As Vindimas de 2022

Para início de conversa, não foi um dia de vindima, foram dois: no dia 17 de setembro, colhemos as uvas brancas; e no dia 24 de setembro, sábado seguinte, colhemos as tintas. Emoção dupla!

Acalmando os impacientes, minimizo o suspense para dizer que, dentro do possível, tudo correu bem!

Começo pela parte mais fácil, vamos à matemática. Números são frios, porém diretos e uma das formas de avaliarmos nossos resultados.

As negociações com as uvas aqui no Douro são feitas normalmente utilizando uma unidade chamada “pipa”. Cada pipa equivale a 750 kg, que por sua vez, originam aproximadamente 550 litros de bebida.

No ano passado, quando pegamos um vinhedo completamente mal cuidado e já sem tempo de se recuperar, colhemos apenas uma pipa (750kg) e entregamos as uvas, não fizemos nenhum processo de vinificação, até porque além da completa falta de conhecimento, não tínhamos um lagar em condições.

Esse ano, 2022, antes do incêndio, nossa previsão era colher por volta de 7 pipas, cerca de 5 toneladas de uvas tintas e brancas (75% brancas e 25% tintas). O fogo nos atingiu em cheio, apenas 15% das uvas brancas intáctas, ainda que próximas às chamuscadas; outros 15% de uvas brancas levemente afetadas; e o resto todo, 70%, queimado! Assim que ninguém ao nosso redor esperava que fôssemos capazes de colher mais que uma única pipa em condições, mesmo assim, sem ter a certeza que a fumaça comprometeria a qualidade das uvas. Ou sequer se nos valeria à pena ter o trabalho de colhê-las ou melhor seria entubar o prejuízo e minimizar as perdas.

Depois de um esforço, modéstia às favas, hercúleo, e não por nos auto elogiar, mas porque não tínhamos alternativa, colhemos ao redor de 2,5 toneladas de uvas (2 K de brancas e 500 kg de tintas). Ou seja, 50% do que pretendíamos colher em uma situação normal, porém mais que o triplo das expectativas e do ano anterior.

Claro que podemos ler esses números como o copo meio cheio ou meio vazio. Porém, minha opção é ler como o copo transbordando, fala sério! Prefiro mil vezes 50% de alguma coisa que 100% de nada!

Mas, veja bem, até agora, só falei de números, o que sinceramente, acredito ser a menor parte dessa equação. Porque há coisas, caríssimos, que não se medem em valores percentuais ou financeiros.

Nesse último ano de trabalho, posso assegurar que foi o equivalente a uma faculdade inteirinha, me arrisco a dizer que até iniciei um mestrado nas minhas vinhas! Mais que isso, o curso foi no exterior, quando você também precisa entender a cultura local.

Resumidamente, chegamos a um novo país em plena pandemia de COVID, com dois gatos a tiracolo e um passado resumido em 50 caixas embaladas. Tomamos posse de uma vinícola quebrada com duas casas inabitáveis. Eu mal entendia o sotaque das pessoas, imagina o que entenderia sobre a terra, vinhas, documentação…

Em um ano, olha onde a gente chegou? Entrei com o respeito de quem visita e com a vontade de quem quer ficar. Escolhi essa vida e esse lugar, o pacote completo, com a parte boa e a ruim, com os prazeres e as dores. Luiz chegou junto, apesar de seguir trabalhando em outro país, independente de estar ou não fisicamente presente, esteve sempre ao meu lado. Mas essa parte conta ele, só tenho o direito a falar por mim.

O fogo deixou suas cicatrizes, que ainda recentes, um dia vão parar de arder. Adoro uma frase do Isak Dinesen: “A cura para tudo é água salgada: suor, lágrimas ou o mar”. E muita água salgada rolou por aqui! Mas sei que, uma vez curada, a lembrança que ficará é que éramos tão parte da comunidade a ponto dos vizinhos se arriscarem para salvar nossa casa; que os amigos, de longe ou de perto, compartilharam o sofrimento conosco e o deixaram mais leve; que saiu gente conhecida e desconhecida oferecendo ajuda, apoio, dinheiro, ideias; que recebi mensagens emocionantes, bonitinhas, inspiradoras; que tiramos fôlego dos rins para trabalhar nas vinhas; que buscamos conhecimento; que ouvimos, ouvimos, ouvimos… aprendemos, aprendemos e aprendemos todos os dias!

E, finalmente, tudo isso culminou em um resultado: teve vindima!

Fomos no suspense até o finalzinho, controlando o grau das uvas diariamente, administrando o complicado cobertor curto entre a espera do momento ideal para a colheita da uva e o quanto essa mesma uva aguentaria viva no pé. É uma escolha de Sofia, porque a cada dia perdia um pouco mais de produção, mas também não adiantava colher uvas que não possibilitariam executar um bom vinho.

Perdemos a adega que faria a vinificação… conseguimos outro lagar emprestado e ajuda para o processo há duas semanas da possível colheita … descobrimos que não tínhamos direito ao seguro de incêndio… há 3 dias da vindima, caiu do céu um enólogo… e os amigos que se propuseram a nos ajudar na colheita com uma paciência de Jó, sem poder confirmar as passagens nem hospedagem… não dá mais, é agora ou não é!

Marquei para o final de semana, 17 de setembro, sábado, as uvas brancas e, supostamente, no domingo 18 faríamos as tintas.

Na sexta-feira, os amigos começaram a chegar. Admito que estava meio tensa. É normal ficar um pouco mesmo, mas a pressão nas costas desse ano tinha várias cerejinhas do bolo, né? No sábado, às 7h da matina estávamos a postos e prontos para começar. Havia gente com e sem experiência, portanto, dividi os grupos de maneira que os novatos tivessem sempre alguém com experiência por perto. Luiz ficou de coringa, dando apoio aos grupos e recolhendo os baldes cheios. Ano passado, a coringa fui eu, esse ano, fiquei na colheita.

Por volta de 13h, havíamos colhido todas as uvas brancas. A produção foi maior que esperávamos, tivemos até que pedir baldes emprestados aos vizinhos. Foram pouco mais que 70 baldes, cada um com aproximadamente 28 kg. Ainda restaram algumas uvas brancas, mas não tínhamos mais como transportar, de maneira que Luiz teve a ideia de doar o que sobrasse de uvas brancas para os vizinhos. De toda maneira, o caminhão só poderia transportar as uvas para o lagar emprestado a partir de 16h30. Decidimos, então, fazer uma pausa para almoçar, até porque o dia prometia ser ainda bastante longo.

Foram necessárias duas viagens para levar todas as uvas brancas e já começamos a vinificação das mesmas no final da tarde. As uvas estavam com 11,5 graus, o que não é ruim para as uvas brancas. Porém, essa mesma medida para as tintas seria baixo. De maneira que o enólogo que estava nos apoiando sugeriu que adiássemos a colheita das uvas tintas para a semana seguinte.

Aceitamos a recomendação, o que se provou a melhor decisão. Nós deixamos o lagar emprestado por volta de 22h, eles inclusive, seguiram por lá mais tempo. Estava completamente exausta! Não tinha nem mais voz! Ainda que não estivesse terminado, me tirou um peso de literalmente 2 toneladas dos ombros!

Entretanto, os amigos que foram nos ajudar estavam completamente curiosos com a colheita e vinificação das uvas tintas. As uvas brancas simplesmente passam por um esmagador e um tipo de prensa, vão para as cubas no mesmo dia. São as uvas tintas que vão para o lagar para serem pisadas. Ou seja, claro que todo mundo ficou com vontade de participar da “pisa”! Mas nunca poderia pedir para eles voltarem na semana seguinte, vamos combinar, que já estavam me ajudando muito, né?

Pois, acredite se quiser, todos toparam voltar, um dos casais inclusive, decidiu nem ir embora!

Muito bem, passei a semana cuidando da uva tinta e, felizmente, uma chuvinha na semana anterior ainda ajudou a segurá-las vivas um pouco mais de tempo. Sim, durante essa semana perdi uma parte da produção, que conto melhor na sequência, porém o grau chegou aos 14, que era o ideal!

Chegou o sábado seguinte, 24 de setembro, e novamente os amigos animados trazendo aquela super energia que a gente precisava. Mais um casal de Mirandela se juntou a nós.

Novamente, nos separamos em grupos e fui para a parte mais alta com uma amiga, onde as vinhas foram mais afetadas e precisávamos ser mais seletivas. Os amigos orientados para, em caso de dúvida, provar do cacho para garantir que só o que estivesse bom seria colhido. Juro para vocês que a colheita das uvas tintas foi nesse nível de detalhe!

Vou ser sincera, essa colheita teve um aspecto frustrante para mim, porque por mais realista que estivesse mantendo as expectativas. Nossas vides tintas foram totalmente afetadas, não havia um só pé que não houvesse ardido de alguma maneira. Porém, na primeira semana após o incêndio, quase todos esses pés, ainda que secos, carregavam cachos saudáveis e fui acompanhando dolorosamente o processo deles murcharem e mudarem de cor ao longo dos dias. É complicado assistir essa torneira aberta e não poder fazer nada a não ser regar eventualmente, torcer e esperar.

Antes de 10h, nossa colheita estava encerrada, contei os baldes, fiz meus cálculos por alto e percebi que tínhamos cerca de 500 kg de uvas tintas. O que não disse no dia e só compartilho agora é que essa última semana de espera para alcançar o melhor grau nos custou mais de 200 kg de produção. Liguei para o enólogo para avisá-lo e prepará-lo para os químicos necessários, queria também saber se seria possível produzir essa quantidade, o que ele me confirmou.

Liguei para o responsável pelo lagar para ver se conseguíamos adiantar um pouco a recolha das uvas, marcada para às 14h. Nesse momento, ao saber da quantidade, ele me ofereceu uvas para vender e completar uma produção maior, o que não me interessou.

Comentei a conversa com Luiz, que queria me convencer de todo jeito a aceitar a compra das uvas. Eu já estava estressada com a perda das uvas durante a semana para garantir o grau, agora mais essa? Bati o pé e fui terminantemente contra! Não fazia o menor sentido! Desde o início, essa trabalheira toda para salvar nossa produção justamente para entender que vinho éramos capazes de fazer, e agora, aos 45 minutos do segundo tempo, ia lá eu misturar com uvas de outra Quinta? E sabe-se lá que qualidade tinham essas uvas? Se eu tivesse algum compromisso comercial para vender meu vinho é outra coisa, mas não era o caso. Pelo contrário, só iria aumentar nossos custos e para que?

E mais, se por um lado toda essa situação prejudicou nossa produção; por outro, as poucas e restritas garrafas dessa safra terão características únicas, em história e em sabor! Isso faz toda diferença! E pronto, me concentrei nesse aspecto e a irritação foi se acalmando.

Nisso, já relaxados, tomando vinho e lanchando, recebemos o convite para tomar “algo especial” na casa do nosso vizinho de baixo. Lá vamos nós animados, eu achando que era só para tomar o Portinho caseiro que ele faz, que é um esculaxo de bom!

Acontece que o “algo especial” se tratava de um Porto literalmente centenário que ele havia encontrado escondido atrás de uma cuba, em um lagar abandonado que seria reformado. Esse meu vizinho avistou a tal garrafa, foi se arrastando na terra por baixo das cubas na curiosidade do que seria e se deu com essa preciosidade. Acredite se quiser, teve a generosidade em dividir conosco essa experiência impagável de tomar esse néctar dos deuses! É difícil explicar o que era aquele sabor e compartilhado com aquelas pessoas tão especiais. Daqueles momentos que valem uma vida inteira!

E se ainda restasse alguma fração de tensão no corpo, se dissipou completamente ao chegarmos no lagar e nos prepararmos para pisar as uvas. Entrei na piscina de concreto sozinha, para espalhar as uvas esmagadas e separadas de seus bagos que baixavam por uma mangueira. A sensação de tocar aquele suco grosso e frio com a sola dos pés é agradável e diferente de tudo que havia experimentado. É tudo junto, desde a questão sensorial, física, como também o que passa na cabeça, a concretização de todas as coisas que aprendemos e passamos nesse mesmo ano. Naquele momento, todo trabalho de um ano inteiro ao alcance dos meus pés. Eu precisava desse ritual.

Aos poucos, os amigos foram se juntando, não sabíamos muito bem quantas pessoas poderiam estar ali, se isso ajudava ou atrapalhava, se devíamos nos revezar. Mas quem é que queria sair de lá? No final, éramos 6 pessoas lá dentro e tudo bem! Brincamos, cantamos, dançamos quadrilha… cada um na sua viagem e ao mesmo tempo, juntos no mesmo objetivo.

Os pés ficam roxos, principalmente na sola! Leva dias para sair e não há banho que resolva! Mas não trocaria esse dia por nada! E sou feliz porque sei que outros dias assim virão, os próximos, no meu próprio lagar.

Dia seguinte, fomos almoçar e ainda nos juntamos a outros dois casais que vieram do Porto com a intenção de também ajudar na colheita, mas chegaram um pouco tarde. Fomos comer um cabrito assado para celebrar essa etapa e despedir dos amigos. Todos mais relaxados e cúmplices, afinal, compartilhamos momentos únicos, imagens, aromas, sabores e sensações. Ok, admito que o vinho até me subiu um pouco à cabeça, acho que foi aquele momento de alívio e de certa euforia de ter superado essa fase.

Não costumo citar os nomes das pessoas aqui no blog, abro raramente certas exceções e hoje é uma dessas vezes, porque necessito expressar minha gratidão a pessoas muito, mas muito queridas, que sairam das suas casas e abriram mão do seu precioso tempo para nos ajudar. Sandrinha, a amiga que também participou da nossa primeira vindima, é sempre a primeira a confirmar e chegar desde Madri com toda energia positiva da face da terra; Astréia e Renato, novos super amigos que conquistaram rapidamente o status de família, que vieram também de Madri e ainda trouxeram o Renatinho filho para reforçar o grupo; Mauro, um amigaço que tive o prazer e o privilégio de resgatar dos tempos que ainda trabalhava em consultoria de negócios no Brasil, e agora compartilhamos novamente o mesmo país, ele em Lisboa; Zé e Laurindo, dois irmãos e nossos vizinhos de baixo, os mesmos que se arriscaram para salvar nossa casa do incêndio e dona Amália, a esposa do Laurindo, que também veio contribuir; vou repetir o Zé, que além do que falei acima, ainda compartilhou seu Porto de mais de 100 anos conosco, tornando essa experiência ímpar não só para mim, mas para todos nossos amigos; Annibal, meu amigo-primo, que estava de férias na região com amigos que nem me conheciam mas vieram, Vik e seu filho, para colaborarem no primeiro dia de colheita; Paulo e Sandra, amigos recentes e já frequentes em nossa casa, com objetivos parecidos aos nossos, que vieram de Mirandela nos apoiar na colheita das uvas tintas. Todos vocês, promovidos ao “conselho diretor” no ano que vem e com lugar garantido na nossa casa e na nossas vidas!

Não sei como será o vinho, é cedo ainda e já aprendemos que nada na vida é garantido, mas essa será uma outra história e ficará para outro dia. Fecho hoje esse ciclo com a sensação de missão cumprida, fiz “o meu melhor possível”.

E lembram daquela equação lá atrás, a que falei dos valores numéricos e percentuais, pois bem, o que fecha essa conta é impossível de se colocar um preço. Como é que posso mensurar todo um caminho? Como posso atribuir um valor para tudo que aprendi e vivi nesse último ano? Como posso ser grata o suficiente?

E falando em gratidão, faltou o principal. Acho muito bonitinho como eles aqui usam o termo “meu” para definir de maneira carinhosa a família mais próxima. Como se o pronome não quisesse mais ser tão possessivo e se tornasse paradoxalmente pessoal. Por exemplo, eles não dizem: meu filho, Pedro. Eles dizem diretamente, meu Pedro. Pois finalizo agora lusitanamente agradecendo ao “meu Luiz”, entre erros e acertos, sustos e vitórias, seguimos aqui de pé e juntos, meu amor, melhor amigo e parceiro, somos um time e tanto! Às vezes, não tem jeito e a gente escorrega um pouco, mas “Capoeira que é bom não cai. E se um dia ele cai, cai bem!”

O melhor possível!

Contrariando muitas expectativas e apesar do incêndio, no próximo final de semana, faremos nossa vindima! Após um período de incertezas, a dedicação e o trabalho duro prevaleceram!

Há algum tempo, assisti um vídeo espanhol que achei muito interessante sobre como as gerações anteriores respondiam à atual diversidade de gêneros. Admito que mesmo não sendo assim tão antiga, às vezes também me pego com algumas dúvidas. Enfim, em determinado momento, está uma pessoa nascida mulher que não se identificava com o gênero feminino explicando essa situação para um casal de idosos. O senhor ficou confuso em como tratar uma pessoa assim, se deveria chamar de senhorita, senhor, ele, ela… como seria a forma adequada? A esposa dele tinha dificuldade auditiva e ele se vira para ela para explicar a questão e ouvir sua opinião. E pergunta à esposa, como você trataria uma pessoa que não se identifica nem como homem nem como mulher? Fiquei curiosa para saber o que a senhora idosa responderia, porque honestamente eu mesma não saberia o que dizer. E ela responde sem pestanejar: trataria o melhor possível! A pergunta era em relação a que pronome ou termo utilizar, mas nesse caso, o verbo “tratar” funciona para ambas interpretações. Achei a resposta genial! Em sua simplicidade, a senhora idosa foi ao centro da questão e ao que verdadeiramente importava.

E, por que estou contando isso? O que a diversidade de gêneros tem a ver com o incêndio na minha Quinta?

Nada! Mas é que, a partir da resposta daquela senhora, todas as vezes que não tenho a menor ideia de como vou fazer alguma coisa, respondo para mim mesma: o melhor possível! E pronto, um magnífico coringa! Num passe de mágica, não tenho mais um problema, não preciso achar a solução perfeita, só preciso fazer… o melhor possível!

Portanto, caríssimos, ao lamber minhas feridas sem a menor ideia se teríamos colheita, se salvaríamos as vinhas, se conseguiríamos fazer nosso vinho… e como seguir adiante depois de levar essa voadora no peito… respirei fundo e pensei: da melhor maneira possível! Vai com medo, vai tropeçando, vai triste, vai puta da vida, mas vai!

E fui! Fomos! Como se diz por aqui, até ao lavar dos cestos é vindima!

Estudei, li, inventei, perguntei, pedi ajuda, trabalhei feito uma burra de carga e acreditei. Assim sendo, outros também acreditaram, em mim, em nós e nas nossas vinhas.

O fato é que sim, em um par de dias, teremos vindima! Sábado, 17/09, colheremos as uvas brancas e no domingo, 18/09, colheremos as tintas! As uvas estão no limite do que podem aguentar, mas aguentaram. Não sei se o vinho será perfeito e não me importa, porque o vinho que ele for me trará o sabor de vitória. De fênix para fênix!

A parte divertida é que, logo após a colheita, começaremos o processo de vinificação. Quando contava isso para minha mãe, ela me perguntou: e você sabe fazer vinho, Bianca? E respondo segura: mas é claro… que não! Você já me viu fazer vinho na vida?

E como é que faremos, então?

Todo mundo aqui sabe o que vou responder: o melhor possível! É lógico!

E, acredite quem quiser, hoje, a meros 3 dias da vindima e do início da fabricação do nosso primeiro vinho, consegui finalmente o contato e acertei com um enólogo para nos apoiar! Isso tirou um peso incomensurável das costas! Imagina quanta coisa a gente pode aprender, sem falar em quantos erros evitaremos! E o fundamental, poderemos entender concretamente quais as castas deveremos nos dedicar nos próximos anos para produzir o melhor equilíbrio da nossa produção.

Tenho usado os momentos de folga para estudar pacas! No mínimo, para entender quais são as perguntas certas. Quando você precisa de ajuda, como eu, é importante ter esse tipo de dedicação. Ninguém tem tempo para perder com quem não se esforça. Por outro lado, muita gente se sensibiliza com quem está tentando acertar e respeita o trabalho. E isso, caríssimos, não é pena, é senso comum de justiça, felizmente, uma das boas características humanas. Portanto, me sinto muito honrada e grata quando recebo uma mão amiga de algum lugar para me dar um impulso para cima.

Amanhã, começam a chegar os primeiros amigos que aceitaram com generosidade doar seu tempo e seu trabalho para essa colheita acontecer! Não posso ser mais agradecida por todo esse desprendimento! Juro que é o que mais me emociona nesse processo. Agora mesmo, as borboletas estão fazendo a festa na minha barriga, é uma mistura de alegria, orgulho, preocupação… A cabeça a mil, passo e repasso as etapas mentalmente ou em listas rabiscadas na agenda para tentar não esquecer nenhum detalhe e, ao menos, oferecer uma experiência bacana para toda essa gente legal que nos cerca.

