Existe uma clássica pergunta feita sempre que a gente chega de algum lugar, seja por mudança, por férias ou por uma saída na esquina, o famoso “e, aí, como foi?”.
Às vezes, é uma mera pergunta retórica, quase por educação, ou como iniciar uma conversa, ou até por real curiosidade. Não importa a razão, mas é uma das perguntas que mais preguiça me dá em responder. Porque geralmente foi tanta coisa que nunca consigo resumir em uma resposta educada de dois minutos.
Quase tenho inveja do Luiz, que responde qualquer pergunta laconicamente com um “foi tudo bem…”, seja para descrever como foi um jantar ou uma cirurgia no cérebro! Eu já começo a conversa dizendo, se me responder simplesmente que foi tudo bem nós vamos brigar… Daí ele faz um esforço sobrehumano e consegue arrancar mais duas ou três frases de explicação. Sou o extremo oposto, sou daquelas que se me perguntam “como vai?”, eu me sinto na obrigação de explicar. E as vozes da minha cabeça ressoando: sério, Bianca? Você não podia dizer apenas que vai tudo bem?
O fato é que me peguei pensando que ao chegar ao Brasil, alguém poderia me perguntar, e aí, como foi? Pois há um par de semanas que tento responder em um diálogo imaginário como foram esses últimos onze anos. Inevitavelmente, me vem uma retrospectiva de tudo que tenho feito.
E, se por exemplo, tivesse que refazer meu currículo? Saberia exatamente como começar, como relatar os resultados concretos do que fui capaz de executar em termos de negócios, mas há uma lacuna que não consigo preencher direito com palavras. É como se me viessem vários flashes de pedaços de experiências, uma montagem relativamente absurda e um tanto desordenada com imagens de momentos mais marcantes.
Tenho me permitido embarcar nessa viagem pelo tempo e atualmente me custa fechar os olhos e não lembrar de mil sensações diferentes. Eu não caibo mais em uma história só. E confesso, meio sem graça, que isso me deixa bastante orgulhosa.
Ainda tenho forte a memória da angústia adolescente de achar que podia tudo e da irritação que me provocava a frase do meu pai “quem corre cansa, quem anda alcança”. Eu precisava começar logo a abraçar o mundo com as pernas, porque se não começasse rápido, talvez não me desse tempo de experimentar tudo que gostaria. Pelo menos, era assim que eu sentia. De certa forma, também intuía que o preço seria sempre precisar partir. E para ser franca, mesmo depois de tantos anos, ainda não aprendi a fazer isso sem dor. Talvez porque essa possibilidade nem exista.
Agradeço por ter podido registrar boa parte desses últimos anos, coisas que vi, que aprendi, que tentei. Porque cada vez mais acho que se a primeira coisa mais importante é viver uma experiência, a segunda certamente será a memória dela. É quando a gente pode revisitar lugares, opiniões, sentimentos. Tudo sem precisar sair do lugar. Mas um dia você precisou, um dia você partiu, você fez e hoje felizmente há muita coisa que posso dizer que fiz.
Talvez fosse mais fácil resumir e lembrar simplesmente que foi tudo bem, acontece que não quero uma memória resumida, quero ela inteira! E quero tanto mais…
Confesso que é provável que esse seja um dos meus muitos medos em morar novamente no Brasil. Dá um pouco a sensação de fim de férias prolongadas, o que não é o caso. Como se alguém me dissesse, pronto já viajou bastante, agora sossega o faixo aí um pouco! E eu sei que não vou sossegar, nem preciso.
É que às vezes é duro a gente tomar a consciência dos limites que a vida nos impõe. A tal da minha eterna angústia adolescente mal resolvida de achar que não vai dar tempo para tudo que ainda quero e posso fazer. Uma vontade enorme de congelar minha idade agora, ou até um pouco antes, e juro que não por uma questão de vaidade, mas por me dar tempo e saúde.
Mas enfim, e aí, como foi?
