As Vindimas de 2022

Para início de conversa, não foi um dia de vindima, foram dois: no dia 17 de setembro, colhemos as uvas brancas; e no dia 24 de setembro, sábado seguinte, colhemos as tintas. Emoção dupla!

Acalmando os impacientes, minimizo o suspense para dizer que, dentro do possível, tudo correu bem!

Começo pela parte mais fácil, vamos à matemática. Números são frios, porém diretos e uma das formas de avaliarmos nossos resultados.

As negociações com as uvas aqui no Douro são feitas normalmente utilizando uma unidade chamada “pipa”. Cada pipa equivale a 750 kg, que por sua vez, originam aproximadamente 550 litros de bebida.

No ano passado, quando pegamos um vinhedo completamente mal cuidado e já sem tempo de se recuperar, colhemos apenas uma pipa (750kg) e entregamos as uvas, não fizemos nenhum processo de vinificação, até porque além da completa falta de conhecimento, não tínhamos um lagar em condições.

Esse ano, 2022, antes do incêndio, nossa previsão era colher por volta de 7 pipas, cerca de 5 toneladas de uvas tintas e brancas (75% brancas e 25% tintas). O fogo nos atingiu em cheio, apenas 15% das uvas brancas intáctas, ainda que próximas às chamuscadas; outros 15% de uvas brancas levemente afetadas; e o resto todo, 70%, queimado! Assim que ninguém ao nosso redor esperava que fôssemos capazes de colher mais que uma única pipa em condições, mesmo assim, sem ter a certeza que a fumaça comprometeria a qualidade das uvas. Ou sequer se nos valeria à pena ter o trabalho de colhê-las ou melhor seria entubar o prejuízo e minimizar as perdas.

Depois de um esforço, modéstia às favas, hercúleo, e não por nos auto elogiar, mas porque não tínhamos alternativa, colhemos ao redor de 2,5 toneladas de uvas (2 K de brancas e 500 kg de tintas). Ou seja, 50% do que pretendíamos colher em uma situação normal, porém mais que o triplo das expectativas e do ano anterior.

Claro que podemos ler esses números como o copo meio cheio ou meio vazio. Porém, minha opção é ler como o copo transbordando, fala sério! Prefiro mil vezes 50% de alguma coisa que 100% de nada!

Mas, veja bem, até agora, só falei de números, o que sinceramente, acredito ser a menor parte dessa equação. Porque há coisas, caríssimos, que não se medem em valores percentuais ou financeiros.

Nesse último ano de trabalho, posso assegurar que foi o equivalente a uma faculdade inteirinha, me arrisco a dizer que até iniciei um mestrado nas minhas vinhas! Mais que isso, o curso foi no exterior, quando você também precisa entender a cultura local.

Resumidamente, chegamos a um novo país em plena pandemia de COVID, com dois gatos a tiracolo e um passado resumido em 50 caixas embaladas. Tomamos posse de uma vinícola quebrada com duas casas inabitáveis. Eu mal entendia o sotaque das pessoas, imagina o que entenderia sobre a terra, vinhas, documentação…

Em um ano, olha onde a gente chegou? Entrei com o respeito de quem visita e com a vontade de quem quer ficar. Escolhi essa vida e esse lugar, o pacote completo, com a parte boa e a ruim, com os prazeres e as dores. Luiz chegou junto, apesar de seguir trabalhando em outro país, independente de estar ou não fisicamente presente, esteve sempre ao meu lado. Mas essa parte conta ele, só tenho o direito a falar por mim.

O fogo deixou suas cicatrizes, que ainda recentes, um dia vão parar de arder. Adoro uma frase do Isak Dinesen: “A cura para tudo é água salgada: suor, lágrimas ou o mar”. E muita água salgada rolou por aqui! Mas sei que, uma vez curada, a lembrança que ficará é que éramos tão parte da comunidade a ponto dos vizinhos se arriscarem para salvar nossa casa; que os amigos, de longe ou de perto, compartilharam o sofrimento conosco e o deixaram mais leve; que saiu gente conhecida e desconhecida oferecendo ajuda, apoio, dinheiro, ideias; que recebi mensagens emocionantes, bonitinhas, inspiradoras; que tiramos fôlego dos rins para trabalhar nas vinhas; que buscamos conhecimento; que ouvimos, ouvimos, ouvimos… aprendemos, aprendemos e aprendemos todos os dias!

E, finalmente, tudo isso culminou em um resultado: teve vindima!

Fomos no suspense até o finalzinho, controlando o grau das uvas diariamente, administrando o complicado cobertor curto entre a espera do momento ideal para a colheita da uva e o quanto essa mesma uva aguentaria viva no pé. É uma escolha de Sofia, porque a cada dia perdia um pouco mais de produção, mas também não adiantava colher uvas que não possibilitariam executar um bom vinho.

Perdemos a adega que faria a vinificação… conseguimos outro lagar emprestado e ajuda para o processo há duas semanas da possível colheita … descobrimos que não tínhamos direito ao seguro de incêndio… há 3 dias da vindima, caiu do céu um enólogo… e os amigos que se propuseram a nos ajudar na colheita com uma paciência de Jó, sem poder confirmar as passagens nem hospedagem… não dá mais, é agora ou não é!

Marquei para o final de semana, 17 de setembro, sábado, as uvas brancas e, supostamente, no domingo 18 faríamos as tintas.

Na sexta-feira, os amigos começaram a chegar. Admito que estava meio tensa. É normal ficar um pouco mesmo, mas a pressão nas costas desse ano tinha várias cerejinhas do bolo, né? No sábado, às 7h da matina estávamos a postos e prontos para começar. Havia gente com e sem experiência, portanto, dividi os grupos de maneira que os novatos tivessem sempre alguém com experiência por perto. Luiz ficou de coringa, dando apoio aos grupos e recolhendo os baldes cheios. Ano passado, a coringa fui eu, esse ano, fiquei na colheita.

Por volta de 13h, havíamos colhido todas as uvas brancas. A produção foi maior que esperávamos, tivemos até que pedir baldes emprestados aos vizinhos. Foram pouco mais que 70 baldes, cada um com aproximadamente 28 kg. Ainda restaram algumas uvas brancas, mas não tínhamos mais como transportar, de maneira que Luiz teve a ideia de doar o que sobrasse de uvas brancas para os vizinhos. De toda maneira, o caminhão só poderia transportar as uvas para o lagar emprestado a partir de 16h30. Decidimos, então, fazer uma pausa para almoçar, até porque o dia prometia ser ainda bastante longo.

Foram necessárias duas viagens para levar todas as uvas brancas e já começamos a vinificação das mesmas no final da tarde. As uvas estavam com 11,5 graus, o que não é ruim para as uvas brancas. Porém, essa mesma medida para as tintas seria baixo. De maneira que o enólogo que estava nos apoiando sugeriu que adiássemos a colheita das uvas tintas para a semana seguinte.

Aceitamos a recomendação, o que se provou a melhor decisão. Nós deixamos o lagar emprestado por volta de 22h, eles inclusive, seguiram por lá mais tempo. Estava completamente exausta! Não tinha nem mais voz! Ainda que não estivesse terminado, me tirou um peso de literalmente 2 toneladas dos ombros!

Entretanto, os amigos que foram nos ajudar estavam completamente curiosos com a colheita e vinificação das uvas tintas. As uvas brancas simplesmente passam por um esmagador e um tipo de prensa, vão para as cubas no mesmo dia. São as uvas tintas que vão para o lagar para serem pisadas. Ou seja, claro que todo mundo ficou com vontade de participar da “pisa”! Mas nunca poderia pedir para eles voltarem na semana seguinte, vamos combinar, que já estavam me ajudando muito, né?

Pois, acredite se quiser, todos toparam voltar, um dos casais inclusive, decidiu nem ir embora!

Muito bem, passei a semana cuidando da uva tinta e, felizmente, uma chuvinha na semana anterior ainda ajudou a segurá-las vivas um pouco mais de tempo. Sim, durante essa semana perdi uma parte da produção, que conto melhor na sequência, porém o grau chegou aos 14, que era o ideal!

Chegou o sábado seguinte, 24 de setembro, e novamente os amigos animados trazendo aquela super energia que a gente precisava. Mais um casal de Mirandela se juntou a nós.

Novamente, nos separamos em grupos e fui para a parte mais alta com uma amiga, onde as vinhas foram mais afetadas e precisávamos ser mais seletivas. Os amigos orientados para, em caso de dúvida, provar do cacho para garantir que só o que estivesse bom seria colhido. Juro para vocês que a colheita das uvas tintas foi nesse nível de detalhe!

Vou ser sincera, essa colheita teve um aspecto frustrante para mim, porque por mais realista que estivesse mantendo as expectativas. Nossas vides tintas foram totalmente afetadas, não havia um só pé que não houvesse ardido de alguma maneira. Porém, na primeira semana após o incêndio, quase todos esses pés, ainda que secos, carregavam cachos saudáveis e fui acompanhando dolorosamente o processo deles murcharem e mudarem de cor ao longo dos dias. É complicado assistir essa torneira aberta e não poder fazer nada a não ser regar eventualmente, torcer e esperar.

Antes de 10h, nossa colheita estava encerrada, contei os baldes, fiz meus cálculos por alto e percebi que tínhamos cerca de 500 kg de uvas tintas. O que não disse no dia e só compartilho agora é que essa última semana de espera para alcançar o melhor grau nos custou mais de 200 kg de produção. Liguei para o enólogo para avisá-lo e prepará-lo para os químicos necessários, queria também saber se seria possível produzir essa quantidade, o que ele me confirmou.

Liguei para o responsável pelo lagar para ver se conseguíamos adiantar um pouco a recolha das uvas, marcada para às 14h. Nesse momento, ao saber da quantidade, ele me ofereceu uvas para vender e completar uma produção maior, o que não me interessou.

Comentei a conversa com Luiz, que queria me convencer de todo jeito a aceitar a compra das uvas. Eu já estava estressada com a perda das uvas durante a semana para garantir o grau, agora mais essa? Bati o pé e fui terminantemente contra! Não fazia o menor sentido! Desde o início, essa trabalheira toda para salvar nossa produção justamente para entender que vinho éramos capazes de fazer, e agora, aos 45 minutos do segundo tempo, ia lá eu misturar com uvas de outra Quinta? E sabe-se lá que qualidade tinham essas uvas? Se eu tivesse algum compromisso comercial para vender meu vinho é outra coisa, mas não era o caso. Pelo contrário, só iria aumentar nossos custos e para que?

E mais, se por um lado toda essa situação prejudicou nossa produção; por outro, as poucas e restritas garrafas dessa safra terão características únicas, em história e em sabor! Isso faz toda diferença! E pronto, me concentrei nesse aspecto e a irritação foi se acalmando.

Nisso, já relaxados, tomando vinho e lanchando, recebemos o convite para tomar “algo especial” na casa do nosso vizinho de baixo. Lá vamos nós animados, eu achando que era só para tomar o Portinho caseiro que ele faz, que é um esculaxo de bom!

