que a tradicional. Eu nem queria saber para onde estaria nos levando, fui no espírito de relaxar e curtir o que tivesse.
Já comecei me divertindo no caminho. Porque, para quem conhece um pouco de geografia, Inglaterra é uma ilha, certo? Em algum momento você precisa passar pela água! Ou seja, que você faz essa travessia de barco ou via túnel. Sim, um túnel abaixo do mar. Nós fizemos pelo túnel.
É assim, você nem salta do carro, entra dirigindo e tudo dentro de um trem. Ok, sei que é uma bobagem, mas estava achando isso o máximo! O trem é totalmente aberto por dentro. Daí, depois que os carros estão acomodados, eles fecham os vagões com um portão, onde em cada vagão cabem aproximadamente quatro carros. E o trem sai. Você pode saltar do carro, tem banheiros disponíveis, mas a maioria fica pelo carro mesmo. A viagem dura aproximadamente meia hora, passa rápido. Quando você chega e o trem para, eles abrem novamente as portas entre os vagões e os carros saem sendo conduzidos para fora do trem. Muito organizado!

Chegamos a Bruxelas no comecinho da noite. Tínhamos uma reserva no tal restaurante português tão falado nas nossas noites britânicas e estávamos meio que em cima da hora. Foi só o tempo de largar as coisas no hotel, botar um perfumezinho para disfarçar e correr para o restaurante. Ficamos no NH-Atlanta, central e bem localizado, de onde podíamos fazer tudo caminhando.
Muito bem, o restaurante se chama “O Bifanas”, também conhecido como “Chez Sebastiao”. O Sebastião é um português saído de uma história em quadrinhos, sensacional! Recebe você na porta, com aqueles bigodes enormes enrolados e engomados, todo um personagem! E reconheceu nosso amigo, frequentador da casa, ainda que não morador da cidade.
O salão não é muito grande, com um aquário ao fundo, há outro andar na parte de cima, mas esse no térreo é o mais animado. Não são tantas mesas e parece um pouco apertado. Mas depois de um vinhozinho, fica bem aconchegante.
A gente com o estômago colando nas costas! Lá vem o Sebastião tomar nota do nosso pedido, uns bolinhos de bacalhau que já valiam a visita e em seguida, os meninos pediram bacalhau na brasa e eu um cordeiro. Fiquei na dúvida até se queria o peixe, mas qualquer coisa, poderia provar do Luiz.
Pois bem, na hora que chegam os pratos principais, recebemos três pratos de bacalhau! O Sebastião com aquela cara meio sem graça, dizendo que se enganou e pediu errado na cozinha! Ora pois! Veja bem, com a fome que estava, com a gentileza do portuga e com a aparência divina que estava o bacalhau, alguém acha que eu ia reclamar? Sem problemas, me atraquei com o bacalhau mesmo, com batatas ao murro, alho crocante e regado ao bom azeite!
Ao final da noite, quando a grande maioria dos outros clientes já haviam ido, e nós seguíamos firmes e fortes pela nossa terceira ou quarta garrafa de vinho, Sebastião veio conversar conosco e perguntar como estava a comida. Agradeci dizendo que foi o melhor cordeiro que comi na minha vida! Ele achou engraçado e ficou nossa piada até irmos embora, com a casa já fechando.
Veja bem, o restaurante estava fechando, mas nossa noite, apenas começando.
Dalí subimos a rua e fomos tomar um aperitivo no “La mort subite”. Achei o nome divertido. O local tem aquele jeitão de cervejaria tradicional antiga, com o pé direito muito alto e colunas elegantes. Não nos demoramos tanto, mas gostei de conhecer.
Nosso próximo passo era um bar cubano em uma pequena travessa da Grand-Place. Nós já chegamos meio calibrados, devo admitir. O bar tinha algum movimento e não demorou nada para a gente se sentir totalmente em casa! Três músicos ótimos tocando! O curioso é que o dono do bar era italiano, a garçonete argentina e um dos músicos que puxamos papo, uruguaio… Assim que talvez fosse um cubano meio falsificado, mas não nos atrapalhou em nada.
