Tenho uma amiga que acha a melhor coisa do mundo realizar os sonhos alheios! Conheço ela o suficiente para saber que é sincero e acho o máximo! Entendo, por um lado, o princípio da generosidade e, por outro, o da consciência do quanto recebemos em troca, como experiência e aprendizado. É como se a energia da gentileza se alegrasse e te abrisse passagem para um nível de felicidade.
Ela chegou ao ponto de conseguir fazer isso propositalmente, sem constrangimentos e, ainda assim, mantendo a espontaneidade. Juro! Não alcancei esse nível de altruísmo, mas sim que o compreendo e me sinto bem realizando, se não sonhos, porque me parece bastante pretencioso, mas pequenos desejos, coisas que nem me custam tanto, mas podem ter impacto na vida das pessoas.
Não faz tantos anos, entendi o que talvez seja meu papel no mundo. De uma maneira simplificada, me tocou correr riscos, experimentar e depois voltar para contar o que aprendi a quem quiser escutar. Ainda que não corra riscos fantásticos ou totalmente extraordinários, como escalar picos nevados (ainda), me dei conta que a maioria das pessoas também não está tão interessada assim em conhecer a sensação de congelar o nariz ou perder um braço. Às vezes, importa mais compartilhar algo prático, mundano e possível. E que assim mesmo, assusta um monte de gente.
Essa semana, estava lendo “Comer, Rezar, Amar” e aprendi uma palavra nova que adorei: codega. Era um tipo de profissão que surgiu em Veneza, na idade média. Tratava-se de um sujeito que era contratado para andar na sua frente à noite, com uma lanterna acesa, mostrando-lhe o caminho, espantando ladrões e demônios. Na verdade, acho que era mais para o povo não se perder mesmo, considerando que Veneza é realmente um labirinto, e certamente espantar ladrões e aproveitadores, mas os demônios deixaram a função mais poética. A metáfora de trazer segurança e proteção pelo escuro é linda!
Não tenho força, treinamento ou coragem de sair por aí espantando bandidos de carne e osso, mas adoraria ser uma codega para medos e demônios alheios. Sempre tive a sorte de carregar a sensação constante de ser protegida. A sensação pode corresponder a algo real, irreal ou surreal, não importa, porque enquanto estiver comigo funciona como um amuleto poderoso. Mas só há pouco tempo, descobri como é aconchegante e realizadora a sensação de proteger.
E tenho um monte de protegidos, declarados ou secretos.
Passei a vida inteira dizendo que não gosto de cuidar de ninguém. Não sei exatamente quem queria convencer com essa bobagem, provavelmente eu mesma. Porque toda vez que paro para reparar um pouquinho só, me percebo tomando conta de todo mundo que está em volta. Eu tomo conta até dos cachorros que andam sem colera na rua! Só consigo relaxar quando tenho certeza que existe um “dono” e sei que ele não está sozinho. Talvez seja o momento de assumir esse terrível desvio de personalidade que reluto tanto! E afinal, qual é mesmo o problema? Por que reluto tanto?
E por que surgiu toda essa elocubração?
Esse ano de 2011 surgiu com bastante otimismo, tanto da minha parte como de muitos amigos. Pode ser apenas por ser início de ano, onde o otimismo prevalece, mas as previsões de maneira geral pareciam boas.
E, realmente, uma série de amigos meus tiveram começos de ano com portas muito interessantes e promissoras se abrindo. Fiquei, honestamente, feliz por todos eles, sem exceção! Todos mereceram.
Mas não vou negar que me passa aquela ponta de pensamento, será que comigo também vai se abrir uma porta em breve? Quando será minha vez? O que de bom vai me acontecer? Será que deslancho para algum lado? Será que me falta dar algum passo? Se o universo está se abrindo em oportunidades, não quero perder por não estar prestando atenção.
Abro um parênteses para contar uma outra história, até porque na verdade, o que quero dizer é o resultado de um emaranhado de histórias diferentes e em tempos diferentes, mas que de alguma maneira, me fizeram mais sentido hoje.