Acontece que o “algo especial” se tratava de um Porto literalmente centenário que ele havia encontrado escondido atrás de uma cuba, em um lagar abandonado que seria reformado. Esse meu vizinho avistou a tal garrafa, foi se arrastando na terra por baixo das cubas na curiosidade do que seria e se deu com essa preciosidade. Acredite se quiser, teve a generosidade em dividir conosco essa experiência impagável de tomar esse néctar dos deuses! É difícil explicar o que era aquele sabor e compartilhado com aquelas pessoas tão especiais. Daqueles momentos que valem uma vida inteira!

E se ainda restasse alguma fração de tensão no corpo, se dissipou completamente ao chegarmos no lagar e nos prepararmos para pisar as uvas. Entrei na piscina de concreto sozinha, para espalhar as uvas esmagadas e separadas de seus bagos que baixavam por uma mangueira. A sensação de tocar aquele suco grosso e frio com a sola dos pés é agradável e diferente de tudo que havia experimentado. É tudo junto, desde a questão sensorial, física, como também o que passa na cabeça, a concretização de todas as coisas que aprendemos e passamos nesse mesmo ano. Naquele momento, todo trabalho de um ano inteiro ao alcance dos meus pés. Eu precisava desse ritual.

Aos poucos, os amigos foram se juntando, não sabíamos muito bem quantas pessoas poderiam estar ali, se isso ajudava ou atrapalhava, se devíamos nos revezar. Mas quem é que queria sair de lá? No final, éramos 6 pessoas lá dentro e tudo bem! Brincamos, cantamos, dançamos quadrilha… cada um na sua viagem e ao mesmo tempo, juntos no mesmo objetivo.

Os pés ficam roxos, principalmente na sola! Leva dias para sair e não há banho que resolva! Mas não trocaria esse dia por nada! E sou feliz porque sei que outros dias assim virão, os próximos, no meu próprio lagar.

Dia seguinte, fomos almoçar e ainda nos juntamos a outros dois casais que vieram do Porto com a intenção de também ajudar na colheita, mas chegaram um pouco tarde. Fomos comer um cabrito assado para celebrar essa etapa e despedir dos amigos. Todos mais relaxados e cúmplices, afinal, compartilhamos momentos únicos, imagens, aromas, sabores e sensações. Ok, admito que o vinho até me subiu um pouco à cabeça, acho que foi aquele momento de alívio e de certa euforia de ter superado essa fase.

Não costumo citar os nomes das pessoas aqui no blog, abro raramente certas exceções e hoje é uma dessas vezes, porque necessito expressar minha gratidão a pessoas muito, mas muito queridas, que sairam das suas casas e abriram mão do seu precioso tempo para nos ajudar. Sandrinha, a amiga que também participou da nossa primeira vindima, é sempre a primeira a confirmar e chegar desde Madri com toda energia positiva da face da terra; Astréia e Renato, novos super amigos que conquistaram rapidamente o status de família, que vieram também de Madri e ainda trouxeram o Renatinho filho para reforçar o grupo; Mauro, um amigaço que tive o prazer e o privilégio de resgatar dos tempos que ainda trabalhava em consultoria de negócios no Brasil, e agora compartilhamos novamente o mesmo país, ele em Lisboa; Zé e Laurindo, dois irmãos e nossos vizinhos de baixo, os mesmos que se arriscaram para salvar nossa casa do incêndio e dona Amália, a esposa do Laurindo, que também veio contribuir; vou repetir o Zé, que além do que falei acima, ainda compartilhou seu Porto de mais de 100 anos conosco, tornando essa experiência ímpar não só para mim, mas para todos nossos amigos; Annibal, meu amigo-primo, que estava de férias na região com amigos que nem me conheciam mas vieram, Vik e seu filho, para colaborarem no primeiro dia de colheita; Paulo e Sandra, amigos recentes e já frequentes em nossa casa, com objetivos parecidos aos nossos, que vieram de Mirandela nos apoiar na colheita das uvas tintas. Todos vocês, promovidos ao “conselho diretor” no ano que vem e com lugar garantido na nossa casa e na nossas vidas!

Não sei como será o vinho, é cedo ainda e já aprendemos que nada na vida é garantido, mas essa será uma outra história e ficará para outro dia. Fecho hoje esse ciclo com a sensação de missão cumprida, fiz “o meu melhor possível”.

E lembram daquela equação lá atrás, a que falei dos valores numéricos e percentuais, pois bem, o que fecha essa conta é impossível de se colocar um preço. Como é que posso mensurar todo um caminho? Como posso atribuir um valor para tudo que aprendi e vivi nesse último ano? Como posso ser grata o suficiente?

E falando em gratidão, faltou o principal. Acho muito bonitinho como eles aqui usam o termo “meu” para definir de maneira carinhosa a família mais próxima. Como se o pronome não quisesse mais ser tão possessivo e se tornasse paradoxalmente pessoal. Por exemplo, eles não dizem: meu filho, Pedro. Eles dizem diretamente, meu Pedro. Pois finalizo agora lusitanamente agradecendo ao “meu Luiz”, entre erros e acertos, sustos e vitórias, seguimos aqui de pé e juntos, meu amor, melhor amigo e parceiro, somos um time e tanto! Às vezes, não tem jeito e a gente escorrega um pouco, mas “Capoeira que é bom não cai. E se um dia ele cai, cai bem!”

Adubação e… o que estou fazendo aqui?

Logo em seguida da escava haver sido feita, iniciamos a adubação das vinhas. Queríamos fazer esse trabalho antes das chuvas para que os nutrientes penetrassem bem na terra.

Falando assim, tecnicamente, tudo parece simples, mas na prática… ninguém merece! E para quem ainda acha que ter uma vinícola é uma atividade glamorosa, aviso que o post de hoje é para largar o verbo desabafar um pouco!

Primeiro, sejamos francos, o nome “adubo” é simplesmente uma forma mais educada para falarmos sobre merda, correto? É verdade que há alguns tipos diferentes de adubação, mas a que fizemos foi orgânica e natural, ou seja, muito ecológico, mas não deixa de ser, literalmente, uma bosta! Aqui na nossa região, eles usam alguns tipos diferentes, o guano (titica de galinha), estrume (muitas vezes de cavalo) ou a forma que decidimos comprar, adubo orgânico em pellets.

Os pellets nada mais são do que merda prensada! Em sua forma, são uns grãos parecidos a uns cocôzinhos de rato. A vantagem é que são mais fáceis de se aplicar e também levam alguns nutrientes adicionados. São mais caros, porém, recomendo. E isso é para ver a que ponto chegamos, comecei a entender e recomendar sobre bosta!

Mas seguimos, deve-se adicionar cerca de 250 gramas desses pellets manual e individualmente em cada pé de vinha, ao seu redor, no local onde foi feita a escava. Considerando que temos 7 mil plantas, tivemos que comprar pouco mais de uma tonelada e meia de produto.

Digamos que a aventura se iniciou na entrega, pois cada saco pesa a bagatela de 20Kg. Nesse dia, Luiz estava ocupado e lá foi Bianquita receber a mercadoria. É lógico que não ia aguentar ver o rapaz descarregando sozinho e parti junto para a caçamba a fim de que o serviço terminasse o antes possível.

Gosto de ganhar o respeito das pessoas com quem trabalho e não sei ficar de dondoca com minha frescura só olhando. Eu coloco a mão na massa mesmo e tudo bem!

Quer dizer, tudo bem… médio, né? Porque nunca havia sido para descarregar sacos de 20kg de bosta… mas encarei com determinação! Quando terminamos de descarregar o veículo, eu fazendo de conta que estava ótima, me vira o rapaz e diz: vou buscar a outra metade que falta agora!

Taqueopariu lá longe, isso era só a metade? Pois é, eu que arranjasse mais fôlego dos rins, porque lá vinha outro carregamento de merda! E a parte interessante em tomar fôlego nessa atividade é que sobe aquele aroma agradabilíssimo! Mas beleza, terminamos de descarregar e empilhamos tudo no armazem.

Fizemos uma medida com os 250 gramas em um fundo de garrafa pet cortado e passamos a utilizar como distribuidor. Até que nosso vizinho, que ainda estava trabalhando na escava, nos orientou a fazer o trabalho sujo com as mãos mesmo! Era muito mais rápido! Inclusive, utilizando as mãos a gente conseguia distribuir melhor o adubo do que com a medida. Vimos que umas duas mãozadas dos pellets equivalia mais ou menos a tal medida. No final, já estava até trabalhando com ambas as mãos, com uma delas jogava nas vinhas da fileira da direita e com a outra nas da esquerda. Tudo para acabar o antes possível!

Não é que seja um trabalho complicadíssimo, é simples. A dificuldade estava no transporte dos sacos pelo terreno, 20kg cada um, lembra? Enquanto estávamos perto de casa, tudo bem, mas à medida que precisávamos nos deslocar para o outro lado da Quinta… putz!

Uma solução encontrada foi ir de jipe até uma boa parte do trajeto. Perfeito, tudo parece fácil, né? Só que não, porque o terreno não é tão ameno para se trafegar de carro ou realizar manobras. Tudo bem que é um 4×4… mas velhinho e com limitações. E ainda assim, tinha que carregá-lo com os saquinhos de 20 quilinhos… como diriam os portugueses… caraças! Sem contar que é lógico que o carro atolou! Nem sei como consegui desatolar, mas consegui e mais de uma vez!

Sério, chegou aquele momento do: o que estou fazendo aqui mesmo? De quem foi a ideia de jerico de ter uma Quinta? Ah… peraí… a ideia foi minha! Então, cala a boca e entuba! E bora carregar e distribuir mais merda!

Para meu regojizo, o vizinho e seu filho terminaram a escava antes do horário e conseguiram ajudar a levar os pesados sacos para as partes mais altas da propriedade. Triplicou a velocidade do trabalho e conseguimos terminar justo em tempo, pouco antes das chuvas que duraram dias!

Enfim, tudo bem quando acaba bem, ainda que saibamos que não acabou! Seguramente tenhamos que repetir esse processo.

E foi então quando Luiz surgiu com a genial ideia de lançar um Bootcamp de Crossfit raiz! Uma espécie de retiro para turistas interessados em aprimorar seus dotes físicos de uma forma natureba. Estamos pensando na seguinte campanha de marketing: Venha para a “Quinta do Vianna” se exercitar! Você paga APENAS 100 Euros por uma semana de Bootcamp! O programa inclui subidas fitness em montes com utilização de equipamentos rurais especializados, como por exemplo, a enxada-pro. Será possível carregar pedras de verdade, não aqueles pesos falsos de academia e, em paralelo, ajudar na reparação de muros protegidos pela Unesco! Com um pequeno valor adicional e exclusivamente para os mais fortes que ultrapassarem o nível básico, é possível também carregar sacos de 20Kg de estrume ladeira acima! Tudo isso e muito mais, a respirar o ar puro da montanha do Douro e, eventualmente, um aroma com notas de esterco. E quem não entende de crossfit, não atrapalha nosso negócio!

