Marrocos, uma viagem diferente

Há cinco anos atrás, quando chegamos na Espanha, algumas pessoas sugeriam a viagem ao Marrocos. Nunca tive vontade antes e acho que foi a decisão correta naquela época. Cada experiência tem seu tempo e seu porquê. Acho que isso deve ser diferente entre as pessoas, mas para mim, a escolha por Marrakech nunca foi turismo.

Acredito que seja a melhor dica que possa dar, não é um local para ir a passeio e sim para aprender e sentir.

Acho difícil escrever esse texto, porque minha lógica é por natureza ocidental e cartesiana. Sou feliz em poder fugir da linha reta, mas me custa um exercício. Um exemplo, as línguas orientais são escritas em outra ordem e com desenhos, isso quer dizer que uma pessoa ocidental lê com a parte esquerda do cérebro, uma oriental lê com a direita. Não é apenas uma questão cultural, a cabeça funciona de outra maneira. Pessoalmente, só vejo possível entender uma cultura diferente pensando diferente também.

Então, para os ocidentais mais ansiosos, adianto que tudo correu bem e que aproveitei o máximo possível. Para os que queiram viajar e compartilhar, um pouco de paciência, porque não posso escrever diretamente o que é tão subjetivo. Não há tradução. Da boca de um marroquino, não escutei nem sim nem não, tudo é relativo. Portanto, também é difícil dizer simplesmente gostei ou não gostei, porque depende.

Mas vamos por partes. Há alguns meses atrás, quando meu irmão decidiu vir para meu aniversário, começamos a escolher destinos de viagem, uma maneira de aproveitar melhor a travessia do oceano. Desde o princípio, sugeri uma ida ao Marrocos, achava que estava pronta para isso e que poderia ser uma experiência exótica também para ele. Luiz conseguiu tirar um par de dias de férias, juntamos com o feriado de 9 de novembro e deu certo. Saí de Madri com Luiz no dia 6 de novembro, às sete da matina; meu irmão saiu de Londres e deu a volta no mundo para chegar no mesmo dia pela meia noite.

Tanta coisa aconteceu perto da viagem, que acabei por me esquecer de levantar grandes expectativas. Só pensei no assunto quando sobrevoávamos a cidade para pousar, Luiz cochilando e eu olhando para baixo todas aquelas construções cor de barro, quadradas, como um enorme favelão. Putz! E se for uma roubada? Convenci Luiz a tirar férias… meu irmão vem do Brasil e fará umas três escalas para conseguir chegar hoje… e se for uma merda?

Quando saltamos do avião e vi aquele aeroporto pequeno, cor pêssego, com cara de antiguinho, meu primeiro pensamento foi: taquiupariu, meu irmão vai me matar! Com Luiz então, putz, preferia nem olhar! Procurava pensar que ele já sabia onde havíamos nos metido. Depois era meu aniversário, qualquer coisa poderia fazer chantagem sentimental, pronto.

Optamos por ficar em um Riad dentro da Medina. A Medina é como se fosse o coração da cidade, é a parte mais antiga, cercada por 14 km de muro grosso, com 19 portas. Riad é o nome dado a uma casa com pátio interno. Dentro da Medina, há uma série de Riads, que no passado foram palácios de pessoas importantes, e se transformaram em pequenos hotéis. Nós ficamos no Riad Khamssa, indicado por amigos.

Desde Madri, contratamos junto ao Riad alguém que fosse nos buscar no aeroporto, achamos mais prudente. Não é difícil pegar um taxi ali, mas eles não seguem taxímetro. Tudo, absolutamente tudo, que se paga em Marrakech é negociado e isso pode ser bastante irritante.

Não tivemos problemas, o cidadão nos esperava e falava algo de espanhol. Subimos em uma van em bom estado de conservação e lá fomos para o Riad. No caminho, uma zorra: bicicleta, burro, gente, motos, carros… A primeira vista, tudo parece feio, sujo e pobre. Não sabia muito bem o que pensar.

Quase chegando – ainda não sabíamos disso nesse momento – a van parou para subir um rapaz arrumado normal que conversava com um tipo que me parecia um mendigo. Achei que fosse carona. Minutos depois, o carro estacionou e entendi que ele era do Riad e que nos acompanharia o restante do trajeto a pé.

Vou ser muito sincera, esses 30 ou 40 metros a pé me fizeram pensar estar entrando em alguma favela bem pobre. Por ali havia um estacionamento de burros (sim, de burros!) e cheirava a bosta! E falando em burro, só pensava onde havia ido amarrar minha égua! Finalmente, entramos em um beco e enquanto tentava me lembrar se havia levado gilete para cortar os pulsos, abre-se uma porta para um lugar lindo. Juro, lindo! Um oásis.

Sentamos no pátio para tomar um chá, sem saber se já poderíamos subir para o quarto ou se deveríamos esperar, a comunicação não era difícil, mas às vezes parecia confusa. Justamente, porque sempre esperamos respostas diretas, coisa que nunca aconteceu. Conhecemos o gerente do Riad, um marroquino muito simpático, mescla de árabe com berbere, que no restante da viagem foi quem nos orientou.

A porta do quarto não tinha chave, afinal, um Riad é uma casa. No início, ficamos sem saber se poderíamos deixar dinheiro ou documentos assim dando sopa, perguntamos ao gerente e ele nos informou que não havia nenhum problema. Acreditei, relaxei e hoje posso dar meu depoimento que não me faltou um grampo. Nos hospedamos em um quarto chamado Marrakech, que é um charme.

Como havíamos saído muito cedo de Madri, resolvemos dar uma deitadinha para descansar, comer pelo Riad mesmo e sair no início da tarde para conhecer a cidade caminhando. Contratamos um guia que chegaria pelas 14:00hs.

Deitada em uma cama gigante, não sabia o que pensar. Era tudo ambíguo, por um lado, queria alguma desculpa para ficar toda a viagem fechada naquele quarto seguro, limpo e elegante. Por outro, sabia que era só um quarto, a vida estava do lado de fora e precisava passar por isso.

Não é a pobreza que me incomoda, é a desigualdade que me faz sofrer. O que vi não era tão diferente do Brasil, mas o fato de estar há algum tempo fora me coloca em uma redoma. É muito bom não precisar pensar diariamente que meu conforto não é uma regra geral. Lembrar dessa sensação de impotência, da consciência da miséria, da fome, da sede, me dói. Não é culpa, mas saber que estou constantemente do lado forte da corda, por puro acaso, é assustador. E se estivesse do outro lado?

Descemos para comer no próprio Riad. Antes de viajar, ouvimos mil recomendações, algumas um pouco exageradas, outras prudentes. É importante tomar água engarrafada, melhor que seja com gás, para não correr o risco de ser enganado. Não se deve comer coisas cruas, procurar restaurantes confiáveis e por aí vai. Dizem que na Índia, até para se escovar os dentes, melhor que seja água mineral. E não, não escovei os dentes com água mineral e não tive nenhum problema.

Muito bem, logo de cara nos serviram uma salada de tomates e pepino. Fiquei meio na dúvida, mas acho que às vezes é necessário se correr algum risco. Seria falta de educação não comê-la e quebramos a regra logo na primeira refeição. Nada de mal aconteceu. Aliás, a comida estava uma delícia! Além disso, comemos kafta com batatas fritas e uma abobrinha divina! Acho que nunca comi uma abobrinha tão gostosa! Mas pelo sim e pelo não, a partir de aí, só água com gás, ou refrigerante, e sem salada crua. Também não vamos abusar da sorte.

Fomos informados que nosso guia havia chegado. Pedimos para fazer uma caminhada pela cidade, até a praça Jemaa el Fna. Na minha cabeça, ele seria moreno, com alguma roupa típica e falaria mal algo de espanhol ou francês.