Voltando, uma vez estávamos dando um jantar em casa para um casal de amigos, que gentilmente elogiavam meus talentos artísticos e culinários. Agradeci e brinquei mais ou menos sério que um dia gostaria de ter um talento que pudesse me dar algum dinheiro! Afinal, nenhum dos meus “talentos” atualmente paga contas! No que meu amigo me respondeu de bate pronto, como algo lógico: você tem o Luiz. Veja bem, essa frase poderia ter a interpretação machista do marido responsável pelas contas da casa, mas tenho certeza absoluta que não foi o que ele queria dizer. O fato é que ninguém faz praticamente nada sozinho. De uma forma ou de outra, sempre dependemos de alguém em algum nível, financeiro, operacional, emocional, afetivo etc. Nesse caso, o dinheiro, por exemplo, é uma forma literal, mas ele nunca é um fim por si só, ou não deveria ser. O que ele quis dizer é que éramos uma equipe bizarramente equilibrada.
Nem tudo na vida é tão simples e no fundo acho bom não estarmos totalmente satisfeitos, pois essa ansiedade da busca também pode ser bastante produtiva. Mas, nesse momento, vou me ater ao fato de que praticamente tudo de importante na vida é sempre feito por mais de duas mãos. É tão pretencioso acreditar que se alcança metas totalmente sozinho, como é um desperdício não desfrutar do mérito alheio quando você, de alguma maneira, teve uma participação.
Não estou falando de reconhecimento. Reconhecimento é legal, massageia o ego. Mas o que estou dizendo é que também é bastante recompensador saber que você contribuiu para o sucesso de alguém. Porque no fundo, é seu sucesso também, mesmo que apenas uma parte dele.
Há um tempo atrás, escrevi a biografia de uma amiga. Foi um trabalho a quatro mãos, ela me passava o conteúdo e eu dava a forma. Ao longo desse trabalho, entendi porque ela me procurou, o livro era um presente para o filho e havia seus motivos que não vem ao caso, mas ela precisava de ajuda para transmitir esse conteúdo de uma maneira que ela não sabia como. Fui chamada à responsabilidade, não por ela, mas pela situação. Eu poderia simplesmente lavar minhas mãos e limpar o texto, sem me envolver ou me preocupar tanto. Mas o fato é que me envolvi, me emocionei algumas vezes e me preocupei sinceramente em como o filho receberia esse presente. Por ser a história dela, procurava ao máximo possível usar suas expressões e maneira de pensar. Porque o importante era ele reconhecer sua mãe, não uma personagem que eu inventava ou que me faria sentir melhor. O presente era dela para ele, eu era apenas a intermediária, quase uma tradutora. Ao mesmo tempo, me colocava direto na posição do filho, de como ele poderia ler da maneira mais leve e carinhosa possível. Ou em outras palavras, como não costumo gostar de admitir, estava cuidando dos dois, queria que tudo desse certo.
Resumo da ópera, essa semana ela me manda uma mensagem avisando que ia entregar o livro a ele naquele dia. Ai, meu santo, que nervoso! Parecia que eu tinha alguma coisa a ver com isso… até porque, eu tinha mesmo! No momento que pus meu dedinho, querendo ou não querendo, eu tinha a ver com isso! O bem deles era o meu bem também.
Não vou fazer suspense, deu tudo certo e, pelo o que ela me contava, foi muito bacana. Fiquei uma mistura de feliz com aliviada, mas o que eu nunca esperava era que o filho também me escrevesse hoje. E confesso que foi o que me tocou mais fundo e fez cair a ficha do quanto eu pude fazer parte de uma história que não era minha, pelo simples fato de querer que tudo ficasse bem. Por assumir uma responsabilidade com o outro. Era de se esperar que depois de meses escrevendo sobre a história de uma amiga próxima e do seu filho, sentisse que conhecia os dois. O que não imaginei é que um rapazinho com idade para ser meu filho também pudesse me reconhecer tanto simplesmente pela maneira que escrevi.
