E como vamos?

Lutando… um leão por dia. Alguns deles, cheia de otimismo, outros sem vontade de levantar da cama, mas levanto assim mesmo e bem cedo porque não há alternativa que não seja seguir em frente.

Talvez o momento mais difícil tenha sido o primeiro dia após o incêndio, quando cheguei pela manhã para checar o que havia acontecido. Na noite anterior, um domingo, o fogo ainda não estava totalmente controlado, mas foi o suficiente para conseguirmos entrar e ter uma ideia do ocorrido. Porém, estava escuro, não dava para ter certeza do quanto as vinhas haviam sido realmente afetadas.

Lógico que não dormi nada e mal clareou, fui direto para Quinta. Da estrada, ainda se via fumaça e sabia que era lá. Entrei pelo terreno com o cheiro de madeira queimada, o ar esfumaçado, percorri sozinha e calada dolorosamente cada centímetro a buscar alguma esperança em que me agarrar. Aquela sensação de pesadêlo, de tentar imaginar que vou abrir os olhos e não estará tão ruim assim… mas estava, está. Cerca de 70% das vinhas afetadas. Visualmente é feio de olhar, e também feio de olhar em volta, tudo com a aparência de seco e morto. Os trabalhadores da obra me receberam em silêncio de respeito, porque minha tristeza era profunda.

Ao mesmo tempo, ao caminhar por entre as vinhas ressecadas, notei que os cachos de uva seguiam lá, como se houvessem sido poupados. E os troncos não pareciam ter sido queimados, só o solo estava negro e as folhas secas. Provei as uvas e o sabor era paradoxalmente normal. Foi o fio de esperança em que me agarrei, se minhas vinhas estavam lutando para seguir, iria com elas até o fim.

Não estava para muita conversa, precisava de silêncio suficiente para ouvir “as vozes da minha cabeça”. Respirei fundo e tratei de buscar possíveis soluções.

A primeira coisa que pensei foi em fazer uma vindima às pressas, colher as uvas do jeito que estavam e vinificar. Mas não sabia se era possível fazer vinho no grau em que estavam… ou se o sabor poderia haver sido afetado pelo fogo… Pensei também em regar as vinhas. Havia feito essa experiência anteriormente, regar com o trator, que ao invés de pulverizar sulfato, pulverizava água, como se estivesse “falsificando” algo de chuva. Apesar da incredulidade dos vizinhos, havia funcionado bem.

Daí fiz o que normalmente faço quando não sei alguma coisa, saí pesquisando e perguntando para quem sabe mais do que eu. Resulta que ainda era muito cedo para vinificar, as uvas não estavam prontas, mas a ideia de regá-las não era ruim. Talvez isso fizesse com que aguentassem um pouco mais para serem colhidas. Além do que, as próprias vides, que estavam secas e estressadas, poderiam se beneficiar. Assim que havia alguma chance de não só salvar parte da produção, como parte das vinhas queimadas.

Fui dormir um pouco melhor, afinal, eu tinha um plano.

Na terça-feira, acordei mais animada, aquela hora em que você tira fôlego dos rins e parte para cima, sabe como é? Marquei com trator para regar… falei com adega privada sobre a vinificação… fui à cooperativa perguntar sobre seguro de incêndio… enquanto estou ocupada, estou bem, porque finalmente, há algo a ser feito.

Pouco mais de uma semana se passou. A vida continuou. A fumaça já não está, o aroma mudou ou me acostumei, mas o chão segue negro, as árvores negras, e os variados tons de verde foram substituídos por um marrom homogêneo. Vai ficando mais fácil, mas ainda é sofrido olhar essa paisagem diariamente.

É uma coisa estranha isso de ter terra e de trabalhar com plantação, me descobri totalmente territorial! Eu viro um cão de guarda que rosna quando alguém entra no meu terreno sem ser esperado, minha postura muda, meu tom de voz se altera… absolutamente instintivo e primitivo! E trato minhas vinhas com o carinho destinado a um animal de estimação. É muito duro para mim ver minha terra e minhas vinhas agonizando.

