Hoje é dia 6 de abril de 2011. Pela manhã, juramos fidelidade à bandeira espanhola! Agora, oficialmente, além de múltipla personalidade, também tenho dupla cidadania!
Na prática, foi bem simples, estava marcado para chegarmos às 10h30, mas chegamos antes, umas 10 horas. Entregamos o protocolo na entrada e nos enviaram diretamente para uma outra sala com mais gente, umas 50 pessoas, talvez um pouco menos. Antes da hora marcada, pelas 10h15, um funcionário que parecia um juiz levantou e pediu para repetirmos em grupo o juramento, que era um parágrafo curto dizendo algo como: prometo respeitar a constituição e o rei de Espanha. Pensei que ia achar cafona, mas na verdade achei bem legal, deu um toque solene de ritual. Em seguida, ele chama um por um para assinar um papel e só, resolvido.
Agora é esperar a nova certidão de nascimento, que chega pelo correio, em um prazo aproximado de três meses. E sim, teremos uma nova certidão de nascimento espanhola, o que me dá muito em que pensar. Depois devemos ir com essa certidão para tirar nossa identidade como cidadãos espanhóis, o DNI, e, finalmente, com o DNI poderemos tirar o passaporte. Pequeno detalhe, depois de tirar o DNI também nos casaremos outra vez aqui!
Portanto, não, ainda não acabou, mas para mim é como encerrar um ciclo. Daqui para frente é só papel, mas o fato já está consumado.
O processo foi iniciado há mais de três anos, enfim, toda uma novela! Com tanto tempo de expectativa é difícil absorver tudo em um só dia. Porque não é apenas a burocracia da obtenção de um documento, mas todo o entendimento e incorporação de uma cultura, com o que há de bom e de mau em todo o trajeto. E é nesse sentido que para mim hoje se encerra um ciclo importante.
Em todo esse tempo me senti bem dividida, um pouco como cidadã de canto nenhum. Hoje me sinto adicionada, aprendi a ter mais de uma pátria e estou aberta a outras ainda, se vierem. Incluindo a minha de origem, onde já não sou a mesma brasileira. Não dói mais e mudanças boas também podem doer no começo. A palavra imigrante já não me ofende, porque há muito não caibo em uma descrição tão pequena. Ninguém deveria caber e também é culpa de quem veste a carapuça.
Na semana passada, quando a data de hoje foi marcada, saí do local feliz e leve como um passarinho. Hoje estou feliz também, mas de uma maneira muito diferente, mais séria, lúcida e emocionada. Porque fins de ciclos são pequenas mortes. E é bom que sejam, porque as limitações, que nos encurralam no início de cada um desses ciclos, logo se tornam hábitos e depois confortáveis desculpas. Até que você se perde um pouco entre o que você é e o que poderia ser se…
Muitas das minhas limitações estão prestes a acabar, em consequência, também minhas desculpas. Não tem mais “se”. A Jovem vem aí e o bicho vai pegar! Ainda bem que eu sou flamengo, mesmo quando ele não vai bem, algo me diz em rubro-negro que o sofrimento leva além e não existe amor sem medo.
Para o ritual de passagem, completei minha tatuagem, a que sempre deveria ter sido, mas eu não estava pronta.
Quando a gente é criança é gostoso se fantasiar, adutos também, é que quanto mais jovens, mais livres somos para não só viver um personagem, mas acreditar nele. Meninos costumam adorar se vestir de super-heróis e mudam até a postura para andar com suas capas e poderes fantásticos. Não saberia garantir, mas quase aposto que muitos rapazes fazem escondido as poses do homem-aranha fechados em seus quartos e sem testemunhas. Bom, espero que sim, me sentiria menos louca.
Enfim, quando era criança, tinha umas asas de anjo. Não me lembro como chegaram em casa, provavelmente complemento de alguma fantasia que se perdeu, mas as asas ficaram e eu era completamente alucinada por elas. Assim como os meninos iam com suas armas de brinquedo, eu ia com minhas asas para todo lado. E nenhum dos meus amigos imaginários achava estranho!
Outro dia, vendo um desses filmes antigos, gravados em super 8 (para quem ainda se lembra o que era isso), me vi em um aniversário. Todas as crianças arrumadinhas, eu também, bem arrumadinha. Daí eu me abaixo para apagar as velas e lá estão elas: minhas asas é claro! Quase me esborrachei de rir da completa falta de noção em achar que estava super natural. Bom, estava quase sobrenatural, mas tudo bem.
A idade, o bom senso e a vergonha tomaram seu curso e em algum momento, deixei minhas asas para lá. Ainda que, admito, mesmo adulta sempre que tinha uma oportunidade, dava um jeito delas voltarem em uma festa à fantasia ou na estampa de uma camiseta.
Pois agora estão cravadas na minha pele. Minhas asas estão tatuadas e de agora em diante posso carregá-las comigo para todo lado.
Se eu posso ter nova certidão de nascimento é porque posso nascer outra vez. Se o fim de um ciclo é uma morte, o começo do próximo é ressurreição. Para cada fênix, seu par de asas! E agora, finalmente, tenho as minhas.