Ele me disse que foi o presente mais bonito que já recebeu na vida. O presente é da mãe dele, é claro, mas vamos combinar, nem que fosse só embrulhando o pacote do presente mais bonito que alguém recebeu na vida, não é o máximo? Eu nem sei explicar o tanto que eu fiquei feliz!
E por esse grão de areia, viajei na maionese o dia inteiro! Fiquei entrelaçando todas essas histórias.
Fiz até uma lista dos meus melhores presentes na vida, porque não consegui ainda eleger o presente mais bonito, the ultimate gift!
– Um cordão com uma placa de ouro do mês de novembro com um brilhante no dia do meu aniversário: presente dos meus pais, eu era garota, acho que uns 10 anos e me senti muito adulta ganhando uma jóia.
– Uma aliança de brilhantes que ganhei da minha avó por parte de mãe. Foi motivo de briga no começo. Minha mãe se recusava a me dar porque eu era muito criança e ela achava um absurdo eu ganhar uma aliança, coisa de mulher casada! Porque afinal, eu nem entenderia o valor daquilo! Minha avó dizia que a aliança era dela e ela dava para quem ela quisesse a hora que ela quisesse! A solução foi ela me dar, mas minha mãe guardar até eu ficar mais velha. Guardou durante anos e me deu pouco tempo antes de eu ficar noiva (pela primeira vez, quando a propósito, desisti de casar).
– Um jogo de porcelana polonesa que minha avó por parte de pai havia ganhado de presente no seu próprio casamento. Ela também me deu por ter ficado noiva. Quando desisti de casar, perguntei se ela o queria de volta e ela disse que não, só não queria que desse para mais ninguém, era meu para quando eu casasse com quem bem eu entendesse. Casei anos depois com Luiz e trouxe o jogo comigo. Tenho ele até hoje, nunca me rachou um prato por todas essas trocentas mudanças em três países diferentes.
– Uma tábua de passar roupa do meu irmão quando casei de verdade. Ele era universitário na época e provavelmente era o mais caro que ele podia pagar na minha lista de presentes.
– Meus dois gatos, quando fiz 30 anos, ganhei do Luiz. A gatinha morreu em Atlanta, com 5 anos. Jack segue gordo e feliz conosco, caminhando (bem lentamente) para seus 12 anos.
– Um álbum que ganhei da minha mãe, com uma coletânea de fotos dos momentos mais importantes desde que eu era bebê até ficar adulta e sair de casa.
– Meu sobrinho me deixar levá-lo em uma loja de brinquedos no dia do seu aniversário, sozinho, e escolher o que quisesse ganhar, sem limite de preço ou tamanho. E para quem não acredita na espontaneidade infantil, ele nunca escolheu o mais caro ou maior, mas o que ele mais queria de verdade.
– Uma caneta Mont Blanc que dei para Luiz quando estávamos namorando. Me custou um mês de salário, mas achava o máximo ele usar no bolso a mesma caneta que seu gerente e seu diretor!
– Um trenzinho de cristal para o meu pai, quando descobri que ele adorava esses objetos. Sempre foi dificílimo achar alguma coisa diferente para o meu pai que não fosse comida.
– Ops! Para quem mesmo eram os presentes?
Pois é, de repente aconteceu outra vez! Porque começou a ficar difícil separar o que era presente, dar ou receber?
Não sei que portas vão se abrir para mim esse ano, mas lembrei de outras que ajudei a abrir e que nem foram para mim. Mas no final, sim que foram. A felicidade de quem está a minha volta é a minha felicidade, faço parte dela e não tenho porque não desfrutá-la. Talvez eu esteja esperando muito do futuro e já tem um monte de coisas acontecendo todos os dias. Talvez eu esteja muito “masculina” e tenha voltado a relacionar minha vida a um trabalho remunerado. Um dia ele vai aparecer, se tiver que aparecer, mas a essa altura nem sei mais se é o mais importante que posso fazer. Na melhor das hipóteses, se eu realmente tiver sorte, será apenas uma ferramenta para algo maior.