O luto das vinhas

Eu já deveria ter voltado aqui há tempos, mas os últimos meses me dediquei a postar vídeos e conteúdo através do Instagram, até por uma questão comercial. A nossa prioridade era iniciar a divulgação sobre nossa Quinta Vinícula. E quem quiser saber o que aconteceu nesse período, basta acompanhar a @quintadovianna.

O problema é que, com isso, fiquei sem minha terapia da escrita e preciso dela.

Hoje é dia 22/08/2022, estávamos há cerca de duas a três semanas da vindima e ontem, minhas vinhas pegaram fogo. Assim, tão rápido, duro e seco quanto essa frase.

Um ano de trabalho e investimento, não só financeiro, mas principalmente pessoal. Há um ano dou literalmente meu suor no campo. Acordo e durmo pensando nas vinhas e me orgulho do quanto fomos capazes de recuperar um vinhedo mal tratado, mais que quintuplicar a produtividade, incorporar a cultura como se houvesse nascido aqui, como se as experiências da minha vida fizessem finalmente sentido em conjunto, aprender na raça mesmo e com alegria! E, de repente, na esquina da nossa colheita, a primeira vez que faríamos nosso vinho… em 10 minutos o fogo levou embora.

É muito difícil explicar o que sinto agora, porque é um processo de luto. Com tudo de direito, não tenho um corpo para velar, mas é como se tivesse. Uma sensação de mãe incompetente, o absurdo de passear pelas minhas vinhas pedindo desculpas por não ter sido capaz de protegê-las.

Eu sei que não tenho culpa, eu sei que não havia nada mais que poderia fazer, mas nesse momento, isso não me diz absolutamente nada, porque não é racional, é um sentimento de dor.

O luto é meu e terei que viver cada fase e a verdade é que agora elas estão todas emboladas em paralelo, como se eu fosse capaz de resolvê-las de uma só vez. Estou nesse momento no isolamento, sem vontade de conversar, porque as palavras doem. Já percebo também um pouco de raiva crescendo e tenho reagido para não me tornar essa pessoa capaz de pular no pescoço de alguém e agredir fisicamente. Mil pensamentos de como posso ou poderia salvar alguma parte da produção, dos pés de vinha, ainda não sei se é uma real possibilidade ou negação da minha impotência em aceitar que talvez não haja nada a fazer.

Nós estávamos em Braga, na casa da minha prima, quando recebemos uma mensagem sobre o incêncio. Talvez tenha sido melhor assim, porque no tempo que levamos para chegar em Mesão Frio o fogo havia arrefecido na Quinta, passado para mais acima do morro. Por mais que eu saiba que não havia o que fazer, eu me conheço e sei que nessas horas eu surto, acho que sou imortal e pulo na frente tentando resolver, ajudar, sei lá. Certamente, teria me machucado, porque não tenho competência para isso.

O fogo não atingiu a casa principal, mas chegou a pegar os fundos da casa de pedras. Foram nossos vizinhos de baixo que conseguiram, na base da coragem e baldes de água, apagar esse foco. Nessa mesma casa de pedras, na parte de baixo, havia um galão de gasolina e maquinário, se o fogo passa para ali… varria as duas casas abaixo e aí sim, a gente perderia tudo. Os bombeiros nunca apareceram, se não fossem esses vizinhos, estávamos realmente perdidos!

Mas na vinha não houve jeito, queimou pelo menos uns 2/3 de tudo. E o que não ardeu, está meio seco, difícil avaliar nesse momento o tamanho da perda. O mais louco é que mesmo na parte de vinhas queimadas, os bagos de uva se mantiveram quase intactos, provavelmente, pela água que possuem por dentro. E agora mesmo, não sei se podem ser aproveitados ou não.

Também não sei se as plantas resistirão. Ainda não dá para saber. A aparência é de destruição, o chão está negro e as folhas secas, mas os caules nem tanto. Não sei o que pensar e estou literalmente pedindo opiniões das pessoas que conhecem a respeito.

E, a propósito, foi um incêndio criminoso, nem eu nem meus vizinhos temos nenhuma dúvida disso. Ocorrer um incêndio espontâneo pode não ser tão raro assim, mas ocorrerem dois incêndios espontâneos na mesma regiâo, no mesmo dia e horário da semana… um pouco demais, não? Os acidentes aqui estão programados para acontecer em paralelo nos domingos à tarde, certo…

Há um website aqui, fogos.pt, onde você acompanha os incêndios pelo país e que recursos estão sendo utilizados naquele momento em seu combate. No website se dizia que, na região onde ocorreu nosso incêndio, havia bombeiros, aviões, helicópteros… é MENTIRA! Não havia ninguém! Nin-guém!

Deixaram tudo arder e só hoje, pela manhã quando já não havia muito o que fazer, um monte de aviões sobrevoando… Ontem, havia uma única nuvem combinada de fumaça gigantesca de incêndios diferentes. A sensação dentro do carro era de estar no centro de um vulcão ou no olho de um furacão. Horrível!

É uma montanha-russa de sentimentos, uma hora é decepção e tristeza, outra bate algo de esperança, às vezes um sentimento de culpa infundado, outras determinação ferrenha… Minha atual ambição é me manter ocupada durante o dia e ter algo de paz à noite.

Quero fechar os olhos e não visualizar o chão negro, as árvores mortas, as vinhas secas e o cheiro de queimado entranhado nas narinas. Porque essa é a exata descrição do que testemunhei na entrada da minha Quinta pela manhã.

Tudo passa e isso também vai passar, mas hoje e só por hoje, quero escrever, chorar, reclamar nos meus pensamentos e ficar calada, quieta no meu canto. Meditar e cantar os mantras de proteção, até o coração acalmar e a voz não machucar.

Apesar dos pesares, tenho a consciência do quanto sou protegida e grata. Para a dor, tenho as ferramentas, só buscar no meu cinto de mil e uma utilidades. Abrir as gavetas, buscar os amuletos correspondentes, conversar com meus fantasmas e chamar os demônios pelo nome.

No ano passado, quando embarcamos nessa aventura, começamos do zero. O quanto percorri e aprendi nesse caminho, ninguém me tira. Minha companhia é a melhor possível e meus amigos e família, os melhores do mundo! Agora é só dinheiro e tempo.

E superar meu luto.