Fui!

Escava e análise do solo

Hoje é dia 19 de outubro de 2021. Passado o furacão da vindima… começamos tudo novamente! Mas agora e pela primeira vez, podemos cuidar do processo desde o início!

A primeira etapa é entender a qualidade do solo. Acreditamos que esse terreno não leva adubação há algum tempo e, ao invés de tentar adivinhar, coletamos parte da terra para análise e definição de que nutrientes faltariam para nossas vinhas. Estou ansiosa pelo resultado, ainda que provavelmente nem vá entender o tal diagnóstico. Não importa, como tudo que fizemos até agora, a gente parte para cima e vai perguntando e aprendendo pelo caminho!

Em paralelo, iniciamos o trabalho que é chamado de “escava”. Nada mais é do que uma escavação ao redor de cada pé de vinha. Dentro desse pedaço escavado, colocamos adubo orgânico. É importante que seja feito nessa época por duas razões. A primeira, aproveitar as chuvas, que farão com que os nutrientes penetrem e sejam absorvidos pela terra. Outro fator é que, ao chegar o inverno, as folhas das plantas cairão nesse mesmo espaço e também se converterão em um tipo de adubo natural.

Falando assim, parece tudo simples, certo? Só há um pequeno detalhe, temos aproximadamente 7 mil pés de vinha e… esse trabalho é feito individualmente. Isso mesmo, em cada um dos 7 mil pés de vinha, se faz a escava de forma manual!

Resolvemos então, contratar nosso vizinho, que vai com o filho e a esposa nos dar essa força. Acho muito legal, porque ele faz e vai me explicando o porquê das coisas, nem sempre consigo entender tudo, mas aos poucos vai entrando por osmose.

E sim, lógico que não dou conta de fazer sozinha, mas me atrevi a mandar ver na enxada também! Por que não? Claro que comecei com o equipamento errado, porque não se faz com uma enxada normal, se usa a chamada “enxada de bico”. A parte da pá é menor e a ponta é em formato de triângulo, ajuda a entrar nos cantinhos e arrancar as ervas e pedras. Comprei uma dessas para mim e vou tentar amanhã fazer esse mesmo trabalho ao redor das oliveiras que, por enquanto, temos em menor número.

E o que achei sobre fazer esse tipo de trabalho? Alguém tem alguma dúvida que fiquei amarradona? É bastante duro, não nego, e sendo sincera, nem fiz tanto assim por hoje, até porque estava com o equipamento errado. Foi mais para entender o que precisava ser feito e como executar. Mas deu para perceber que será uma malhação daquelas! Entendo melhor o bíceps definido da minha vizinha! Quem sabe ano que vem estarei mais forte?

Gosto do trabalho físico, acho uma pena meu preparo ser fraco (por enquanto!), mas devagar vou melhorando. É um momento que não penso em problemas, me concentro nos movimentos, nos sinais que meu corpo dá e em não me machucar. É uma sensação parecida a que tinha quando trilhava o “Caminho de Santiago”, onde basicamente me preocupava com os passos que dava, em proteger meus pés, na postura do corpo, na respiração e… quando me dava conta, havia chegado ao próximo povoado.

Não venho aqui romantizar o trabalho no campo. Como já disse e reforço, é um trabalho duro pacas, muitas vezes pouco reconhecido e mal pago. Tampouco quero dar uma de “blogueira” que vai ali 5 minutos, tem uma experiência e acha que entendeu tudo. Não cheguei nem perto de entender nada! Mas estou aproveitando muito essa conexão com a terra e integração com a natureza. Perceber o tempo das coisas.

Fico sempre embasbacada com a sabedoria popular, situações que são aparentemente simples, mas cheias de detalhes. Por exemplo, quando minha vizinha olha um saco de sementes e diz que é a temporada de plantá-las, mas não pode ser hoje, porque as sementes são velhas e é lua nova… Caraca, não havia reconhecido nem que eram sementes, para mim, eram umas bolinhas! Ainda por cima acreditando que bastava se saber de quando era temporada do que, pronta para fazer minhas elaboradas planilhas para não me perder e, de repente, me dou conta que também depende da tal semente ser nova ou mais velha, ou de que lua estamos e sabe-se lá mais o que!

Caríssimos, eu agora me preocupo com as fases da lua! E não aquela lua que checamos no calendário para cortar o cabelo, mas a que simplesmente olhamos para o céu e vemos. Ainda não sei o que se planta nem quando se plantar e sigo aprendendo horrores todos os dias. Por agora, me contento em ouvir e contemplar.

Aliás, já olhou para a lua essa noite? Ela hoje está um escândalo!

Sobre a vindima e a gratidão

Vindima é como chamamos a colheita das uvas para a fabricação do vinho. Na região do Douro, ela acontece em setembro.

Mas simplesmente chamar de colheita seria simplificar ao extremo, porque a vindima é muito mais do que isso! É toda uma experiência ímpar e hoje posso dizer que não apenas entendi, mas vivenciei com tudo de direito!

Aqui onde é nossa Quinta, em Vila Marim, colada a Mesão Frio e em pleno Douro Vinhateiro, todo mundo tem vinhas! Maiores ou menores, vivendo prioritariamente da terra ou complementando com outras profissões, há para todos os gostos e tamanhos. Importa que toda a paisagem é composta por montanhas rabiscadas em curvas e divididas em degraus com vinhas. Mesmo dentro da cidade, os quintais também são super aproveitados!

Considerando que há apenas uma colheita ao ano, imaginem uma região onde o resultado do trabalho de todas as pessoas culmine em um só momento. É como fazer parte de um enorme time, estamos todos no mesmo barco, o que afeta a mim, afeta igualmente aos meus vizinhos! Agora imagine essa galera na expectativa sobre o resultado de todo um ano de trabalho duro. Pois essa é a atmosfera que respiramos em setembro!

As cidades e vilarejos se enchem de caminhonetes, aqui chamadas de “carrinhas”, com grandes vasilhas de metal para o transporte das uvas. O assunto nos bares, nas lojas, nas praças… é a vindima!

Fila de carrinhas para a entrega das uvas na Adega da Cooperativa de Mesão Frio

É bastante difícil conseguir mão-de-obra para realizar esse trabalho, principalmente, nessa época do ano. O pagamento por uma jornada diária não é tão alto e, como estão todos ocupados com suas próprias vinhas, acaba faltando gente para se contratar.

Daí, acontece um fato muito interessante, para a colheita das uvas e, muitas vezes, para a execução do vinho caseiro em pequenas propriedades, quem trabalha são nossos familiares, amigos ou vizinhos. E, ainda que seja um trabalho duro, estão todos muito felizes, eventualmente, auxiliados por generosas doses de vinho oferecidas pelos proprietários. Assim que não é raro encontrar um clima de festa e celebração. É um orgulho para os donos das Quintas e um honra para os convidados que participam.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas era nossa primeira vindima e não sabíamos muito bem o que fazer. Nós precisávamos de ajuda, porque sozinhos, certamente não daríamos conta! Primeiro, recorremos aos nossos vizinhos, afinal, são muito mais experientes que nós e eles, generosamente, foram super solidários aceitando nos ajudar. Ainda assim, precisávamos de mais gente para dar conta do recado.

Pensei, peraí, de vindima não entendo nada, mas festa eu sei fazer! Vamos lá, o que há de mais importante em uma festa? Convidados, boa comida e boa bebida! Música ajuda muito, mas já não teria tempo para organizar esse ano. Pronto, Bianca, faz de conta que você dará uma festa, mas ao invés de dançar, as pessoas colherão uvas! Assim, tipo festa temática…

Vesti minha cara-de-pau, gravei um vídeo e publiquei no Instagram pedindo ajuda aos amigos! Enviei também mensagem para o grupo de whatsapp da família e amigos de Braga. Sem expectativas e sem cobrança porque, francamente, sei que todo mundo tem suas prioridades. Mas por que não?Afinal, se eu não disser que preciso, como alguém poderia me ajudar, certo?

E funcionou! Não só entre nossos contatos, mas o vídeo deu uma circulada entre os amigos de amigos e… encurtando a história, formamos um animadíssimo time de 17 adultos e 1 criança! Gente vindo de Braga, Porto, Coimbra, Madri, Bruxelas… o vizinho que combinou de ir… os vizinhos que só poderiam vir no dia seguinte e anteciparam trazendo a carrinha para carregar as uvas… toda essa gente bacana simplesmente foi aparecendo! Além da torcida à distância, várias pessoas nos enviando as melhores vibrações e dando aquele apoio moral! Acho que devemos estar entre as pessoas sortudas e com os melhores amigos do mundo!

Para mim, isso é muito emocionante! Porque alguma coisa certa na vida a gente deve ter feito para merecer tamanha boa vontade e desprendimento! E é aqui que entra nossa gratidão. Gratidão eterna e imensa, porque não tem preço receber literalmente tantas mãos estendidas para ajudar em um momento como esse. Honestamente, se tudo mais não tivesse funcionado, para nós já havia valido a pena.

Acontece que tudo, mas absolutamente tudo funcionou melhor que a encomenda!

Havíamos nos planejado para fazer a colheita em dois dias, no domingo (26/09) colher as uvas tintas e na segunda-feira, colher as brancas. Afinal, a gente não sabia quantas pessoas realmente iriam aparecer e só teríamos a carrinha para levar as uvas na segunda-feira. E ainda assim, não tínhamos certeza absoluta da tal carrinha, porque meu vizinho, dono do veículo, trabalha como caminhoneiro pela Europa durante a semana e poderia não chegar na cidade a tempo. Juro que até a manhã do domingo, essa era toda a informação que nós tínhamos! Mas vinha repetindo para o Luiz e para os convidados que chegaram no dia anterior que as coisas aqui tem seu tempo e vão se encaminhando como devem ser. Não há espaço para rigidez, você não escolhe o dia que irá chover ou fazer sol, a natureza te ensina muito sobre humildade e resiliência. O importante era estarmos preparados e flexíveis para seguir o curso da maneira que ele chegasse. E assim foi!

Mas vamos dar um pouco mais de suspense, porque eu moro nas entrelinhas e nos detalhes! Assim que agora conto sobre a parte prática de como nos organizamos.

Durante a semana, preparei comidinhas na casa alugada, porque na Quinta ainda não há estrutura para isso. Aproveitei os ingredientes frescos que ganhei dos nossos vizinhos. Fiz uma salada de beringela e pimentões assados; vinagrete; salada de batatas; salpicão de mariscos; farofa e Luiz encomendou uns frangos e linguiças assados na brasa, para buscar no dia. Preparei também uma mesa com sucos, queijos, pães e bolos para o café-da-manhã para o pessoal que fosse chegando de longe. E claro, bastante vinho, que não poderia faltar!

No sábado, buscamos no aeroporto de Porto uma amiga de Madri e um amigo de Bruxelas que veio com o filho de 6 anos. E já deixamos a maioria das bebidas e comidinhas na própria Quinta. Afinal, o dia seguinte começaria cedo.