Nada é garantido na vida! Não sei ainda a quantidade e a qualidade do que vamos colher, temos um longo caminho pela frente. E tudo bem! Importa que não lavamos nossos cestos por antecipação e, às vezes, é muito bom saber que o mundo guarda algo de justiça, que vale a pena acreditar e fazer o nosso melhor possível!

E a frase que estava entalada na garganta, louca para ser dita: habemus vindima!

E como vamos?

Lutando… um leão por dia. Alguns deles, cheia de otimismo, outros sem vontade de levantar da cama, mas levanto assim mesmo e bem cedo porque não há alternativa que não seja seguir em frente.

Talvez o momento mais difícil tenha sido o primeiro dia após o incêndio, quando cheguei pela manhã para checar o que havia acontecido. Na noite anterior, um domingo, o fogo ainda não estava totalmente controlado, mas foi o suficiente para conseguirmos entrar e ter uma ideia do ocorrido. Porém, estava escuro, não dava para ter certeza do quanto as vinhas haviam sido realmente afetadas.

Lógico que não dormi nada e mal clareou, fui direto para Quinta. Da estrada, ainda se via fumaça e sabia que era lá. Entrei pelo terreno com o cheiro de madeira queimada, o ar esfumaçado, percorri sozinha e calada dolorosamente cada centímetro a buscar alguma esperança em que me agarrar. Aquela sensação de pesadêlo, de tentar imaginar que vou abrir os olhos e não estará tão ruim assim… mas estava, está. Cerca de 70% das vinhas afetadas. Visualmente é feio de olhar, e também feio de olhar em volta, tudo com a aparência de seco e morto. Os trabalhadores da obra me receberam em silêncio de respeito, porque minha tristeza era profunda.

Ao mesmo tempo, ao caminhar por entre as vinhas ressecadas, notei que os cachos de uva seguiam lá, como se houvessem sido poupados. E os troncos não pareciam ter sido queimados, só o solo estava negro e as folhas secas. Provei as uvas e o sabor era paradoxalmente normal. Foi o fio de esperança em que me agarrei, se minhas vinhas estavam lutando para seguir, iria com elas até o fim.

Não estava para muita conversa, precisava de silêncio suficiente para ouvir “as vozes da minha cabeça”. Respirei fundo e tratei de buscar possíveis soluções.

A primeira coisa que pensei foi em fazer uma vindima às pressas, colher as uvas do jeito que estavam e vinificar. Mas não sabia se era possível fazer vinho no grau em que estavam… ou se o sabor poderia haver sido afetado pelo fogo… Pensei também em regar as vinhas. Havia feito essa experiência anteriormente, regar com o trator, que ao invés de pulverizar sulfato, pulverizava água, como se estivesse “falsificando” algo de chuva. Apesar da incredulidade dos vizinhos, havia funcionado bem.

Daí fiz o que normalmente faço quando não sei alguma coisa, saí pesquisando e perguntando para quem sabe mais do que eu. Resulta que ainda era muito cedo para vinificar, as uvas não estavam prontas, mas a ideia de regá-las não era ruim. Talvez isso fizesse com que aguentassem um pouco mais para serem colhidas. Além do que, as próprias vides, que estavam secas e estressadas, poderiam se beneficiar. Assim que havia alguma chance de não só salvar parte da produção, como parte das vinhas queimadas.

Fui dormir um pouco melhor, afinal, eu tinha um plano.

Na terça-feira, acordei mais animada, aquela hora em que você tira fôlego dos rins e parte para cima, sabe como é? Marquei com trator para regar… falei com adega privada sobre a vinificação… fui à cooperativa perguntar sobre seguro de incêndio… enquanto estou ocupada, estou bem, porque finalmente, há algo a ser feito.

Pouco mais de uma semana se passou. A vida continuou. A fumaça já não está, o aroma mudou ou me acostumei, mas o chão segue negro, as árvores negras, e os variados tons de verde foram substituídos por um marrom homogêneo. Vai ficando mais fácil, mas ainda é sofrido olhar essa paisagem diariamente.

É uma coisa estranha isso de ter terra e de trabalhar com plantação, me descobri totalmente territorial! Eu viro um cão de guarda que rosna quando alguém entra no meu terreno sem ser esperado, minha postura muda, meu tom de voz se altera… absolutamente instintivo e primitivo! E trato minhas vinhas com o carinho destinado a um animal de estimação. É muito duro para mim ver minha terra e minhas vinhas agonizando.

Recebemos imediatamente muito apoio e energia bacana da família e dos amigos e isso faz muita diferença. Acredito que temos uma responsabilidade com quem nos acompanha e se tem uma coisa que não tenho vocação é para vítima. Na medida do possível, tento passar positividade e atraí-la também.

Tem gente que não gosta muito de contar seus planos ou projetos por razões diferentes. Respeito, mas não sou assim, eu conto tudo! Compartilho mesmo, a parte boa e a ruim! Quem tem alguma dúvida sobre minha vida, que me pergunte diretamente, tenha minha versão dos fatos e pronto! Se mais alguém pode se beneficiar da informação ou da experiência, por que não?

E para nós é emocionante como recebemos em dobro essa generosidade das pessoas em geral. Sou imensamente grata!

Dito tudo isso, segue não sendo fácil. Porque em meio a esse processo de luto, a vida continuou em velocidade estonteante. A obra da casa principal está avançando, mil decisões e detalhes que exigem da memória, que admito, agora mesmo está rateando. Fora o fato que culturalmente, o português é algo pessimista, não fazem por mal, mas não são naturalmente positivos, talvez pela história dura de vida. A adega com quem havia tratado de fazer o vinho não está com a menor vontade de vinificá-lo e entendo as razões dela, mas não são as minhas e, ao mesmo tempo, me custa realizar algo com alguém tendo a consciência que essa pessoa não acredita na minha uva. Meus vizinhos são uns queridos, mas todos me olham como “maluca” por regar as vinhas e acreditar que há como sequer salvar a planta, que dirá salvar alguma produção! E, nesse momento, eu preciso muito acreditar que alguma coisa vai dar certo! Que não estou correndo atrás do meu próprio rabo!

Lógico que, de vez em quando, vem aquela voz baixinha lá no fundo questionando se vou conseguir… se todo esse esforço não é em vão… de que não posso saber mais do que quem vive disso há anos… E sabe o que é pior? É verdade! Tudo isso é verdade, não sou cega! Mas ao mesmo tempo, olho para meus cachos de uva bonitos, a natureza ali brigando para sobreviver… Caracas, preciso acreditar que ainda não acabou!

O esforço que tenho feito para seguir acreditando é “overwhelming”, o tempo inteiro ruminando todos os detalhes com a máxima atenção para não esquecer nada importante. Acabo os dias exausta!

Uma montanha-russa de emoções, um dia estou tristíssima, outro quase eufórica, outro calada, outro com vontade de chorar do nada, outro absolutamente tranquila, ou feliz… às vezes, tudo junto ao mesmo tempo. Até porque a vida é assim, tudo de uma vez!

Tudo bem! Tudo bem não ser feliz o tempo inteiro, não saber de vez em quando o que fazer, duvidar do caminho. Peço ao universo que dentro das possibilidades que existam para mim, que venha a melhor possível, que seja o obstáculo correto e que eu faça o meu melhor!

E como é bom ter novamente meu canal particular de desabafo, minha terapia. Pronto falei, coloquei para fora! Agora o problema é do “papel”. Respira, Bianquita, respira… e medita… e canta seus mantras… e escreva!

O luto das vinhas

Eu já deveria ter voltado aqui há tempos, mas os últimos meses me dediquei a postar vídeos e conteúdo através do Instagram, até por uma questão comercial. A nossa prioridade era iniciar a divulgação sobre nossa Quinta Vinícula. E quem quiser saber o que aconteceu nesse período, basta acompanhar a @quintadovianna.

O problema é que, com isso, fiquei sem minha terapia da escrita e preciso dela.

Hoje é dia 22/08/2022, estávamos há cerca de duas a três semanas da vindima e ontem, minhas vinhas pegaram fogo. Assim, tão rápido, duro e seco quanto essa frase.

Um ano de trabalho e investimento, não só financeiro, mas principalmente pessoal. Há um ano dou literalmente meu suor no campo. Acordo e durmo pensando nas vinhas e me orgulho do quanto fomos capazes de recuperar um vinhedo mal tratado, mais que quintuplicar a produtividade, incorporar a cultura como se houvesse nascido aqui, como se as experiências da minha vida fizessem finalmente sentido em conjunto, aprender na raça mesmo e com alegria! E, de repente, na esquina da nossa colheita, a primeira vez que faríamos nosso vinho… em 10 minutos o fogo levou embora.

É muito difícil explicar o que sinto agora, porque é um processo de luto. Com tudo de direito, não tenho um corpo para velar, mas é como se tivesse. Uma sensação de mãe incompetente, o absurdo de passear pelas minhas vinhas pedindo desculpas por não ter sido capaz de protegê-las.

Eu sei que não tenho culpa, eu sei que não havia nada mais que poderia fazer, mas nesse momento, isso não me diz absolutamente nada, porque não é racional, é um sentimento de dor.

O luto é meu e terei que viver cada fase e a verdade é que agora elas estão todas emboladas em paralelo, como se eu fosse capaz de resolvê-las de uma só vez. Estou nesse momento no isolamento, sem vontade de conversar, porque as palavras doem. Já percebo também um pouco de raiva crescendo e tenho reagido para não me tornar essa pessoa capaz de pular no pescoço de alguém e agredir fisicamente. Mil pensamentos de como posso ou poderia salvar alguma parte da produção, dos pés de vinha, ainda não sei se é uma real possibilidade ou negação da minha impotência em aceitar que talvez não haja nada a fazer.

Nós estávamos em Braga, na casa da minha prima, quando recebemos uma mensagem sobre o incêncio. Talvez tenha sido melhor assim, porque no tempo que levamos para chegar em Mesão Frio o fogo havia arrefecido na Quinta, passado para mais acima do morro. Por mais que eu saiba que não havia o que fazer, eu me conheço e sei que nessas horas eu surto, acho que sou imortal e pulo na frente tentando resolver, ajudar, sei lá. Certamente, teria me machucado, porque não tenho competência para isso.

O fogo não atingiu a casa principal, mas chegou a pegar os fundos da casa de pedras. Foram nossos vizinhos de baixo que conseguiram, na base da coragem e baldes de água, apagar esse foco. Nessa mesma casa de pedras, na parte de baixo, havia um galão de gasolina e maquinário, se o fogo passa para ali… varria as duas casas abaixo e aí sim, a gente perderia tudo. Os bombeiros nunca apareceram, se não fossem esses vizinhos, estávamos realmente perdidos!

Mas na vinha não houve jeito, queimou pelo menos uns 2/3 de tudo. E o que não ardeu, está meio seco, difícil avaliar nesse momento o tamanho da perda. O mais louco é que mesmo na parte de vinhas queimadas, os bagos de uva se mantiveram quase intactos, provavelmente, pela água que possuem por dentro. E agora mesmo, não sei se podem ser aproveitados ou não.

Também não sei se as plantas resistirão. Ainda não dá para saber. A aparência é de destruição, o chão está negro e as folhas secas, mas os caules nem tanto. Não sei o que pensar e estou literalmente pedindo opiniões das pessoas que conhecem a respeito.

E, a propósito, foi um incêndio criminoso, nem eu nem meus vizinhos temos nenhuma dúvida disso. Ocorrer um incêndio espontâneo pode não ser tão raro assim, mas ocorrerem dois incêndios espontâneos na mesma regiâo, no mesmo dia e horário da semana… um pouco demais, não? Os acidentes aqui estão programados para acontecer em paralelo nos domingos à tarde, certo…

Há um website aqui, fogos.pt, onde você acompanha os incêndios pelo país e que recursos estão sendo utilizados naquele momento em seu combate. No website se dizia que, na região onde ocorreu nosso incêndio, havia bombeiros, aviões, helicópteros… é MENTIRA! Não havia ninguém! Nin-guém!

Deixaram tudo arder e só hoje, pela manhã quando já não havia muito o que fazer, um monte de aviões sobrevoando… Ontem, havia uma única nuvem combinada de fumaça gigantesca de incêndios diferentes. A sensação dentro do carro era de estar no centro de um vulcão ou no olho de um furacão. Horrível!

É uma montanha-russa de sentimentos, uma hora é decepção e tristeza, outra bate algo de esperança, às vezes um sentimento de culpa infundado, outras determinação ferrenha… Minha atual ambição é me manter ocupada durante o dia e ter algo de paz à noite.

Quero fechar os olhos e não visualizar o chão negro, as árvores mortas, as vinhas secas e o cheiro de queimado entranhado nas narinas. Porque essa é a exata descrição do que testemunhei na entrada da minha Quinta pela manhã.

Tudo passa e isso também vai passar, mas hoje e só por hoje, quero escrever, chorar, reclamar nos meus pensamentos e ficar calada, quieta no meu canto. Meditar e cantar os mantras de proteção, até o coração acalmar e a voz não machucar.

Apesar dos pesares, tenho a consciência do quanto sou protegida e grata. Para a dor, tenho as ferramentas, só buscar no meu cinto de mil e uma utilidades. Abrir as gavetas, buscar os amuletos correspondentes, conversar com meus fantasmas e chamar os demônios pelo nome.

No ano passado, quando embarcamos nessa aventura, começamos do zero. O quanto percorri e aprendi nesse caminho, ninguém me tira. Minha companhia é a melhor possível e meus amigos e família, os melhores do mundo! Agora é só dinheiro e tempo.

E superar meu luto.

Oficialmente #50

Acabo de completar minhas bodas de ouro dos endereços, finalmente, cheguei aos 50!

Resumindo um pouco da saga, após uma busca infinita e em vão de um lugar para alugar enquanto a Quinta ficasse habitável, tomamos uma decisão inesperada. Considerando que é tão impossível encontrar um imóvel para alugar e o aluguel turístico é uma baba… por que não comprar um apartamento? Morar nele pelo período de obras na Quinta e logo também alugá-lo para ter uma renda! Olha que ideia show!

Só tinha um pequeno problema, uma bobaginha: comprar apartamento com que dinheiro? Se já estava complicado conseguir reformar a casa que temos… imagina arrumar mais despesa? Mas tirando esse detalhe besta, estava fácil!

Pensa daqui, pensa dali… e por que não fazemos uma hipoteca? Sabe como é, a origem brazuca acostumada às taxas de juros abusivas sempre nos afastou dessa possibilidade, nunca tivemos coragem de financiar nada! Mas não custava nos informar e ver se era viável. Todo mundo na Europa faz hipoteca, não devia ser algo tão ruim aqui!

Pois não era tão mau mesmo! Nos informamos, os juros eram bastante razoáveis (dependendo da aplicação financeira que você faça até mais baixos), não nos descapitalizaríamos em relação as obras e trabalhos da Quinta, teríamos um lugar decente para morar, pagaríamos de prestações o equivalente a um aluguel e, ainda por cima, investindo em algo de patrimônio.

E o melhor de tudo, teria uma casa quentinha e bonita para morar que seria MINHA!

Quer saber, deu medo sim, mas foi com medo mesmo! Entramos com a papelada no banco.

Não vou dourar a pílula, foi um parto de mamute! Era para demorar 3 semanas, durou pouco mais de 3 meses! Uma burocracia do cão! No final, nem acreditava mais que ia rolar, queria mandar tudo para o quinto dos infernos… mas fazer o que? A gente não tinha dinheiro para comprar, não tinha outro lugar para alugar, estávamos vivendo com o que cabia no carro junto com dois gatos, nossas caixas de mudança num limbo! Hora para a sabedoria espanhola: “es lo que hay“! Entuba e aguenta o tranco!

Entubamos e aguentamos! A assinatura da escritura saiu no dia 24 de janeiro de 2022. Com direito às histórias de sempre que parece que só acontecem conosco! Vou só passar uma cronologia rápida de acontecimentos, porque os detalhes nem tenho mais paciência: 18 de outubro, encontramos o apartamento dos sonhos e assinamos o compromisso de compra e venda; pedimos o financiamento no banco e fomos informados ser possível se resolver tudo em umas 3 semanas (claro que poderia levar mais tempo, mas tudo parecia tão certo); em meados de novembro, guardamos as caixas da mudança no próprio apartamento negociado, seria uma questão de dias; com as caixas guardadas, nos mudamos para um apartamento turístico por um mês, só enquanto esperávamos para assinar os papéis e fazermos uma mudança mais tranquila; o aluguel venceu, fomos em dezembro para a casa da minha cunhada em Caiscais, seria só por uma semaninha enquanto ainda esperávamos a porcaria dos documentos ficarem prontos (a semaninha se transformou em outro mês, incluindo Natal e Réveillon); no início de janeiro, pedimos ao proprietário para mudar para o imóvel, afinal, precisávamos voltar para nossa região, os trabalhos da Quinta recomeçariam; o proprietário nos deixou mudar para o apartamento no início de janeiro, mesmo com a documentação não assinada e lá viemos nós com malas, cuias e gatos mudar para um apartamento que poderia ou não ser nosso; em 24 de janeiro, finalmente, todos documentos resolvidos e escritura assinada! Ufa!

Contada toda essa confusão, nossa mudança número 50 foi bastante atípica! Nos mudamos em prestações, aos trancos e barrancos, mas sim, valeu o esforço porque estou feliz como uma perdiz na nossa casa novinha em folha!

E como será quando a Quinta ficar pronta? Onde vou morar?

Não tenho a menor ideia! Vou morar onde for melhor e para onde a vida nos levar! Nesse momento, estou amando arrumar nosso apartamento! Devagar e do jeito que der. Por enquanto, ainda dormimos em um colchão, porque a cama comprada pela internet não chegou. E tudo bem, porque o colchão é meu, o chão é meu, a casa é minha! E viva o efêmero prazer egoísta de pronunciar os pronomes possessivos!

Nosso apartamento e atual morada fica em Peso da Régua, a cerca de uns 15 minutos da nossa Quinta. Para meus vizinhos, estou em outra cidade longe pacas! Para mim, acostumada a vida urbana em grandes cidades, é como o bairro ao lado. E a estrada entre nossas duas casas não é bonita, é deslumbrante!

Os tempos das coisas aqui são diferentes das cidades grandes e a obra da Quinta, com previsão de levar por volta de 6 a 8 meses para ficar pronta, certamente vai demorar mais que isso! E quer saber, dane-se, talvez seja para o nosso bem, pois teremos também mais tempo para trabalhar, correr atrás e nos capitalizar.

No seu devido momento e agora já sem a pressa de seguir pagando um aluguel maluco, vamos decidir que caminho seguir. Se continuamos a viver em Peso da Régua e a Quinta será exclusivamente trabalho… ou se mudo para a Quinta e alugo o atual apartamento para turismo… de uma forma ou de outra, funciona. Aqui, a vida pessoal e a profissional é uma coisa só, tudo junto e misturado. Todos fazem de tudo um pouco, porque é o jeito! A gente mora onde trabalha, muda quando precisa, não tem esse negócio de dia de semana e feriado… por isso, entendo que os tempos sejam diferentes mesmo.

Enfim, números redondos sempre trazem seus símbolos e, vamos combinar, 50 é uma cifra imponente! Chegou junto com um endereço cheio de histórias, promessas e, simultaneamente, tudo tão novo! Sigo sem saber qual a duração da nossa estadia, mas tenho essa vontade que seja assim por um período mais longo e próspero. Que me dê o tempo de cuidá-lo, de ver suas transformações e amadurecimento. Que eu consiga me desenvolver junto com ele e deixar algum legado positivo! Quanta coisa passamos para chegar até aqui e quantas oportunidades a vida ainda nos trará!

Hoje agradeço por ter conseguido ultrapassar os obstáculos corretos, por valorizar ter um teto seguro, um lar e a melhor companhia. Que assim seja e que assim siga!

#49

Idade? Não, quem dera… Número de mudanças mesmo!

Muitas coisas acontecendo em paralelo por aqui! Mas vamos por partes! Nossa Quinta deve entrar em obras em dezembro ou janeiro, e essas obras devem levar entre 6 e 8 meses. Então, alugamos uma casa em Mesão Frio, a cerca de 5 minutos de lá, para morarmos durante esse período.