Minha primeira surpresa, a guia era uma mulher. Uma marroquina de pele clara, que falava um espanhol muito bom. Isso me deu confiança, se ela chegou sozinha caminhando por ali, não poderia ser um lugar perigoso.

Nos embrenhamos por becos e vielas, no meio de um monte de gente e animais juntos. Perguntei se era seguro caminharmos sozinhos pela rua e ela me disse que sim, não teríamos problemas. Só alertou que se estivéssemos a pé, melhor voltar antes das 22:00hs. Também nos aconselhou a andar mais à direita nas ruas, porque o que nos parecia uma calçada era uma rua normal, onde passava carros, motos, bicicletas, de tudo.

Algumas pessoas nos olhavam, mas sem assédio, não me incomodavam, eu também estava olhando. Procuro manter o respeito, não acho nenhuma graça na estética da pobreza. Fico muito ofendida, por exemplo, com as excursões que fazem nos morros cariocas. Não tenho nenhuma vergonha, o que está lá, está lá, mas acho uma falta de respeito subir o morro em carros de safari, como em um zoológico: olha como a gente pobrezinha vive! Procurava ter isso em mente ao passear pela cidade.

Uma das coisas que realmente me fazia mal era o tratamento com os animais de trabalho. Cada burrico que olhava, me dava vontade de chorar. Sofridos, subjugados, muito difícil.

Tudo me parecia muito duro, muito pouco. Pessoas feias, peles enrugadas, mãos inchadas, roupas sujas. E aquele som saindo das mesquitas chamando para a oração. Eu não rezo, mas entendi o gesto de se ajoelhar, ou da reverência das orações muçulmanas, porque só tinha vontade de me jogar no chão, baixar a cabeça de vergonha e pedir perdão pelos desperdícios.

O que não sei muito bem como explicar é que foi exatamente a partir daí que comecei a aproveitar a viagem. Talvez antes estivesse tentando entender com a razão, e só com a emoção me foi possível entrar em sintonia com o lugar.

Porque da mesma forma que tudo era tão difícil, eles estavam ali vivos, eram reais. As mãos sujas eram de quem tinha trabalho, as rugas eram de quem tinha idade para chegar até elas e quando a água é um bem tão precioso, por que se preocupar tanto que as roupas estejam assépticas?

A vida não é sempre justa, nunca foi, nunca será. Quando só existe uma opção, não há certo ou errado, há o que precisa ser feito. Na maioria dos olhares, não vi tristeza nem alegria. Tristeza é luxo de quem tem escolha.

Entramos em uma antiga Medersa, que eram colégios para meninos. Os que moravam na cidade, voltavam para suas casas; os que vinham de outras aldeias, dormiam no próprio local, como um colégio interno. O maluco é vir em uma rua com o aspecto tão pobre e antigo, e de repente, você passa por um portão e está em outro planeta!

fotomedersa1 

Essa é outra característica importante para entender a cidade, todas as construções são feitas para dentro e não para fora. As casas tem pouca ou nenhuma janela para o exterior. Era uma maneira de se preservar a intimidade dos moradores e, ao mesmo tempo, que as mulheres da casa não tivessem visão da rua e de quem passasse por ela. O mundo é para dentro da sua casa, para sua família. O capricho arquitetônico está sempre no interior, do lado de fora são quadradões sem graça.

Verticalmente, as construções me pareciam camadas arqueológicas. Na parte de baixo, materiais do século XII, subia um pouco o olhar, e apareciam tijolos com concreto, continuava mais um pouco e havia um mar de antenas parabólicas!

Continuamos nossa caminhada e fomos ao museu de Marrakesh. A mesma coisa, de fora, não se dava nada e por dentro maravilhoso. Ali nossa guia contou sobre como funcionava o hamman marroquino, diferente dos turcos, não há piscinas. Há também três salas intermediando temperaturas que vão do frio ao quente e o banho é feito com um balde e sabão esfoleante. Há um espaço para ablação, nesse caso, o ato do muçulmano se lavar antes das orações (a palavra tem outros significados).

Religiosamente, os marroquinos são considerados mais abertos. Essa é sempre uma questão muito relativa. Se encontra mulheres totalmente tapadas caminhando pela cidade, mas também é normal vê-las com véu sem cobrir o rosto ou totalmente sem véu, como nossa própria guia.

Há prostitutas, mas não pelas ruas, e não é difícil comprar álcool, o que leva um monte de saudidas até lá para exercerem sua hipocrisia. Casas alugadas em condomínios de luxo para festas e orgias não são algo incomum.

Em nenhum momento fui abordada com desrespeito. Estar acompanhada de um marido com cara de “brimo” ajuda muito. Também procurei ser discreta, não havia a menor necessidade de andar pela rua com roupas curtas ou decotadas, coisa que vi mais de uma vez.

Há mesquitas espalhadas por toda a cidade e de cima de suas torres saem auto falantes chamando a população islâmica para rezar. O muçulmano deve rezar ao menos cinco vezes ao dia. Então, às vezes você está andando e vê alguém com um balde lavando-se para rezar, ou levando seu tapete para algum canto virado para a Meca. Até na estrada vi um carro parado, com dois homens ao lado, em seus respectivos tapetes, rezando. Ou seja, deu a hora deles, pararam o carro ali mesmo e mandaram ver.

Não me pareceu fanatismo. Imagina em determinados horários toda uma cidade com a energia voltada para a mesma direção. É forte.

Mas o comércio não para. Ainda que se chame em horários específicos, as pessoas se revezam. É fundamental que sejam cinco vezes ao dia, mas não precisa ser na mesma hora.

Entre nós, com todo respeito, o duro é que a primeira oração é às cinco da matina! Ninguém merece! Luiz lembrava daquele humorista, Leandro Hassum, e queria subir no terraço e berrar: para com essa gritaria! Ele é Deus, todo poderoso, ele escuta se rezar baixo também!

Enfim, seguindo com nosso passeio, lógico que tivemos que encarar as lojas que os guias sempre colocam a gente, não tem jeito. É uma saia meio justa, mas já avisamos de cara que não estávamos para compras. Ela responde, sem problemas, é só para olhar… eles sempre respondem isso, mas é sempre intimidador.

Na primeira loja, de coisas de decoração, enfeites, espelhos etc, passamos ilesos. Até porque, nem que quisesse poderia comprar, tínhamos limite de peso na bagagem.

A segunda loja foi meu ponto fraco, porque era de ervas e temperos. Não sei que raios sabia o vendedor, mas simplesmente ele saiu explicando exatamente as ervas que me interessavam. Juro, não havia aberto minha boca! E sim, levei um monte de coisas. Entre elas, um óleo a base de laranjeira, que prometia acalmar se esfregada uma pequena quantidade próximo às têmporas. Saí da loja com ele e usei todos os dias.

Depois dessa loja, a guia queria nos levar em uma outra de tapetes de qualquer jeito. Mas, educadamente, recusei… umas cinco vezes!

Passamos pelos “souks”, que são os mercados de tudo que se possa imaginar. As ruas cheiram a temperos e comidas. Novamente não fomos assediados, não sei se pela presença da guia. Seguimos para a praça principal da cidade, Jemaa el Fna, que em árabe significa algo como gente queimando no inferno. Bom, a essa altura, estava bem à vontade no inferno, quase tudo me parecia normal.

Essa praça é um caos! Tem barraquinhas de comidas, hipnotizadores de serpentes, domadores de macacos, leitores de sorte, gente pintando o corpo de henna, carroças, músicas diferentes tocando ao mesmo tempo, pessoas com trajes de antigos vendedores de água posando para fotos (e cobrando, é lógico), turistas passeando, moradores de passagem, carregadores, gatos, bicicletas, motos… tudo isso junto!