Não sei se pelo trabalho de preparação acumulado, ou talvez a tensão para que tudo desse certo, mas o fato é que mal dormi durante à noite, com uma dor terrível na coluna! Havia me preparado psicologicamente para “jogar nas 11 posições”! Organizar os convidados, distribuir o equipamento, colher as uvas, alimentar as pessoas, levar as uvas na cooperativa… pular corda, plantar bananeira, aprender a tocar piano etc… E, de repente, mal consigo levantar da cama para ir ao banheiro sem parecer uma idosa corcunda. E agora?

Será que era dor muscular mesmo? E se fossem meus rins? Eu não posso parar num hospital agora! Mil fantasmas povoavam minha cabeça junto à vergonha e o medo de não conseguir trabalhar direito na minha própria vindima! O coração acelerou… a respiração começou a ficar difícil… uma crise de ansiedade doida para disparar… Para tudo! Respira… respira… respira! Medita, Bianquita, você tem as ferramentas para passar por isso! E se esse obstáculo apareceu era porque eu precisava aprender alguma coisa, talvez para me proteger ou me fazer prestar mais atenção! Acalmei, consegui dormir um pouco. Acordei antes do horário, cantei concentrada meus mantras de proteção e de abrir os caminhos. Quando meu despertador tocou, estava completamente calma e confiante que daria tudo certo. As preocupações se dissiparam e estava bastante feliz que aquele dia havia finalmente chegado.

Eu simplesmente fui lembrada que precisava respeitar meus limites e os limites dos convidados que aparecessem. Ninguém era profissional nem tão jovenzinho. Por via das dúvidas, tomei um relaxante muscular e um anti-inflamatório, usei uma cinta para proteger a coluna, mais que nada, para me lembrar de não exagerar nos movimentos. Adianto que senti dor durante o dia sim, mas tolerável e, ao final, havia tanta endorfina no meu organismo (e, claro, vinho também) que esqueci de como havia passado à noite anterior!

Até o clima favoreceu! A temperatura estava amena e sem previsão de chuvas!

Mas vamos lá, pela manhã, às 8h estávamos na Quinta Luiz, eu, esses dois amigos (e o filho de um deles) e meu vizinho de baixo. Luiz foi para a parte de cima da propriedade com os mais fortes e eu fiquei mais próxima à casa. Aproveitei esse momento do início da manhã para dar um gás na colheita e, à medida que o pessoal foi chegando, comecei a me dividir entre receber as pessoas, entregar as tesouras de poda e baldes, instruir como fazer a colheita e distribuir os colaboradores pelas fileiras de vinhas, mais ou menos por níveis de dificuldade.

E não é que o povo começou a chegar mesmo? Um amigo viajou de ônibus à noite inteira desde Madri e chegou cheio de energia para ajudar no que precisasse! Um casal amigo de amigos veio do Porto… minha família e outros amigos de Braga… e todo mundo cheio de empolgação! Comecei a acreditar que acabaríamos as uvas tintas previstas para aquele dia antes mesmo da hora do almoço!

E eu pensando, maravilha, de repente até poderíamos começar as uvas brancas, mas ainda não sabíamos como levar tudo para a adega da cooperativa.

Por volta de umas 10h30, aparece o casal de vizinhos de cima, os que nos ajudariam no dia seguinte, também cheios de disposição e com a caminhonete para levar nossas uvas! Nem acreditei! Pequeno detalhe, ele teria que adiantar sua próxima viagem do trabalho e só poderia levar nossas uvas no domingo mesmo. O que queria dizer que a gente tinha que correr!

Por volta de umas 11h30, as uvas tintas estavam completamente colhidas e as brancas iniciadas! Como sou a associada da cooperativa, precisava ir com meu vizinho entregar a primeira carga. Luiz me substituiu na organização de quem ficou na colheita das uvas brancas e lá fui eu de caminhonete com meu vizinho fazer nossa primeira entrega!

Senti muito o fato do Luiz não estar comigo ali, porque queria compartilhar a emoção do que é esse momento. Mas somos um time e alguém tinha que “tomar conta do barraco“! Além do que, foi muito importante estar com meu vizinho que sabia exatamente o que fazer e tinha o veículo e o recipiente corretos, porque eu não tinha ideia! Não dá para simplesmente chegar na cooperativa com suas uvas em baldes, não teria como pesar ou descarregar.

Passou tudo como num sonho, meio em câmera lenta, meio em velocidade adiantada. E eu tentando absorver e aprender! Fiz diversos vídeos e perguntas para ter tudo registrado.

Ainda na fila de caminhonetes para a entrega, recebo mensagem de mais duas novas amigas, que vieram de Coimbra indicada por um casal de amigos. Passo o celular do Luiz para recebê-las, porque eu estava fora da Quinta. Quando descubro que Luiz também estava fora, porque precisava buscar o restante do almoço da galera, os frangos e linguiças encomendadas.

E quem ficou tomando conta “do lojinha”? Os convidados mesmo! Todo mundo já sabia o que fazer e seguiram tocando os trabalhos sozinhos! Pelo que soube depois, minha vizinha ajudou a orientar e a apressar os trabalhos!

Cheguei novamente na Quinta, flutuando e feliz da vida, mas não dava para relaxar ainda! Luiz chegou logo atrás de mim e me disse que as pessoas precisavam de um intervalo. Recebi correndo as amigas de Coimbra e voei para colocar o almoço na mesa!

O almoço não foi demorado como eu gostaria, afinal, precisávamos ainda acabar as uvas brancas, mas foi muito divertido! Uma confraternização gostosa como se fôssemos uma única família! Comi pouco e rápido, muita coisa acontecendo para eu ter fome! Deixamos a sobremesa para depois!

Apesar de todo esse trabalho e correria, a energia das pessoas era uma coisa muito bacana! Sei que pode parecer difícil entender como nessa trabalheira as pessoas estavam se divertindo, mas juro que todo mundo parecia contente, sorrindo e um astral super alto!

E é disso que se trata uma vindima, dessa colaboração entre todos! Tínhamos nossas limitações, uns com dores, outros sem enxergar direito, outros sem preparo físico, outros sem saber bem o que fazer… mas quando nos juntamos, somos fortes! Podemos mais!

Voltaram todos para as vinhas, ainda levei um tempo a organizar a casa e logo me juntei a eles! Quem disse que eu lembrava de dor nas costas ou de usar a cinta?

Acredito que pelas 15h mais ou menos, finalizamos a colheita das uvas brancas! Luiz ficou com o pessoal para comer a sobremesa e tomar um vinho do porto feito pelo meu vizinho de baixo, e lá fui eu com o vizinho de cima levar o restante das uvas de caminhonete. Dessa vez, não era mais uma novidade, mas a emoção permanecia.

Ao final, entregamos 1 pipa de uvas. Cada pipa são 750 Kg, que produzem cerca de 550 litros de vinho. Para uma propriedade que nos áureos tempos chegou a produzir cerca de 20 pipas, é pouco, mas para nós teve sabor de vitória! Foram 290 Kg de uvas tintas, a 10 graus e 450 Kg de uvas brancas, a 11,6 graus. Considerando que esse ano, mesmo quem cuidou muito bem de suas vinhas teve baixa produtividade, podemos nos orgulhar. Fizemos o melhor possível!

A quantidade de aprendizado condensado que absorvemos nos últimos 3 meses, em que tomamos posse da terra, e principalmente no mês de setembro, quando nos mudamos de mala e cuia para Portugal, é incomensurável! Sou outra pessoa! Mais importante do que isso, somos outro casal! E a gratidão que sinto por absolutamente tudo e todos à minha volta é difícil de explicar!

Quem acompanha o blog sabe que nunca cito o nome das pessoas, mas hoje abrirei uma exceção. Agradeço enormemente aos meus primos, Fabiana e Alexandre, por estarem conosco nessa aventura desde o início, quando nos ajudaram a comprar uma Quinta por telefone e assinar a escritura por procuração, e como não poderia deixar de ser, estavam juntos também na nossa primeira colheita; ao Annibal por despencar da Espanha e vir cuidar da nossa casa quando nós mesmos não conseguíamos; aos meus vizinhos Alcides e Maria Emília, nossos exemplos de trabalho e retidão, e por literalmente salvarem nossa vindima ao aparecerem com a carrinha e disposição para ajudar na colheita e na entrega das uvas; aos amigos Maurício e Maristela, por saírem de Braga e aparecerem com toda boa vontade do mundo e ainda indicarem novos amigos, Sylvia e seu marido Marcus, que mesmo com o braço machucado, vieram de Porto nos ajudar; meu primo Fábio, que ignorou qualquer problema e também veio de Braga colaborar; nossa amiga Sandrinha, que foi a primeira a responder meu pedido de ajuda pelo Instagram, não pensou duas vezes, chegou de Madri com toda a força e boa energia que ela exala; meu novo amigão Alexandre, que viajou à noite inteira de ônibus desde Madri, pegou um trem e um taxi para chegar na Quinta de manhã cedo e trabalhou com uma disposição e alegria invejáveis o dia inteiro; ao meu vizinho Laurindo, forte como um touro, que achou que 8h30 era muito tarde para a gente começar; as novas amigas Marcella e Juliana, que nem nos conheciam e dirigiram 2h para chegar até aqui e mais 2h para voltar para casa; e ao amigo Kevin, que respondendo ao meu pedido de ajuda, veio com seu filho Edouard desde Bruxelas, mesmo só havendo nos encontrado uma vez na vida! A todas essas pessoas tão especiais, corajosas e desprendidas, não tenho palavras para agradecer! Vocês terão prioridade para sempre conosco nesse projeto, sejam bem-vindos quando quiserem e garanto que guardaremos seus lugares na janelinha! E, principalmente, meu amor, Luiz, o “Vianna da Quinta”, que nunca duvidou desse plano maluco e caiu de pára-quedas nessa aventura comigo! Gratidão eterna!

Agora é respirar, tomar fôlego e nos preparar para o próximo ano. Essa história apenas começou a ser escrita. Não sabemos seu final, nem importa, vale o caminho e a companhia durante o percurso. Que assim seja e que assim siga!

Vindima 2021

O milagre do vinho verdadeiramente bom e barato no Douro

Vou começar dando minha mão à palmatória! Sou aquela pessoa que, a cada vez que alguém tentava buscar aquele vinho ótimo, de um produtor escondido no meio do nada, super baratinho… revirava os olhos e pensava: galera, não tem milagre! Você pode encontrar um vinho correto a bom preço… ok… mas esse bom e barato, esquece! Vai brincar de outra coisa… sei lá, vai tomar cerveja porque não vai rolar!

Até que comecei a conhecer de perto os vinhos do Douro!

A primeira grande surpresa aconteceu na minha própria Quinta, comprada de um proprietário bastante descuidado e com produção caseira. Provei com a expectativa baixíssima, mais que nada, para começar a entender melhor as castas e o que precisaria melhorar nas produções futuras. Dou aquele primeiro gole tímido e… Oi? Peraí, nada mal… e não é que gostei!