Tudo muito bom, tudo muito bem… enquanto durou o verão. O problema é o seguinte, a casa é super antiga e não tem calefação. Na hora que a temperatura começou a baixar, lá por outubro, o bicho começou a pegar! Para complicar, havia algum problema no aquecimento da água do chuveiro, que esquentava direitinho, mas depois de uns dois minutos, o gás desarmava e tínhamos que desligar e ligar novamente. Esse intervalo de segundos dentro do chuveiro, em que a água gelava e precisávamos esperar esquentar novamente, era absolutamente cruel! Os banhos eram tensos! E, à medida que o tempo passava, a tendência seria piorar.

Saímos a buscar outro apartamento ou casa para alugar e descobrimos que era uma tarefa praticamente impossível! Nem sei como conseguimos essa casa que estávamos! Foi sorte mesmo! Porque as poucas opções que haviam eram de aluguel turístico, onde pagaríamos por diária. Ou seja, não rolava!

Aumentamos a busca para cidades um pouco maiores nos arredores, nós adoramos Peso da Régua, que fica a 15 minutos da minha Quinta. Para eles é outra cidade longíssima! Para nós, é como se fosse o bairro ao lado. Ainda assim, nada de encontrar lugar nenhum! Juro!

Até que depois de ralar muito, encontramos um apartamento show de bola! Perfeito para nós, mas faltando ainda um finalzinho de obras, afinal é um prédio antigo que foi todo reformado. Beleza! Fechamos negócio e topamos esperar ficar pronto. Acreditamos que seja entre final de novembro, meados de dezembro. Está perto, mas é aquela questão do “a qualquer momento” onde não sabemos exatamente o dia. Uma delícia, né?

Certo, mas a temperatura seguia baixando… Luiz, quer saber, vamos alugar um apartamento turístico mesmo, nem que seja por um mês, porque a gente vai acabar adoecendo nessa casa!

E assim, caríssimos! Mudamos para o endereço 49, já com o 50 à vista! Fazer o que?

Agora a parte divertida, nossas caixas de mudança estão guardadas na casa antiga alugada até o final de novembro. Nós mudamos na segunda-feira passada, 15 de novembro, de mala e cuia para um apartamento provisório em Peso da Régua, porém onde não cabem as caixas que trouxemos da Inglaterra. Então, ontem negociamos com o proprietário do próximo apartamento, o número 50, também em Peso da Régua, de já deixarmos as caixas guardadas por lá nesse final de semana, mesmo antes de mudarmos de vez (afinal, ainda faltam pequenos detalhes para finalizarem o imóvel). Assim que, resumindo, estamos com os pés em 3 casas diferentes!

Rapadura é doce, mas não é mole não!

Pelo menos, estamos aquecidos agora e os gatos estão bem! Ambos tiveram probleminhas na casa antiga, mas felizmente foi só o susto.

E porque é tudo junto ao mesmo tempo, na semana que vem, chegam minha mãe e meu irmão aqui em Portugal! Após mais de 2 anos de distância física, vamos finalmente nos reencontrar! Chegarão nessa fase tranquila, onde estaremos entre 3 endereços, sem contar com a Quinta! Mas é bom assim e vai dar tudo certo!

Tudo bem, quando acaba bem!

Adubação e… o que estou fazendo aqui?

Logo em seguida da escava haver sido feita, iniciamos a adubação das vinhas. Queríamos fazer esse trabalho antes das chuvas para que os nutrientes penetrassem bem na terra.

Falando assim, tecnicamente, tudo parece simples, mas na prática… ninguém merece! E para quem ainda acha que ter uma vinícola é uma atividade glamorosa, aviso que o post de hoje é para largar o verbo desabafar um pouco!

Primeiro, sejamos francos, o nome “adubo” é simplesmente uma forma mais educada para falarmos sobre merda, correto? É verdade que há alguns tipos diferentes de adubação, mas a que fizemos foi orgânica e natural, ou seja, muito ecológico, mas não deixa de ser, literalmente, uma bosta! Aqui na nossa região, eles usam alguns tipos diferentes, o guano (titica de galinha), estrume (muitas vezes de cavalo) ou a forma que decidimos comprar, adubo orgânico em pellets.

Os pellets nada mais são do que merda prensada! Em sua forma, são uns grãos parecidos a uns cocôzinhos de rato. A vantagem é que são mais fáceis de se aplicar e também levam alguns nutrientes adicionados. São mais caros, porém, recomendo. E isso é para ver a que ponto chegamos, comecei a entender e recomendar sobre bosta!

Mas seguimos, deve-se adicionar cerca de 250 gramas desses pellets manual e individualmente em cada pé de vinha, ao seu redor, no local onde foi feita a escava. Considerando que temos 7 mil plantas, tivemos que comprar pouco mais de uma tonelada e meia de produto.

Digamos que a aventura se iniciou na entrega, pois cada saco pesa a bagatela de 20Kg. Nesse dia, Luiz estava ocupado e lá foi Bianquita receber a mercadoria. É lógico que não ia aguentar ver o rapaz descarregando sozinho e parti junto para a caçamba a fim de que o serviço terminasse o antes possível.

Gosto de ganhar o respeito das pessoas com quem trabalho e não sei ficar de dondoca com minha frescura só olhando. Eu coloco a mão na massa mesmo e tudo bem!

Quer dizer, tudo bem… médio, né? Porque nunca havia sido para descarregar sacos de 20kg de bosta… mas encarei com determinação! Quando terminamos de descarregar o veículo, eu fazendo de conta que estava ótima, me vira o rapaz e diz: vou buscar a outra metade que falta agora!

Taqueopariu lá longe, isso era só a metade? Pois é, eu que arranjasse mais fôlego dos rins, porque lá vinha outro carregamento de merda! E a parte interessante em tomar fôlego nessa atividade é que sobe aquele aroma agradabilíssimo! Mas beleza, terminamos de descarregar e empilhamos tudo no armazem.

Fizemos uma medida com os 250 gramas em um fundo de garrafa pet cortado e passamos a utilizar como distribuidor. Até que nosso vizinho, que ainda estava trabalhando na escava, nos orientou a fazer o trabalho sujo com as mãos mesmo! Era muito mais rápido! Inclusive, utilizando as mãos a gente conseguia distribuir melhor o adubo do que com a medida. Vimos que umas duas mãozadas dos pellets equivalia mais ou menos a tal medida. No final, já estava até trabalhando com ambas as mãos, com uma delas jogava nas vinhas da fileira da direita e com a outra nas da esquerda. Tudo para acabar o antes possível!

Não é que seja um trabalho complicadíssimo, é simples. A dificuldade estava no transporte dos sacos pelo terreno, 20kg cada um, lembra? Enquanto estávamos perto de casa, tudo bem, mas à medida que precisávamos nos deslocar para o outro lado da Quinta… putz!

Uma solução encontrada foi ir de jipe até uma boa parte do trajeto. Perfeito, tudo parece fácil, né? Só que não, porque o terreno não é tão ameno para se trafegar de carro ou realizar manobras. Tudo bem que é um 4×4… mas velhinho e com limitações. E ainda assim, tinha que carregá-lo com os saquinhos de 20 quilinhos… como diriam os portugueses… caraças! Sem contar que é lógico que o carro atolou! Nem sei como consegui desatolar, mas consegui e mais de uma vez!

Sério, chegou aquele momento do: o que estou fazendo aqui mesmo? De quem foi a ideia de jerico de ter uma Quinta? Ah… peraí… a ideia foi minha! Então, cala a boca e entuba! E bora carregar e distribuir mais merda!

Para meu regojizo, o vizinho e seu filho terminaram a escava antes do horário e conseguiram ajudar a levar os pesados sacos para as partes mais altas da propriedade. Triplicou a velocidade do trabalho e conseguimos terminar justo em tempo, pouco antes das chuvas que duraram dias!

Enfim, tudo bem quando acaba bem, ainda que saibamos que não acabou! Seguramente tenhamos que repetir esse processo.

E foi então quando Luiz surgiu com a genial ideia de lançar um Bootcamp de Crossfit raiz! Uma espécie de retiro para turistas interessados em aprimorar seus dotes físicos de uma forma natureba. Estamos pensando na seguinte campanha de marketing: Venha para a “Quinta do Vianna” se exercitar! Você paga APENAS 100 Euros por uma semana de Bootcamp! O programa inclui subidas fitness em montes com utilização de equipamentos rurais especializados, como por exemplo, a enxada-pro. Será possível carregar pedras de verdade, não aqueles pesos falsos de academia e, em paralelo, ajudar na reparação de muros protegidos pela Unesco! Com um pequeno valor adicional e exclusivamente para os mais fortes que ultrapassarem o nível básico, é possível também carregar sacos de 20Kg de estrume ladeira acima! Tudo isso e muito mais, a respirar o ar puro da montanha do Douro e, eventualmente, um aroma com notas de esterco. E quem não entende de crossfit, não atrapalha nosso negócio!

Fui!

Escava e análise do solo

Hoje é dia 19 de outubro de 2021. Passado o furacão da vindima… começamos tudo novamente! Mas agora e pela primeira vez, podemos cuidar do processo desde o início!

A primeira etapa é entender a qualidade do solo. Acreditamos que esse terreno não leva adubação há algum tempo e, ao invés de tentar adivinhar, coletamos parte da terra para análise e definição de que nutrientes faltariam para nossas vinhas. Estou ansiosa pelo resultado, ainda que provavelmente nem vá entender o tal diagnóstico. Não importa, como tudo que fizemos até agora, a gente parte para cima e vai perguntando e aprendendo pelo caminho!

Em paralelo, iniciamos o trabalho que é chamado de “escava”. Nada mais é do que uma escavação ao redor de cada pé de vinha. Dentro desse pedaço escavado, colocamos adubo orgânico. É importante que seja feito nessa época por duas razões. A primeira, aproveitar as chuvas, que farão com que os nutrientes penetrem e sejam absorvidos pela terra. Outro fator é que, ao chegar o inverno, as folhas das plantas cairão nesse mesmo espaço e também se converterão em um tipo de adubo natural.

Falando assim, parece tudo simples, certo? Só há um pequeno detalhe, temos aproximadamente 7 mil pés de vinha e… esse trabalho é feito individualmente. Isso mesmo, em cada um dos 7 mil pés de vinha, se faz a escava de forma manual!

Resolvemos então, contratar nosso vizinho, que vai com o filho e a esposa nos dar essa força. Acho muito legal, porque ele faz e vai me explicando o porquê das coisas, nem sempre consigo entender tudo, mas aos poucos vai entrando por osmose.

E sim, lógico que não dou conta de fazer sozinha, mas me atrevi a mandar ver na enxada também! Por que não? Claro que comecei com o equipamento errado, porque não se faz com uma enxada normal, se usa a chamada “enxada de bico”. A parte da pá é menor e a ponta é em formato de triângulo, ajuda a entrar nos cantinhos e arrancar as ervas e pedras. Comprei uma dessas para mim e vou tentar amanhã fazer esse mesmo trabalho ao redor das oliveiras que, por enquanto, temos em menor número.

E o que achei sobre fazer esse tipo de trabalho? Alguém tem alguma dúvida que fiquei amarradona? É bastante duro, não nego, e sendo sincera, nem fiz tanto assim por hoje, até porque estava com o equipamento errado. Foi mais para entender o que precisava ser feito e como executar. Mas deu para perceber que será uma malhação daquelas! Entendo melhor o bíceps definido da minha vizinha! Quem sabe ano que vem estarei mais forte?

Gosto do trabalho físico, acho uma pena meu preparo ser fraco (por enquanto!), mas devagar vou melhorando. É um momento que não penso em problemas, me concentro nos movimentos, nos sinais que meu corpo dá e em não me machucar. É uma sensação parecida a que tinha quando trilhava o “Caminho de Santiago”, onde basicamente me preocupava com os passos que dava, em proteger meus pés, na postura do corpo, na respiração e… quando me dava conta, havia chegado ao próximo povoado.

Não venho aqui romantizar o trabalho no campo. Como já disse e reforço, é um trabalho duro pacas, muitas vezes pouco reconhecido e mal pago. Tampouco quero dar uma de “blogueira” que vai ali 5 minutos, tem uma experiência e acha que entendeu tudo. Não cheguei nem perto de entender nada! Mas estou aproveitando muito essa conexão com a terra e integração com a natureza. Perceber o tempo das coisas.

Fico sempre embasbacada com a sabedoria popular, situações que são aparentemente simples, mas cheias de detalhes. Por exemplo, quando minha vizinha olha um saco de sementes e diz que é a temporada de plantá-las, mas não pode ser hoje, porque as sementes são velhas e é lua nova… Caraca, não havia reconhecido nem que eram sementes, para mim, eram umas bolinhas! Ainda por cima acreditando que bastava se saber de quando era temporada do que, pronta para fazer minhas elaboradas planilhas para não me perder e, de repente, me dou conta que também depende da tal semente ser nova ou mais velha, ou de que lua estamos e sabe-se lá mais o que!

Caríssimos, eu agora me preocupo com as fases da lua! E não aquela lua que checamos no calendário para cortar o cabelo, mas a que simplesmente olhamos para o céu e vemos. Ainda não sei o que se planta nem quando se plantar e sigo aprendendo horrores todos os dias. Por agora, me contento em ouvir e contemplar.

Aliás, já olhou para a lua essa noite? Ela hoje está um escândalo!

Sobre a vindima e a gratidão

Vindima é como chamamos a colheita das uvas para a fabricação do vinho. Na região do Douro, ela acontece em setembro.

Mas simplesmente chamar de colheita seria simplificar ao extremo, porque a vindima é muito mais do que isso! É toda uma experiência ímpar e hoje posso dizer que não apenas entendi, mas vivenciei com tudo de direito!

Aqui onde é nossa Quinta, em Vila Marim, colada a Mesão Frio e em pleno Douro Vinhateiro, todo mundo tem vinhas! Maiores ou menores, vivendo prioritariamente da terra ou complementando com outras profissões, há para todos os gostos e tamanhos. Importa que toda a paisagem é composta por montanhas rabiscadas em curvas e divididas em degraus com vinhas. Mesmo dentro da cidade, os quintais também são super aproveitados!

Considerando que há apenas uma colheita ao ano, imaginem uma região onde o resultado do trabalho de todas as pessoas culmine em um só momento. É como fazer parte de um enorme time, estamos todos no mesmo barco, o que afeta a mim, afeta igualmente aos meus vizinhos! Agora imagine essa galera na expectativa sobre o resultado de todo um ano de trabalho duro. Pois essa é a atmosfera que respiramos em setembro!

As cidades e vilarejos se enchem de caminhonetes, aqui chamadas de “carrinhas”, com grandes vasilhas de metal para o transporte das uvas. O assunto nos bares, nas lojas, nas praças… é a vindima!

Fila de carrinhas para a entrega das uvas na Adega da Cooperativa de Mesão Frio

É bastante difícil conseguir mão-de-obra para realizar esse trabalho, principalmente, nessa época do ano. O pagamento por uma jornada diária não é tão alto e, como estão todos ocupados com suas próprias vinhas, acaba faltando gente para se contratar.

Daí, acontece um fato muito interessante, para a colheita das uvas e, muitas vezes, para a execução do vinho caseiro em pequenas propriedades, quem trabalha são nossos familiares, amigos ou vizinhos. E, ainda que seja um trabalho duro, estão todos muito felizes, eventualmente, auxiliados por generosas doses de vinho oferecidas pelos proprietários. Assim que não é raro encontrar um clima de festa e celebração. É um orgulho para os donos das Quintas e um honra para os convidados que participam.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas era nossa primeira vindima e não sabíamos muito bem o que fazer. Nós precisávamos de ajuda, porque sozinhos, certamente não daríamos conta! Primeiro, recorremos aos nossos vizinhos, afinal, são muito mais experientes que nós e eles, generosamente, foram super solidários aceitando nos ajudar. Ainda assim, precisávamos de mais gente para dar conta do recado.

Pensei, peraí, de vindima não entendo nada, mas festa eu sei fazer! Vamos lá, o que há de mais importante em uma festa? Convidados, boa comida e boa bebida! Música ajuda muito, mas já não teria tempo para organizar esse ano. Pronto, Bianca, faz de conta que você dará uma festa, mas ao invés de dançar, as pessoas colherão uvas! Assim, tipo festa temática…

Vesti minha cara-de-pau, gravei um vídeo e publiquei no Instagram pedindo ajuda aos amigos! Enviei também mensagem para o grupo de whatsapp da família e amigos de Braga. Sem expectativas e sem cobrança porque, francamente, sei que todo mundo tem suas prioridades. Mas por que não?Afinal, se eu não disser que preciso, como alguém poderia me ajudar, certo?

E funcionou! Não só entre nossos contatos, mas o vídeo deu uma circulada entre os amigos de amigos e… encurtando a história, formamos um animadíssimo time de 17 adultos e 1 criança! Gente vindo de Braga, Porto, Coimbra, Madri, Bruxelas… o vizinho que combinou de ir… os vizinhos que só poderiam vir no dia seguinte e anteciparam trazendo a carrinha para carregar as uvas… toda essa gente bacana simplesmente foi aparecendo! Além da torcida à distância, várias pessoas nos enviando as melhores vibrações e dando aquele apoio moral! Acho que devemos estar entre as pessoas sortudas e com os melhores amigos do mundo!

Para mim, isso é muito emocionante! Porque alguma coisa certa na vida a gente deve ter feito para merecer tamanha boa vontade e desprendimento! E é aqui que entra nossa gratidão. Gratidão eterna e imensa, porque não tem preço receber literalmente tantas mãos estendidas para ajudar em um momento como esse. Honestamente, se tudo mais não tivesse funcionado, para nós já havia valido a pena.

Acontece que tudo, mas absolutamente tudo funcionou melhor que a encomenda!

Havíamos nos planejado para fazer a colheita em dois dias, no domingo (26/09) colher as uvas tintas e na segunda-feira, colher as brancas. Afinal, a gente não sabia quantas pessoas realmente iriam aparecer e só teríamos a carrinha para levar as uvas na segunda-feira. E ainda assim, não tínhamos certeza absoluta da tal carrinha, porque meu vizinho, dono do veículo, trabalha como caminhoneiro pela Europa durante a semana e poderia não chegar na cidade a tempo. Juro que até a manhã do domingo, essa era toda a informação que nós tínhamos! Mas vinha repetindo para o Luiz e para os convidados que chegaram no dia anterior que as coisas aqui tem seu tempo e vão se encaminhando como devem ser. Não há espaço para rigidez, você não escolhe o dia que irá chover ou fazer sol, a natureza te ensina muito sobre humildade e resiliência. O importante era estarmos preparados e flexíveis para seguir o curso da maneira que ele chegasse. E assim foi!

Mas vamos dar um pouco mais de suspense, porque eu moro nas entrelinhas e nos detalhes! Assim que agora conto sobre a parte prática de como nos organizamos.

Durante a semana, preparei comidinhas na casa alugada, porque na Quinta ainda não há estrutura para isso. Aproveitei os ingredientes frescos que ganhei dos nossos vizinhos. Fiz uma salada de beringela e pimentões assados; vinagrete; salada de batatas; salpicão de mariscos; farofa e Luiz encomendou uns frangos e linguiças assados na brasa, para buscar no dia. Preparei também uma mesa com sucos, queijos, pães e bolos para o café-da-manhã para o pessoal que fosse chegando de longe. E claro, bastante vinho, que não poderia faltar!

No sábado, buscamos no aeroporto de Porto uma amiga de Madri e um amigo de Bruxelas que veio com o filho de 6 anos. E já deixamos a maioria das bebidas e comidinhas na própria Quinta. Afinal, o dia seguinte começaria cedo.

Não sei se pelo trabalho de preparação acumulado, ou talvez a tensão para que tudo desse certo, mas o fato é que mal dormi durante à noite, com uma dor terrível na coluna! Havia me preparado psicologicamente para “jogar nas 11 posições”! Organizar os convidados, distribuir o equipamento, colher as uvas, alimentar as pessoas, levar as uvas na cooperativa… pular corda, plantar bananeira, aprender a tocar piano etc… E, de repente, mal consigo levantar da cama para ir ao banheiro sem parecer uma idosa corcunda. E agora?

Será que era dor muscular mesmo? E se fossem meus rins? Eu não posso parar num hospital agora! Mil fantasmas povoavam minha cabeça junto à vergonha e o medo de não conseguir trabalhar direito na minha própria vindima! O coração acelerou… a respiração começou a ficar difícil… uma crise de ansiedade doida para disparar… Para tudo! Respira… respira… respira! Medita, Bianquita, você tem as ferramentas para passar por isso! E se esse obstáculo apareceu era porque eu precisava aprender alguma coisa, talvez para me proteger ou me fazer prestar mais atenção! Acalmei, consegui dormir um pouco. Acordei antes do horário, cantei concentrada meus mantras de proteção e de abrir os caminhos. Quando meu despertador tocou, estava completamente calma e confiante que daria tudo certo. As preocupações se dissiparam e estava bastante feliz que aquele dia havia finalmente chegado.