Em algum momento, acabou nosso dinheiro em euros e eles não aceitavam cartão de crédito! Luiz e nosso amigo tentaram achar algum caixa eletrônico e nada! Até que Luiz conseguiu convencer ao dono italiano fazer câmbio em libras, provavelmente, o pior negócio do mundo, mas pelo menos podíamos seguir a noite.
Preciso nem dizer que a gente se acabou de dançar, cantar e é lógico, que também fechamos o bar. Saímos com o resto das nossas bebidas em copos de plástico e com o portão já meio fechado.
Pensando que acabou? Nada! Estou dizendo que Bruxelas é divertidíssima!
Veja bem, admito que após o cubano eu estava meio somebodyelse, mas posso garantir que era a melhorzinha entre nós três! Luiz vinha em seguida, ainda sendo capaz de argumentar com algo de lógica e nosso amigo já estava bem para lá de Marrakech!
Nosso amigo disse que queria seguir bebendo e ele e Luiz ameaçaram entrar em um bar. Veja bem, meninos, observem em volta, só tem homem aí dentro e não parecem ameaçadores a mim! Desconfio que era um bar gay, o que não me preocupava exatamente. Óbvio que os dois machos podiam estar bêbados, mas nem tanto! Desistiram do bar.
Em frente, havia uma loja de bebidas abertas. Luiz sugeriu então que entrassem e comprassem alguma coisa para beber no quarto. Eu esperei do lado de fora, porque já nem podia pensar em beber mais nada!
Lá fomos nós caminhando para o hotel, Luiz carregando a garrafa e eu carregando nosso amigo pelo braço. Acho que provavelmente ventava muito essa noite, porque ele não conseguia andar em uma linha razoavelmente reta!
Nisso, a gente resolve cortar caminho por uma ruela super movimentada. No momento em que passamos em frente a uma discoteca ou algo assim, o segurança para o Luiz e resolve encrencar que ele não podia passar com aquela garrafa ali na frente. Dizendo que ele levou a garrafa de dentro do recinto! Veja bem, a garrafa estava fechada, dentro de uma sacola plástica com a nota! Mas enfim…
O problema é que enquanto o segurança começou a discutir com Luiz, larguei nosso amigo para ajudá-lo e quando virei outra vez, cadê ele? Perdi o amigo!
A essa altura Luiz discutia com suas mãos enormes com o segurança, dizendo para ele chamar a polícia! Coisa que deixou o tal segurança sem saber muito como reagir, chega o gerente para saber o que está acontecendo! Isso tudo na rua!
Pensei, bom, Luiz está discutindo, então ele está bem. Falei, fica aí argumentando que vou procurar o nosso amigo!
Dou aquela caminhada e vejo uma pessoa andando sem rumo e com o olhar distante, é ele! Mergulho no meio do povo, cato nosso amigo pelo braço e digo, vem comigo agora!
Ele colaborou e veio apoiado em um braço. Daí passo com nosso amigo no meio da discussão do Luiz, entre ele, o segurança e o gerente, cato Luiz com o outro braço e digo, ignora o que falarem e vem junto! E assim saímos daquela confusão sem ninguém que viesse atrás!
Alguns metros adiante, com aquele frio no rosto, estávamos os três melhores. A adrenalina também fez Luiz ficar bonzinho na hora. Ou pelo menos, esse era meu julgamento bastante suspeito.
De repente, no caminho, uma praça com uma enorme escultura interativa. Parecia um túnel vazado em arcos iluminados. Cada vez que passávamos embaixo de um desses arcos, ele mudava de cor e emitia um som. Gente, isso para três amigos bêbados é praticamente uma Disneylândia! Nem me perguntem por que, mas incorporei a mulher biônica e ia cantando a musiquinha da série, correndo em câmera lenta e pulando a cada arco que mudava de cor! Naquele momento, fazia todo sentido, juro! Logo, nosso amigo se juntou na corrida em câmera lenta, ajudando inclusive na sonoplastia (tã nã nã nããã nã nã nã nã nã nã nã nã… tu tu tu tu tu tu… o “nã nã nã” era meu e o “tu tu tu” era dele). E o sacana do meu marido, filmando tudo!