Daí em diante, a cada novo vinho, fui mais aberta e, juro, sem deixar de ser crítica, sem fazer concessões, simplesmente atenta e com o mínimo de preconceito possível.

E posso dizer com orgulho, os vinhos não decepcionam! De pequenos ou grandes produtores, branco ou tinto… eles comparecem com toda a dignidade portuguesa! Uma personalidade marcante e, nos tintos, uma persistência surpreendente!

Mas vamos lá, caro ou barato é uma questão relativa, correto? De quanto exatamente estamos falando? Pois darei alguns exemplos de vinhos vendidos na cooperativa de Mesão Frio, da qual faço parte.

A caixa de 6 garrafas do Claustru’s, tinto ou branco, é vendida a 9 euros. Ou seja, estamos falando de 1,50 euros por garrafa! E sim, correto e equilibrado. Um vinho nesse patamar na Inglaterra não seria vendido por menos de 10 libras no mercado, mas de jeito nenhum! No restaurante então, estaria na faixa das 20 libras fácil!

E o nosso orgulho, o Beetria Grande Reserva 2017, vinho duplamente premiado. Comprei pela bagatela de 17 euros a garrafa. Poderia ser vendido na Europa facilmente pela ordem de grandeza de uns 25 euros. Na Inglaterra, pelo menos, umas 30 libras e Brasil então, nem consigo avaliar! Preços de mercado, não de restaurante, que podem variar bastante. E estou falando dos preços simplesmente para dar uma referência de qualidade comparativa. O que importa é que não é apenas correto, é muito bom! Elegante, aveludado, delicado, equilibrado! Excelente estrutura e taninos redondos!

Mas quer saber, esqueceu a marca do vinho que te indicaram? Não tem problema! Em qualquer taberna da esquina que vende comida caseira, pode pedir o vinho da casa sem susto. Se chegar uma garrafa sem rótulo, comprada diretamente na Quinta do amigo, relaxa e aproveita, será vinho bom também!

E sabe por que? Toda a produção é, de certa maneira, controlada. Para plantar e principalmente vender suas uvas, você precisa estar registrado no IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, depois explico a parte burocrática). E só se permite plantar as castas dessa região. Assim que, tanto a super vinícola como a Quintinha do seu Manoel, plantam as mesmas castas de uvas e enfrentam o mesmo clima. Claro que faz diferença os cuidados com as vinhas, a posição, a altitude, a adubação etc, mas na média, se os vinhos não forem irmãos, são no máximo primos distantes.

Estou falando de uma maneira simplificada e lógico que se pode sofisticar e melhorar o vinho, não estou desmerecendo o trabalho de ninguém, pelo contrário. Mas são variações dentro de um repertório determinado e muito bem regido.

Pessoalmente, acho essa identidade no vinho um ponto forte! Quer algo diferente? Compra de outra região ou país e tudo bem! Mas acho esse trabalho de reforçar o “terroir” fundamental para fortalecer a produção local.

Como produtora, ainda que novata, estou bastante orgulhosa e como consumidora, feliz da vida!

Os trabalhos na Quinta

Muito bem, como já deve ter ficado claro, tanto Luiz como eu caímos de paraquedas nessa ideia maluca de ter uma Quinta vinícola, sem a menor noção dos trabalhos necessários para manter uma propriedade assim.

Durante os meses de espera, pesquisamos, lemos, assistimos tutoriais… fizemos o possível para não chegar de “pé mole”. Acontece que não é algo tão simples quanto parece, porque é uma atividade ainda aprendida e ensinada na prática, há pouca teoria disponível para uma autodidata.

Temos aprendido uma barbaridade de informações novas e tenho consciência que isso simplesmente só abre mais portas para novos conhecimentos. Ou mais coloquialmente, ainda temos coisa pacas para aprender!

Daí, resolvi fazer um tipo de glossário das principais atividades nas vinhas. Assim, além de registro para nós, fica também para quem quiser aprender um pouco mais a respeito dos trabalhos envolvidos.

Aproximadamente, pelo mês de fevereiro, final de inverno em Portugal, começam as primeiras atividades. Boa parte das folhas já caíram e os galhos secos enfraquecem a planta, precisam ser cortados. Ou seja, é a hora da poda. Sem essa poda, a planta não consegue desenvolver bem os cachos. Você deve deixar aproximadamente 4 tornos por videira. Um torno é da onde sairá os novos galhos. Aqui há um vídeo mostrando como fazer essa poda. A impressão que você tem é que a planta está morta, toda sequinha. Mas não tem problema, é só parte do ciclo da produção.

Logo que vem a primavera, as folhas começam a despontar e os galhos a crescerem. Quando chega mais ou menos abril ou maio, é importante fazer o controle dos novos rebentos que vem da videira, ou seja, os pâmpanos. Esse procedimento se chama despampa. Nessa fase, tiramos todos os rebentos que se encontram abaixo do primeiro arame (são 3 arames em alturas diferentes).

Em paralelo à despampa, ou pouco depois, se faz o desladroamento, ou o que também se chama de intervenção em verde. É um tipo de poda, mas dessa vez, do excesso de folhas. O objetivo é retirar os ramos que se encontram na madeira velha e, com isso, tornar a vegetação menos densa e dar uma melhor possibilidade de maturação das uvas. É como você dizer para a planta que ela não precisa se preocupar com aquele monte de galhos e folhas e ela deve se concentrar no fruto. Quando você também retira esses “ladrões” (por isso o nome desladroamento) do tronco, isso também ajuda a evitar as contaminações. Pode ser feito manualmente ou através de máquina. Mas mesmo com o auxílio das máquinas, segue sendo um processo bem artesanal.

Logo tem a ampara e a desponta, as vinhas precisam estar amparadas e arrumadas nos arames. Isso é feito manualmente, é como uma condução dos galhos por entre os arames. Tem que ficar tudo arrumadinho e não aquela videira descabelada! Imagina se os galhos não estiverem bem apoiados e comece a nascer um cacho de uva, o galho provavelmente vai se romper. Esse vídeo fala um pouco a respeito. Além disso, a parte de cima da planta também é podada, você tira aquela ponta de cima, ficam todas as vinhas niveladas na mesma altura.

E finalmente, outra parte essencial é o tratamento fitossanitário, que é a aplicação dos produtos químicos que evitam as doenças. Os produtos são pulverizados nas vinhas, geralmente com trator. A periodicidade desse tratamento é variável, porque tanto a chuva quanto aquela neblina que parece uma bruma, retiram o produto e precisa se reaplicar. Esse tratamento evita algumas doenças, como por exemplo, o míldio, que é um fungo que ataca os órgãos herbáceos da videira. As folhas ficam com manchas amareladas ou marrons. Se estiver só nas folhas, você consegue salvar, se chegar na planta, você perde a videira.

A parte da adubação, ainda estou entendendo melhor e não me sinto confortável em escrever a respeito. Há algumas diferentes vertentes onde você tanto pode usar produtos químicos pulverizados, como tentar uma agricultura biológica. Vou ficar devendo essa parte e prometo escrever em breve. Mas sim, as vinhas precisam de comidinha!

Entre as vinhas cresce muita erva. Quando nós chegamos na nossa Quinta, com todos os trabalhos atrasados, a erva estava tão alta que mal passou o carro!

Essa erva é primeiro aparada com a roçadora, no nosso caso, foi um trabalho feito manualmente. E, seguida, foi passado um trator para a trituração dessa erva nas entrelinhas.

Todos os trabalhos acima já foram realizados na nossa Quinta, uns mais atrasados que outros, mas demos conta! Agora falta alguma pulverização de produto e, finalmente, em setembro, o ponto alto de toda essa história: a vindima!

A vindima é a colheita da uva. Geralmente, ocorre em setembro, mas o momento do mês pode variar. É uma grande festa! É comum se chamar amigos e familiares para ajudar nessa colheita e se oferece a refeição e vinho à vontade! Claro que, de acordo com o tamanho da sua produção, será necessário ajuda profissional, mas muitos produtores menores fazem de maneira familiar mesmo. E mal posso esperar por esse momento!

Entre o fim de setembro até mais ou menos fevereiro do ano seguinte, não há grandes trabalhos nas vinhas. É quando começa efetivamente a produção do vinho, mas essa parte vai ficar para um outro post!

Dias intensos em Portugal!

Após um par de semanas, assinada a escritura por procuração, conseguimos finalmente viajar da Inglaterra para Portugal e tomar posse da Quinta. Os trabalhos necessários se acumulavam, assim como nossa ansiedade em resolvê-los.

Embarcamos no dia 12 de junho, com data de retorno para o dia 18, ou seja, tínhamos aproximadamente uma semana para deixar as coisas encaminhadas.

Gosto de acabar com o suspense logo de cara e aviso que deu tudo certo! Assim você pode agora tomar fôlego, porque a história é longa e repleta de detalhes e coincidências incríveis, aliás, como sempre, né?

Muito bem, minha principal preocupação era o cuidado com as vinhas. É uma coisa muito engraçada, mas incorporei completamente esse sentimento pela terra. Estava aflita com a saúde das vinhas, como um ser vivo mesmo! Como se elas estivessem sofrendo, sentindo dor, mal alimentadas… Tínhamos um enorme problema, porque ainda não sabemos direito como cuidá-las e fisicamente exige muito, além de também não termos maquinário. Eu já tinha virado a internet de cabeça para baixo procurando algum website ou contato de quem pudesse fazer o serviço… e nada! É Portugal profunda e rural, lembra? Muito difícil você encontrar qualquer coisa virtualmente.

Daí, literalmente na semana anterior à viagem, estava eu assistindo tutoriais no Youtube sobre a “despampa”, um dos trabalhos importantes a serem realizados (depois eu explico). Gosto muito dos tutoriais do Oscar Quevedo, não costumo dar nomes no blog, mas nesse caso, entendo que é público e espero que sirva de divulgação. Até porque os vídeos são bem didádicos e práticos. Enfim, no final do vídeo ele costuma generosamente dar o próprio email como contato em caso de dúvidas. Então, meio sem graça, escrevi para ele com minhas perguntas, não sabia se ele me responderia ou não, até porque era um vídeo de 2011, nem sabia se o email era o mesmo! Mas não é que ele respondeu! Foi super gentil e me passou uma informação preciosa: o contato de uma pessoa que realizava todos os serviços agrícolas para as vinhas! Eu queria soltar rojões de felicidade! Luiz ligou para o tal responsável pelos serviços agrícolas e marcou logo para segunda-feira, 14/06. Temos certeza que ele só nos atendeu por ter sido uma indicação do Oscar, afinal estava repleto de trabalho! E assim resolveríamos nossa principal preocupação, mas estou passando o carro na frente dos bois.

Viajamos no dia 12/06, sábado, às 6h40 da matina! O que quer dizer que nem dormi na sexta-feira, fui emendada! Por volta de 9h30, nossos primos nos buscaram em Porto e nos levaram para Braga, onde ficamos hospedados com eles. Só baixamos as malas e partimos em direção à Quinta.