Eu simplesmente fui lembrada que precisava respeitar meus limites e os limites dos convidados que aparecessem. Ninguém era profissional nem tão jovenzinho. Por via das dúvidas, tomei um relaxante muscular e um anti-inflamatório, usei uma cinta para proteger a coluna, mais que nada, para me lembrar de não exagerar nos movimentos. Adianto que senti dor durante o dia sim, mas tolerável e, ao final, havia tanta endorfina no meu organismo (e, claro, vinho também) que esqueci de como havia passado à noite anterior!

Até o clima favoreceu! A temperatura estava amena e sem previsão de chuvas!

Mas vamos lá, pela manhã, às 8h estávamos na Quinta Luiz, eu, esses dois amigos (e o filho de um deles) e meu vizinho de baixo. Luiz foi para a parte de cima da propriedade com os mais fortes e eu fiquei mais próxima à casa. Aproveitei esse momento do início da manhã para dar um gás na colheita e, à medida que o pessoal foi chegando, comecei a me dividir entre receber as pessoas, entregar as tesouras de poda e baldes, instruir como fazer a colheita e distribuir os colaboradores pelas fileiras de vinhas, mais ou menos por níveis de dificuldade.

E não é que o povo começou a chegar mesmo? Um amigo viajou de ônibus à noite inteira desde Madri e chegou cheio de energia para ajudar no que precisasse! Um casal amigo de amigos veio do Porto… minha família e outros amigos de Braga… e todo mundo cheio de empolgação! Comecei a acreditar que acabaríamos as uvas tintas previstas para aquele dia antes mesmo da hora do almoço!

E eu pensando, maravilha, de repente até poderíamos começar as uvas brancas, mas ainda não sabíamos como levar tudo para a adega da cooperativa.

Por volta de umas 10h30, aparece o casal de vizinhos de cima, os que nos ajudariam no dia seguinte, também cheios de disposição e com a caminhonete para levar nossas uvas! Nem acreditei! Pequeno detalhe, ele teria que adiantar sua próxima viagem do trabalho e só poderia levar nossas uvas no domingo mesmo. O que queria dizer que a gente tinha que correr!

Por volta de umas 11h30, as uvas tintas estavam completamente colhidas e as brancas iniciadas! Como sou a associada da cooperativa, precisava ir com meu vizinho entregar a primeira carga. Luiz me substituiu na organização de quem ficou na colheita das uvas brancas e lá fui eu de caminhonete com meu vizinho fazer nossa primeira entrega!

Senti muito o fato do Luiz não estar comigo ali, porque queria compartilhar a emoção do que é esse momento. Mas somos um time e alguém tinha que “tomar conta do barraco“! Além do que, foi muito importante estar com meu vizinho que sabia exatamente o que fazer e tinha o veículo e o recipiente corretos, porque eu não tinha ideia! Não dá para simplesmente chegar na cooperativa com suas uvas em baldes, não teria como pesar ou descarregar.

Passou tudo como num sonho, meio em câmera lenta, meio em velocidade adiantada. E eu tentando absorver e aprender! Fiz diversos vídeos e perguntas para ter tudo registrado.

Ainda na fila de caminhonetes para a entrega, recebo mensagem de mais duas novas amigas, que vieram de Coimbra indicada por um casal de amigos. Passo o celular do Luiz para recebê-las, porque eu estava fora da Quinta. Quando descubro que Luiz também estava fora, porque precisava buscar o restante do almoço da galera, os frangos e linguiças encomendadas.

E quem ficou tomando conta “do lojinha”? Os convidados mesmo! Todo mundo já sabia o que fazer e seguiram tocando os trabalhos sozinhos! Pelo que soube depois, minha vizinha ajudou a orientar e a apressar os trabalhos!

Cheguei novamente na Quinta, flutuando e feliz da vida, mas não dava para relaxar ainda! Luiz chegou logo atrás de mim e me disse que as pessoas precisavam de um intervalo. Recebi correndo as amigas de Coimbra e voei para colocar o almoço na mesa!

O almoço não foi demorado como eu gostaria, afinal, precisávamos ainda acabar as uvas brancas, mas foi muito divertido! Uma confraternização gostosa como se fôssemos uma única família! Comi pouco e rápido, muita coisa acontecendo para eu ter fome! Deixamos a sobremesa para depois!

Apesar de todo esse trabalho e correria, a energia das pessoas era uma coisa muito bacana! Sei que pode parecer difícil entender como nessa trabalheira as pessoas estavam se divertindo, mas juro que todo mundo parecia contente, sorrindo e um astral super alto!

E é disso que se trata uma vindima, dessa colaboração entre todos! Tínhamos nossas limitações, uns com dores, outros sem enxergar direito, outros sem preparo físico, outros sem saber bem o que fazer… mas quando nos juntamos, somos fortes! Podemos mais!

Voltaram todos para as vinhas, ainda levei um tempo a organizar a casa e logo me juntei a eles! Quem disse que eu lembrava de dor nas costas ou de usar a cinta?

Acredito que pelas 15h mais ou menos, finalizamos a colheita das uvas brancas! Luiz ficou com o pessoal para comer a sobremesa e tomar um vinho do porto feito pelo meu vizinho de baixo, e lá fui eu com o vizinho de cima levar o restante das uvas de caminhonete. Dessa vez, não era mais uma novidade, mas a emoção permanecia.

Ao final, entregamos 1 pipa de uvas. Cada pipa são 750 Kg, que produzem cerca de 550 litros de vinho. Para uma propriedade que nos áureos tempos chegou a produzir cerca de 20 pipas, é pouco, mas para nós teve sabor de vitória! Foram 290 Kg de uvas tintas, a 10 graus e 450 Kg de uvas brancas, a 11,6 graus. Considerando que esse ano, mesmo quem cuidou muito bem de suas vinhas teve baixa produtividade, podemos nos orgulhar. Fizemos o melhor possível!

A quantidade de aprendizado condensado que absorvemos nos últimos 3 meses, em que tomamos posse da terra, e principalmente no mês de setembro, quando nos mudamos de mala e cuia para Portugal, é incomensurável! Sou outra pessoa! Mais importante do que isso, somos outro casal! E a gratidão que sinto por absolutamente tudo e todos à minha volta é difícil de explicar!

Quem acompanha o blog sabe que nunca cito o nome das pessoas, mas hoje abrirei uma exceção. Agradeço enormemente aos meus primos, Fabiana e Alexandre, por estarem conosco nessa aventura desde o início, quando nos ajudaram a comprar uma Quinta por telefone e assinar a escritura por procuração, e como não poderia deixar de ser, estavam juntos também na nossa primeira colheita; ao Annibal por despencar da Espanha e vir cuidar da nossa casa quando nós mesmos não conseguíamos; aos meus vizinhos Alcides e Maria Emília, nossos exemplos de trabalho e retidão, e por literalmente salvarem nossa vindima ao aparecerem com a carrinha e disposição para ajudar na colheita e na entrega das uvas; aos amigos Maurício e Maristela, por saírem de Braga e aparecerem com toda boa vontade do mundo e ainda indicarem novos amigos, Sylvia e seu marido Marcus, que mesmo com o braço machucado, vieram de Porto nos ajudar; meu primo Fábio, que ignorou qualquer problema e também veio de Braga colaborar; nossa amiga Sandrinha, que foi a primeira a responder meu pedido de ajuda pelo Instagram, não pensou duas vezes, chegou de Madri com toda a força e boa energia que ela exala; meu novo amigão Alexandre, que viajou à noite inteira de ônibus desde Madri, pegou um trem e um taxi para chegar na Quinta de manhã cedo e trabalhou com uma disposição e alegria invejáveis o dia inteiro; ao meu vizinho Laurindo, forte como um touro, que achou que 8h30 era muito tarde para a gente começar; as novas amigas Marcella e Juliana, que nem nos conheciam e dirigiram 2h para chegar até aqui e mais 2h para voltar para casa; e ao amigo Kevin, que respondendo ao meu pedido de ajuda, veio com seu filho Edouard desde Bruxelas, mesmo só havendo nos encontrado uma vez na vida! A todas essas pessoas tão especiais, corajosas e desprendidas, não tenho palavras para agradecer! Vocês terão prioridade para sempre conosco nesse projeto, sejam bem-vindos quando quiserem e garanto que guardaremos seus lugares na janelinha! E, principalmente, meu amor, Luiz, o “Vianna da Quinta”, que nunca duvidou desse plano maluco e caiu de pára-quedas nessa aventura comigo! Gratidão eterna!

Agora é respirar, tomar fôlego e nos preparar para o próximo ano. Essa história apenas começou a ser escrita. Não sabemos seu final, nem importa, vale o caminho e a companhia durante o percurso. Que assim seja e que assim siga!

Vindima 2021

O milagre do vinho verdadeiramente bom e barato no Douro

Vou começar dando minha mão à palmatória! Sou aquela pessoa que, a cada vez que alguém tentava buscar aquele vinho ótimo, de um produtor escondido no meio do nada, super baratinho… revirava os olhos e pensava: galera, não tem milagre! Você pode encontrar um vinho correto a bom preço… ok… mas esse bom e barato, esquece! Vai brincar de outra coisa… sei lá, vai tomar cerveja porque não vai rolar!

Até que comecei a conhecer de perto os vinhos do Douro!

A primeira grande surpresa aconteceu na minha própria Quinta, comprada de um proprietário bastante descuidado e com produção caseira. Provei com a expectativa baixíssima, mais que nada, para começar a entender melhor as castas e o que precisaria melhorar nas produções futuras. Dou aquele primeiro gole tímido e… Oi? Peraí, nada mal… e não é que gostei!

Daí em diante, a cada novo vinho, fui mais aberta e, juro, sem deixar de ser crítica, sem fazer concessões, simplesmente atenta e com o mínimo de preconceito possível.

E posso dizer com orgulho, os vinhos não decepcionam! De pequenos ou grandes produtores, branco ou tinto… eles comparecem com toda a dignidade portuguesa! Uma personalidade marcante e, nos tintos, uma persistência surpreendente!

Mas vamos lá, caro ou barato é uma questão relativa, correto? De quanto exatamente estamos falando? Pois darei alguns exemplos de vinhos vendidos na cooperativa de Mesão Frio, da qual faço parte.

A caixa de 6 garrafas do Claustru’s, tinto ou branco, é vendida a 9 euros. Ou seja, estamos falando de 1,50 euros por garrafa! E sim, correto e equilibrado. Um vinho nesse patamar na Inglaterra não seria vendido por menos de 10 libras no mercado, mas de jeito nenhum! No restaurante então, estaria na faixa das 20 libras fácil!

E o nosso orgulho, o Beetria Grande Reserva 2017, vinho duplamente premiado. Comprei pela bagatela de 17 euros a garrafa. Poderia ser vendido na Europa facilmente pela ordem de grandeza de uns 25 euros. Na Inglaterra, pelo menos, umas 30 libras e Brasil então, nem consigo avaliar! Preços de mercado, não de restaurante, que podem variar bastante. E estou falando dos preços simplesmente para dar uma referência de qualidade comparativa. O que importa é que não é apenas correto, é muito bom! Elegante, aveludado, delicado, equilibrado! Excelente estrutura e taninos redondos!

Mas quer saber, esqueceu a marca do vinho que te indicaram? Não tem problema! Em qualquer taberna da esquina que vende comida caseira, pode pedir o vinho da casa sem susto. Se chegar uma garrafa sem rótulo, comprada diretamente na Quinta do amigo, relaxa e aproveita, será vinho bom também!

E sabe por que? Toda a produção é, de certa maneira, controlada. Para plantar e principalmente vender suas uvas, você precisa estar registrado no IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, depois explico a parte burocrática). E só se permite plantar as castas dessa região. Assim que, tanto a super vinícola como a Quintinha do seu Manoel, plantam as mesmas castas de uvas e enfrentam o mesmo clima. Claro que faz diferença os cuidados com as vinhas, a posição, a altitude, a adubação etc, mas na média, se os vinhos não forem irmãos, são no máximo primos distantes.

Estou falando de uma maneira simplificada e lógico que se pode sofisticar e melhorar o vinho, não estou desmerecendo o trabalho de ninguém, pelo contrário. Mas são variações dentro de um repertório determinado e muito bem regido.

Pessoalmente, acho essa identidade no vinho um ponto forte! Quer algo diferente? Compra de outra região ou país e tudo bem! Mas acho esse trabalho de reforçar o “terroir” fundamental para fortalecer a produção local.

Como produtora, ainda que novata, estou bastante orgulhosa e como consumidora, feliz da vida!

Resgate inesperado

Da parte que conhecia, minha maior ascendência vinha da Itália. Ainda que tenha uma bisavó indígena e meu teste de DNA tenha mostrado que até meu sangue é de cidadã do mundo. De África à França, tem absolutamente de tudo!

Mas o fato é que, nem sei por que, sempre deixei de lado uma pequena parcela conhecida de origem portuguesa. Na verdade, nunca dei tanta bola para minha árvore genealógica, não era algo que se valorizava tanto na minha família. Tipo, o passado já passou e pronto! Talvez, herança do lado italiano, que nunca quis que os filhos sequer aprendessem o idioma para não terem sotaque e serem tratados como imigrantes. Nasci e cresci simplesmente brasileira.

Adulta e morando fora do Brasil, comecei a me interessar mais pelas minhas origens, por traços étnicos, por questões culturais… enfim, talvez uma necessidade maior de entender minha real identidade ou, quem sabe, criar alguma.

Muito bem, pois duas questões um tanto antagônicas, uma boa e outra ruim, andam rondando meus dias.

Vou começar pela que me incomoda, minha nacionalidade. Hoje, Luiz e eu temos dupla nacionalidade, brasileira e espanhola. Na nossa vida européia, obviamente, o que nos abriu portas foi a espanhola. Assim que, para encurtar explicações a estranhos que me perguntavam de onde eu era, me acostumei a responder simplesmente, Espanha. Porém, quando viajávamos para países árabes ou França, às vezes, preferia responder que era do Brasil. Pois nos viam com muita simpatia. Ou seja, responder se eu era brasileira ou espanhola era uma simples questão de conveniência ou facilidade, sem nenhuma paixão envolvida.

Entretanto, agora que viemos para Portugal, isso mudou. Porque rapidamente percebem nosso sotaque brasileiro e, como há muita imigração brazuca, se deduz que somos do Brasil e pronto. E aí é que a porca começa a torcer o rabo, pois comecei a notar um grande incômodo em relação à minha origem.

Francamente, não é pela questão do preconceito, sou imigrante há quase 20 anos, mais do que calejada a me defender dessas bobagens, tiro de letra! É porque, no fundo, tenho me sentido envergonhada do Brasil e acho isso tristíssimo! Essa falta de identificação e até necessidade de negação tem me feito pensar bastante. Temos nos apresentado como espanhóis que falam “brasileiro”. E não é apenas uma maneira de falar ou simplificar, é como me sinto.

Nenhum orgulho envolvido, afinal não se tem orgulho de vergonhas, mas precisava colocar isso para fora. Pronto, falei! Vou resolver em algum momento.

E agora, o outro lado da moeda, algo que tem me feito sorrir em várias situações. Não havia notado como a cultura portuguesa estava presente na minha infância. E isso tem sido um resgate inesperado e uma viagem no tempo e nas minhas saudades.

Havia viajado como turista para outros lugares em Portugal e, como em qualquer país, há características gastronômicas diferentes entre as regiões. Especificamente, na região onde estou, os restaurantes são simples, pequenos, baratos e de comida bem caseira. Acontece que, quando digo que a comida é caseira, quero dizer que é como a minha casa na infância! A maneira de refogar o arroz… a salada de alface, tomate e cebola temperada com azeite, vinagre e sal… o jeito de fazer o bife à cavalo… o pão… parece bobagem, mas nunca havia percebido o quanto era portuguesa a comida da minha casa quando eu era criança! E exatamente dessa zona onde estamos!

Depois de mudar tanto de cidades e de países, o cardápio que cozinho em casa mudou muito também! Eu me adapto bastante aos ingredientes locais de onde estou, pois gosto de cozinhar e da comida fresca. E, de repente, me vi cozinhando igualzinho ao Brasil outra vez! Não o de agora, mas o do passado. O supermercado é parecido, o açougue é parecido, a padaria é parecida… E veja bem, não estou em uma região com muitos brasileiros, não é que eles se adaptaram, é ao contrário! E as referências são muitas!

Sinto uma pena nostálgica do meu pai e meu avô paterno não terem vivido o suficiente para me visitarem aqui. Eu tenho certeza absoluta que eles iriam simplesmente adorar! Vejo os dois em cada esquina… com os braços cruzados olhando as pessoas passarem enquanto beliscam algum aperitivo, provavelmente azeitonas… ou nas mesas jogando sueca e contando, não digo mentiras, mas certos exageros aos seus amigos… e certamente usando os bonés que eles gostavam…

Meu avô era filho de português com italiana, meu pai nasceu no Brasil, mas tinha um carinho enorme por Portugal. Nunca havia notado como meu avô parecia português, na aparência e nas atitudes; e levianamente, acreditava que a afinidade por Portugal do meu pai fosse apenas pela facilidade no idioma. Mas não era, essa terra é a cara dos dois!

Meu avô iria se mudar para Quinta, não tenho dúvidas! E os moradores locais o respeitariam bem mais do que a mim mesma! Meu pai iria arrumar confusão com minha mãe e só não mudaria para cá por causa dela, que vai achar a cidade mínima e parada. Mas daria milhões de palpites em como seria o jeito “certo” de administrar a propriedade, me ajudaria a fazer a horta e o pequeno restaurante que quero abrir um dia.

Os problemas vão aparecer, não me iludo que a vida aqui será fácil, mas a sensação agora é de que podemos tudo e que o acaso irá nos proteger. E assim, ando acompanhada dos meus fantasmas pela cidade pequena, como se eles pudessem viver um pouco dessa realidade através de mim. Por esse aconchego, essa sensação de casa e de pertencer, ainda que tão instantaneamente, sou muito grata.

Mudança #48: no olho do furacão!

Desde a última mudança do Reino Unido para o Brasil, mais ou menos pelo final de 2014, fiz uma declaração de que havia cansado de ser um caracol! Seria minha última mudança de país com todos os móveis. Dali por diante, apenas o fundamental que pudesse ser enviado por caixas!

Não dá para dizer (ainda) que só vou com “a roupa do corpo” porque, por exemplo, tenho muitos acessórios de cozinha que uso bastante e fazem parte de uma das minhas atividades profissionais ou mesmo de lazer. Há também os instrumentos musicais, peças de arte, fotos, documentos, enfim, ítens essenciais que não daria para deixar para trás.

E desde então, tenho cumprido essa promessa com muito gosto! Costumo dizer que tenho “Síndrome de Diógenes” ao revés. Meu prazer é o desapego!

Isso quer dizer o seguinte, voltamos a Londres, em 2017, sem nenhum móvel e tivemos que comprá-los por aqui. Tudo bem, parti para o Ikea e Amazon, móveis bonitinhos, funcionais, bom preço e que não me dão nenhuma pena de desapegar!

Até aí, ok. Acontece que não é tão fácil quanto parece, porque não podemos simplesmente deixar os móveis na casa que alugamos vazia, afinal, isso implicaria em multas e não devolução da fiança. Poderíamos vender ou até mesmo doar os móveis, já fiz isso várias vezes, mas o timing nem sempre é perfeito.

Outro detalhe, havíamos acabado de renovar o contrato de aluguel! O proprietário (e nós também!) estava contando que ficaríamos até 2022. Por sorte, como estamos há mais de um ano na mesma casa, só precisaríamos avisar com dois meses de antecedência que deixaríamos o imóvel. Mas a gente não gosta de deixar ninguém na mão, principalmente porque o proprietário aqui parece ser gente boa.

Então tá, guarda aí essas duas histórias, dos móveis que precisávamos nos desfazer e do aluguel da casa que deixaríamos logo após ter renovado o contrato. Voltarei para concluir esse raciocínio.

No ano passado, um amigão de muitos anos, desde a época em que Luiz e eu éramos solteiros ainda, nos procurou para dizer que havia um amigo dele querendo se mudar para Londres com a família, por aproximadamente um ano. Perguntou se poderia dar nosso contato. Claro que pode, fala para ele ligar quando chegar e dizer onde está hospedado!