Recebemos imediatamente muito apoio e energia bacana da família e dos amigos e isso faz muita diferença. Acredito que temos uma responsabilidade com quem nos acompanha e se tem uma coisa que não tenho vocação é para vítima. Na medida do possível, tento passar positividade e atraí-la também.

Tem gente que não gosta muito de contar seus planos ou projetos por razões diferentes. Respeito, mas não sou assim, eu conto tudo! Compartilho mesmo, a parte boa e a ruim! Quem tem alguma dúvida sobre minha vida, que me pergunte diretamente, tenha minha versão dos fatos e pronto! Se mais alguém pode se beneficiar da informação ou da experiência, por que não?

E para nós é emocionante como recebemos em dobro essa generosidade das pessoas em geral. Sou imensamente grata!

Dito tudo isso, segue não sendo fácil. Porque em meio a esse processo de luto, a vida continuou em velocidade estonteante. A obra da casa principal está avançando, mil decisões e detalhes que exigem da memória, que admito, agora mesmo está rateando. Fora o fato que culturalmente, o português é algo pessimista, não fazem por mal, mas não são naturalmente positivos, talvez pela história dura de vida. A adega com quem havia tratado de fazer o vinho não está com a menor vontade de vinificá-lo e entendo as razões dela, mas não são as minhas e, ao mesmo tempo, me custa realizar algo com alguém tendo a consciência que essa pessoa não acredita na minha uva. Meus vizinhos são uns queridos, mas todos me olham como “maluca” por regar as vinhas e acreditar que há como sequer salvar a planta, que dirá salvar alguma produção! E, nesse momento, eu preciso muito acreditar que alguma coisa vai dar certo! Que não estou correndo atrás do meu próprio rabo!

Lógico que, de vez em quando, vem aquela voz baixinha lá no fundo questionando se vou conseguir… se todo esse esforço não é em vão… de que não posso saber mais do que quem vive disso há anos… E sabe o que é pior? É verdade! Tudo isso é verdade, não sou cega! Mas ao mesmo tempo, olho para meus cachos de uva bonitos, a natureza ali brigando para sobreviver… Caracas, preciso acreditar que ainda não acabou!

O esforço que tenho feito para seguir acreditando é “overwhelming”, o tempo inteiro ruminando todos os detalhes com a máxima atenção para não esquecer nada importante. Acabo os dias exausta!

Uma montanha-russa de emoções, um dia estou tristíssima, outro quase eufórica, outro calada, outro com vontade de chorar do nada, outro absolutamente tranquila, ou feliz… às vezes, tudo junto ao mesmo tempo. Até porque a vida é assim, tudo de uma vez!

Tudo bem! Tudo bem não ser feliz o tempo inteiro, não saber de vez em quando o que fazer, duvidar do caminho. Peço ao universo que dentro das possibilidades que existam para mim, que venha a melhor possível, que seja o obstáculo correto e que eu faça o meu melhor!

E como é bom ter novamente meu canal particular de desabafo, minha terapia. Pronto falei, coloquei para fora! Agora o problema é do “papel”. Respira, Bianquita, respira… e medita… e canta seus mantras… e escreva!

3 comentários em “E como vamos?”

  1. É isso aí amiga. Quem não arrisca não petisca. Vocês podem melhorar a situação ou não. Mas não vão saber sem arriscar. E no final tem mais essa experiência e conhecimento na bagagem.
    Estamos torcendo aqui por vocês!

  2. Eu li o post com o mesmo mix de emoções que você teve, obviamente guardadas as devidas proporções. Felicidade em uma linha, olhos cheios em um parágrafo. Euforia em outro. É de se mergulhar na história. O sucesso de um escritor é quando seu leitor criar um filme na cabeça sobre a história contada. E isso todos os seus leitores estão cansados de saber que vc faz muito bem.
    Sobre as vinhas eu sigo na torcida forte pela sobrevivência das plantas e dos cachos. E espero que em breve eu possa visitá-las sãs e salvas e aprender contigo sobre a terra, o plantio, os ciclos e sobre ser fênix.

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