Primeira boa notícia, as vinhas pareciam saudáveis e estavam definitivamente vivas! Entretanto, o mato entre suas fileiras batia pela nossa cintura! Passar de carro para entrar na propriedade foi uma aventura, por sorte, é um carro feito para isso! Mas quer saber, a gente estava tão feliz em pisar pela primeira vez como proprietários que o difícil era tirar o sorriso do rosto. Acho que as pessoas normais deveriam estar assustadas, mas a gente nunca foi muito normal!

Bom, como contei no texto passado, um amigo da Espanha se ofereceu a morar alguns meses por lá. Ele chegaria na segunda-feira à tarde e a gente queria que ele já visse a casa com alguma esperança de ficar, né? Porque a coisa estava brava! Tudo bem que ele estava no espírito de aventura, disposto até a acampar e tal… mas a gente também queria ficar tranquilo e deixar o mínimo de condições para ele olhar a vista e “esquecer” do resto!

Porém, a gente tinha e tem um limite do quanto arrumar, porque pretendemos fazer obra na casa inteira. Então, também não dava para investir muito agora e jogar esse dinheiro no lixo. A casa tem banheiro e cozinha funcionais, só estava com muita umidade, por não ter isolamento térmico. Por ser uma casa muito antiga, as pessoas foram morando sem dar tanta atenção a isso. E, para se ter uma ideia das condições deixadas, o ex-proprietário levou até as tomadas! Só tinham os fios pendurados!

Levei da Inglaterra um produto super forte para tirar mofo preto e coloquei logo no teto do banheiro para ir amolecendo aquela crosta onde só faltava sair vegetação! Curiosamente, o resto do banheiro não estava em más condições, a louça tinha cara de limpa, só o teto que estava um horror! Bom, deixamos os produtos de limpeza na Quinta e fomos para Mesão Frio, a cidade mais próxima, que fica a menos de 10 minutos de lá.

Na saída, Luiz teve a curiosidade de checar a caixa de correio e havia uma correspondência da companhia de eletricidade.

Era sábado e não tínhamos expectativa de resolver muita coisa, mas queríamos ao menos saber onde funcionavam as instituições, para tentar ir logo pela segunda-feira de manhã. Coisas do tipo, onde trocar a conta de luz, onde era o correio…

Nós também precisávamos comprar o básico de eletrodomésticos, uma geladeira pequena, um fogãozinho a gás… vimos alguns anúncios de aparelhos usados que ligaríamos no início da semana. Nenhum entregava em casa e estávamos ainda sem saber bem como fazer isso.

Passando a pé pelo centrinho de Mesão Frio, tentando identificar onde ir, vi uma loja com uns bujões de gás na frente, a Tien21. A porta estava fechada, mas fiquei curiosa para ver se tinha algum telefone e sobre o que vendia na loja. Quando nos aproximamos, vimos que era eletrodomésticos e pensamos, que bom, podemos ver os preços aqui depois. Nisso, o gerente da loja aparece na minha frente, levei até um susto! Era sábado à tarde, mas a loja estava aberta!

Resumindo, nessa loja que paramos por mero acaso, se vendia os eletrodomésticos novos a um preço bastante razoável e entregavam em casa… entregavam os bujões de gás em casa também… fizeram a alteração da conta de energia para nosso nome… ajudaram a contratar o pacote de internet e televisão… e ainda nos indicaram um encanador (se diz “picheleiro” ou “canalizador” nessa região). O cidadão fazia absolutamente tudo, foi nosso oráculo! Deixamos encaminhado, para receber na segunda-feira.

Voltamos para Braga e nossos primos prepararam um churrasco com amigos. Estava tonta de sono, acordada desde sexta-feira, mas achei ótimo! Depois, sabíamos que a semana seria bastante dura e não teríamos outro momento para socializar dessa forma. Então, foi com sono mesmo e adorando! Tomamos vinho da nossa própria Quinta, que trouxemos nesse mesmo dia, e isso é um prazer difícil de descrever!

Engraçado e bonitinho ver o Luiz oferecendo o vinho para ser degustado, todo orgulhoso! E isso porque nem foi a gente que fez ainda!

Domingo, acordamos cedo e fomos direto comprar material de limpeza e tinta para pintar o teto do banheiro e da cozinha da casa. Tudo que confirmamos no dia anterior que necessitava ser feito. Na sequência fomos com meus primos e um outro casal para mostrar a Quinta e almoçar em Mesão Frio. Pegamos mais alguns garrafões de vinho, coloquei mais produto anti-mofo no teto e voltamos para Braga.

Na segunda-feira, bem cedo acordamos e fomos direto para a Quinta novamente, aí sim começamos a brincadeira a sério!

Lembra que contei sobre uma pessoa indicada que prestava os serviços agrícolas? Então, às 9h estávamos com ele passeando entre as vinhas e contratando o serviço. Infelizmente, ele estava muito cheio de trabalho para fazer na mesma semana e agendamos dele retornar. Em princípio, os trabalhos estão atrasados, mas ainda há tempo de recuperar. E o principal, as vinhas parecem saudáveis!

Assim que ele saiu, fui encontrar o vizinho da frente, que só vai de vez em quando até o local e, por sorte, estava lá! É o seguinte, nosso terreno tem fonte própria de água, o dele não. Mas ele é autorizado a pegar água no nosso terreno uma vez por semana. Nos apresentamos, trocamos gentilezas e aproveitamos para ele nos mostrar como funcionava nossa fonte (ele sabia melhor que a gente, claro!). Óbvio que atravessamos a selva amazônica para chegar até a fonte, porque o mato estava na nossa cintura, mas tudo bem… o importante é que a água estava lá, corrente, fresquinha e pura! Menos outro pepino!

Nosso amigo que vai morar na Quinta enviava mensagens pelo caminho, vinha com outra amiga e chegariam pelas 15h.

Descemos novamente para Mesão Frio, para acertar a compra dos eletrodomésticos, marcar deles entregarem e tal. Aproveitamos para dar uma paradinha e almoçar.

Chegamos em um restaurante vazio, achamos até que estava fechado, mas era só cedo. Aliás, vou abrir parênteses aqui, a comida na região é ótima! Caseira, bem feita e barata! Comemos bem todos os dias! Até porque Bianquita só trabalha bem abastecida! Paguei com minha língua cheia de frescura em dizer que não tem milagre de vinho bom baratinho! Há vinhos ótimos por preços ridículos! Não estou falando de sofisticação ou elegância, mas super corretos!

Voltando ao almoço, estamos nós dois, chegam mais três homens, mais ou menos da nossa idade ou pouco mais velhos. Puxa papo daqui, puxa papo dali… um é político e trabalha na câmara… o outro vai assar um javali lá na nossa Quinta… Luiz já combinou de jogar Sueca com eles… enfim, nos sentimos super locais! Por mim, ficava ali tomando vinho e batendo papo a tarde toda, mas tínhamos muito o que fazer!

Nisso, nosso amigo avisou que chegou mas não encontrava o lugar em que ficaria hospedado. Fica aí que a gente te acha e já descobriremos! Fomos com ele primeiro descarregar o carro na nossa Quinta. Ele aproveitou que vinha de carro para trazer a mudança de uma vez. Ainda precisaria voltar à Espanha, mas assim já facilitava. Veio junto com uma amiga que era uma máquina de limpar e arrumar as coisas! Sério, em meia hora a casa cheirava diferente!

Fomos meio que nos dividindo nas tarefas… chegou geladeira… chegou fogão… Faltava que o chuveiro da casa funcionasse para o banho. Toca a tentar descobrir como fazer! Tinha que vir o encanador, mas esse ficou para o dia seguinte.

Vou contar uma coisa, estava um calor de cornos, a gente suava em bicas, tinha trabalho pacas… mas uma boa onda e um astral ótimos! Era pesado e era leve ao mesmo tempo.

Voltamos para Braga e eles ficaram para dormir em Mesão Frio, em uma Quinta encontrada pela internet. Muito bonitinha por sinal e, porque o mundo é cheio de coincidências, o dono do local é o responsável pela aprovação das obras na região. Brinquei com meu amigo: faz amizade aí!

Dia seguinte, logo cedo, a mesma rotina! Toca para a Quinta! Parece simples, mas era uma hora e meia para ir e outra hora e meia para voltar.. em um carro sem ar condicionado! É um 4×4 perfeito para ficar por lá, um pé-de-boi, não é um carro de estrada. Cumpriu muito bem o papel, mas era cansativo.

Eles chegaram na casa primeiro e seguiram limpando. Assim que, quando chegamos, tinha outra cara! Não digo que ficou nova, porque nova não é. Segue uma casa simples, mas sinceramente, eu dormiria lá sem nenhum nojinho ou frescura. Deu para perceber que há muito potencial! Depois de reformar, modéstia às favas, vai ficar um escândalo!

E a vista é um espetáculo!

Aproveitei para alojar uma pequena imagem de Ganesha, que levei para abrir nossos caminhos ou nos colocar os obstáculos corretos. Ficou sobre a geladeira, de frente para a porta, pronto para deixar que apenas as boas energias entrem.

Para dar um pouco de suspense, Luiz acompanhava as previsões do tempo e chegava uma tempestade daquelas! Ele preocupado para voltar logo para Braga e eu batendo o pé porque só queria sair de lá com tudo resolvido. Nosso amigo iria embora na quarta-feira cedo, então não tínhamos mais outro dia para resolver as coisas com ele ainda em Portugal.

Bom, com o céu meio cinza, mas antes da tempestade, chegou o encanador, ou melhor, o picheleiro! Lembrando que foi indicação do gerente da loja de eletrodomésticos que resolveu tudo para a gente, né? A questão era a seguinte, a água chega da fonte diretamente no andar de baixo da casa por gravidade. Daí vai para uma caixa d’água e para essa água subir ao banheiro é utilizada uma bomba que estava lá. E também havia um aquecedor elétrico. Resumidamente é mais ou menos isso. Entretanto,o proprietário levou conexões, canos, enfim… coisas que a gente nem sabe para que vai servir para ele! Muito bem, olha daqui, olha dali, enquanto consertava as coisas para fazer o chuveiro e o banheiro funcionarem, o encanador comenta com o Luiz que conhecia o antigo proprietário. Não o que vendeu a Quinta para a gente, mas o pai dele. Contou que se chamava Sr. Angelo e que vendia suas galinhas na feira etc e tal. Achamos a história curiosa e, por conta disso, guardamos o nome do proprietário original, que construiu a casa.

Desci para a plantação e cantei meus mantra baixinho. Não havia tido tempo de cantá-los com calma com toda essa correria. Da última vez que visitei a propriedade a poda havia acabado de ser feita, as vinhas estavam fraquinhas ainda. Há meses canto concentrada tentando visualizar nossa plantação farta, nossas vinhas produtivas, a vegetação forte e tudo dando certo. Estar ali e ver pessoalmente essa projeção realizada foi muito gratificante.