O amigo ligou e, para nossa surpresa, estava hospedado em Windsor… na mesmíssima rua que moramos! Absoluta coincidência, juro! Qual a probabilidade disso acontecer, né? Enfim, super gente boa, ficamos amigos também, ajudamos no que pudemos… eles decidiram morar mais ou menos por essa área por causa do colégio dos filhos e tal. Até aí, a gente nem sonhava que estaria se mudando para Portugal agora. Achamos ótimo que seríamos meio vizinhos!

Em maio ou junho, veio toda a família visitar a cidade e resolver burocracias. Conhecemos a todos, muito legais! Mas ficaram pouco tempo, era só uma viagem para acertar os últimos detalhes. Eles queriam uma casa um pouco maior que a nossa, por essa mesma região. Mas é bem complicado fazer essa busca à distância. Luiz vira e mexe enviava fotos de casas pela redondeza. Chegamos a visitar uma casa para eles, mas não era tão legal, um lugar meio isolado, acho que não iriam gostar. O tempo foi passando e eles preocupados sem ter ainda um lugar para morar.

Nisso, viajamos até a Quinta em Portugal e decidimos que o melhor era mudar de uma vez para lá. E a nossa mudança seria cerca de um par de semanas após a chegada deles na Inglaterra.

Opa, peraí! Escuta, sei que vocês queriam uma casa maior que a nossa, mas considerando essa dificuldade em encontrar, talvez funcione para vocês! Fiz vários vídeos detalhados da casa toda para eles fazerem uma visita virtual. Eles se animaram e, francamente, acho que vão gostar daqui. A gente gostou muito!

Resumindo, quando Luiz ligou para o proprietário para avisar que precisaríamos romper o contrato do próximo ano, já foi com a notícia que teríamos um amigo para indicar que poderia ficar em nosso lugar. Puxamos a sardinha para o lado dos nossos amigos e ele não precisaria perder nem um dia de aluguel!

E lembra a parte dos nossos móveis que ficariam para trás? Então, os amigos que mudarão para cá também se interessaram por eles. Fizemos um preço camarada pelo “pacotão” e pronto! Foi ótimo para a gente que resolve tudo de uma tacada só e também para eles, que não precisam comprar tudo novo e chegam com a casa totalmente habitável. Pode acreditar, sei bem a diferença que isso faz quando você chega em um país novo!

Mas é engraçado pensar nas voltas que o mundo dá! Quando achamos uma coincidência incrível o amigo estar hospedado na mesma rua que moramos no ano passado, quem imaginaria que a história ainda se desdobraria dessa maneira?

Muito bem, mas seguimos, porque há vários passos para a mudança se concluir!

Tivemos que vacinar os gatos contra raiva. Nós vacinamos os felinos anualmente com todas as vacinas de direito, mas na Inglaterra não usam mais a vacina antirrábica, a doença foi abolida aqui. Tudo bem, passo resolvido! Outro detalhe, o passaporte deles é britânico e isso quer dizer que, depois do Brexit, não é válido na Comunidade Européia. Ou seja, as vacinações que estão ali valem, mas o passaporte em si como documento, não vale mais. É necessário que o veterinário autorizado assine um certificado de saúde. Não é tão complicado, só que precisa ser emitido em menos de 10 dias da data da viagem. Está providenciado e agendamos tudo direitinho, mas acredito que teremos que fazer novo passaporte para os gatos assim que chegarmos em Portugal. Assim que, nossos autênticos vira-latas britânicos, não só viajarão para seu quinto país, como terão dupla nacionalidade com seu segundo passaporte emitido!

O lado positivo é que, pelo menos, Luiz conseguiu comprar passagem pela TAP que autoriza que os gatos viagem de avião conosco na cabine. Caso contrário, a saga seria bem mais intensa!

Consegui contratar uma empresa de mudança. Optei por uma empresa que faz esse translado para Portugal com frequência, inclusive, negocio tudo em português mesmo. Fica aí uma dica, quando fizer uma mudança internacional, sempre bom buscar uma empresa com sede no país de chegada. Eles entendem melhor os trâmites burocráticos e costumam ter mais remessas entre períodos mais curtos. Optei pela TP-International, se forem bons, recomendarei aqui!

A embalagem, farei eu mesma. Translados só com caixas são mais simples e tenho bastante experiência ao empacotar. Dá mais trabalho, porém é menos gente estranha em casa manuseando as coisas e, considerando que vamos deixar muitos ítens para trás, seria confuso fazer essa seleção do que embalar ou não ali no calor do momento. E depois, já deixei as caixas da última mudança guardadas! Tinha certeza que teriam utilidade em breve!

Ainda assim, com toda a experiência adquirida, é bastante trabalhoso e a casa está um pouco caótica. Por um lado, não quero deixar tudo para em cima da hora e, por outro, como não temos excessos, tudo que tenho uso muito, cada coisa que empacoto, acaba por me fazer alguma falta. Paciência, es lo que hay!

Conseguimos finalmente alugar uma casa em Mesão Frio, tarefa mais complicada do que imaginei, mas deu certo! (acho) Aluguei por três meses, podendo renovar. Preço bom e pelas fotos e vídeos que nosso amigo que está morando na Quinta enviou, acho que ficaremos bem acomodados. De toda maneira, é provisório.

Tenho pensado que nosso foco agora é a Quinta, é a nossa prioridade! Todo trabalho que temos, os perrengues que estamos passando (e pode acreditar, não são poucos!), as economias que fazemos… é tudo para fazer da nossa casa um lar bacana. Sei que vamos conseguir e é só uma questão de tempo e organização.

Estou preparada para ter uma vida mais simples, muito atribulada com tarefas braçais e sem grandes luxos. Mais do que estar preparada, estou desejando! Na verdade, o luxo é sempre muito relativo, depende do que você quer e espera da sua vida. Sonho com nossa casa, literamente, todos os dias, de olhos fechados e abertos. Fiz hortas e obras imaginárias, passeei muito entre as vinhas, desenhei projetos, montei o restaurante, elaborei pratos com minhas ervas frescas, conversei com vizinhos, fiz parcerias, pilotei tratores e roçadeiras, pisei minhas uvas, degustei meu vinho, abri novas estradas, colhi flores, espalhei esculturas pelo jardim, dei festas, recebi amigos e família, fiz balanços de pneus para meus sobrinhos, recebi estranhos, promovi eventos… trabalhei pacas! Chega acordo cansada! O mais importante é que sempre que me pego nesses devaneios, me percebo sorrindo. Então, deve ser o certo e o que devo fazer. Conhecer a verdade e ser feliz com o essencial é hoje meu luxo! E que assim seja! Om Tat Sat!

Quem está na chuva…

Os amigos e seguidores tem acompanhado a movimentação referente à nossa próxima aventura: uma Quinta vinícola em Portugal! Portanto, não é exatamente uma surpresa o fato de que, mais cedo ou mais tarde, chegaria uma mudança de endereço.

A questão era, quando?

Pois é, muita gente perguntava e a verdade é que nem conseguia definir quando seria a próxima visita à propriedade, que dirá uma mudança tão radical. Porque não é simplesmente morar em outro país, é todo um estilo de vida.

Por isso digo, não, nós realmente não sabíamos quando isso seria possível e menos ainda, como dar esse passo!

O plano A era seguir morando com Luiz na Inglaterra, na mesma casa que estamos hoje, e eu ficar na ponte aérea, tentando passar uma semana por mês em Portugal. Seguiríamos assim por mais ou menos um ano, até que toda a reforma da casa principal da Quinta ficasse pronta.

É um processo mais demorado do que parece, pelo seguinte, há duas casas na propriedade, uma ruína de pedra e uma casa principal em condições habitáveis. Acontece que essa casa principal, apesar de habitável, é muito simples e velha. Há 5 tomadas elétricas na casa funcionando! Tipo, se eu ligar meu secador de cabelos, capaz de cair a energia da geladeira! Dá para acampar com dignidade, mas precisa de renovação urgente!

Estamos na fase de elaboração do projeto dessa casa com o arquiteto. Entretanto, após o projeto finalizado, leva mais uns 3 a 4 meses para a aprovação (essa região é cheia de regras rígidas). E outros tantos meses para a realização da obra, que se for rapidíssima, levará mais 6 meses para aprontar. Ou seja, há um tempo razoável pela frente até poder ser uma residência definitiva.

O “causo” é que acreditávamos que a essa altura as viagens entre Inglaterra e Portugal estivessem mais fáceis. Tínhamos esperança que já houvesse sido implantado o passaporte do Covid pela vacinação adiantada. Mas na prática, essa abertura está bastante lenta e ninguém sabe exatamente quando vai acontecer. Cada vez que preciso viajar é um perrengue e um custo insano! Infelizmente, entramos agora em território mais político que efetivamente preocupado com a real saúde das pessoas. De uma forma ou de outra, a ideia de ir uma semana por mês foi para o saco!

Em paralelo, nosso amigo se ofereceu para viver na Quinta até o início das obras, com previsão inicial de começar por volta de outubro. O fato dele estar lá agora foi essencial! Deu um super fôlego, nos ajudou e segue ajudando extremamente! Porque ele pôde acompanhar pessoalmente o trabalho da empresa agrícola nas vinhas, está cuidando da casa, nos envia fotos e vídeos diários, enfim, nos ajuda muito a resolver os pepinos imediatos e dos trabalhos na terra. Até aí, fenomenal! O problema é ser um favor que ele nos faz com prazo para acabar. Ainda que não tenhamos uma data certa, com o início das obras, ele terá que desocupar a casa, e aí, como é que faz?

Bianquita que acreditou que a água estava batendo na canela, se deu conta que estava era pela cintura… melhor começar a me mexer!

Começamos a ver data da próxima viagem a Portugal. Porque a gente não quer perder a primeira vindima de nenhuma maneira! Só que havia uma outra questão, a vindima geralmente ocorre em setembro, mas não tem data definida ainda. E aí, como decidir essa viagem?

Putz… lá vem os planos complexos… poderia ir para ficar um mês, chegaria antes e voltaria depois do Luiz… mas onde vou ficar… poderia ser uma parte na casa da minha prima em Braga… poderia ser uma parte na própria Quinta com nosso amigo… poderíamos tentar alugar um local…

E um pensamento começou a martelar na cabeça, abrir mão de estar presente nos primeiros trabalhos da Quinta foi um sacrifício necessário, duro, mas que se viabilizou da melhor maneira. Acontece que, na obra da casa, eu preciso estar presente direto! Não tem jeito! Quem já fez obra, e fiz várias, sabe que são decisões diárias e se você está longe, é 100% de chance que vai dar problema! E vamos combinar, essa encrenca foi escolha nossa! Não faz nenhum sentido delegá-la!

Além do mais, voltei diferente depois da viagem da posse da Quinta. Honestamente, me senti tão em casa que não tinha um pingo de vontade de voltar para Inglaterra. Aquela remota dúvida que talvez fosse uma cidade pequena demais ou que poderia ficar entediada… imagina! A gente não parou um minuto! Nosso amigo que está lá, segue com intensas programações diárias, toda hora é uma história diferente!

Daí comecei a amadurecer a ideia de alugar um apartamento pequeno para ter uma base na cidade e poder ficar prazos maiores. Mas simplesmente, foi uma tarefa impossível! Não existia lugar para alugar! Luiz acha que ninguém aluga nada, quem mora na cidade tem casa própria ou da família.

Depois de procurar muito, entendi que podia tentar as casas de turismo rural, que alugam por temporada. E daí, tentar negociar um melhor preço por alguns meses de aluguel, até porque seria na baixa temporada, quando ficam vazias. Mas, nesse caso, só faria sentido se fosse a longo prazo.

E como é que vou alugar uma casa a longo prazo lá e manter outra casa alugada aqui na Inglaterra? A gente não tem cacife para isso!

De repente, me fiz a pergunta certa: e se não for só por um mês? E se eu for de mala e cuia? Se a gente inverter tudo! Muda o paradígma!

A única questão que pega é que, de momento, Luiz não pode mudar da Inglaterra, a residência fiscal dele é aqui, o emprego é aqui e pronto! Ele tem que e vai continuar morando aqui, pelo menos por um período igual ou maior que 50% do ano. Por lei é assim e com lei a gente não brinca.

Mas veja bem, a ideia era que eu fizesse a ponte aérea nesse início e, quando a Quinta ficasse pronta, faria a ponte aérea o Luiz. Então, por que não adiantar logo essa história? O aluguel de uma casa em Mesão Frio é cerca de 1/3 ou menos do que precisamos pagar aqui, e com todo conforto! Faz muito mais sentido que nossa casa principal seja lá!

E assim decidimos! Vamos rumo ao meu endereço número 48! Na verdade, talvez seja o 48 e 49 ao mesmo tempo, mas já explicarei!

O plano é sair da casa que estamos em Windsor, alugar uma casa em Mesão Frio, eu vou de mala, cuia e gatos para lá; Luiz aluga um lugar bem pequeno aqui para servir de base e ele fica na ponte aérea entre Inglaterra e Portugal. Sendo que, em um primeiro momento, como seu trabalho ainda está totalmente remoto, ele poderá passar um pouco mais de tempo por lá, trabalhando à distância. Tempo esse em que acreditamos que as fronteiras possam estar mais fáceis para as viagens.

Por isso digo que o próximo endereço, na verdade, serão dois endereços em paralelo. Um meu em Portugal e outro do Luiz na Inglaterra. Porque afinal, a nossa vida é simples!

Mas a gente terá bastante tempo para planejar isso bem, né?

Claro que não! As passagens já estão compradas, vamos no dia 28 de agosto. Eu fico de vez com os gatos, ele volta, mas não sabe bem a data ainda. Também demos o aviso que vamos sair ao proprietário da casa que moramos em Windsor. E, porque não poderia ser sem emoção, ainda não conseguimos alugar uma casa em Mesão Frio, nem o lugar que Luiz terá como base aqui.

Mas tudo bem, vai dar certo! O caos é meu elemento! O importante é que está decidido e estou feliz pacas! Agora é fazer o que a gente faz melhor: pular no abismo e torcer para ser baixinho!

Como dizia Vicente Mateus, quem está na chuva… é para se queimar!

Os trabalhos na Quinta

Muito bem, como já deve ter ficado claro, tanto Luiz como eu caímos de paraquedas nessa ideia maluca de ter uma Quinta vinícola, sem a menor noção dos trabalhos necessários para manter uma propriedade assim.

Durante os meses de espera, pesquisamos, lemos, assistimos tutoriais… fizemos o possível para não chegar de “pé mole”. Acontece que não é algo tão simples quanto parece, porque é uma atividade ainda aprendida e ensinada na prática, há pouca teoria disponível para uma autodidata.

Temos aprendido uma barbaridade de informações novas e tenho consciência que isso simplesmente só abre mais portas para novos conhecimentos. Ou mais coloquialmente, ainda temos coisa pacas para aprender!

Daí, resolvi fazer um tipo de glossário das principais atividades nas vinhas. Assim, além de registro para nós, fica também para quem quiser aprender um pouco mais a respeito dos trabalhos envolvidos.

Aproximadamente, pelo mês de fevereiro, final de inverno em Portugal, começam as primeiras atividades. Boa parte das folhas já caíram e os galhos secos enfraquecem a planta, precisam ser cortados. Ou seja, é a hora da poda. Sem essa poda, a planta não consegue desenvolver bem os cachos. Você deve deixar aproximadamente 4 tornos por videira. Um torno é da onde sairá os novos galhos. Aqui há um vídeo mostrando como fazer essa poda. A impressão que você tem é que a planta está morta, toda sequinha. Mas não tem problema, é só parte do ciclo da produção.

Logo que vem a primavera, as folhas começam a despontar e os galhos a crescerem. Quando chega mais ou menos abril ou maio, é importante fazer o controle dos novos rebentos que vem da videira, ou seja, os pâmpanos. Esse procedimento se chama despampa. Nessa fase, tiramos todos os rebentos que se encontram abaixo do primeiro arame (são 3 arames em alturas diferentes).

Em paralelo à despampa, ou pouco depois, se faz o desladroamento, ou o que também se chama de intervenção em verde. É um tipo de poda, mas dessa vez, do excesso de folhas. O objetivo é retirar os ramos que se encontram na madeira velha e, com isso, tornar a vegetação menos densa e dar uma melhor possibilidade de maturação das uvas. É como você dizer para a planta que ela não precisa se preocupar com aquele monte de galhos e folhas e ela deve se concentrar no fruto. Quando você também retira esses “ladrões” (por isso o nome desladroamento) do tronco, isso também ajuda a evitar as contaminações. Pode ser feito manualmente ou através de máquina. Mas mesmo com o auxílio das máquinas, segue sendo um processo bem artesanal.

Logo tem a ampara e a desponta, as vinhas precisam estar amparadas e arrumadas nos arames. Isso é feito manualmente, é como uma condução dos galhos por entre os arames. Tem que ficar tudo arrumadinho e não aquela videira descabelada! Imagina se os galhos não estiverem bem apoiados e comece a nascer um cacho de uva, o galho provavelmente vai se romper. Esse vídeo fala um pouco a respeito. Além disso, a parte de cima da planta também é podada, você tira aquela ponta de cima, ficam todas as vinhas niveladas na mesma altura.

E finalmente, outra parte essencial é o tratamento fitossanitário, que é a aplicação dos produtos químicos que evitam as doenças. Os produtos são pulverizados nas vinhas, geralmente com trator. A periodicidade desse tratamento é variável, porque tanto a chuva quanto aquela neblina que parece uma bruma, retiram o produto e precisa se reaplicar. Esse tratamento evita algumas doenças, como por exemplo, o míldio, que é um fungo que ataca os órgãos herbáceos da videira. As folhas ficam com manchas amareladas ou marrons. Se estiver só nas folhas, você consegue salvar, se chegar na planta, você perde a videira.

A parte da adubação, ainda estou entendendo melhor e não me sinto confortável em escrever a respeito. Há algumas diferentes vertentes onde você tanto pode usar produtos químicos pulverizados, como tentar uma agricultura biológica. Vou ficar devendo essa parte e prometo escrever em breve. Mas sim, as vinhas precisam de comidinha!

Entre as vinhas cresce muita erva. Quando nós chegamos na nossa Quinta, com todos os trabalhos atrasados, a erva estava tão alta que mal passou o carro!

Essa erva é primeiro aparada com a roçadora, no nosso caso, foi um trabalho feito manualmente. E, seguida, foi passado um trator para a trituração dessa erva nas entrelinhas.

Todos os trabalhos acima já foram realizados na nossa Quinta, uns mais atrasados que outros, mas demos conta! Agora falta alguma pulverização de produto e, finalmente, em setembro, o ponto alto de toda essa história: a vindima!

A vindima é a colheita da uva. Geralmente, ocorre em setembro, mas o momento do mês pode variar. É uma grande festa! É comum se chamar amigos e familiares para ajudar nessa colheita e se oferece a refeição e vinho à vontade! Claro que, de acordo com o tamanho da sua produção, será necessário ajuda profissional, mas muitos produtores menores fazem de maneira familiar mesmo. E mal posso esperar por esse momento!

Entre o fim de setembro até mais ou menos fevereiro do ano seguinte, não há grandes trabalhos nas vinhas. É quando começa efetivamente a produção do vinho, mas essa parte vai ficar para um outro post!

Dias intensos em Portugal!

Após um par de semanas, assinada a escritura por procuração, conseguimos finalmente viajar da Inglaterra para Portugal e tomar posse da Quinta. Os trabalhos necessários se acumulavam, assim como nossa ansiedade em resolvê-los.

Embarcamos no dia 12 de junho, com data de retorno para o dia 18, ou seja, tínhamos aproximadamente uma semana para deixar as coisas encaminhadas.

Gosto de acabar com o suspense logo de cara e aviso que deu tudo certo! Assim você pode agora tomar fôlego, porque a história é longa e repleta de detalhes e coincidências incríveis, aliás, como sempre, né?

Muito bem, minha principal preocupação era o cuidado com as vinhas. É uma coisa muito engraçada, mas incorporei completamente esse sentimento pela terra. Estava aflita com a saúde das vinhas, como um ser vivo mesmo! Como se elas estivessem sofrendo, sentindo dor, mal alimentadas… Tínhamos um enorme problema, porque ainda não sabemos direito como cuidá-las e fisicamente exige muito, além de também não termos maquinário. Eu já tinha virado a internet de cabeça para baixo procurando algum website ou contato de quem pudesse fazer o serviço… e nada! É Portugal profunda e rural, lembra? Muito difícil você encontrar qualquer coisa virtualmente.