Pois dormi em hotéis, dormi em castelos, dormi no deserto, dormi no chão, andei de avião, andei de metrô, andei de balão, andei, atravessei os Pirineus andando, atravessei uma fronteira andando, atravessei um país andando, perdi o medo, perdi a vergonha, perdi a paciência, dancei muito, bebi litros, festejei com amigos, festejei com estranhos, aprendi outras línguas, aprendi muitos sabores, cheguei amanhecendo, vi por-do-sol em Telaviv, caminhei em Petra a luz de velas, queimei a pele para provar que fico morena, queimei o pavio, cheguei ao fim da terra (ou Finisterre), cantei em bares, cantei, batuquei, cortei o cabelo, deixei crescer, engravidei, perdi, chorei um rio, ri da barriga doer, senti calor, senti frio, senti fome, senti dor, senti preguiça, morri de saudades, usei véu na Jordânia, tomei café na Espanha, almocei na Itália, jantei na Alemanha, ouvi música ao vivo em Londres, ganhei asas, tatuei asas, fiz tatuagem de henna com uma indiana, nadei em Dubai, cozinhei em Paris, tomei um porre de champagne em Paris, esqueci de perguntar as profissões, apoiei, fui protegida, voltei caminhando para casa sozinha sem medo, esquiei em tempestade de neve em Val d’Isère, esquiei de bunda em Andorra, desenhei em museos, fui literalmente para lá de Marrakesh, barganhei na Turquia, naveguei entre dois continentes, assisti um concerto em uma igreja em Praga, ouvi violinos em Veneza, assisti óperas em Viena, andei de motorino em Roma, voltei de madrugada para o hotel imitando a mulher biônica em Bruxelas, andei de trem por debaixo do mar, toquei o muro de Berlin, me emocionei nos muros de Jerusalém, perdi gente na família, perdi amigos, perdi meus gatos, adotei dois gatos, falei com milhões de desconhecidos, encaixotei, desencaixotei, encaixotei outra vez, desencaixotei outra vez, carreguei um sofá na rua em Madri, pulei sete ondas no mar, pulei sete ondas imaginárias, pulei sete ondas na banheira, praguejei em espanhol, falei errado, falei pouco, falei demais, fingi que entendi, comi croquete em Amsterdam, vi Flamenco em Andaluzia, me neguei a dirigir, abri portas com sorrisos, aprendi a correr, aprendi a boxear, aprendi a cortar jamón, aprendi a pedir ajuda, consegui comer apimentado sem meus olhos nem meus lábios incharem, tomei whisky nacional na Escócia, descobri que na Inglaterra há mais definições para tons de pele do que cores de cabelo, cheguei a conclusão que passar roupa é absoluta perda de tempo, me cansei de ver ruína romana… e posso seguir enumerando mais uma penca de páginas de pequenos momentos tão comuns e igualmente tão extraordinários e reveladores, dependendo do prisma em que se olhe.
O mais importante para mim é que são memórias, minhas, reais. Todas elas tem um significado, uma história. E a minha resposta sobre como foi? Foi num piscar de olhos…e sim, foi tudo bem.