O encanador terminou o trabalho com o céu ameaçador e raios para todo lado! Bateu os cinco minutos no Luiz e, assim que conferimos que tudo funcionava, saímos batido da casa, a toque de caixa!

O temporal nos pegou no início da estrada, mas conseguimos voltar a Braga sem problemas. Mais tarde, descobrimos que faltou luz em Mesão Frio, que em regiões próximas, para o lado de Peso da Régua, a coisa foi tão feia que danificou muitas plantações. O prejuízo foi estimado em mais de dois milhões de euros. Fiquei com pena.

Quarta-feira, aproveitamos a manhã para resolver questões burocráticas no banco e outros pequenos pepinos. Conseguimos adiantar tudo e seguimos para a Quinta pela última vez na viagem, felizmente, estava tudo em perfeita ordem. Nossas vinhas não foram afetadas com a tempestade.

Na saída, fomos também até a cooperativa em Mesão Frio, afim de entender o que precisaríamos fazer para nos associar e se era possível vender nossas uvas por lá. Daí descobrimos (porque é assim, a gente “descobre” as coisas!) que havia uma parte burocrática a ser cumprida. Nós precisávamos ir até Peso da Régua e registrar o terreno no nosso nome no IVDP (Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto). Depois do IVDP, precisaríamos atualizar o RCV (Registo Central Viticula) no Centro de Estudos Vitivinicolas. Só então, voltar à cooperativa e aplicar para nos associar. Eles fazem uma reunião, geralmente em agosto, e aprovam, ou não, a nossa associação.

PS: não escrevi “registo” errado, não existe a palavra “registro” em português de Portugal. É um inferno para eu falar assim, mas paciência, vou me acostumar!

Caraca! Mais uma burocracia para nossa coleção! Luiz tentou ligar para o tal IVDP e marcar hora, porque em princípio só atendem com hora marcada, mas ninguém atendia. Quer saber, a gente está perto de Peso da Régua, vamos logo pessoalmente e pelo menos vemos que documentos a gente precisa ter. Eu estava carregando uma mochila de papéis comigo, para ter tudo que me pedissem. Quem sabe até consegueríamos resolver isso também?

Chegamos na porta do IVDP às 16h31, lemos o aviso que fechava às 16h30! Nisso o guarda-segurança apareceu para trancar a porta e fechar o recinto. Ele nos informou que precisávamos ligar para marcar hora… Luiz disse, mas eu liguei… ele perguntou o número para confirmar… Luiz mostrou a ligação não atendida no celular… ele se sentiu mal porque era ele que atendia, mas tem outras funções e não atendeu… em tese ele era responsável por perdermos a viagem… perguntamos se poderia nos informar pelo menos quais os documentos levar para uma outra ocasião… ele deixou a gente entrar, trancou a porta e disse que ia checar com a chefe responsável que documentos seriam esses. Agradecemos a gentileza e esperamos ele voltar com as tais informações.

Para a nossa surpresa, a tal funcionária-chefe que ainda estava lá, teve a maior boa vontade e resolveu nos atender fora do horário e sem hora marcada!

Não sei nem como começar a contar essa conversa, porque eu tinha todos os documentos teoricamente corretos… mas nada que ela precisava! A primeira pergunta era em nome de quem estava registrado o terreno. Eu achava que era em nome do proprietário anterior, inclusive mostrei a escritura, só que não. Daí lembrei o seguinte, ele herdou o terreno do pai, pode ser que não tenha feito a alteração do nome. E como chama o pai dele? Veja bem, essa informação não constava na escritura, porém lembra do encanador que no dia anterior contou que conheceu o Sr. Angelo? Então, repeti igual a papagaio, acho que chama Angelo e com o sobrenome do proprietário da escritura, filho dele… chegamos na informação!

Veja bem, a gente só sabia o nome do proprietário original porque o encanador, que foi indicado pelo dono da loja de eletrodomésticos, que achei por acaso olhando uma vitrine, nos tinha contado em conversa no dia anterior!

Mas não ficou só aí, ela me pergunta, você tem a foto aérea do terreno? Sabe como chama a Quinta? Putz… nem ideia! Mas se você for no mapa a gente localiza. Não tem o endereço registrado, mas já vi tantas vezes a Quinta no google, que conheço os quadradinhos de onde ela fica, juro! Apontei no computador: é essa! Ela marcou a foto, imprimiu para mim. Guarda que você vai precisar apresentar isso!

E os certificados-de-não-sei-o-que-das-quantas?

Não sei, mas se você me mostrar um eu tento localizar. Ela me mostrou e tínhamos! Só que estava no meu computador, não tinha impresso. Posso te enviar por email? Ela me deu o email dela e puxei o laptop da mochila! Luiz fez sua mágica e apareceu uma conexão de internet para mim!

Para quem leu as crônicas anteriores, nossa propriedade é formada por 11 artigos diferentes, sendo 9 rurais e 2 urbanos. Assim que nós temos 11 certificados, não tinha ideia de qual ela precisava! Ela abriu os 11, confirmou e separou os 3 que eu precisava. Pronto! Agora você faz o seguinte, junta essa foto aérea, esses certificados, vai no Registo da Conservatória de Mesão Frio e busca o histórico da propriedade desde o Sr. Angelo Fulano de Tal. Com esse papel você volta aqui e fazemos o registro da propriedade no seu nome.

Ufa! Não resolveu, mas vamos combinar, o caminho está todo definido!

E veja bem, se nós tivéssemos conseguido telefonar, não teria hora para nos atender. Se chegássemos no horário normal de funcionamento, não teríamos sido atendidos porque eles estariam ocupados com outra pessoa marcada. Se chegássemos mais tarde um minuto, não teríamos encontrado com o guarda fechando a porta! Ou seja, posso reclamar de alguma coisa? Ainda por cima, todo mundo super gentil! Só posso agradecer!

Ela ainda me deu uma outra informação importante, eu preciso me registrar como agricultora. Por que essa informação era importante?

Calma, a história ainda não acabou, ainda precisava conversar com um contador (em Portugal se diz, contabilista). Perguntei para meu primo se ele tinha algum contato. Ele me indicou uma pessoa, guardei o celular para ligar e marcar um horário.

Mas antes, tínhamos que fazer o maldito PCR para viajar de volta à Inglaterra. Com toda a correria, esquecemos de agendar, Luiz agendou meio em cima da hora e, ao invés de ser perto da casa dos meus primos, foi mais para o centro da cidade. Tudo bem, nem era tão longe assim, chegamos um pouco antes da hora marcada e foi bem rápido.

Do próprio estacionamento, liguei para o contador para tentar agendar um horário. Pode ser agora? Podia e estávamos super perto do escritório dele, no centro da cidade.

O caso é o seguinte, nossa residência fiscal hoje é na Inglaterra. O que estamos pensando em fazer é manter a residência fiscal do Luiz onde está e a minha, transferir para Portugal. Até porque, a ideia é vender o que produzirmos em algum momento, preciso me registrar, pagar os impostos, tudo direitinho. Além do mais, descobrimos que para comprar alguns produtos agrícolas para a manutenção da plantação, preciso ser registrada como agricultora. Não é qualquer um que chega na loja e compra um agro-tóxico ou determinado tipo de adubo, por exemplo. Isso é tudo controlado, o que concordo.

Vou explicar melhor essa parte contábil em algum próximo texto, porque é bastante técnico, entretanto, podem ser informações úteis a quem queira seguir esse caminho. Mas há uma parte referente às coincidências que vale contar agora mesmo.

Nós precisavamos alterar nosso endereço no documento português, o NIF, e para isso era necessário uma tal “Senha nas Finanças”, depois explico melhor. O problema é que tinha que marcar hora, para marcar hora você precisava da senha! Para pedir essa senha, você precisava dar o endereço que consta no seu NIF (tipo um CPF português) e eles enviam por correio. Claro que, com tantas mudanças, o endereço que constava no nosso NIF era outro. E para mudar esse endereço, você precisava ter a senha! Ou seja, cachorro correndo atrás do próprio rabo! Conseguir isso sozinhos era uma tarefa praticamente impossível!

Daí, falamos dessa questão com o contador e, lógico, que ele tinha solução! Uma possibilidade era passar uma procuração específica para uma advogada conhecida dele, mas era algo mais caro e complicado. A outra era ir diretamente no escritório das Finanças… espera um minuto, deixa eu ver se consigo marcar por aqui! A esposa, que trabalha com ele, era amiga de alguém que atendia nas Finanças e conseguiu marcar para o mesmo dia: vocês podem tal horário? Claro que podemos! Nascemos prontos!

Pontualmente, estávamos na porta no horário combinado: queremos falar com a fulana e fomos indicados pela beltrana! E só entramos por causa dessa indicação! Explica novamente a história confusa de pedir senha sem endereço e blá, blá, blá… puxo a escritura, mostro que a Quinta estava comprada… tá bom, vou dar uma senha, mas precisa de um celular português… demos o celular da minha prima… e precisa mudar essa senha hoje mesmo, sem falta! Perfeitamente, faremos isso nesse minuto! Voltamos ao contador e entregamos tudo! Tá contigo!

Na quinta-feira, não voltamos a Mesão Frio, estava praticamente tudo resolvido. Luiz ainda tinha que trabalhar pela manhã, aproveitei para ir à cabeleireira brasileira. Era interessante o contraste de passar a semana dando duro na propriedade e, de repente, parar para receber um mimo de fazer os meus pés! Mas bem que aproveitei o descanso!

Conseguimos também almoçar com calma com meus primos, afinal, mal tivemos tempo de dar algo de atenção a eles. Finalmente, provamos a “Francesinha”, prato típico da região. É um super sanduíche com tudo dentro, carne, presunto, linguiça… coberto com um molho à base de cerveja e manteiga e um ovo frito por cima! Um esculacho calórico, mas a gente merecia, vai?

Durante à tarde, aproveitamos para visitar o IKEA e o Leroy Merlin, para ter algumas referências de opções, materiais, preços etc para a reforma da casa. Basicamente, a gente descansava carregando pedra!

Jantamos no Alma d’Eça, um dos nossos restaurantes favorito em Braga. É um misto de comida japonesa e mediterrânea que foge do padrão geral e gostamos de variar. Vinho para relaxar com a sensação de missão cumprida!

Na sexta-feira, ainda conseguimos almoçar com os primos e amigos. Do restaurante, os primos já nos levaram direto ao aeroporto, que fica em Porto, cerca de 40 minutos de Braga.

Foi apenas uma semana, mas a sensação era de ter passado um mês inteiro! Gosto de voltar para casa, estava com saudades dos meus gatos. Mas admito que o “bichinho” já me mordeu e minha cabeça está morando na Quinta. A preocupação de viver em uma cidade pequena desapareceu e as pouquíssimas dúvidas se iríamos nos entrosar se diluiu nos primeiros dias.

E o mais bizarro para mim, o amor instantâneo pela terra, pelas vinhas, pela vista do Douro que irá emoldurar minhas manhãs… finalmente, tenho um lugar para chamar de minha casa.