Daí, literalmente na semana anterior à viagem, estava eu assistindo tutoriais no Youtube sobre a “despampa”, um dos trabalhos importantes a serem realizados (depois eu explico). Gosto muito dos tutoriais do Oscar Quevedo, não costumo dar nomes no blog, mas nesse caso, entendo que é público e espero que sirva de divulgação. Até porque os vídeos são bem didádicos e práticos. Enfim, no final do vídeo ele costuma generosamente dar o próprio email como contato em caso de dúvidas. Então, meio sem graça, escrevi para ele com minhas perguntas, não sabia se ele me responderia ou não, até porque era um vídeo de 2011, nem sabia se o email era o mesmo! Mas não é que ele respondeu! Foi super gentil e me passou uma informação preciosa: o contato de uma pessoa que realizava todos os serviços agrícolas para as vinhas! Eu queria soltar rojões de felicidade! Luiz ligou para o tal responsável pelos serviços agrícolas e marcou logo para segunda-feira, 14/06. Temos certeza que ele só nos atendeu por ter sido uma indicação do Oscar, afinal estava repleto de trabalho! E assim resolveríamos nossa principal preocupação, mas estou passando o carro na frente dos bois.

Viajamos no dia 12/06, sábado, às 6h40 da matina! O que quer dizer que nem dormi na sexta-feira, fui emendada! Por volta de 9h30, nossos primos nos buscaram em Porto e nos levaram para Braga, onde ficamos hospedados com eles. Só baixamos as malas e partimos em direção à Quinta.

Primeira boa notícia, as vinhas pareciam saudáveis e estavam definitivamente vivas! Entretanto, o mato entre suas fileiras batia pela nossa cintura! Passar de carro para entrar na propriedade foi uma aventura, por sorte, é um carro feito para isso! Mas quer saber, a gente estava tão feliz em pisar pela primeira vez como proprietários que o difícil era tirar o sorriso do rosto. Acho que as pessoas normais deveriam estar assustadas, mas a gente nunca foi muito normal!

Bom, como contei no texto passado, um amigo da Espanha se ofereceu a morar alguns meses por lá. Ele chegaria na segunda-feira à tarde e a gente queria que ele já visse a casa com alguma esperança de ficar, né? Porque a coisa estava brava! Tudo bem que ele estava no espírito de aventura, disposto até a acampar e tal… mas a gente também queria ficar tranquilo e deixar o mínimo de condições para ele olhar a vista e “esquecer” do resto!

Porém, a gente tinha e tem um limite do quanto arrumar, porque pretendemos fazer obra na casa inteira. Então, também não dava para investir muito agora e jogar esse dinheiro no lixo. A casa tem banheiro e cozinha funcionais, só estava com muita umidade, por não ter isolamento térmico. Por ser uma casa muito antiga, as pessoas foram morando sem dar tanta atenção a isso. E, para se ter uma ideia das condições deixadas, o ex-proprietário levou até as tomadas! Só tinham os fios pendurados!

Levei da Inglaterra um produto super forte para tirar mofo preto e coloquei logo no teto do banheiro para ir amolecendo aquela crosta onde só faltava sair vegetação! Curiosamente, o resto do banheiro não estava em más condições, a louça tinha cara de limpa, só o teto que estava um horror! Bom, deixamos os produtos de limpeza na Quinta e fomos para Mesão Frio, a cidade mais próxima, que fica a menos de 10 minutos de lá.

Na saída, Luiz teve a curiosidade de checar a caixa de correio e havia uma correspondência da companhia de eletricidade.

Era sábado e não tínhamos expectativa de resolver muita coisa, mas queríamos ao menos saber onde funcionavam as instituições, para tentar ir logo pela segunda-feira de manhã. Coisas do tipo, onde trocar a conta de luz, onde era o correio…

Nós também precisávamos comprar o básico de eletrodomésticos, uma geladeira pequena, um fogãozinho a gás… vimos alguns anúncios de aparelhos usados que ligaríamos no início da semana. Nenhum entregava em casa e estávamos ainda sem saber bem como fazer isso.

Passando a pé pelo centrinho de Mesão Frio, tentando identificar onde ir, vi uma loja com uns bujões de gás na frente, a Tien21. A porta estava fechada, mas fiquei curiosa para ver se tinha algum telefone e sobre o que vendia na loja. Quando nos aproximamos, vimos que era eletrodomésticos e pensamos, que bom, podemos ver os preços aqui depois. Nisso, o gerente da loja aparece na minha frente, levei até um susto! Era sábado à tarde, mas a loja estava aberta!

Resumindo, nessa loja que paramos por mero acaso, se vendia os eletrodomésticos novos a um preço bastante razoável e entregavam em casa… entregavam os bujões de gás em casa também… fizeram a alteração da conta de energia para nosso nome… ajudaram a contratar o pacote de internet e televisão… e ainda nos indicaram um encanador (se diz “picheleiro” ou “canalizador” nessa região). O cidadão fazia absolutamente tudo, foi nosso oráculo! Deixamos encaminhado, para receber na segunda-feira.

Voltamos para Braga e nossos primos prepararam um churrasco com amigos. Estava tonta de sono, acordada desde sexta-feira, mas achei ótimo! Depois, sabíamos que a semana seria bastante dura e não teríamos outro momento para socializar dessa forma. Então, foi com sono mesmo e adorando! Tomamos vinho da nossa própria Quinta, que trouxemos nesse mesmo dia, e isso é um prazer difícil de descrever!

Engraçado e bonitinho ver o Luiz oferecendo o vinho para ser degustado, todo orgulhoso! E isso porque nem foi a gente que fez ainda!

Domingo, acordamos cedo e fomos direto comprar material de limpeza e tinta para pintar o teto do banheiro e da cozinha da casa. Tudo que confirmamos no dia anterior que necessitava ser feito. Na sequência fomos com meus primos e um outro casal para mostrar a Quinta e almoçar em Mesão Frio. Pegamos mais alguns garrafões de vinho, coloquei mais produto anti-mofo no teto e voltamos para Braga.

Na segunda-feira, bem cedo acordamos e fomos direto para a Quinta novamente, aí sim começamos a brincadeira a sério!

Lembra que contei sobre uma pessoa indicada que prestava os serviços agrícolas? Então, às 9h estávamos com ele passeando entre as vinhas e contratando o serviço. Infelizmente, ele estava muito cheio de trabalho para fazer na mesma semana e agendamos dele retornar. Em princípio, os trabalhos estão atrasados, mas ainda há tempo de recuperar. E o principal, as vinhas parecem saudáveis!

Assim que ele saiu, fui encontrar o vizinho da frente, que só vai de vez em quando até o local e, por sorte, estava lá! É o seguinte, nosso terreno tem fonte própria de água, o dele não. Mas ele é autorizado a pegar água no nosso terreno uma vez por semana. Nos apresentamos, trocamos gentilezas e aproveitamos para ele nos mostrar como funcionava nossa fonte (ele sabia melhor que a gente, claro!). Óbvio que atravessamos a selva amazônica para chegar até a fonte, porque o mato estava na nossa cintura, mas tudo bem… o importante é que a água estava lá, corrente, fresquinha e pura! Menos outro pepino!

Nosso amigo que vai morar na Quinta enviava mensagens pelo caminho, vinha com outra amiga e chegariam pelas 15h.

Descemos novamente para Mesão Frio, para acertar a compra dos eletrodomésticos, marcar deles entregarem e tal. Aproveitamos para dar uma paradinha e almoçar.

Chegamos em um restaurante vazio, achamos até que estava fechado, mas era só cedo. Aliás, vou abrir parênteses aqui, a comida na região é ótima! Caseira, bem feita e barata! Comemos bem todos os dias! Até porque Bianquita só trabalha bem abastecida! Paguei com minha língua cheia de frescura em dizer que não tem milagre de vinho bom baratinho! Há vinhos ótimos por preços ridículos! Não estou falando de sofisticação ou elegância, mas super corretos!

Voltando ao almoço, estamos nós dois, chegam mais três homens, mais ou menos da nossa idade ou pouco mais velhos. Puxa papo daqui, puxa papo dali… um é político e trabalha na câmara… o outro vai assar um javali lá na nossa Quinta… Luiz já combinou de jogar Sueca com eles… enfim, nos sentimos super locais! Por mim, ficava ali tomando vinho e batendo papo a tarde toda, mas tínhamos muito o que fazer!

Nisso, nosso amigo avisou que chegou mas não encontrava o lugar em que ficaria hospedado. Fica aí que a gente te acha e já descobriremos! Fomos com ele primeiro descarregar o carro na nossa Quinta. Ele aproveitou que vinha de carro para trazer a mudança de uma vez. Ainda precisaria voltar à Espanha, mas assim já facilitava. Veio junto com uma amiga que era uma máquina de limpar e arrumar as coisas! Sério, em meia hora a casa cheirava diferente!

Fomos meio que nos dividindo nas tarefas… chegou geladeira… chegou fogão… Faltava que o chuveiro da casa funcionasse para o banho. Toca a tentar descobrir como fazer! Tinha que vir o encanador, mas esse ficou para o dia seguinte.

Vou contar uma coisa, estava um calor de cornos, a gente suava em bicas, tinha trabalho pacas… mas uma boa onda e um astral ótimos! Era pesado e era leve ao mesmo tempo.

Voltamos para Braga e eles ficaram para dormir em Mesão Frio, em uma Quinta encontrada pela internet. Muito bonitinha por sinal e, porque o mundo é cheio de coincidências, o dono do local é o responsável pela aprovação das obras na região. Brinquei com meu amigo: faz amizade aí!

Dia seguinte, logo cedo, a mesma rotina! Toca para a Quinta! Parece simples, mas era uma hora e meia para ir e outra hora e meia para voltar.. em um carro sem ar condicionado! É um 4×4 perfeito para ficar por lá, um pé-de-boi, não é um carro de estrada. Cumpriu muito bem o papel, mas era cansativo.

Eles chegaram na casa primeiro e seguiram limpando. Assim que, quando chegamos, tinha outra cara! Não digo que ficou nova, porque nova não é. Segue uma casa simples, mas sinceramente, eu dormiria lá sem nenhum nojinho ou frescura. Deu para perceber que há muito potencial! Depois de reformar, modéstia às favas, vai ficar um escândalo!

E a vista é um espetáculo!

Aproveitei para alojar uma pequena imagem de Ganesha, que levei para abrir nossos caminhos ou nos colocar os obstáculos corretos. Ficou sobre a geladeira, de frente para a porta, pronto para deixar que apenas as boas energias entrem.

Para dar um pouco de suspense, Luiz acompanhava as previsões do tempo e chegava uma tempestade daquelas! Ele preocupado para voltar logo para Braga e eu batendo o pé porque só queria sair de lá com tudo resolvido. Nosso amigo iria embora na quarta-feira cedo, então não tínhamos mais outro dia para resolver as coisas com ele ainda em Portugal.

Bom, com o céu meio cinza, mas antes da tempestade, chegou o encanador, ou melhor, o picheleiro! Lembrando que foi indicação do gerente da loja de eletrodomésticos que resolveu tudo para a gente, né? A questão era a seguinte, a água chega da fonte diretamente no andar de baixo da casa por gravidade. Daí vai para uma caixa d’água e para essa água subir ao banheiro é utilizada uma bomba que estava lá. E também havia um aquecedor elétrico. Resumidamente é mais ou menos isso. Entretanto,o proprietário levou conexões, canos, enfim… coisas que a gente nem sabe para que vai servir para ele! Muito bem, olha daqui, olha dali, enquanto consertava as coisas para fazer o chuveiro e o banheiro funcionarem, o encanador comenta com o Luiz que conhecia o antigo proprietário. Não o que vendeu a Quinta para a gente, mas o pai dele. Contou que se chamava Sr. Angelo e que vendia suas galinhas na feira etc e tal. Achamos a história curiosa e, por conta disso, guardamos o nome do proprietário original, que construiu a casa.

Desci para a plantação e cantei meus mantra baixinho. Não havia tido tempo de cantá-los com calma com toda essa correria. Da última vez que visitei a propriedade a poda havia acabado de ser feita, as vinhas estavam fraquinhas ainda. Há meses canto concentrada tentando visualizar nossa plantação farta, nossas vinhas produtivas, a vegetação forte e tudo dando certo. Estar ali e ver pessoalmente essa projeção realizada foi muito gratificante.

O encanador terminou o trabalho com o céu ameaçador e raios para todo lado! Bateu os cinco minutos no Luiz e, assim que conferimos que tudo funcionava, saímos batido da casa, a toque de caixa!

O temporal nos pegou no início da estrada, mas conseguimos voltar a Braga sem problemas. Mais tarde, descobrimos que faltou luz em Mesão Frio, que em regiões próximas, para o lado de Peso da Régua, a coisa foi tão feia que danificou muitas plantações. O prejuízo foi estimado em mais de dois milhões de euros. Fiquei com pena.

Quarta-feira, aproveitamos a manhã para resolver questões burocráticas no banco e outros pequenos pepinos. Conseguimos adiantar tudo e seguimos para a Quinta pela última vez na viagem, felizmente, estava tudo em perfeita ordem. Nossas vinhas não foram afetadas com a tempestade.

Na saída, fomos também até a cooperativa em Mesão Frio, afim de entender o que precisaríamos fazer para nos associar e se era possível vender nossas uvas por lá. Daí descobrimos (porque é assim, a gente “descobre” as coisas!) que havia uma parte burocrática a ser cumprida. Nós precisávamos ir até Peso da Régua e registrar o terreno no nosso nome no IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto). Depois do IVDP, precisaríamos atualizar o RCV (Registo Central Viticula) no Centro de Estudos Vitivinicolas. Só então, voltar à cooperativa e aplicar para nos associar. Eles fazem uma reunião, geralmente em agosto, e aprovam, ou não, a nossa associação.

PS: não escrevi “registo” errado, não existe a palavra “registro” em português de Portugal. É um inferno para eu falar assim, mas paciência, vou me acostumar!

Caraca! Mais uma burocracia para nossa coleção! Luiz tentou ligar para o tal IVDP e marcar hora, porque em princípio só atendem com hora marcada, mas ninguém atendia. Quer saber, a gente está perto de Peso da Régua, vamos logo pessoalmente e pelo menos vemos que documentos a gente precisa ter. Eu estava carregando uma mochila de papéis comigo, para ter tudo que me pedissem. Quem sabe até consegueríamos resolver isso também?

Chegamos na porta do IVDP às 16h31, lemos o aviso que fechava às 16h30! Nisso o guarda-segurança apareceu para trancar a porta e fechar o recinto. Ele nos informou que precisávamos ligar para marcar hora… Luiz disse, mas eu liguei… ele perguntou o número para confirmar… Luiz mostrou a ligação não atendida no celular… ele se sentiu mal porque era ele que atendia, mas tem outras funções e não atendeu… em tese ele era responsável por perdermos a viagem… perguntamos se poderia nos informar pelo menos quais os documentos levar para uma outra ocasião… ele deixou a gente entrar, trancou a porta e disse que ia checar com a chefe responsável que documentos seriam esses. Agradecemos a gentileza e esperamos ele voltar com as tais informações.

Para a nossa surpresa, a tal funcionária-chefe que ainda estava lá, teve a maior boa vontade e resolveu nos atender fora do horário e sem hora marcada!

Não sei nem como começar a contar essa conversa, porque eu tinha todos os documentos teoricamente corretos… mas nada que ela precisava! A primeira pergunta era em nome de quem estava registrado o terreno. Eu achava que era em nome do proprietário anterior, inclusive mostrei a escritura, só que não. Daí lembrei o seguinte, ele herdou o terreno do pai, pode ser que não tenha feito a alteração do nome. E como chama o pai dele? Veja bem, essa informação não constava na escritura, porém lembra do encanador que no dia anterior contou que conheceu o Sr. Angelo? Então, repeti igual a papagaio, acho que chama Angelo e com o sobrenome do proprietário da escritura, filho dele… chegamos na informação!

Veja bem, a gente só sabia o nome do proprietário original porque o encanador, que foi indicado pelo dono da loja de eletrodomésticos, que achei por acaso olhando uma vitrine, nos tinha contado em conversa no dia anterior!

Mas não ficou só aí, ela me pergunta, você tem a foto aérea do terreno? Sabe como chama a Quinta? Putz… nem ideia! Mas se você for no mapa a gente localiza. Não tem o endereço registrado, mas já vi tantas vezes a Quinta no google, que conheço os quadradinhos de onde ela fica, juro! Apontei no computador: é essa! Ela marcou a foto, imprimiu para mim. Guarda que você vai precisar apresentar isso!

E os certificados-de-não-sei-o-que-das-quantas?

Não sei, mas se você me mostrar um eu tento localizar. Ela me mostrou e tínhamos! Só que estava no meu computador, não tinha impresso. Posso te enviar por email? Ela me deu o email dela e puxei o laptop da mochila! Luiz fez sua mágica e apareceu uma conexão de internet para mim!

Para quem leu as crônicas anteriores, nossa propriedade é formada por 11 artigos diferentes, sendo 9 rurais e 2 urbanos. Assim que nós temos 11 certificados, não tinha ideia de qual ela precisava! Ela abriu os 11, confirmou e separou os 3 que eu precisava. Pronto! Agora você faz o seguinte, junta essa foto aérea, esses certificados, vai no Registo da Conservatória de Mesão Frio e busca o histórico da propriedade desde o Sr. Angelo Fulano de Tal. Com esse papel você volta aqui e fazemos o registro da propriedade no seu nome.

Ufa! Não resolveu, mas vamos combinar, o caminho está todo definido!

E veja bem, se nós tivéssemos conseguido telefonar, não teria hora para nos atender. Se chegássemos no horário normal de funcionamento, não teríamos sido atendidos porque eles estariam ocupados com outra pessoa marcada. Se chegássemos mais tarde um minuto, não teríamos encontrado com o guarda fechando a porta! Ou seja, posso reclamar de alguma coisa? Ainda por cima, todo mundo super gentil! Só posso agradecer!

Ela ainda me deu uma outra informação importante, eu preciso me registrar como agricultora. Por que essa informação era importante?

Calma, a história ainda não acabou, ainda precisava conversar com um contador (em Portugal se diz, contabilista). Perguntei para meu primo se ele tinha algum contato. Ele me indicou uma pessoa, guardei o celular para ligar e marcar um horário.

Mas antes, tínhamos que fazer o maldito PCR para viajar de volta à Inglaterra. Com toda a correria, esquecemos de agendar, Luiz agendou meio em cima da hora e, ao invés de ser perto da casa dos meus primos, foi mais para o centro da cidade. Tudo bem, nem era tão longe assim, chegamos um pouco antes da hora marcada e foi bem rápido.

Do próprio estacionamento, liguei para o contador para tentar agendar um horário. Pode ser agora? Podia e estávamos super perto do escritório dele, no centro da cidade.

O caso é o seguinte, nossa residência fiscal hoje é na Inglaterra. O que estamos pensando em fazer é manter a residência fiscal do Luiz onde está e a minha, transferir para Portugal. Até porque, a ideia é vender o que produzirmos em algum momento, preciso me registrar, pagar os impostos, tudo direitinho. Além do mais, descobrimos que para comprar alguns produtos agrícolas para a manutenção da plantação, preciso ser registrada como agricultora. Não é qualquer um que chega na loja e compra um agro-tóxico ou determinado tipo de adubo, por exemplo. Isso é tudo controlado, o que concordo.

Vou explicar melhor essa parte contábil em algum próximo texto, porque é bastante técnico, entretanto, podem ser informações úteis a quem queira seguir esse caminho. Mas há uma parte referente às coincidências que vale contar agora mesmo.

Nós precisavamos alterar nosso endereço no documento português, o NIF, e para isso era necessário uma tal “Senha nas Finanças”, depois explico melhor. O problema é que tinha que marcar hora, para marcar hora você precisava da senha! Para pedir essa senha, você precisava dar o endereço que consta no seu NIF (tipo um CPF português) e eles enviam por correio. Claro que, com tantas mudanças, o endereço que constava no nosso NIF era outro. E para mudar esse endereço, você precisava ter a senha! Ou seja, cachorro correndo atrás do próprio rabo! Conseguir isso sozinhos era uma tarefa praticamente impossível!

Daí, falamos dessa questão com o contador e, lógico, que ele tinha solução! Uma possibilidade era passar uma procuração específica para uma advogada conhecida dele, mas era algo mais caro e complicado. A outra era ir diretamente no escritório das Finanças… espera um minuto, deixa eu ver se consigo marcar por aqui! A esposa, que trabalha com ele, era amiga de alguém que atendia nas Finanças e conseguiu marcar para o mesmo dia: vocês podem tal horário? Claro que podemos! Nascemos prontos!