E eu, absolutamente calma, não sei se pelo óleo de laranjeira. Por alguns momentos, chegou a passar na minha cabeça que seria capaz de morar ali.

Acho que voltaríamos caminhando, mas demos uma canseira tão grande na guia que ela resolveu pedir um taxi. Aliás, ela era bem simpática, mas já demonstrava um certo cansaço. Nós também.

A volta de carro foi uma aventura ainda maior que andar. É uma zorra tão grande que você acaba relaxando, eu pelo menos assumi que aquilo deveria ser normal, ninguém parecia se irritar e tudo fluía.

O último trecho que precisávamos caminhar nas ruelas, o mesmo que fizemos pela manhã quando chegamos, não me parecia mais assustador, só um pouco feio. Os cheiros já eram normais e memorizei o caminho, caso resolvêssemos fazê-lo sozinhos.

Jantamos no próprio Riad, nem foi por preocupação, era cansaço mesmo e o lugar era muito agradável. Tomamos um vinho marroquino, bem correto por sinal, e resolvemos dar uma cochilada até a hora do meu irmão chegar. O despertador tocou e não nos demos conta, acordamos com ele entrando no quarto e a gente sem saber que dia era!

Ele estava exausto e meio gripado, me deu os presentes que nos haviam enviado, pegou um trimedal que Luiz levou e conversamos um pouco. Queria checar que expectativas ele tinha sobre a cidade para não se decepcionar no dia seguinte. Na verdade, ele estava bem tranquilo em relação a isso, então acabei ficando mais tranquila também.

Logo fomos dormir, afinal esse foi apenas o primeiro dia e tínhamos ainda muita coisa para ver.

Continua…

Pai em casa, carteira na mão e a caminho de Marrocos!

Ontem à tarde meu pai recebeu alta do hospital, uma grande notícia! Em casa, tudo é mais fácil. A gente ainda não sabe exatamente quais os próximos passos, mas tem um monte de coisas na vida que a gente também não sabe, então vamos descobrindo a seu tempo.

 

Meu irmão vai aproveitando sua viagem. Encontrou uma amiga em Londres, assim que não ficou tão perdido. Seguirá amanhã direto para Marrakesh, onde nos encontraremos.

 

Hoje consegui finalmente fazer o canje da carteira de motorista e já estou habilitada a dirigir legalmente na Espanha! Esperei por isso cinco anos, não digo que ansiosamente, porque conduzir não me fazia falta, mas agora que deu certo, fiquei feliz. Bom, só falta aprender a dirigir o complicadíssimo super mega carro do Luiz, que tem tantos botões que precisarei de um curso de pós graduação para entender! De momento, sei ligar o rádio!

 

Daqui a pouco saio para o coral, preciso ensaiar voz e tamborim. Ainda estou meio perdida na batucada, era tão mais simples quando era criança e tocava de ouvido os instrumentos do meu pai. Agora o ouvido escuta direito, a cabeça sabe o ritmo e a mão não acompanha. Putz! Tudo bem, vou treinar.

 

Amanhã, praticamente de madrugada, sai nosso vôo com destino ao Marrocos. Estou morta de curiosidade para fazer essa viagem! Voltamos no dia 10 de novembro.

 

A festa do dia 13 está encaminhada, mas fico um pouco agoniada se está tudo certo… se vai faltar bebida… se tem comida suficiente… se os vizinhos vão reclamar… se faltou alguém… caraca! Não é que esteja nervosa, estou histérica como uma noiva!

 

Eu devo estar esquecendo alguma coisa…

 

 

“Canje” da carteira de motorista brasileira pela espanhola

A troca da carteira de motorista de um estrangeiro pela espanhola se diz “canje”. Há mais ou menos cinco anos, quando chegamos em Madri, só poderíamos ter a carteira, ou carnet de conducir, se fizéssemos as provas teórica e prática novamente. Luiz não podia esperar e foi obrigado a fazer auto escola e provas outra vez. Como não tinha pressa, muito menos saco, resolvi esperar o tal do canje.

Finalmente, esse ano foi tudo regulamentado e no fim de agosto começaram a marcar as datas para realizarmos o procedimento. Abaixo conto todo o processo que passei e já adianto que não sei nada além disso. Vivo legalmente em Madri e minha carteira de motorista brasileira estava regularizada e válida.

A primeira coisa a se fazer é marcar a “cita”, ou seja, a data para ir até a DGT (Dirección General de Tráfico) entregar seus documentos. O telefone é 902 300 175. Ter em mãos seu NIE/DNI e carteira de motorista brasileira, você informará esses números, além do nome da sua mãe (o que imagino que todos saibam de cor).

Está demorando em média dois meses para conseguir uma data, mas isso pode variar bastante. Com sua data marcada, convêm checar pelo website se sua solicitação foi aceita ou está pendente de alguma informação por esse link.

Os documentos necessários são:

–         NIE/DNI – original e cópia

–         Carteira de Motorista Brasileira – original e cópia

–         2 fotos tamanho carnet

–         Certificado médico e psicotécnico

O certificado médico é o mesmo que se tira ao frequentar uma auto escola. No meu caso, fiz na Plaza Manuel Becerra, 18; tel 91 402 0973. Custou 30 euros e foi bem rápido e simples. Basicamente é um exame de vista e meia dúzia de perguntas, se você toma alguma medicação, tem algum problema etc. É necessário levar uma foto igual as que você levará para o carnet de conducir. A validade é de três meses.

A sua carteira de motorista brasileira é entregue na DGT, você literalmente faz a troca. Não adianta se fazer de esperto e dizer no dia que a esqueceu, ninguém é bobo. 

Pois muito bem, com sua cita marcada e aceita e seus documentos em mãos, comparecer na DGT, que fica na Calle de Arturo Soria, 125. Você vai no primeiro andar, confirma sua cita, pega uma senha de atendimento e um formulário para pagar a taxa de 26 euros. Não é necessário ir a nenhum banco, há caixas nesse mesmo andar que recebem a taxa. Depois é só subir para o quarto andar, com sua senha, e aguardar ser chamado. Esperei umas 30 pessoas, não foi muito demorado, pode depender do horário.

No mesmo dia, recebi uma carteira de motorista provisória, válida por três meses. Ou seja, você já pode sair de lá dirigindo legalmente. Durante esse período, a carteira definitiva deverá chegar pelo correio.

Agora é só esperar.

E la nave va

Passada a ressaca das notícias e uma noite mais ou menos de sono, tudo bem. Nem saiu o resultado da biopsia ainda, vai que eram só três tumorezinhos merreca, né? Bom, o objetivo do dia é que meu pai saia do hospital, hoje já faz 11 dias que está por lá e, se conheço a peça, nesse momento estará infernizando todos os médicos e enfermeiras para darem logo a alta.

Enquanto isso, na sala de justiça… a vida foi seguindo. Meu irmão chegou bem em Londres e está adorando a cidade. Acabei não indo encontrá-lo, mas ele conhece gente por lá e está se virando.

No fim de semana, tivemos uma festa à fantasia, aproveitando o Halloween. Luiz estava especialmente assustador e ainda tivemos a cara de pau de encontrar uns amigos no Mercado de San Miguel antes da festa.

DSC03290 

No domingo, encontramos um casal de amigos de Brasília, ele estudou comigo no colégio. Ontem jantamos novamente e até que foi bom para dar uma espairecida. Fomos ao El Rincón de Jaén comer uma prancha de mariscos escandalosa. Regime para o saco, mas acho que a quantidade de ácidos que havia no meu estômago deve ter consumido tudo, e o que sobrou o álcool do vinho queimou.