A Quinta do Vianna

Tudo começou há uns dois anos, quando fomos passar Natal de 2019 com nossos primos em Portugal, eles haviam se mudado recentemente para Braga. Na realidade, ela é a minha prima de verdade, mas está casada há séculos, assim como eu, e nossos maridos também se dão muito bem, de maneira que nos chamamos todos de “primos” e facilitamos a história!

Até aquele momento, meu plano com Luiz era de nos aposentar em Madri, por milhões de motivos que nem vou entrar em todos os detalhes agora, mas entre eles, o fato de termos muitos amigos que consideramos nossa família extendida.

Enfim, a estadia na casa dos primos durante o Natal fez a gente repensar essa questão da aposentadoria e de onde morar. Francamente, acredito que, quando somos adultos, nós mesmos elegemos a nossa família em função da afinidade. Acontece que quando essa afinidade bate e ainda por cima existe o real grau de parentesco… o sangue fala alto e pesa na decisão. E pesou!

Saí de lá revendo meus paradígmas e avaliando: por que não Portugal? Não seria bacana poder envelhecer perto de quem a gente conhece e gosta? Além do que, minha mãe e a mãe da minha prima são super unidas. Se algum dia elas precisarem morar conosco, facilitaria muito estarmos próximas e em um lugar onde ambas falem o idioma.

E assim, tudo começou, a ideia estava plantada na minha cabeça! Mas… será que Luiz toparia? Pois conversamos e ele achou válido analisar a possibilidade.

Em termos financeiros, o custo dos imóveis em Portugal é muito mais atraente! Principalmente, porque não estávamos interessados em Lisboa. Queríamos algo na região do Porto, de preferência, Braga e arredores. Chegamos a quase fazer uma proposta em um uma casa na mesma rua da minha prima, mas não deu certo.

A essa altura do campeonado, Bianquita já havia aberto o leque e começado a investigar outras possibilidades na região. Comecei a vasculhar websites de busca a propriedades e a história de ter uma quinta, foi ganhando espaço na minha imaginação.

Quinta é um terreno, como um sítio, por exemplo. Esses terrenos são chamados “artigos”. Cada artigo pode ser rústico (plantação), urbano (casa/construção) ou de natureza mista (parte plantação e parte construção). Eu queria uma quinta de natureza mista, onde eu pudesse morar e cultivar a terra.

Cada vez mais, me interessava um lugar onde eu pudesse plantar, produzir minha própria energia, hospedar pessoas, organizar eventos, ter um pequeno restaurante… enfim, uma propriedade autossustentável, com uma gama de possibilidades.

Só tinha um pequeno detalhe, eu nunca tive a menor experiência agrícola na vida! Não entendo chongas de terra! Sou urbana até os ossos! O que vou fazer no meio de Portugal profunda e rural?

Ah, mas o Luiz entende do assunto, certo?

… claro que não! Acho que talvez menos que eu! A ideia maluca foi mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa!

Luiz sabia que eu vinha buscando oportunidades por terras lusitanas, mas nem imaginava o tamanho da encrenca! Honestamente, nem foi algo que saiu inteiro planejado no mesmo dia, a ideia foi desenvolvida aos poucos. Não sou uma pessoa que tem sonhos, nem sei se isso é uma coisa boa ou não. Mas outro dia, li algo como “não tenho sonhos, tenho planos”, e me senti totalmente identificada. Não sonho, eu planejo e faço. E, apesar de só poder falar por mim, acho que Luiz também é assim.

Até que por meados de 2020, compartilhei o pensamento com Luiz. Por sua vez, me olhou num primeiro momento como quem olha para um ET! Mas alguns segundos depois, senti que avaliava seriamente a possibilidade. No fundo, sabia que ele tinha gostado. Provavelmente, mais por mim do que por ele, mas a ordem dos fatores nem sempre altera o produto. Dei o tempo dele amadurecer a ideia, mesmo porque, não havia pressa.

Estávamos em pleno início de pandemia do COVID, há uns 3 meses fechados em casa e, não tenho a menor dúvida, que essa situação teve grande influência nas nossas decisões. Como todos, no princípio quase enlouqueci, mas encontrei meu caminho, com muita meditação e muito canto de mantras! Percebi que meu corpo é a única casa que posso controlar e que levo comigo para onde for. Nada mais parecia me assustar. Por quantas mudanças nós já passamos? Quantas vezes nos reconstruímos? E por que não? Além do que, nós dois somos um time e tanto!

Luiz não só comprou a ideia, como adicionou e incorporou de tal maneira que hoje posso dizer que o plano é nosso! Óbvio que ele profissionalizou a história… me pediu para fazer “business plan“… foi buscar investidores… e eu pensando, caracas, o povo ali nem endereço definido tem! Cada vez que você pergunta onde alguém mora ou onde encontrar é algo como: duas ruas depois da igreja… à direita da casa rosa antes da praça… na bomba de gasolina…

O que importa é que estava decidido! Era nosso novo plano e parecia bastante interessante! Um lugar para vivermos nossa pré-aposentadoria, que nos proporcionasse algum tipo de renda e boa qualidade de vida. Eu cuidaria nos primeiros anos, enquanto Luiz manteria seu emprego e garantia as contas pagas. Ficaríamos nessa ponte-aérea até que pudéssemos fazer uma transição definitiva, no que é possível chamarmos algo de definitivo na nossa vida!

Perfeito! Tudo muito bom, tudo muito bem… mas como a gente coloca isso em prática? Porque como disse, estávamos em plena pandemia e as viagens eram super complicadas, às vezes nem eram possíveis!

Entretanto, acho que por volta de junho, conseguimos marcar uma semana em Portugal, hospedados na casa dos primos. Explicamos tudo a eles, que adoraram saber que teriam companhia muito em breve e se propuseram a ajudar no que pudessem. Aliás, apoio fundamental, como já contarei!

Com a viagem marcada, selecionei pela internet as propriedades que nos interessavam e entrei em contato com os corretores. A intenção era ter todas as visitas agendadas e não perder tempo, afinal, sabe-se lá quando poderíamos viajar novamente!

A primeira Quinta que nos interessou, ficava em Vila Marim, muito próxima a Mesão Frio, com uma vista do Rio Douro de impressionar! Era a favorita do Luiz, mas quando entrei em contato com a corretora, ela já estava sendo negociada e por um preço acima do que nós poderíamos pagar naquele momento. Paciência! Se não é essa, outra será!

Viajamos para Portugal e passamos uma semana ótima e super produtiva! Além da delícia de ver a família, sair um pouco, mudar a rotina… fomos visitar várias propriedades com os primos! Chegamos a fazer proposta em uma delas e marcar assinatura do compromisso de compra e venda… mas o proprietário amarelou na hora de assinar o contrato! Putz, ninguém merece!

Mas também não sofremos! Nessa minha nova fase de vida, penso logo em Ganesha me colocando os obstáculos corretos pelo caminho. O que é nosso viria e pronto!

Tivemos que voltar para Inglaterra, quando nos esperava uma mudança de endereço, uma complicação danada que nem vem ao caso aqui, mas o fato é que só pude pensar em voltar para Portugal pelo final de setembro, início de outubro.

Lá fui eu fuçar na internet outra vez! Quando, de repente, me aparece as fotos da tal primeira Quinta que Luiz gostou, em Vila Marim. E eu pensando… ué, mas não havia sido vendida? Será que o anúncio ficou esquecido aqui? Na dúvida, liguei para a corretora novamente.

Pois não havia sido vendida, o negócio havia furado! Depois viemos entender que a pessoa que tentou comprar da primeira vez o faria através de hipoteca bancária e a documentação estava um pouco enrolada. O banco não espera, mas a gente poderia esperar. Acontece que sempre tem um detalhe, não é mesmo? Havia outro cliente marcado para visitar justamente naquele final de semana e as chances de vender eram boas.

Não conseguíamos marcar passagem para a mesma semana, afinal, as viagens continuavam complicadas. Mas consegui que meus primos fossem visitar no nosso lugar, antes do outro cliente que estava marcado. Acompanhamos toda a visita virtualmente pela câmera do celular, com Luiz no meu ouvido ansioso: fecha agora, fecha agora!

E assim foi! Acreditamos no julgamento dos primos, que afinal, conheciam nossos gostos e o que estávamos buscando. E, claro, pelas imagens que acompanhamos, nos pareceu um ótimo negócio! No final da visita, pelo celular mesmo, fechamos com a corretora: te envio o depósito como sinal e parte do pagamento agora por transferência bancária! Mas não quero que o o próximo cliente vá visitar a propriedade.

Exatamente dessa maneira, compramos uma Quinta vinícola em outro país, que será nossa casa e fonte de renda na pré-aposentadoria, ou seja, foi literalmente, pelas câmeras de um celular, sem visitar pessoalmente!

Na semana seguinte, em outubro de 2020, consegui passagem e visitei o local… sem o Luiz, que não pôde viajar. Nem vou fazer suspense, eu amei o lugar! Arrependimento zero! Gostei ainda mais do que através das câmeras e das fotos. Aliás, ainda bem, né? Porque os 10% de sinal estavam pagos e não tinha volta!

Aproveitei a semana para abrir conta em banco, me registrar como residente na casa dos primos… enfim, começar a preparar a estrutura. E, porque não devo ter um pingo de juízo, acabei comprando também um carro para ficar lá! Foi uma oportunidade, meu primo vende automóveis e apareceu um Kia pé-de-boi, preço bom, com 20 anos de idade, mas baixíssima kilometragem e muito bem cuidado. Pronto! Fica resolvido isso também!

Agora era só esperar a documentação ficar pronta para terminarmos de pagar e assinarmos a escritura. Honestamente, não tínhamos nenhuma pressa, com todas as viagens dificílimas e nosso exímio desconhecimento dos trabalhos necessários, o tempo estava a nosso favor.

A pandemia ficou mais complicada ainda, o ano virou e só conseguimos ir novamente a Portugal em abril de 2021. Em outro momento, contararei a saga que foi, mas finalmente Luiz conheceu a propriedade, 6 meses depois de negociada! A documentação não estava pronta, mas poderia ficar a qualquer momento. Por isso, tivemos a boa iniciativa de fazer uma procuração para meu primo.

Foi a melhor coisa que fizemos, porque em maio, após uma espera de 7 meses, a documentação foi regularizada! E como não poderia deixar de ser, essa história foi coroada com a escritura sendo assinada pelo meu primo, através de uma procuração!

O que importa é que agora é oficial, somos os felizes proprietários de uma propriedade em Vila Marim, com 3 hectares e produção de 7 mil pés de uvas! Prometo contar todos os detalhes, em breve!

Hoje, venho registrar que no dia 27 de maio de 2021, nasceu a Quinta do Vianna! Aqui, compartilharei essa aventura entre erros, acertos, sustos, descobertas, alegrias, preocupações, aprendizado e muito trabalho! E quem quiser fazer parte dessa aventura conosco, seja mais que bem-vindo!