Pois é… sim… fomos pagando esse mico pela rua até o hotel!
Chegando no hotel, fomos deixar nosso amigo no quarto, que por sorte, sabíamos onde era, porque ele não! Paramos na frente do quarto dele e cadê que ele achava sua chave! A gente às gargalhadas com a cena surreal, sem saber como ele entraria, quando passa atrás o gerente do hotel! Eu acho que ele viu o estado que chegamos e deve ter subido em seguida para saber se estava tudo bem. Afinal de contas, porque o gerente estaria passeando pelo corredor do nosso andar no meio da madrugada por coincidência, né? Enfim, ele perguntou se havia algum problema, explicamos que fomos deixar nosso amigo, mas ele não achava sua chave. O gerente foi tranquilo, apenas perguntou se tínhamos certeza que o quarto era aquele e nos abriu a porta com sua chave-mestra.
Do jeito que nosso amigo entrou, desmaiou na cama de sapato e tudo. Luiz e eu nos olhamos, pronto, já está seguro! Fechamos sua porta e fomos para nosso quarto.
No dia seguinte, não dava para acordar tão tarde, porque nosso amigo precisava liberar o quarto dele até meio dia e nós ainda queríamos aproveitar um pouco a cidade.
Veja bem, se na madrugada anterior eu achava que era a melhor dos três, garanto que no domingo não havia nenhuma dúvida de que eu era a pior! Uma ressaca avassaladora! E vamos combinar, merecida!
Saímos para almoçar. Eu do lado avesso, mas sem querer dar o braço a torcer. Até que chegou uma hora, quando estávamos passeando em uma praça cheia de comidas e aromas, que pedi arrego! Preciso ir ao hotel agora bater um papo sério com o Raul!
Fui eu para o hotel e eles para um restaurante. Verdade que assim que coloquei para fora o que me incomodava, melhorei instantaneamente. Mas achei que almoçar seria demais. Fiquei esperando eles terminarem para descer e seguir o passeio.
Acontece que Luiz estava preocupado com a hora do nosso amigo voltar para Londres e já se despediram do almoço. Ele mesmo também queria dar mais uma descansada da noitada anterior. O que não achei nada mal.
Acordamos no finalzinho da tarde, com calma e saímos para passear um pouco e jantar. Nosso amigo enviou uma mensagem que havia chegado bem a Londres, então ficamos tranquilos.
Não tinha a mesma energia para outra noite selvagem, mas sem nenhum arrependimento. Na verdade, ainda me dá vontade de rir cada vez que me lembro das histórias.
A noite de domingo foi agradável, comemos bem e infelizmente não me lembro o nome do restaurante, mas era pequeno, em esquina entre uma rua e uma galeria, bem charmoso. Conseguimos a última mesa com bastante sorte, pois quase todas haviam sido reservadas.
De lá, voltamos para o hotel, passando novamente pela escultura interativa, que continuava interessante sem o teor alcoólico.
No dia seguinte, o plano era acordar sem pressa e ir direto para a estação de trem, rumo a Paris.
Acontece que não dormimos tão tarde, não estávamos de ressaca e não havíamos conhecido a principal atração da cidade: a estátua do Manequinho (Manneken Pis)! Sim, aquele menininho fazendo xixi, que sei lá por que cargas d’água atrai tanta gente!
Olhei no mapa, não ficava longe, tentamos? Tentamos!
Deixamos as malas já prontas na recepção, e saímos em caminhada rápida para o local indicado. Veja bem, é bastante decepcionante, vou logo avisando! É uma esquina de nada, nem é uma praça, com uma estatuazinha também de nada que faz xixi. Mas enfim, se era passagem obrigatória pela cidade… checked!

Aproveitamos para comprar chocolate, afinal, as chocolaterias belgas são motivo de orgulho nacional e encerramos nossa visita.

E de agora em diante, se alguém se atrever a dizer que Bruxelas é monótona, só posso responder que talvez monótona não seja a cidade… A que a gente visitou é ótima e divertidíssima!