Na semana passada, ganhei meu presente de aniversário, um conjunto de facas de chef enroladas no seu estojo de couro. Luiz costuma dizer que sou uma mulher meio esquisita, amo acessórios de cozinha e ferramentas. Piro com panelas e sou completamente tarada por facas! Vai entender. Mas adorei, e se conseguir ir para Paris fazer os tais cursos de culinária, já tenho meus instrumentos. Acredito nos poderes dos uniformes de super heróis, o hábito pode não fazer o monje, mas faz com que ele entre no clima. Chegar com minhas próprias armas enroladinhas em seu estojo negro, me deixa mais poderosa. Assim como caminhar com minhas botas de peregrina me elevam a postura dos ombros. Quantas vezes saio pela rua meio mais ou menos e logo me lembro, tudo bem, estou com minhas botas e juntas já atravessamos montanhas.

Amanhã entrego os documentos para validar a carteira de motorista. Dizem que está dando muitos problemas, não sei se é exagero, logo vou saber. Estou um pouco ansiosa para resolver isso, melhor ir de botas! Depois de cinco anos sem dirigir por essas bandas, parece algo tão distante da minha realidade que mal consigo lembrar do tempo em que um volante era a extensão dos meus braços, meus carros tinham nomes masculinos e o mundo era retangular. De qualquer maneira, sempre bom ter a possibilidade.

Consegui terminar de limpar os armários. Esse ano custou mais me desfazer das coisas, mas a renovação, de tudo, é necessária. O novo só chega quando percebe que há espaço, sejam roupas, oportunidades ou amigos. Anteontem entrou uma lua cheia imensa, perfeita para virar loba e só me faltam poucos dias. Exatamente no dia 9 ela começa a minguar e o ciclo se encerra. Daí é recomeçar.

Esse guarda-roupa fim dos 80 é de matar! Mas a raiva do Lobão não sai de moda.

Próximos capítulos

As notícias não são horríveis, mas não são tão boas. Mantive o humor por esses dias, mas verdade que meu estômago e a uma alergia doida para se estabelecer andam me avisando que não vou tão bem quanto pareço. Todo mundo tem seus problemas e não tenho porque amargar a vida alheia. Al mal tiempo, buena cara.

Meu pai acabou de fazer um misto de exame e cirurgia para ver como andava a bexiga. A parte boa é que onde o tumor foi retirado cicatrizou direitinho. A ruim é que surgiram mais três pólipos, que acabam de ser extraídos também. De certa maneira, era esperado – pela medicina, não por nós – e está sob controle. Há muitas maneiras de ver essa notícia e amanhã verei da melhor delas, mas agora estou muito puta. Queria um fim de novela, com todos felizes para sempre, mas ainda estamos nas cenas dos próximos capítulos, cheias de suspense e pontas sem resolver.

Outra vez, um leão por dia, uma coisa de cada vez. Por hoje, a cirurgia correu bem e a previsão de alta hospitalar é para amanhã.

Novembro: agenda cheia

O próximo mês chega com muitas novidades.

 

Gostaria que a primeira delas fosse a saída do hospital do meu pai e tudo se encaminha para isso. Tenho falado com eles todos os dias e a situação parece seguir seu curso positivo. Duas tias chegam no Rio no fim dessa semana, a irmã do meu pai e a prima da minha mãe. Elas não só fazem companhia, como ajudam a segurar a onda, então, fico feliz que estarão por lá. Quando três bruxas se juntam, cada uma evocando seus próprios fantasmas, ninguém segura.

 

Domingo, meu irmão embarca para essas bandas de cá do oceano. Chega na segunda-feira por Londres e talvez o encontre por lá, mas minha ida não está decidida ainda. Depende de algumas coisinhas que tenho que resolver por aqui.

 

No mesmo domingo, chega em Madri com sua esposa um amigo do colégio de Brasília. Queria tentar pelo menos jantar com eles, porque há o risco de embarcar logo no dia seguinte.

 

No dia 5 de novembro, fi-nal-men-te, farei a convalidação da minha carteira de motorista. Correndo tudo bem, no mesmo dia se recebe a carteira provisória e já passo a ter direito a conduzir na Espanha. Essas coisas só acredito vendo, mas a minha parte está feita.

 

Nesse mesmo dia 5, no Brasil, um amigo lançará seu livro, O Caminho e os descaminhos de Santiago de Compostela. A notícia me deixou feliz por vários motivos. O primeiro é um pouco óbvio, pelo título, se pode deduzir o tema do livro e o quanto me interessa. Depois porque caminhamos juntos um bom trecho, e para quem leu aqui pelo blog “Desvios do Caminho”, ele é um dos dois brasileiros que fizeram toda a rota e nos acompanharam nos últimos 200km. Seguimos amigos e tive o privilégio de ler o livro enquanto estava sendo escrito. Recomendo, do que existe publicado (e olha que pesquisei!) acredito estar entre os melhores. E agora, um pouco de gaiatice da minha parte, porque como se trata de uma história real, sou uma das personagens e estou achando o máximo! Para quem tem a sorte de estar pelo Brasil e se interessar pelo livro, segue a divulgação.

conviteLuizPaulo 

Continuando com a atribulada agenda, no dia 6, Luiz e eu embarcaremos para o Marrocos. Meu irmão seguirá direto para lá desde Londres com destino a Marrakesh. No dia 9, meu aniversário, comemoraremos por ali mesmo. Ficaremos juntos até o dia 10, quando voltamos para Madri e meu irmão segue para Barcelona até dia 12, depois ele também vem para cá e fica até o fim de semana.

 

Sexta-feira 13, a esperadíssima festa dos 40 anos! Consegui improvisar minha fantasia de loba. Não está perfeita, mas é divertida, assim como a vida. A bebida está praticamente toda comprada, só vou servir champagne e cerveja. Por mim, nem serviria cerveja, mas é bom dar uma opção. O bolo, uma amiga vai fazer e ela é uma craque, com certeza ficará lindo! Eu morro de vergonha de cantar parabéns, mas esse ano já entubei. Quanto às comidinhas, vou facilitar meu lado e voltar à velha fórmula dos queijinhos, pastinhas e canapés. Não quero saber de pratos, nem de nada para esquentar. A música está em negociação, mas acho que será ao vivo. Enfim, está encaminhado.

 

E está pensando que acabou? Na-na-ni-na-não!

 

Dia 21, tem show da Vanessa Borhagian, sobre seu CD Telaraña e o pessoal do coral participa. Isso quer dizer que faremos parte da apresentação no Teatro Lara. Durante o mês, ensaiaremos músicas, coreografias, batucadas e otras cosillas más. Quando estiver um pouco mais perto, farei a propaganda por aqui com maiores detalhes.

 

Tá bom ou quer mais?

 

 

A parte boa do fim de semana

Tirando o susto tradicional de domingo, o fim de semana foi ótimo!

 

Na sexta-feira, fomos jantar com o casal de amigos espanhóis que conheci em Paris. Ele trabalha com Luiz. Ficou muito claro nosso interesse em comum pela boa comida e vinhos de personalidade, portanto, iniciamos um tour gastronômico, onde cada um quer encontrar um restaurante melhor que o outro. Desagradável, né? Mas alguém tem que fazer o sacrifício…

 

Dessa vez, a escolha foi deles, e começaram logo com o padrão por cima! Así me gusta! Fomos ao Urkiola Mendi , cozinha de influência Vasca, em Arturo Soria. O lugar já entrou para minha lista de favoritos. É o básico, fresco e bem feito. Entre otras cosillas más, excelentes croquetas de chorizo, cocotxas no ponto perfeito e um chuletón espetacular!

