Da parte que conhecia, minha maior ascendência vinha da Itália. Ainda que tenha uma bisavó indígena e meu teste de DNA tenha mostrado que até meu sangue é de cidadã do mundo. De África à França, tem absolutamente de tudo!
Mas o fato é que, nem sei por que, sempre deixei de lado uma pequena parcela conhecida de origem portuguesa. Na verdade, nunca dei tanta bola para minha árvore genealógica, não era algo que se valorizava tanto na minha família. Tipo, o passado já passou e pronto! Talvez, herança do lado italiano, que nunca quis que os filhos sequer aprendessem o idioma para não terem sotaque e serem tratados como imigrantes. Nasci e cresci simplesmente brasileira.
Adulta e morando fora do Brasil, comecei a me interessar mais pelas minhas origens, por traços étnicos, por questões culturais… enfim, talvez uma necessidade maior de entender minha real identidade ou, quem sabe, criar alguma.
Muito bem, pois duas questões um tanto antagônicas, uma boa e outra ruim, andam rondando meus dias.
Vou começar pela que me incomoda, minha nacionalidade. Hoje, Luiz e eu temos dupla nacionalidade, brasileira e espanhola. Na nossa vida européia, obviamente, o que nos abriu portas foi a espanhola. Assim que, para encurtar explicações a estranhos que me perguntavam de onde eu era, me acostumei a responder simplesmente, Espanha. Porém, quando viajávamos para países árabes ou França, às vezes, preferia responder que era do Brasil. Pois nos viam com muita simpatia. Ou seja, responder se eu era brasileira ou espanhola era uma simples questão de conveniência ou facilidade, sem nenhuma paixão envolvida.
Entretanto, agora que viemos para Portugal, isso mudou. Porque rapidamente percebem nosso sotaque brasileiro e, como há muita imigração brazuca, se deduz que somos do Brasil e pronto. E aí é que a porca começa a torcer o rabo, pois comecei a notar um grande incômodo em relação à minha origem.
Francamente, não é pela questão do preconceito, sou imigrante há quase 20 anos, mais do que calejada a me defender dessas bobagens, tiro de letra! É porque, no fundo, tenho me sentido envergonhada do Brasil e acho isso tristíssimo! Essa falta de identificação e até necessidade de negação tem me feito pensar bastante. Temos nos apresentado como espanhóis que falam “brasileiro”. E não é apenas uma maneira de falar ou simplificar, é como me sinto.
Nenhum orgulho envolvido, afinal não se tem orgulho de vergonhas, mas precisava colocar isso para fora. Pronto, falei! Vou resolver em algum momento.
E agora, o outro lado da moeda, algo que tem me feito sorrir em várias situações. Não havia notado como a cultura portuguesa estava presente na minha infância. E isso tem sido um resgate inesperado e uma viagem no tempo e nas minhas saudades.
Havia viajado como turista para outros lugares em Portugal e, como em qualquer país, há características gastronômicas diferentes entre as regiões. Especificamente, na região onde estou, os restaurantes são simples, pequenos, baratos e de comida bem caseira. Acontece que, quando digo que a comida é caseira, quero dizer que é como a minha casa na infância! A maneira de refogar o arroz… a salada de alface, tomate e cebola temperada com azeite, vinagre e sal… o jeito de fazer o bife à cavalo… o pão… parece bobagem, mas nunca havia percebido o quanto era portuguesa a comida da minha casa quando eu era criança! E exatamente dessa zona onde estamos!
Depois de mudar tanto de cidades e de países, o cardápio que cozinho em casa mudou muito também! Eu me adapto bastante aos ingredientes locais de onde estou, pois gosto de cozinhar e da comida fresca. E, de repente, me vi cozinhando igualzinho ao Brasil outra vez! Não o de agora, mas o do passado. O supermercado é parecido, o açougue é parecido, a padaria é parecida… E veja bem, não estou em uma região com muitos brasileiros, não é que eles se adaptaram, é ao contrário! E as referências são muitas!
Sinto uma pena nostálgica do meu pai e meu avô paterno não terem vivido o suficiente para me visitarem aqui. Eu tenho certeza absoluta que eles iriam simplesmente adorar! Vejo os dois em cada esquina… com os braços cruzados olhando as pessoas passarem enquanto beliscam algum aperitivo, provavelmente azeitonas… ou nas mesas jogando sueca e contando, não digo mentiras, mas certos exageros aos seus amigos… e certamente usando os bonés que eles gostavam…
Meu avô era filho de português com italiana, meu pai nasceu no Brasil, mas tinha um carinho enorme por Portugal. Nunca havia notado como meu avô parecia português, na aparência e nas atitudes; e levianamente, acreditava que a afinidade por Portugal do meu pai fosse apenas pela facilidade no idioma. Mas não era, essa terra é a cara dos dois!
Meu avô iria se mudar para Quinta, não tenho dúvidas! E os moradores locais o respeitariam bem mais do que a mim mesma! Meu pai iria arrumar confusão com minha mãe e só não mudaria para cá por causa dela, que vai achar a cidade mínima e parada. Mas daria milhões de palpites em como seria o jeito “certo” de administrar a propriedade, me ajudaria a fazer a horta e o pequeno restaurante que quero abrir um dia.
Os problemas vão aparecer, não me iludo que a vida aqui será fácil, mas a sensação agora é de que podemos tudo e que o acaso irá nos proteger. E assim, ando acompanhada dos meus fantasmas pela cidade pequena, como se eles pudessem viver um pouco dessa realidade através de mim. Por esse aconchego, essa sensação de casa e de pertencer, ainda que tão instantaneamente, sou muito grata.
Ai Bi… sei bem o que é isso. A minha avó (filha de portugueses) preparava essa salada de alface, tomate e cebola temperada com azeite, vinagre e sal.
Quando estive em Portugal sempre comia essa salada e era imediatamente transportada no tempo para a minha infância comendo a salada da minha avó. O sentimento que aflora é difícil de colocar em palavras. Em alemão tem uma palavra pra esse sentimento “Geborgenheit”. O significado no dicionário é “sensação de segurança e proteção”. Eu descrevo “Geborgenheit” como “colo de mãe”. Nos sentimos seguros, protegidos, aquecidos, relaxados, completamente felizes.
Em uma “side note” ou nota à parte, acho que uma das maiores riquezas de saber várias línguas é que existem palavras que você só encontra em uma língua e que expressam coisas e sentimentos como nenhuma outra. Um grande exemplo é a palavra “saudade” que expressa tantos sentimentos juntos. Para mim “Geborgenheit” e “saudade” são irmãs gêmeas que andam de mãos dadas e nos proporcionam sensações como essa que você descreveu 🥰
“Geborgenheit” total, Claudinha! ♥ Adorei! E, no meu caso, foi colo de pai! 🥰 Bora comer muita salada e prego no prato quando estiverem por aqui! Beijão e até breve!