Cada vez fico mais apaixonada por vc amiga, “no bom senso da palavra”,jà que nao somos amigas de longa data, quero ser clara e sincera!rsrs… Mas amo a maneira como vc sintetiza a tua vida, o teu dia dia… o teu conto que aumenta um ponto a cada pessoa que le, tenho certeza! Vc é 10 Bianca!!! estou passando pela mesma fase de identidade. Acho que completaram jà tres anos desde quando apresentei documentos para obter a cidadania Italiana. Mas ta difìcil! Nascer de novo nao é pra qualquer um nao!!! Terça passada me chamaram para uma entrevista e foi absolutamente ridìculo!!! depois de vàrios documentos feitos no Brasil e consolado Italiano no Brasil e consolado Brasileiro aqui, retorno com o pacote completo de novo…pela enésima vez. E uma das perguntas que me deixou de boca aberta,tipo, (ham?), foi se jà escrevi um livro. Nunca! mas juro que vou escrever, e dedicar a todos os imigrantes….pq a burocracia é aquela que dòi!!! Resumindo, vou ter que esperar mais uns dois anos, estou dentro da barriguinha ainda! rsrs…Bianca, desejo à vc com esse par de asas novas que possa fazer voos cada vez mais altos…que vc seja feliz duplamente!!!! beijao Marta
¡Enhorabuena Bianca! 🙂
O fim de um ciclo e da burocracia española.
“Valeu a pena?
Tudo vale a pena se a alma ñ é pequena” (Fernando Pessoa)
besitos
Oi Bianca e Luiz,
Parabens pela cidadania, importante para fazer parte de fato e integrar ao coletivo. Saludos, Luciano
Parabéns… pela nova cidadania, pelo novo nascimento e e futuro casamento, mas principalmente pelo novo começo!!
Bianca e Luiz, fiquei MUITO feliz em saber que vocês conquistaram finalmente o que tanto lutaram nesses últimos anos!
Mais uma porta aberta, mais um caminho que se descortina!
Ultreya! E besitos!
Querida Marta Mora 🙂 Muito obrigada e a recíproca é verdadeira! Por mais que me esforce em descrever as situações, sempre é mais fácil para quem passa ou passou por experiência parecida entender o que cabe nas entrelinhas. Como uma porcaria de um papel se mistura diretamente com nossa própria identidade e faz a gente se repensar a todo momento. A “burocracia”, por falta de um nome melhor, te reduz por anos a um número, um punhado de papéis e há o risco de se acreditar que somos só isso. Dói mas passa e também temos a oportunidade de saber com clareza quem somos de verdade, privilégio de poucos no final, te garanto. Ânimo! Tem dias que é difícil, mas em trajetos tão longos, se a gente não puder se divertir pelo caminho… Então, sempre que possível, divirta-se e celebre! Escrever também é muito bom! Se tiver essa chance, aproveite! Este blog, por exemplo, começou por uma necessidade de expressão que provavelmente eu nunca tivesse se não fosse toda essa confusão de mudar para outro país. No primeiro momento, eu morria de vergonha quando alguém me dizia que tinha lido uma crônica minha. O tempo foi passando e fui aprendendo a me expor e compartilhar através da escrita. Você não faz idéia da quantidade de gente legal que já conheci por aqui, algumas que acabaram de comentar no próprio post! Dividir o que você está passando, ajuda outras pessoas e te deixa mais leve 🙂 Muito obrigada por aparecer e também por compartilhar um pouco de você! Seja bem vinda! Besitos
Oi, Ana leitora! Muito obrigada! Sim, valeu a pena! 😀 E acho que minha alma andou engordando um pouquinho… hehehe… Besitos
Luciano, bom te ver por aqui! Você que é hóspede-freguês-da-casa, tá faltando vir visitar esse apartamento agora! 🙂 Besitos
Claudinha, e não é que vamos virar cidadãs européias no mesmo ano?! Só para variar um pouquinho, seguimos em sinergia… Besitos madrinha!
Selma, muito obrigada! Engraçado como fomos virtualmente nos conhecendo e agora parece que somos amigas há anos! Tem horas que juro que me esqueço que a gente nunca chegou a se encontrar de verdade! heheheh… Espero que isso não demore! Beatriz, então, tenho a impressão que vou ficar magoada dela não me “reconhecer”… ahahahahah… Besitos e Ultreya!
Hola tía,
Bateu saudades e resolvi passar por aqui para ver o que estavas aprontando!
Adoro o teu estilo ” Sem medo de ser feliz!!” 🙂
Para mim a tao esperada dupla cidadania veio acompanhada da perda do meu sobrenome materno, com que sempre me identifiquei…
Foi meio estranho e violento no começo, mas depois decidi viver como um sinal. Sinal de re-nascimento (aos 40!) e de pertencimento a uma linhagem de mulheres fortes!
Grande beijo e até breve,
Adri Esteves (rs!)
Olha quem apareceu! 🙂 Hola, tía-mujer-fuerte, que hay? Pois é menina, felizmente, conseguimos manter todos os nomes e nem precisamos alterar a ordem (porque eles usam o sobrenome paterno primeiro). Mas temos amigos que precisaram cortar um pouco o sobrenome sim (tinham o nome comprido demais e parece que eles só usam dois sobrenomes, um do pai e outro da mãe). Enfim, tudo certo. Não gostaria de mudar meu nome, mas se tivesse que ser, encararia dessa mesma maneira, como uma outra vida começando. Como vão as coisas por Barcelona? Alguma visitinha a Madrid planejada? 😛 Besitos