 

Tomamos dois vinhos muito interessantes, ambos de Mallorca. O primeiro, se chama 4 kilos, estou desenvolvendo um carinho especial para vinhos com títulos esdrúxulos! Como curiosidade, o nome “4 kilos” veio de “4 milliones de pesetas”, o modesto investimento inicial da bodega. Para quem não sabe, o espanhol usa essa expressão “kg” para dinheiro. O segundo vinho, foi o Ànima Negra ou Àn Negra. Não disse que agora meu negócio é nome esquisito? Outra curiosidade, a palavra Ànima, significa alma. O primeiro vinho nos mostrou que de maneira despretenciosa, mas com coragem e esforço, podemos alcançar resultados surpreendentes. O segundo, elevou nosso espírito. Adicione-se a companhia super agradável, conversa boa e comida excelente. Um single malt para finalizar e poderia voltar para casa engatinhando!

 

Cogitei um charuto, mas era só o começo do fim de semana e pensei que não queria uma crise alérgica logo agora. Alguns prazeres me custam muito caro no dia seguinte, estou tentando amadurecer. Além do Luiz dizendo assertivo na minha orelha: me-lhor-não! Não sei se ele dizia isso por mim, ou por ele, no caso de também não se conter.

 

No sábado, por volta do meio dia o telefone tocou. Outro casal de amigos nos chamando para ir ao centro da cidade. Eles queriam nos apresentar um brasileiro que está aqui há três meses. Abri metade de um olho, uma preguiça danada, e a primeira coisa que fiz foi olhar pela janela. Esperava aquele tempinho para lá de sem graça. Acontece que o dia estava lindo! Ok, então vamos para La Latina.

 

Primeira parada, Taberna Txakolí, na Cava Baja. Esse local é especializado em pinchos vascos, e para quem não quer sentar e fazer uma refeição, é uma ótima pedida. O único problema é que muita gente sabe disso e vive entupido! Nesse dia estava agradavelmente sem fumaça de cigarro, coisa rara. Ainda era cedo para beber alguma coisa, praticamente meu café da manhã, então fomos com calma.

 

De lá, resolvemos dar uma esticada até o Mercado de San Miguel que está um show! Com um pouco de determinação territorial, conseguimos ocupar uma das poucas mesas. Até que Luiz teve a feliz idéia de ir buscar uma garrafa de cava, ou melhor, a primeira garrafa de cava. Cada hora um se levantava e ia buscar algum petisco, frutos secos, queijinhos, jamón, salpicão de mariscos, camarão no azeite… o cava acabava… mais uma garrafa… E assim, permanecemos até umas nove da noite.

 

No domingo, o tempo parecia bom também e aproveitamos para terminar com a carne de churrasco que restava no congelador. Estou naquela fase de desocupar espaço da geladeira. Mas daí só bebi água, nem coca-cola me animei, afinal de contas, como se pode notar, estamos de regime! Putz! Não sei quem é mais cara-de-pau!

 

Tudo ótimo até chegar a noite, quando descobri que meu pai estava internado. Por mais otimista que esteja, sempre preocupa um pouco. Melhorou quando descobri que minha tia está indo para o Rio nessa quinta, porque como meu irmão está vindo para cá, minha mãe não fica tão sozinha. Assim, todos ficamos mais tranquilos. Há uma boa probabilidade do meu pai sair do hospital antes do meu irmão vir, o que seria o melhor. Vamos aguardar.

 

Hoje o dia amanheceu mais bonito ainda, daqueles de sair de camiseta! Definitivamente, o outono está nos dando uma trégua.

 

Voltei a usar o Wii Fit. Quer dizer, ainda não consegui estabelecer uma rotina, mas foi um começo. Realmente, deve funcionar, porque passei uns dois dias com a musculatura toda dolorida. Minha resistência para caminhada também caiu. Essa questão do condicionamento físico é muito ingrata! Você leva um ano para ficar bem e com um mês de nada que pare de se exercitar, pronto, já nota diferença.

 

Aliás, bem lembrado, deixa eu dar uma malhadinha que uma dose de endorfina só me fará bem!

Trauma de domingo à noite

Eu sofro do trauma de domingo à noite. Desde criança, quando escutava a musiquinha dos Trapalhões, já sentia a proximidade da segunda-feira. Na hora do Fantástico então, pronto, havia acabado o fim de semana.

 

O tempo foi passando e casei. Meu primeiro ano de casada foi na Ponte Aérea Rio – São Paulo, está contado por aqui em alguma crônica do passado. Ficava a semana trabalhando em São Paulo e nos fins de semana ia para o Rio encontrar o Luiz, que ainda morava por lá. Portanto, no finalzinho de cada domingo, me aguardava mais uma semana sozinha. Fazia falta uma diciplina espartana para me despertar feliz pela manhã e não desperdiçar o tempo me lamentando que estava quase na hora de ir. Mas a gente aprende. Começava a segunda-feira, quando inevitavelmente acordava me dizendo que daquela semana não passava, pela hora do almoço eu pediria demissão. Chegava a hora do almoço e não me sentia tão sozinha, nem tão infeliz. Podia aguentar até sexta-feira. E assim se passou quase um ano, de semana em semana. Foi difícil, duro, mas sendo muito honesta, eu não era infeliz. Havia escolhido esse caminho. Quase nunca temos controle do nosso futuro, mas ajuda muito decidirmos logo no início que vai dar certo.

 

Olhar para frente e decidir que vou chegar bem, me ajudou a passar aquelas semanas, me ajudou a atravessar os Pirineus e me ajudará sempre que eu precisar.

 

E por que estou contando isso? Porque a saga do domingo me persegue! Por causa do tratamento que meu pai está fazendo, vira e mexe ele tem alguma infecção mais barra pesada e tem que ser internado para tomar antibiótico na veia, literalmente! As canalhas das bactérias poderosas praticamente precisam tomar remédio na boquinha! Nas últimas três ou quatro vezes que foi internado, porque já comecei a perder a conta, o barata voa mesmo acontece no domingo. De modo que quando o fim de semana começa muito quieto, me dá até medo de checar os e-mails. Sério, quando o MSN toca no domingo, já me arrepia!

 

Dessa vez, foi no sábado, mas só soube ontem à noite, ou seja, para mim, continuam os traumas de domingo! Na verdade, ele vinha com febre durante a semana, mas enrolou até o último segundo para ir ao hospital, ele já entendeu que quando é assim vão interná-lo e resiste (e enlouquece quem está em volta também!). Foi meio que à força para o hospital no sábado e ficou por lá, é claro. Provavelmente, se dependesse dele, enrolaria mais um pouco e domingo seria aquela merda generalizada, né? Mas enfim, menos mal.

 

Sim, já estava esperando por isso, não foi uma surpresa, mas você fica até o último minuto pensando que podia estar enganada. O padrão é cerca de uma semana de internação, às vezes menos, quando ele pentelha muito os médicos. De qualquer maneira, resolvi decidir que vai acabar bem.

 

Meu irmão está com passagem comprada para vir nesse fim de semana. Nós estamos com viagem marcada para o Marrocos. E na sequência tem a festa de aniversário totalmente encaminhada. A gente esperou até o último minuto para marcar as coisas, mas em algum momento, precisávamos contar que ele estaria bem. Não podemos passar os meses adiando tudo na hipótese do meu pai piorar. A vida precisa seguir seu curso e eu preciso acreditar que vai dar tudo certo, ou certo na medida do possível.

 

Não é muito difícil saber o que quero de aniversário.

Xô, deprê de inverno! Tô muito ocupada para você!