Adorei esta crônica! Na leitura parecia até que eu estava vivendo os seus momentos de tão real que achei. Como a vida continua…vc ainda terá muitas mudanças mais e muitos outro s lugares para conhecer. Bjs
Obrigada, mãe! Viu como você sabe escrever bonitinho? rsrsrsrsrs… Sei que muitas mudanças mais virão, mas pelo menos essa é para mais pertinho, né? 🙂 Beijo
hahaha, uau, vc consegue colocar tudo de maneira muito legal, suas experiências, emoções,sensações desejos tudo de maneira muito suave e gostosa de ler, parabéns.Eu ,Faty minha mulher, e minha filha Catharina adoramos viajar, no começo do ano fizemos Tailândia,Vietnã, Malaysia Singapura em dois meses, que foi bárbaro, muitos momentos incríveis,paraísos, cultura cheiros paladares como vc diz ,coisas que levamos p/nossas almas,passam a fazer parte da gente.Agora em junho fizemos quarenta e cinco dias de Oriente Médio, que foram muito legais, passamos por Tel Aviv Eilat depois fomos a Aqaba que ficamos cinco dias em um Resort em frente ao mar vermelho incrível,Petra onde vcs estiveram, bárbaro, nosso planeta tem muita historia Ammam uma viagem no deserto e Dead Sea e brincamos muito no mar morto, grandes experiências principalmente p/ a Catharina que tem quatorze anos.Cera que estou me estendendo muito , se tiver desculpe me, mas vc pediu hahaha… Dai fomos p/ Jerusalém cidade linda, mas estávamos um pouco apreensivos pois tava rolando uma guerra cruel por lá,dai partimos p/ Turquia que nos fez viajar literalmente, muitos cheiros historia paraísos cultura tudo incrível.Agora estamos com um pouco mais de vivencia e experiência com o nosso lindo Planeta, e que devemos fazer nossa parte,cuidando dele da melhor forma possível. Pessoas como vc mostra como o ser humano pode ser especial . Desejo que no seu retorno ao Brasil ,só tenha felicidades.
Abs
Lelo
Tudo de bom esse texto Bi! Com seu espírito inquieto e aventureiro, com certeza muitas coisas boas virão! 🙂 Tem um outro lado do mundo querendo te conhecer… Rsrsrs Beijos
Esta viagem te deu a oportunidade de redescubrir-se em uma grande variade de ambientes. O que voce ganhou permanecera para sempre dentro de voce, e isso nao tem preco. Acredito que seu viagem continuara e tudo sera bem. Beijo
Em um desses Natais que a família se junta para confraternizar e rezar, ouvi de minha tia que é a matriarca de uma família que se manteve unida por causa dela, a seguinte frase: ” Caminhante, não há caminho. Faz-se o caminho ao andar…”
É isso, Bianca. Seus caminho é muito lindo e seus passos te trarão mais momentos tão significativos e belos quantos todos estes que você relatou.
Pelo pouco que te conheço vem a sensação de que não é em vão que Deus te “programou” com coragem e retidão. Parabéns.
Foi tudo bem né? E sempre vai ser melhor. Ainda que faça um esforço…nao consigo entender a europa sem Bibis e Luiz 🙂
Uma das mais lindas crônicas que jamais li Bi !!!!!
Show de bola, me emocionei,que bacana!!!!
Das experiências que senti falta foi nossos desfiles de carnaval pelas ruas de Madrid e das suas exposições geniais e que de uma delas tenho um quadro seu de presente:-), que te reflete exactamente, assim como essa crônica, cheio de retas, curvas, pendalos, formas, espacios, apertos, altos e baixos…. adoro ele e sua autora….
Beijos :-):-):-):-):-):-)
Nossa Bianca! Maravilhoso! Mas só está começando, ainda tem mais uma centena de coisas a fazer. Não perca! Seja bem vinda de novo! Bj
Disse tudo! Viver na Europa simplesmente propicia tudo isso. É mesmo como férias permanentes. E eu concordo com o comentário da tua mãe. Ler essa crônica foi como fazer uma viagem em poucos minutos. Vou sentir muitas saudades dos relatos das tuas experiências por aqui, pois elas em muitos sentidos eram bem semelhantes as minhas. Era como ter alguém com quem compartilhar mesmo sem estarmos nos falando.
Marida, e a vida e maravilhosa por todas essas memorias, e so o que a gente leva daqui :):):) E assim…… foi tudo bem :):):):) Beijos
E essa é Bianca Rocha!!!! Lindo amiga!!!!! Que bom poder olhar para atrás 🙂 Beijos 🙂
Que texto maravilhoso, relembrei muitas das suas historias do seu blog com esse flash de memória, confesso que são experiências invejáveis que tornaram a pessoa que voce é! Então foi tudo bem!!!! Que bom. Beijo