Pontualmente, estávamos na porta no horário combinado: queremos falar com a fulana e fomos indicados pela beltrana! E só entramos por causa dessa indicação! Explica novamente a história confusa de pedir senha sem endereço e blá, blá, blá… puxo a escritura, mostro que a Quinta estava comprada… tá bom, vou dar uma senha, mas precisa de um celular português… demos o celular da minha prima… e precisa mudar essa senha hoje mesmo, sem falta! Perfeitamente, faremos isso nesse minuto! Voltamos ao contador e entregamos tudo! Tá contigo!

Na quinta-feira, não voltamos a Mesão Frio, estava praticamente tudo resolvido. Luiz ainda tinha que trabalhar pela manhã, aproveitei para ir à cabeleireira brasileira. Era interessante o contraste de passar a semana dando duro na propriedade e, de repente, parar para receber um mimo de fazer os meus pés! Mas bem que aproveitei o descanso!

Conseguimos também almoçar com calma com meus primos, afinal, mal tivemos tempo de dar algo de atenção a eles. Finalmente, provamos a “Francesinha”, prato típico da região. É um super sanduíche com tudo dentro, carne, presunto, linguiça… coberto com um molho à base de cerveja e manteiga e um ovo frito por cima! Um esculacho calórico, mas a gente merecia, vai?

Durante à tarde, aproveitamos para visitar o IKEA e o Leroy Merlin, para ter algumas referências de opções, materiais, preços etc para a reforma da casa. Basicamente, a gente descansava carregando pedra!

Jantamos no Alma d’Eça, um dos nossos restaurantes favorito em Braga. É um misto de comida japonesa e mediterrânea que foge do padrão geral e gostamos de variar. Vinho para relaxar com a sensação de missão cumprida!

Na sexta-feira, ainda conseguimos almoçar com os primos e amigos. Do restaurante, os primos já nos levaram direto ao aeroporto, que fica em Porto, cerca de 40 minutos de Braga.

Foi apenas uma semana, mas a sensação era de ter passado um mês inteiro! Gosto de voltar para casa, estava com saudades dos meus gatos. Mas admito que o “bichinho” já me mordeu e minha cabeça está morando na Quinta. A preocupação de viver em uma cidade pequena desapareceu e as pouquíssimas dúvidas se iríamos nos entrosar se diluiu nos primeiros dias.

E o mais bizarro para mim, o amor instantâneo pela terra, pelas vinhas, pela vista do Douro que irá emoldurar minhas manhãs… finalmente, tenho um lugar para chamar de minha casa.

E na hora que penso, agora ferrou, resta tentar… “with a little help from my friends”…

Para quem não fala inglês, a tradução de “with a little help from my friends” é “com uma ajudinha dos meus amigos“, referência da música que ganhou fama na voz do Joe Cocker e foi tema de série.

Como o diabo e boa parte das minhas histórias reside nos detalhes, vou contar uma parte da saga anterior dos bastidores que ficou faltando, a viagem maluca que fizemos para assinar a procuração em Portugal, a mesma usada para comprar a Quinta do Vianna.

Abre parênteses e vamos esquecer a Quinta por um minuto. Nós temos dupla nacionalidade, brasileira e espanhola, mas é como cidadãos espanhóis que vivemos na Europa. Aqui na Inglaterra, toda nossa documentação é atrelada aos documentos espanhóis e, a possibilidade de viver em Portugal algum dia também é vinculada a essa situação.

Pois bem, nossos passaportes e identidades venciam no mesmo dia, em maio e poderíamos renovar com até 6 meses de antecedência. Até aí, lindo! Só tinha um problema, estávamos todos em lockdown rigoroso! Não conseguíamos viajar, nem tinha voo! Era impossível agendar qualquer coisa no consulado espanhol de Londres. Quando chegou abril, a gente começou a surtar…

Em paralelo, uma história não tão grave, mas que estava acontecendo. Minha carteira de motorista (espanhola) venceu no ano passado e renovei em março de 2020. Exatamente uma semana antes da pandemia estourar, estive em Madri para resolver pepinos, aproveitei para renovar a carteira. Teoricamente, a habilitação seria enviada por correio para a casa de uma amiga, que nunca a recebeu! Estourou o raio do COVID e isso foi embolando cada vez mais. A verdade é que ninguém sabia a duração dessa loucura, sempre esperávamos que já fosse resolver e com isso o tempo foi passando.

Em outubro, quando fui a Portugal conhecer a Quinta comprada, aproveitei uma oportunidade que surgiu na mesma semana e comprei também um carro. Velhinho, mas muito bem conservado e bom para aguentar o tranco de estrada de terra. Pode me chamar de louca, como é que comprei um carro para ficar em um quinta que nem era minha ainda? Mas enfim, foi uma boa oportunidade e aproveitei. O carro ficou guardado esse período com meu primo.

Acontece que, se tinha um carro e precisaria dirigir, também voltou a necessidade de resolver o “mistério da carteira de motorista”, perdida no limbo! Óbvio que nada é fácil e o número da DGT (Departamento de Trânsito espanhol) era daquele de 3 dígitos, que você só consegue ligar se estiver no país. E eu não estava! Lá fui eu pedir socorro para uma amiga: liga lá para mim, por favor! Descobre, pelo menos, onde está minha carteira! Responderam para ela que estava na própria sede da DGT, em Madrid, e que precisaria buscar pessoalmente. Se não fosse pessoalmente, minha representante precisaria levar uma procuração e o original da minha identidade (ou uma cópia autenticada, eles dizem “copia compulsada“). Bom, ok, pensei, assim que as fronteiras abrirem, vou lá buscar minha carteira. Isso em outubro.

Lógico que fronteira abriu coisa nenhuma… o tempo passou e chegou março! Agoniada, resolvi tentar outra vez, mas a primeira amiga que ligou para mim (e era a do endereço onde minha carteira estava direcionada) viajou para o Brasil e ficou alguns meses por lá, sem conseguir voltar. Caraca, para quem eu peço esse favorzinho enjoado? É difícil até explicar a história, que dirá resolver!

Bem sem graça, procurei uma outra amiga que gosto muito e pedi, sem nenhuma obrigação, você poderia me ajudar a resolver essa encrenca? Ela foi super gente boa e me ajudou a solucionar o tal mistério da carteira e a marcar um horário para buscá-la na DGT. Outro detalhe, na total impossibilidade de se fazer uma procuração pelo consulado espanhol ou de autenticar minha identidade, enviei o documento original para ela por correio! E todos os papéis que eu tinha do processo, protocolo etc. Ela com a maior boa vontade do mundo, mas nada de conseguir uma data na instituição para agendar e buscar a carteira.

Nisso, chegou abril e aquela agonia dos passaportes vencendo… abriram uma brecha para viagens entre Inglaterra e Espanha, mesmo assim, só se fosse por absoluta necessidade. Super burocrático, milhões de formulários, 4 PCRs para cada um, quarentena na volta… um inferno! Mas era possível!

Bianquita somou 2 +2 = 22! Vou botar tudo no mesmo pacote! Luiz, vamos aproveitar essa brecha, renovar os passaportes e identidade (na Espanha você faz isso em um único dia e já sai de lá com os documentos novos) e vou eu mesma buscar a carteira de motorista na DGT. Daí, a gente aluga um carro e vai dirigindo até Portugal. As fronteiras terrestres são sempre mais fáceis, a gente tem o passaporte espanhol, o carro com placa da Espanha, o termo de compromisso de compra e venda da Quinta assinado e eu sou registrada como moradora em Braga. Ninguém precisa saber que a gente foi da Inglaterra. Fazemos a procuração para meu primo e deixamos as coisas por lá encaminhadas também. Convenhamos, um plano completamente insano, mas bastante prático, certo?

Aqui há um dito popular que adoro, “if there’s is a will there’s a way“! A tradução literal seria, onde há um desejo há um caminho. Ou seja, se há uma real vontade que algo aconteça, sempre haverá uma maneira de conseguir. Ou na popular versão tupiniquim, fé, foco e foda-se!

E vamos combinar, não é que eu quisesse simplesmente passar férias ibéricas, a gente precisava muito resolver tudo isso! Não estávamos inventando nada!

Certo, mas temos dois gatos! Quem fica com os bichanos por uma semana? Procura daqui, procura dali… no final do ano passado, o filho de uma amiga da minha mãe precisava vir para Londres. Ele tinha tudo muito estruturado, mas era fundamental ter um endereço aqui para correspondência e documentação. Não seja por isso, ajudamos no que pudemos e, sinceramente, na maior boa vontade. Porque sim e porque sempre que precisamos, alguém nos ajuda também! Acabamos ficando amigos. Pelas voltas que o mundo dá, justamente esse novo amigo faria um treinamento relativamente próximo à nossa casa, justo quando precisávamos viajar! Resumo da ópera: ficou ele aqui cuidando dos bichanos enquanto a gente viajava! Mais karma positivo que isso, impossível!

Claro que foi um perrengue alucinado… a Inglaterra chegou a abrir fronteira para Portugal… mas Portugal fechou fronteira para Inglaterra… achar hospedagem em Madri foi enrolado… conseguimos AirBnB… na semana anterior, Espanha e Portugal resolveram fechar fronteira também… agendar trocentos PCRs… fomos parados na fronteira terrestre na ida e na volta, mas os documentos que levei justificavam as entradas e saídas… nosso voo de volta de Madri para Londres foi cancelado… Luiz conseguiu remarcar… e lógico que deu tudo certo!

Contando só uma gracinha no meio desse turbilhão, na hora de preencher os formulários da volta para a casa, Luiz ficou na dúvida se dizia que tinha ido para Portugal ou não. Eu já disse logo, eu não vou dizer! Por que? A gente tomou todos os cuidados possíveis, para que vou criar uma razão para encrencarem? Eu acho que era legal, mas na dúvida, melhor ficar quieta. O caso é que nós dois chegamos a ser meio bobos de tão “caxias”, a gente gosta de fazer tudo certinho! Ele vira para mim todo dramático, com aquele olhar de indignação decepcionado: e você vai… meeeentirrrrr? Oi? Sério? Depois de todo esse estresse ele quer ser mais certinho que os próprios ingleses? Respondi gutural e maiusculamente: VOU! Vou mentir! Vou fazer o que eu precisar fazer! I’m a woman in a mission! Ele resmungou um pouquinho, mas pergunta se colocou no formulário dele que foi para Portugal? Na volta para casa, inclusive recebemos um elogio do agente britânico de imigração ao mostrarmos nossos documentos: nossa que organizados!

Bom, mas contei o final sem contar o meio da história. Espanha estava com suas restrições, mas os restaurantes e comércio estavam abertos. Para a gente que já levava 5 meses fechados em casa, foi uma brisa fresca! As ruas de Madri tem um burburinho alegre de fundo, de gente falando e eles não falam baixo, risadas, reclamações… e eu amo! Assim que, com todo perrengue e toda a tensão, a gente estava feliz pacas de estar ali!

Conseguimos mesa no nosso restaurante favorito, El fogón de Trifón! O dono também se tornou um grande amigo e sempre que vamos lá, temos essa sensação de estar em casa. Havia mais de um ano que não podíamos nos encontrar. Coincidiu de irmos justo no dia em que ele havia sido vacinado contra Covid, nós havíamos sido vacinados também. Nosso encontro foi uma festa!

Fomos quase que em segredo para Espanha, por vários motivos, primeiro porque seria praticamente impossível encontrar alguém com a agenda maluca que estávamos! Depois, porque tinha até medo de anunciar nas redes sociais, o governo achar que fomos passear e multar a gente! A multa era a bagatela de £10 mil. E, claro, entendemos a preocupação das pessoas em evitar saídas e encontros nesse momento, algo que compartilhávamos. Admito que um lado meu sentia uma falta gigante de marcar um encontrão daqueles e abraçar todo mundo, outra vez será!

Bom, mas queria falar um pouco mais dessa questão de como somos privilegiados por nossos amigos e também pela família que muitas vezes exerce esse papel. Aliás, constantemente essa coisa de amizade e família é simbiótica.

Enfim, lembra da minha amiga que conseguiu descobrir sobre minha carteira de motorista e estava com meu documento original? Então, precisava encontrá-la antes de ir renovar a documentação, o que era uma excelente desculpa para a gente se ver. Na maior boa vontade, ela se candidatou a nos buscar no aeroporto, favorzão que aceitei de bom grado! Acabamos jantando juntos e foi uma delícia, a gente gosta muito deles! Verdade que não era um grupo grande, mas tenho valorizado também esses encontros limitados entre dois casais ou poucos amigos, a gente consegue dar mais atenção individual e conversar melhor.

E havia também outro amigão, que não víamos há anos! Nos conhecemos em Madri, ele ficou várias vezes lá em casa com nosso gato quando a gente viajava, temos muitas histórias… daí ele mudou para Hong Kong… nós mudamos para Inglaterra… nós fomos para o Brasil… voltamos para Inglaterra… ele voltou para Madri e, finalmente, uma chance da gente se encontrar na mesma cidade! Maravilha, bora jantar! Atualizamos os anos de conversa e contamos para ele porque estávamos indo para Portugal.

Pouquíssima gente sabia sobre a compra da Quinta. E nem porque eu quisesse guardar grandes segredos, afinal, como costumo brincar, minha vida é um blog aberto! Eu não tenho essa paranóia de achar que alguém pode torcer contra e tal, até porque, quando sei sobre os projetos dos meus amigos, fico amarradona! Mas para mim, não fazia sentido sair divulgando algo que poderia nem rolar! Na minha opinião, o negócio só está fechado despois de assinada a escritura! Mas enfim, o fato é que ele curtiu muito a história e trocamos algumas mensagens sobre isso depois!

Dali seguimos para Portugal, onde nossos primos, como sempre, deram o maior apoio para a gente resolver as coisas. Vamos combinar, eles visitaram a Quinta antes da gente, foram nossos olhos e ouvidos para fechar o negócio, meu primo topou ser nosso procurador e acabou também assinando a escritura em nosso nome. Por mais que nós tentássemos ser organizados ou não incomodar, seria absolutamente impossível fazer esse negócio sem o suporte deles.

Tudo bem, mas uma vez fechada a compra, agora estávamos no sufoco seguinte: como é que a gente vai fazer para isso funcionar? Porque as fronteiras melhoraram, mas seguem limitadas, as viagens seguem complicadas e caras. Nós temos as duas doses da vacina, mas o tal passaporte de viagem dos vacinados ainda é um ideal não implantado. E nós precisamos urgente de pessoas trabalhando na Quinta do Vianna! Mesmo que contrate pessoas é fundamental ter alguém por lá cuidando.

Conseguimos marcar passagem para ficar uma semana em Portugal, resolvendo os incêndios! Vamos no dia 12 de junho e ficaremos até dia 18.

Ok, tudo muito bom, tudo muito bem… mas outra vez, com quem ficam os gatos? Eu já sem cara de pedir para as pessoas… lembrei de um casal de amigos… perguntei toda sem graça… eles toparam! Vou deixar a casa igual a um hotel! Comidinha na geladeira, tudo para eles adorarem ficar aqui!

Seguindo o bonde, com a escritura fechada, me deu a ideia de criar um perfil no Instagram, uma outra categoria aqui no blog… enfim, começar a divulgar o projeto. Em princípio, para nossos amigos mesmo, mas quem sabe no futuro, se converta em algo mais comercial. Não sei, vamos descobrir com o tempo. A verdade, é que gosto de compartilhar situações felizes, principalmente em um momento em que tudo parece tão sombrio. E, assim como eu busquei tantas informações sobre a vida às margens do Douro, talvez outras pessoas também tenham a curiosidade de saber como é. Se posso ajudar alguém a viver um pouco dessa aventura conosco, virtualmente ou pessoalmente, por que não?

Depois, tem o outro lado da moeda, porque tem um monte de coisas que não sei ou não consigo fazer sozinha. Feliz o dia em que aprendi a ser menos orgulhosa e a aceitar ajuda! Não é incomum que, ao expor uma situação, do nada me aparece alguém com uma resposta, uma dica, um contato… e eu escuto!

Dito isso, lembra daquele nosso amigo que encontramos em Madri e contamos sobre a Quinta? Então, lendo a história aqui no blog, ele teve uma ideia e nos procurou. Com a pandemia, ele não está trabalhando direto ou poderá trabalhar remoto. Ou seja, está com tempo e não é casado, não tem raízes ou nada que o prenda. Nos perguntou, quer que eu more lá por uns meses? Para ele seria uma experiência diferente, onde não precisaria de um salário, mas também não teria custos. Ele não se importa que a casa esteja velha e precisando de reformas, a vista é um desbunde e o trabalho é interessante. E para a gente, seria uma tranquilidade ter alguém morando lá direto, cuidando da casa e resolvendo os pepinos das vinhas. Mesmo que tenhamos que contratar ajuda, com alguém lá administrando facilita horrores! Além de não termos que nos preocupar com fronteiras fechando e abrindo. Sabe aquelas situações onde parece que todo mundo ganha? Conversa daqui, conversa dali, vamos nos encontrar em Portugal na semana que vem e ver o que rola. Torcendo para dar certo, desde que seja bom para ambos os lados!

E fiz questão de contar tudo isso hoje, porque sempre falo das sagas, aventuras e encrencas que a gente se mete, e vamos combinar, não são poucas! Mas a vedade é que dificilmente conseguimos resolver tudo sozinhos. Quantas vezes, quando a gente acha que não tem mais jeito, ou o que raios a gente vai fazer… a ajuda aparece! Às vezes de amigos antigos, outras de absolutos desconhecidos que acabam por se tornar amigos novos. E acho tão bom e sou tão grata que sempre que existe alguma maneira de também ajudar outra pessoa, para mim é um privilégio! Acredito sinceramente na gentileza que gera gentileza!

Portanto, hoje agradeço aos meus amigos e amigas, aos que me ajudaram diretamente ou que simplesmente estão aí, aos que serão amigos um dia, aos estranhos que abracei pelo caminho com a sensação mútua de pertencer e também aos que precisaram de mim e me deram essa oportunidade de retribuir ao universo.

Porque é uma delícia saber que na hora em que o bicho pega, sempre contamos com nossos amigos! Eu acredito em vocês e me torno melhor porque sinto que essa crença é recíproca, mesmo nos meus projetos mais improváveis ou absurdos. Por vocês acreditarem em mim, eu sou.

Muito obrigada.

A saga dos bastidores

Como Luiz costuma dizer, vocês olham as cachaças que eu tomo, mas não os tombos que eu levo! Entretanto, prometi que vou contar tudo, então, vamos lá!

Podemos dizer que, oficialmente, essa saga específica começou há cerca de um ano, quando iniciamos nossa busca de uma propriedade rural em Portugal, por volta de junho de 2020. Até encontrarmos o que queríamos, levou alguns meses e o contrato de compra e venda foi assinado em outubro. Mas, enfim, essa parte da história, em que compramos através de uma visita virtual, já foi contada na crônica passada.

Bom, sabíamos que haveria uma razoável espera até toda a documentação ficar pronta. E para nós, essa era uma espera bastante positiva, pois ganhávamos tempo para entender um pouco melhor em que encrenca a gente estaria se metendo!

Fora a questão das viagens durante a pandemia! Era um tal de abre e fecha fronteira a toda hora! Ou melhor, um tal de fecha e fecha mais ainda, porque abrir que é bom… estava difícil! E aí, como você contrata gente para trabalhar? Como você faz obra? Meus primos ajudaram bastante, mas não dá para você contar com os outros para resolver seus pepinos sempre, né? Nem seria justo! Todo mundo tem seus próprios problemas para resolver e vamos combinar, em tempos de COVID, ninguém estava tão tranquilo assim.

E o que era essa documentação? É o seguinte, nessa região do Douro Vinhateiro, há uma série de regras rigorosas em relação à construção nos terrenos e ao plantio das vinhas. O que pessoalmente, concordo, porque precisa mesmo haver esse tipo de controle ou a coisa vira bagunça.

Não pode chegar um indivíduo por lá e resolver plantar qualquer casta de uva porque o terreno é dele! Precisam ser as castas da região. É bom para quem quer ser produtor de vinho, porque também é uma certa garantia de boa qualidade. Da mesma maneira, as construções também são regulamentadas, você tem um máximo de metragem que pode construir de acordo com o tamanho do terreno, não pode distoar arquitetonicamente, há uma limitação de cores…

Essa parte é um pouco técnica, mas acho que vale explicar e se não quiser saber, é só pular alguns parágrafos.