Ainda é outono, mas o frio chegou. Em uma semana a temperatura mudou drasticamente. Nem vou reclamar, porque esse ano até que o verão se esticou o que pôde. Mas acho curioso pensar que na semana passada estava de camisetinha sem manga pela rua e agora a calefação de casa está ligada.

 

A depressão de inverno é uma velha conhecida dos que moram por essa latitude, já falei disso algumas vezes. Ela começa a dar sinais de vida exatamente nesta época. Sabe-se lá porque, parece afetar mais às mulheres, mas ninguém está livre. Diferente do que pensava no início, o problema real não é tanto o frio, mas a luz. Para as friorentas, e por isso imagino que aconteça mais com as mulheres, o frio não ajuda em nada, mas o ponto crítico é a diminuição da intensidade e do tempo de luz durante o dia.

 

Sim, a Espanha tem uma grande sorte por ser bem iluminada. Mesmo no inverno, há dias lindos de sol. Entretanto, saímos de um verão que escurece quase às onze da noite, para um outono que não clareia antes das 8:00hs e anoitece por volta das 18:00hs. Um pouco antes, um pouco depois, dá no mesmo, na prática, perdemos pelo menos umas 5 ou 6 horas de luz.

 

Parece bobagem, né? Mas não é. Sol tem vitamina D, alimenta, nutre. A luz interfere na sua produção de melatonina, aquele hormônio que te cutuca para acordar ou dormir. Se você não tiver a consciência que o funcionamento do seu corpo muda nesse período, pode ter problemas de humor, simples ou dramáticos.

 

Não se desespere! Vitaminas C e D! Comidas picantes! Exercício físico! Endorfina na veia! Caminhar na rua, casaco está aí para isso, ou melhor ainda, sair para dançar. Cobertor de orelha e convivência com gente positiva. Não tem depressão de inverno que sobreviva! E se vier, relaxa, vai passar.

 

No ano passado, nessa mesma época tinha tanta coisa difícil acontecendo que nem consigo me lembrar se senti frio, depressão ou sei lá o que. Muxei e sequei igual as plantas no outono. Então, esse ano já decidi que não terei tempo para baixo astral, só se não tiver jeito mesmo. As folhas secas fazem parte do ciclo, uma hora a gente entende que no outono as plantas não morrem, só se preparam para renovar.

 

Para ser bem honesta, só me toquei sobre a deprê porque no passeio de costume pelos blogs das amigas, os sinais começaram a aparecer. Foi quando me lembrei, ah é, tem a deprê do inverno! Sentindo ou não os sinais, não custa me cuidar, já diz o ditado que é melhor prevenir.

 

Esperto é meu gato e sua eterna busca pelas frestas de sol.

gato1

gato2

Meu novo vício

Pois é, quando era criança, não brincava com bonecas ou de casinha. Com bonecas, porque era chato mesmo, mas de casinha, nunca tinha companhia. Meus vizinhos, por coincidência, eram sempre meninos. Não tenho queixas, gostava das brincadeiras de rua também.

 

Mas estou chegando a conclusão que devo ter trazido essa fase mal resolvida e o porquê beira as raias do ridículo. Estou completamente viciada em um joguinho do facebook, o FarmVille. Para quem não conhece, é algo tão simples como plantar, colher e reinvestir na própria fazenda. E é nesse investir que mora o gancho do jogo, porque quanto mais estrategicamente você atua, mais rico você fica e mais rápido. Daí tem o seguinte, você pode só plantar e ganhar dinheiro, mas sua fazenda fica meio feinha e sem graça. Então, te dão opções de comprar casas, decorações, animais… ou seja, é quase brincar de casinha. Você descobre também que essas coisas te dão experiências, e a experiência conta ponto no jogo. Além do mais, é importante que você tenha vizinhos, porque ao visitá-los e ajudá-los te dá dinheiro e, outra vez, experiência. Você pode enviar presentes a eles e vice-versa, e dessa maneira, seu objetivo não é vencer seu vizinho, quanto mais nos ajudamos, mais crescemos mutualmente. Aos mais competitivos, nenhum problema, você pode ser melhor que os outros, mas isso não prejudica ninguém. Achei o jogo uma grande sacada e fora os elementos que já descrevi, adoro a idéia de ter terras, casas e animais, mesmo que seja de maneira virtual. De quebra, ainda me divirto e interajo com os amigos-vizinhos. Até gente nova (de verdade) cheguei a conhecer!

 

Isso tem me feito pensar. O que me fez gostar tanto do jogo? Sempre há um conjunto de coisas, mas estou convencida que há dois motivos principais.

 

O primeiro, porque me possibilita construir minha casa. Não sou de todo maluca, sei que não é real, mas o mundo virtual hoje faz parte da minha vida, portanto, me realiza uma parte do sonho, me dá ao menos o gostinho.

 

O segundo é que trabalho. Não há como negar, tenho a cabeça para estratégia, até quando brinco. Estou fora de consultoria há quase dez anos e não há uma vez que não termine uma refeição em algum restaurante, sem antes calcular se é ou não um bom negócio. É complicado quando alguma amiga chega empolgadíssima me contando uma grande idéia de um negócio infalível, e levo 37 segundos para ter certeza absoluta que não se paga. Até para ser artista plástica tive a pachorra de fazer um business case! Claro que deu errado, mas porque nesse caso me faltava um detalhe importantíssimo, a experiência, o conhecimento.

 

E aí a coisa se complica um pouco mais, como medimos essa experiência, esse conhecimento? Não estamos em um joguinho onde a cada etapa cumprida, te aparece um número determinado. Não é objetivo. Mas todos concordamos que está lá, é real, tem um nome e um conceito: experiência.

 

Algumas coisas que aprendo, sei exatamente de onde vem, outras são absolutamente subjetivas, a única dica que tenho é que vieram de uma experiência. Até que ponto isso é gravado na nossa memória, ou vai mais longe, ficou cravado no DNA?

 

Tenho uma angústia atual que é perceber uma onda de oportunidades e não ter uma ferramenta de atuação, por exemplo em mídias sociais. Um monte de gente percebe isso, nenhuma novidade, mas tenho a sensação de ter um diferencial, simplesmente por uma questão de experiência. Acontece que não sei como medí-lo, muito menos como vendê-lo. Estou chegando a conclusão que é por usar um sistema antigo de mensuração, que não mais se aplica aos novos modelos econômicos e sociais.

 

Bom, digo isso porque realmente acho que o mundo mudou. Não estou falando de uma coisa pequena como a crise, mas da mudança na economia global. Apesar disso, continuamos atuando e nos medindo como no modelo antigo. Há uma transição, ok, sorte de quem perceber e se adaptar primeiro. E não acho que estejamos falando apenas de negócios, não vejo mais como separar as vidas em pessoal e trabalho, acredito que hoje seja tudo junto. No momento que transitamos para uma economia do conhecimento, já não há mais barreiras concretas entre sua vida pessoal e profissional. Você é o que experimentou, o que conhece, vai muito além dos cargos que ocupou.

 

Para quem se interessa pelo tema, repasso um blog de negócios que leio e me deixou encafifada por esses dias. No blog da Table Partners, há três posts em sequência sobre o livro “Innovation Happens Elsewhere”, de Ron Goldman e Richard P. Gabriel. Trata das mudanças que estão ocorrendo na economia global, por estarmos transitando de uma economia industrial para uma economia do conhecimento.

 

Enfim, não sei se disfrutarei dessa nova sociedade, ou se apenas triscarei na sua periferia, mas gosto da idéia de poder testemunhar de maneira consciente algo de novo.

 

Enquanto isso, deixa eu ir lá no FarmVille, que está na hora da minha colheita! No máximo amanhã, terei experiência e “dinheiros” para a próxima aquisição: a casa principal da fazenda! Yes!