Basicamente, você tem dois tipos de terreno, que eles chamam de “artigo”. São eles: o artigo rústico, para plantio e o artigo urbano, para construção. Em um artigo rústico, você não pode construir nem a pau! Só pode plantar e, ainda assim, respeitando as regras da região. O artigo urbano é só a construção, que por sua vez, tem um limite de metragem quadrada. Eventualmente, você consegue expandir um pouco esse limite, mas muito pouco e precisa se aprovar o projeto na câmara.

Isso quer dizer que, por exemplo, a nossa Quinta não é simplesmente um terreno com duas casa dentro, são 11 artigos, sendo 9 rústicos e 2 urbanos. O somatório desses 11 artigos são aproximadamente 3 hectares de terreno com duas construções. A escritura é uma só, mas descreve especificamente cada um desses 11 artigos. E cada artigo tem um valor separado, ou seja, tivemos 11 preços diferentes e a somatória desses preços é o valor total da escritura.

Imagina você indo a um supermercado e comprando 11 artigos, quando você for pagar no caixa, paga tudo junto, é uma compra só, mas na nota vem separado o valor de cada ítem. É igual.

A tributação e honorários na hora de fazer a escritura e registro da propriedade não é nada simples. Começando pela parte mais fácil, porque é fixo independente do preço do imóvel (valores referentes a junho/2021), foi cobrado pela escritura €375,00, mais €165,00 de consulta do registro predial, mais €500,00 de registro dos prédios. Inclua-se os honorários do notário, aproximadamente €750,00 (adicionados de 23% de IVA). Esse é o básico! Mas tem os impostos para cada artigo, que são o IMT e o Imposto do Selo. O imposto do selo também é fixo e igual para todos os artigos, no valor de 0,8%. Mas o tal do IMT varia completamente!

E aí começa a complicação, o IMT para artigos urbanos é de 1% do valor declarado e dos artigos rurais é de 5%. E se o artigo urbano for sua habitação permanente, ela é isenta de IMT. Até aí parece simples, né? Só que tem um detalhe, você tem o valor total da compra, certo? Mas sabe quem define quanto desse valor vai para cada artigo? Você!

Por exemplo, vamos supor que você tenha comprado 3 artigos, 2 rústicos e 1 urbano, por €100. É você que decide como distribuir, dá no mesmo dizer que os 2 rústicos valem €10 cada um e o urbano vale €80… ou que um rústico vale €10, outro vale €70 e o urbano vale €20… tanto faz, desde que no final, a conta some os €100. Daí, claro, como os artigos rústicos pagam maior imposto, todo mundo quer botar o valor maior no artigo urbano!

E pode? Pode, mas tem uma pegadinha…

A escritura é um documento público e os vizinhos, por lei, tem prioridade na compra dos artigos. Se algum vizinho descobrir que o terreno foi vendido, pode ir lá buscar por qual valor e, se estiver num valor muito baixo, ele pode entrar na justiça e ter a prioridade na compra. E ele pode fazer isso em até 6 meses depois da escritura lavrada. Ou seja, se você colocar um preço muito ridículo nos artigos rústicos para se livrar do imposto, corre o risco de se aborrecer com os vizinhos e até perder a compra!

E se está complicado para você que leu com tudo mastigadinho e explicado, imagina para a gente descobrir todo o processo?

Muito bem, mas chega de tecnicidade, vamos voltar à saga!

Lembra que eu falei lá atrás que precisávamos esperar a documentação da Quinta ficar pronta? Lembra que falei também que as regras de construção e produção nessa região são muito específicas? Então, a casa principal da nossa propriedade havia sido construída em 1951, antes mesmo de toda essa regulamentação atual. O que queria dizer que, mesmo não havendo sido uma construção ilegal, e não foi, não estava dentro dos padrões vigentes e, portanto, a venda não poderia ser efetivada e a escritura não poderia ser lavrada. Foi essa adequação da casa dentro das regras atuais que levou 7 meses para ser resolvida! Boa parte desse atraso se deu pela pandemia, entretanto, outra parte grande era burocracia. No fundo, a gente nunca teve grandes dúvidas que seria resolvido, afinal, não era ilegal e o proprietário tinha toda a documentação em nome dele, mas sabíamos que não seria rápido e não tínhamos ideia de quando terminaria.

O problema, caríssimos, é que as vinhas não esperam a burocracia se resolver. Entre outubro e fevereiro, não havia muito trabalho a ser feito, mas a partir daí, a coisa começa a acumular e, ao menos a poda das vinhas precisava ser realizada. Começou o jogo de empurra! O proprietário querendo nos cobrar pelo serviço ou que nós mesmos fizéssemos o trabalho e a gente naquela situação de, como é que vou pagar por um serviço de uma propriedade que não é minha e não sei se vai ser ou quando vai ser? E vamos combinar, o problema da documentação era dele, não nosso! A gente estava sendo legal pacas em esperar pacientemente!

Fizemos a seguinte proposta: você cuida das vinhas e, independente de quando a venda seja efetivada, você fica com a produção desse ano. É o que eles chamam de arrendamento da terra. Pareceu-me bastante justo, nós abriríamos mão da produção de 2021, mas não teríamos que esquentar a cabeça, não teríamos custos, nem precisaríamos buscar gente para trabalhar.

Essa intermediação foi feita pela corretora do imóvel e eles aceitaram. Ótimo! Para nós, estava resolvido, fiquei tranquila.

Só que não… porque chegou março e a gente, de repente, recebe a ligação dele “preocupado” porque o tempo estava passando e estava no limite para fazer a poda e nada…

Oi?

Ele insistiu que foi um mal entendido, que foi a corretora que fez confusão, que ele já tinha até se mudado de lá… enfim, não acreditei! Depois, em outras ocasiões, a gente percebeu que ele sempre mudava a história de acordo com a própria conveniência. Mas não importa, porque as vinhas precisavam ser podadas, independente de quem estivesse falando a verdade. Resumindo a ópera, meia dúzia de historinhas mais e um preço que foi o dobro do combinado… pagamos nós o raio da poda das vinhas e paciência!

Aliás, para quem pretende estabelecer algum tipo de negócio por essas bandas e tem a ideia romântica do caipira super honesto, pode esquecer! Não diria que é exatamente uma desonestidade, mas é lei de Gerson total! Verdade que pode acontecer em qualquer lugar e também tem muita gente boa, mas melhor não se distrair. Porém, uma vez que tenha a confiança estabelecida, aí é outra história.

Muito bem, chegou abril, nada da documentação ficar pronta e a água começou a bater no joelho… porque agora era questão de pouco tempo e as fronteiras entre Inglaterra e Portugal seguiam super fechadas!

Mas sabe aquela história de que não peço mais que meus caminhos estejam abertos, só peço os obstáculos corretos? Pois então, assim foi. Nossos passaportes e identidades espanholas venciam em maio e não estávamos conseguindo agendar a renovação através do consulado aqui de jeito nenhum! Quando chegou abril, deu medo da gente ficar sem documento válido, trava a vida toda, né? Nós vivemos na Inglaterra como cidadãos espanhóis que somos.

Então, descobrimos uma brecha para poder viajar entre Inglaterra e Espanha. Porque se fôssemos de férias, haveria uma multa de £10.000. Você só poderia viajar em caso de necessidade. E entre essa lista de “necessidades” constava a questão dos documentos. Luiz sem vontade de ir… com medo de ficar preso em quarentenas… de ser multado… a gente foi mesmo na raça! Daí, veio a ideia mirabolante de alugar um carro na Espanha e atravessar a fronteira terrestre para Portugal, sem dizer que morávamos na Inglaterra. Foi um sufoco danado, contarei essa outra saga em algum momento, mas o importante é que deu tudo certo.

A gente não sabia quando teria outra oportunidade de viajar para lá, por isso, aproveitamos essa brecha e fizemos uma procuração para o meu primo comprar em nosso nome. Luiz, finalmente, conheceu a Quinta e deixamos tudo encaminhado para a realização do negócio. Isso foi em abril.

Fiz questão de fazer a procuração com o mesmo advogado com poderes notariais que lavraria a escritura futuramente, para não correr o risco de haver nenhuma divergência! Inclusive, descobrimos que foi no mesmo local que a própria escritura anterior havia sido feita.

Colocamos a bola na frente do gol e voltamos para casa. Ainda assim, com todos esses detalhes cuidados, sabe a probabilidade de alguma coisa não dar certo? Pois é…

Mas deu tudo certo! Um mês após todo esse trâmite e cantar muito para Ganesha, recebi o contato da corretora. A documentação estava pronta!

Cerejinha do bolo, o proprietário encontrou um documento que provava que a casa havia sido construída antes da regulamentação atual e, portanto, como estava isenta das novas regras, poderíamos fazer a escritura quando quiséssemos. Caso você esteja se perguntando se esperamos esses 7 meses à toa, porque essa venda já estaria careca de poder ser realizada… sim! Mas dane-se, porque esse erro foi exatamente o que possibilitou que a Quinta fosse nossa e na hora em que poderia ser!

Não havia voos para irmos novamente assinar pessoalmente, mas não foi nenhum problema, afinal, estava tudo encaminhado para meu primo assinar por procuração e assim foi!

Escritura lavrada em 27 de maio de 2021, quinta-feira, noite de super lua cheia!

Para quem acha que finalmente está tudo resolvido e a gente pode relaxar… entendeu nada, inocente! Agora é que o bicho vai pegar! Por enquanto, foi só aquecimento!

E tudo bem, cada coisa a seu tempo e vamos aprender pelo caminho! Às vezes, a gente precisa saltar no abismo e torcer para não ser tão alto ou ter água para absorver o impacto! Acreditar que vai dar certo é um excelente começo e acreditamos que sim, agora é trabalhar duro!

A Quinta do Vianna

Tudo começou há uns dois anos, quando fomos passar Natal de 2019 com nossos primos em Portugal, eles haviam se mudado recentemente para Braga. Na realidade, ela é a minha prima de verdade, mas está casada há séculos, assim como eu, e nossos maridos também se dão muito bem, de maneira que nos chamamos todos de “primos” e facilitamos a história!

Até aquele momento, meu plano com Luiz era de nos aposentar em Madri, por milhões de motivos que nem vou entrar em todos os detalhes agora, mas entre eles, o fato de termos muitos amigos que consideramos nossa família extendida.

Enfim, a estadia na casa dos primos durante o Natal fez a gente repensar essa questão da aposentadoria e de onde morar. Francamente, acredito que, quando somos adultos, nós mesmos elegemos a nossa família em função da afinidade. Acontece que quando essa afinidade bate e ainda por cima existe o real grau de parentesco… o sangue fala alto e pesa na decisão. E pesou!

Saí de lá revendo meus paradígmas e avaliando: por que não Portugal? Não seria bacana poder envelhecer perto de quem a gente conhece e gosta? Além do que, minha mãe e a mãe da minha prima são super unidas. Se algum dia elas precisarem morar conosco, facilitaria muito estarmos próximas e em um lugar onde ambas falem o idioma.

E assim, tudo começou, a ideia estava plantada na minha cabeça! Mas… será que Luiz toparia? Pois conversamos e ele achou válido analisar a possibilidade.

Em termos financeiros, o custo dos imóveis em Portugal é muito mais atraente! Principalmente, porque não estávamos interessados em Lisboa. Queríamos algo na região do Porto, de preferência, Braga e arredores. Chegamos a quase fazer uma proposta em um uma casa na mesma rua da minha prima, mas não deu certo.

A essa altura do campeonado, Bianquita já havia aberto o leque e começado a investigar outras possibilidades na região. Comecei a vasculhar websites de busca a propriedades e a história de ter uma quinta, foi ganhando espaço na minha imaginação.

Quinta é um terreno, como um sítio, por exemplo. Esses terrenos são chamados “artigos”. Cada artigo pode ser rústico (plantação), urbano (casa/construção) ou de natureza mista (parte plantação e parte construção). Eu queria uma quinta de natureza mista, onde eu pudesse morar e cultivar a terra.

Cada vez mais, me interessava um lugar onde eu pudesse plantar, produzir minha própria energia, hospedar pessoas, organizar eventos, ter um pequeno restaurante… enfim, uma propriedade autossustentável, com uma gama de possibilidades.

Só tinha um pequeno detalhe, eu nunca tive a menor experiência agrícola na vida! Não entendo chongas de terra! Sou urbana até os ossos! O que vou fazer no meio de Portugal profunda e rural?

Ah, mas o Luiz entende do assunto, certo?

… claro que não! Acho que talvez menos que eu! A ideia maluca foi mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa!

Luiz sabia que eu vinha buscando oportunidades por terras lusitanas, mas nem imaginava o tamanho da encrenca! Honestamente, nem foi algo que saiu inteiro planejado no mesmo dia, a ideia foi desenvolvida aos poucos. Não sou uma pessoa que tem sonhos, nem sei se isso é uma coisa boa ou não. Mas outro dia, li algo como “não tenho sonhos, tenho planos”, e me senti totalmente identificada. Não sonho, eu planejo e faço. E, apesar de só poder falar por mim, acho que Luiz também é assim.

Até que por meados de 2020, compartilhei o pensamento com Luiz. Por sua vez, me olhou num primeiro momento como quem olha para um ET! Mas alguns segundos depois, senti que avaliava seriamente a possibilidade. No fundo, sabia que ele tinha gostado. Provavelmente, mais por mim do que por ele, mas a ordem dos fatores nem sempre altera o produto. Dei o tempo dele amadurecer a ideia, mesmo porque, não havia pressa.

Estávamos em pleno início de pandemia do COVID, há uns 3 meses fechados em casa e, não tenho a menor dúvida, que essa situação teve grande influência nas nossas decisões. Como todos, no princípio quase enlouqueci, mas encontrei meu caminho, com muita meditação e muito canto de mantras! Percebi que meu corpo é a única casa que posso controlar e que levo comigo para onde for. Nada mais parecia me assustar. Por quantas mudanças nós já passamos? Quantas vezes nos reconstruímos? E por que não? Além do que, nós dois somos um time e tanto!

Luiz não só comprou a ideia, como adicionou e incorporou de tal maneira que hoje posso dizer que o plano é nosso! Óbvio que ele profissionalizou a história… me pediu para fazer “business plan“… foi buscar investidores… e eu pensando, caracas, o povo ali nem endereço definido tem! Cada vez que você pergunta onde alguém mora ou onde encontrar é algo como: duas ruas depois da igreja… à direita da casa rosa antes da praça… na bomba de gasolina…

O que importa é que estava decidido! Era nosso novo plano e parecia bastante interessante! Um lugar para vivermos nossa pré-aposentadoria, que nos proporcionasse algum tipo de renda e boa qualidade de vida. Eu cuidaria nos primeiros anos, enquanto Luiz manteria seu emprego e garantia as contas pagas. Ficaríamos nessa ponte-aérea até que pudéssemos fazer uma transição definitiva, no que é possível chamarmos algo de definitivo na nossa vida!

Perfeito! Tudo muito bom, tudo muito bem… mas como a gente coloca isso em prática? Porque como disse, estávamos em plena pandemia e as viagens eram super complicadas, às vezes nem eram possíveis!

Entretanto, acho que por volta de junho, conseguimos marcar uma semana em Portugal, hospedados na casa dos primos. Explicamos tudo a eles, que adoraram saber que teriam companhia muito em breve e se propuseram a ajudar no que pudessem. Aliás, apoio fundamental, como já contarei!

Com a viagem marcada, selecionei pela internet as propriedades que nos interessavam e entrei em contato com os corretores. A intenção era ter todas as visitas agendadas e não perder tempo, afinal, sabe-se lá quando poderíamos viajar novamente!

A primeira Quinta que nos interessou, ficava em Vila Marim, muito próxima a Mesão Frio, com uma vista do Rio Douro de impressionar! Era a favorita do Luiz, mas quando entrei em contato com a corretora, ela já estava sendo negociada e por um preço acima do que nós poderíamos pagar naquele momento. Paciência! Se não é essa, outra será!

Viajamos para Portugal e passamos uma semana ótima e super produtiva! Além da delícia de ver a família, sair um pouco, mudar a rotina… fomos visitar várias propriedades com os primos! Chegamos a fazer proposta em uma delas e marcar assinatura do compromisso de compra e venda… mas o proprietário amarelou na hora de assinar o contrato! Putz, ninguém merece!

Mas também não sofremos! Nessa minha nova fase de vida, penso logo em Ganesha me colocando os obstáculos corretos pelo caminho. O que é nosso viria e pronto!

Tivemos que voltar para Inglaterra, quando nos esperava uma mudança de endereço, uma complicação danada que nem vem ao caso aqui, mas o fato é que só pude pensar em voltar para Portugal pelo final de setembro, início de outubro.

Lá fui eu fuçar na internet outra vez! Quando, de repente, me aparece as fotos da tal primeira Quinta que Luiz gostou, em Vila Marim. E eu pensando… ué, mas não havia sido vendida? Será que o anúncio ficou esquecido aqui? Na dúvida, liguei para a corretora novamente.

Pois não havia sido vendida, o negócio havia furado! Depois viemos entender que a pessoa que tentou comprar da primeira vez o faria através de hipoteca bancária e a documentação estava um pouco enrolada. O banco não espera, mas a gente poderia esperar. Acontece que sempre tem um detalhe, não é mesmo? Havia outro cliente marcado para visitar justamente naquele final de semana e as chances de vender eram boas.

Não conseguíamos marcar passagem para a mesma semana, afinal, as viagens continuavam complicadas. Mas consegui que meus primos fossem visitar no nosso lugar, antes do outro cliente que estava marcado. Acompanhamos toda a visita virtualmente pela câmera do celular, com Luiz no meu ouvido ansioso: fecha agora, fecha agora!

E assim foi! Acreditamos no julgamento dos primos, que afinal, conheciam nossos gostos e o que estávamos buscando. E, claro, pelas imagens que acompanhamos, nos pareceu um ótimo negócio! No final da visita, pelo celular mesmo, fechamos com a corretora: te envio o depósito como sinal e parte do pagamento agora por transferência bancária! Mas não quero que o o próximo cliente vá visitar a propriedade.

Exatamente dessa maneira, compramos uma Quinta vinícola em outro país, que será nossa casa e fonte de renda na pré-aposentadoria, ou seja, foi literalmente, pelas câmeras de um celular, sem visitar pessoalmente!

Na semana seguinte, em outubro de 2020, consegui passagem e visitei o local… sem o Luiz, que não pôde viajar. Nem vou fazer suspense, eu amei o lugar! Arrependimento zero! Gostei ainda mais do que através das câmeras e das fotos. Aliás, ainda bem, né? Porque os 10% de sinal estavam pagos e não tinha volta!

Aproveitei a semana para abrir conta em banco, me registrar como residente na casa dos primos… enfim, começar a preparar a estrutura. E, porque não devo ter um pingo de juízo, acabei comprando também um carro para ficar lá! Foi uma oportunidade, meu primo vende automóveis e apareceu um Kia pé-de-boi, preço bom, com 20 anos de idade, mas baixíssima kilometragem e muito bem cuidado. Pronto! Fica resolvido isso também!

Agora era só esperar a documentação ficar pronta para terminarmos de pagar e assinarmos a escritura. Honestamente, não tínhamos nenhuma pressa, com todas as viagens dificílimas e nosso exímio desconhecimento dos trabalhos necessários, o tempo estava a nosso favor.

A pandemia ficou mais complicada ainda, o ano virou e só conseguimos ir novamente a Portugal em abril de 2021. Em outro momento, contararei a saga que foi, mas finalmente Luiz conheceu a propriedade, 6 meses depois de negociada! A documentação não estava pronta, mas poderia ficar a qualquer momento. Por isso, tivemos a boa iniciativa de fazer uma procuração para meu primo.

Foi a melhor coisa que fizemos, porque em maio, após uma espera de 7 meses, a documentação foi regularizada! E como não poderia deixar de ser, essa história foi coroada com a escritura sendo assinada pelo meu primo, através de uma procuração!

O que importa é que agora é oficial, somos os felizes proprietários de uma propriedade em Vila Marim, com 3 hectares e produção de 7 mil pés de uvas! Prometo contar todos os detalhes, em breve!

Hoje, venho registrar que no dia 27 de maio de 2021, nasceu a Quinta do Vianna! Aqui, compartilharei essa aventura entre erros, acertos, sustos, descobertas, alegrias, preocupações, aprendizado e muito trabalho! E quem quiser fazer parte dessa aventura conosco, seja mais que bem-vindo!