Por esses dias

A vida anda agitada, para o bem. Quanto ao temido inferno astral, ou veio antecipado, ou os astros quebraram meu galho. Tenho até medo de dizer, mas a verdade é que me sinto ótima! Esperava a bomba nuclear e veio ataque de Polianna, vai entender.

 

Os problemas continuaram aparecendo e continuaram sendo resolvidos, porque é assim mesmo. Meu pai continua em tratamento e, de vez em quando, a gente leva um susto. Bate a ansiedade e tal, mas me ocorreu que é muito melhor ter essa preocupação, isso é sinal que ele ainda está lá e que tem guerra. Por isso, agradeço.

 

Meu irmão vem para o meu aniversário, chega no começo de novembro. Vamos juntos para Marrocos. É possível que também Londres e/ou Barcelona, mas isso só vou saber na hora.

 

Os preparativos para a festa também começaram. O dia real é 9 de novembro, quando estarei com Luiz e meu irmão em Marrocos. Ou seja, passarei os esperadíssimos 40 literalmente para lá de Marrakesh!

 

Com os amigos, celebrarei na sexta-feira 13, assim mostramos logo para as bruxas que não temos medo delas! Aproveitando o dia, o tema é magia e será uma festa à fantasia. Cada um que se transforme no que quiser. Eu quero ser uma loba! Afinal de contas, estou na idade dela, quero virar a Loba Má! Vamos ver se dou conta de produzir o disfarce.

 

Até a temperatura colabora, em pleno outubro, os dias de sol estão lindos, ontem saí de camisetinha sem manga e não passei um pingo de frio.

 

E por que saí de camisetinha sem manga? Eis a questão! Parte pelo tempo e parte por um plano malévolo.

 

Pois é, havia me proposto a fazer uma tattoo comemorativa, mas não tinha muita certeza do que, queria que significasse algo, como de costume. Liga uma amiga dizendo que ia fazer a sua, me ofereci para acompanhar e conhecer o estúdio, ver orçamento, essas coisas. Ela topou e fui junto.

 

Bom, já tinha uma rosa nas costas, mas andava bem enjoada dela, além de ter mais de 10 anos e precisar de uma retocada. Estava na dúvida se tatuava uma asa de anjo ou um símbolo de proteção. Falei isso com a amiga e com o tatuador.

 

Enquanto esperava pela tatuagem dela, uma borboleta estilosa, fui amadurecendo a idéia. Conversa vai, conversa vem, desenho nas costas das possibilidades, sugestão daqui e dali… e tcham, tcham, tcham, tcham… a idéia definitiva! Cobrir a rosa com uma asa, e adicionar o ideograma japonês de proteção ao lado. Perfeito! Não tive mais dúvidas e ontem mesmo cheguei em casa com um novo desenho no corpo.

 

Pois preparada e protegida para os próximos passos! Não tenho colírio, mas uso óculos escuros!

4 noites, 5 dias e muitos planos

No início da noite de quarta-feira, aterrizamos em Paris. Na última hora, Luiz resolveu alugar um carro e já fomos com ele do aeroporto.

 

Nem preciso dizer que sou louca-tarada-de-pedra por Paris! Assim que nem o tráfico infernal da sem gracérrima e interminável périphérique atrapalhou meu humor. Porque, por outro lado, também se via a torre Eiffel iluminada, piscando como o globo de uma boite.

 

Mal pousamos as malas no quarto e partimos para o jantar. No caminho, conheci um casal de amigos e sua filhinha, espanhóis, ele trabalha com Luiz e foram fazer o mesmo treinamento. Durante o dia, cada um seguia seus próprios interesses, mas jantamos juntos na quinta e no sábado, além de nos esbarrarmos toda hora pelas redondezas. Sabe como é, cidade pequena… Enfim, compartilhamos sem nenhuma culpa o pecado da gula e certa perversão para vinhos, bom começo de amizade. Nesse dia, ainda nos encontramos por acaso após o jantar e subimos para o bar panorâmico do hotel para tomar um último drink. Diga-se de passagem, o drink mais caro de Paris! Mas valeu pela companhia e pela vista.

 

Muito bem, voltando um pouco o filme, faz algum tempo que ando de olho em cursos de gastronomia pela internet, alguns eram em Paris. Quando Luiz disse que precisava ir a trabalho, me empolguei toda e achei que poderia aproveitar a viagem além do simples passeio. Nosso amigo francês me ajudou e emprestou um livro com uma lista de locais que poderiam interessar, se chama “Cuisiner comme un chef à Paris”.

 

Armada com esse livro, um guia de ruas, um mapa da cidade e minhas botas companheiras de guerra, tracei meus planos para quinta-feira.

 

A primeira escola que me interessou se chamava “Diet Cafe”. Estava hospedada próximo ao Arco do Triunfo, a escola era perto da Place des Voges, calculei por alto uns 9km do hotel e segui a pé.

 

Sim, podia ir de metrô, era mais fácil e rápido, mas quem queria brincar de tatu?

 

Pois é, achei o endereço direitinho, entretanto, estava tudo fechado. Putz! Não acredito! Será que era o horário? Resolvi almoçar por lá mesmo em um bar à vins charmosinho que notei na esquina. Ainda passei novamente na escola depois do almoço, por via das dúvidas, mas nada. Paciência.

 

Estava relativamente perto do Pompidou, meu museu favorito, e não tive dúvidas de qual seria meu plano B. Havia uma exposição só de mulheres, Elles. Olha, vou dizer uma coisa, eu detesto temática sexista! Aqui na Espanha, vira e mexe, fazem seleções só para “mulheres artistas” e acho um horror! Não sou mulher artista, sou artista. Acho que precisamos ser coerentes. Acontece que essa exposição especificamente estava muito boa. Digo na minha opinião, é claro. Achei que não fizeram muitas concessões e não era uma exposição necessariamente feminista. Reuniram tremendas artistas, com trabalhos muito interessantes, alguns perturbadores. Saí de lá com uma vontade danada de trabalhar! É verdade que na saída também passei por uma peça do Duchamps e cheguei a conclusão que enjoei dele, para mim o rei está nu e o costureiro pilantra deu sorte.

 

Segui caminhando para o hotel e acredito que nesse dia devo ter andado uns 20km. Caraca, me senti novamente no Caminho de Santiago! Encontrei com Luiz, demos aquele descanso de bife mal passado, volta e volta, e fomos encontrar com o casal de amigos espanhóis da filhinha e outro português.

 

Jantar bastante agradável, sempre como muito bem na cidade. O garçon se enrolou um pouco com os pedidos. Certamente a confusão que o grupo fazia com os idiomas não ajudou muito, mas por incrível que pareça, não tivemos problema com a conta. O restaurante, Le Sud, era bem próximo ao hotel e de comida provençal, comi um cordeiro bárbaro! E vinho, é claro!

Tudo que se pode fazer caminhando ou de metrô é melhor, porque taxista parisiense é um nojo! Taxista romano te rouba, mas pelo menos são simpáticos! Taxista parisiense é caro, ruim, mal educado e difícil de encontrar. Quando você encontra um normalzinho, é pura sorte! Melhor se forem africanos ou orientais, até os portugueses ficam insuportáveis quando ganham uma licença de taxi em Paris. Em Madri, praticamente não temos problemas com taxista, mesmo os do aeroporto costumam ser honestos.

 

Muito bem, na sexta-feira acordei cedo e com os joelhos podres da caminhada do dia anterior. Ignorei. Encontrei o endereço de outra escola de culinária, Lenôtre, que ficava relativamente próximo ao hotel. E lá fui eu tentar o que parecia impossível, um curso para o mesmo dia, sem nenhuma reserva.

 

No caminho, entrei em uma farmácia e comprei uma pomada anti inflamatória para os joelhos. Ali mesmo pedi licença, tirei a cara-de-pau da bolsa, levantei a barra da calça e me emplastei da medicação. O recomendável seria voltar para o hotel e fazer um pouco de repouso, mas veja bem, como ando sempre muito rápido, interpretei que se caminhasse um pouco mais devagar, seria praticamente igual a um repouso, certo? Assim foi. Que mané voltar para o hotel!

 

O Lenôtre foi aberto em 1995, por um chef em pâtisserie de igual nome. Ele faleceu há pouco tempo, mas o restaurante e escola se mantiveram com outros chefs. O lugar tem um certo reconhecimento e algumas filiais espalhadas pela cidade. O endereço que tinha era na avenue Victor-Hugo, ali chequei e perguntei sobre o curso.

 

O gerente, muito educado, me respondeu que a escola funcionava em outro endereço e que era necessário fazer reserva pelo telefone. Agradeci, peguei o endereço da escola e me despedi pensando, qual o problema de não ter reserva, também não falo francês!

 

Não é que não fale nada de francês, falo macarronicamente, me viro. Estudei um pouco no passado e como boa brasileira, acredito que nasci poliglota. Brasileiro é assim, pelo menos meus conterrâneos cariocas, acreditamos que ao mudar o final das palavras e adicionar alguma entonação, podemos falar qualquer idioma. O importante é a atitude! Depois, já tinha chegado até ali e todo mundo havia me entendido, inclusive, como uma típica francesa, dei informação de endereço no caminho. Felizmente, me perguntaram um lugar que conhecia. Resolvi pensar que era um bom presságio.

 

Despenquei para o comecinho da Champs-Élysées, onde funciona o restaurante principal, um pavilhão envidraçado na altura do Petit Palais. Perguntei sobre o curso e uma mocinha engatou a primeira e saiu conversando, em francês obviamente. Entendi metade, mas ao mesmo tempo também me deu uma apostila com todo o calendário e os preços dos cursos. E claro, o telefone para a reserva. Minha deixa para perguntar, mas não seria possível hoje? Um sinal de interrogação na sua face, hoje? Bom, posso perguntar se há vaga. Pois, por favor.

 

Tinha vaga! Yes! Ela me diz, o curso de hoje é sobre Hns%&hs de Brrrrick *&higross lêlê-lêlê… Respondo com ar de quem entendeu tudo, perfeito, exatamente o que queria! Começa às 14:00hs – era um pouco cedo – gostaria de aproveitar e almoçar enquanto isso? Boa idéia!

 

Sentei no restaurante feliz da vida porque havia conseguido me matricular para a aula e, ao mesmo tempo, doida para rir sozinha por acabar de me inscrever em um curso que não tinha certeza sobre o que se tratava, em um idioma que não falava! Mas tudo bem, realmente agradeço pelo dia em que percebi não ter mais um pingo de medo em fazer o ridículo! Bom, estava quase segura que tinha escutado a palavra “brick”, aquela massa para folhados ou trouxinhas, e isso me interessava bastante. Quer saber, quem está na chuvê é para se molhê!

 

Já sei, aproveito para ler o programa dos cursos, até achar o que farei hoje. Enquanto isso, peço uma taça de champagne, que aumenta minha capacidade linguística, ou pelo menos, me faz acreditar que isso aconteceu. Achei o curso na apostila e sim, eram pratos feitos com pasta brick. Dois salgados, Croustillant de langoustines aux champignons e Croquant de crevettes et ris de veau; e a sobremesa, Aumônière de pommes et raisins sauce carramel au beurre demi-sel.  (Tradução aproximada: Crosta de lagostin com cogumelos; crocante de camarões e ris – uma glândula, cujo sabor é melhor que a descrição – de vitela; trouxinha de maçãs e passas ao caramelo)

 

Começou a aula. O chef era bem simpático e didático. No início já me apresentei explicando que não falava muito bem francês. Ele se desculpou por não falar inglês, eu disse que não tinha problema, era brasileira e entendia melhor que falava. Todos sorriram e respiraram aliviados porque não era americana nem inglesa. Éramos um grupo de cinco pessoas, o chef, três mulheres e um homem. Eu era a caçula.

 

A partir daí, tudo fluiu mais fácil. É verdade que eu parecia a coruja da piada, não falava, mas prestava uma atenção… Enfim, foi ótimo, deu tudo certo e aprendi coisas interessantes. A aula acabou às 18:00hs e, ao final, levamos os pratos que elaboramos para casa. Para mim, era um problema, porque estava em hotel, onde obviamente não tinha um forno! Mas tudo bem, porque nesse dia combinamos de jantar na casa de um amigo e resolvi levar os pratos para ele.

 

Voltei subindo a Champs-elysées amarradona! Nem meu joelho estava incomodando mais, ainda que de vez em quando ele me lembrava para andar mais devagar. Cheguei a conclusão que estava falando francês bem pacas! Fui trazida à realidade logo à frente, quando mais alguém falou comigo na rua, poderia ser um endereço, uma cantada ou uma ofensa. Bom, poderiam ser as três coisas juntas também, não tenho a menor idéia do que o cidadão falou. Pensando bem, está na hora de aprender francês!

 

Cheguei no hotel, encontrei Luiz e lá fomos nós jantar na casa do nosso amigo. Ele nos prometeu um foie gras há bem uns dois anos! Mas sempre acontecia alguma coisa e nos desencontrávamos. Dessa vez, finalmente, tudo deu certo! E como deu certo!

 

É verdade que foi um pouco constrangedor chegar para o jantar com uma bolsa cheia de comida, mas expliquei rapidamente que foi em função do curso que havia feito aquele dia e que ele podia comer (ou não) quando quisesse.

 

Agora, preciso admitir que valeu a espera, porque se não foi o melhor, foi um dos melhores foie gras que já comi na vida! Algumas dicas simples e importantes, primeiro, cortar o foie com uma faca aquecida, isso evita que ele se quebre ou cole na faca, já que tem uma consistência pastosa e, vamos combinar, é gordura pura. Segundo, nem uma gota de manteiga ou óleo na frigideira, não precisa nada. Terceiro, temperar simplesmente com sal, pimenta e enfarinhar ligeiramente – mas muito ligeiramente – para dar certa crocância. Depois é só aguardar que a frigideira esteja bem quente, 5 segundos de cada lado, e voilà!

 

Aguardamos a entrada com champagne. Logo, o foie foi servido com abacate, figos caramelizados, agrião (sem nenhum tempero ácido) e cebola roxa com redução de porto. Acompanhado por uma taça de porto também. Show! Seguimos com um peixe assado e um bourgogne branco cheio de personalidade (sim, vinhos brancos podem ter personalidade!). Degustação de queijos enquanto terminávamos o vinho e, de sobremesa, uma torta de frutas.

 

Estávamos em cinco pessoas, Luiz e eu, o dono da casa com seu filho e uma amiga. Meu amigo é francês, mas morou no Brasil muitos anos, seu filho é brasileiro, mas mora hoje em Londres e sua amiga é francesa. A conversa fluiu fácil, mesmo misturando-se um pouco os idiomas. No fim da noite, tomamos todos um café no bar da esquina. Ai, ai… como a vida é difícil!

 

Um parênteses, um dos assuntos dessa noite foi meu interesse em ir para Paris por um mês. Seria uma oportunidade para fazer um intensivo no idioma na metade do dia e na outra metade, me empenhar em algum curso de culinária. Luiz poderia me encontrar nos fins de semana, é um vôo de uma hora e meia desde Madri. Muito bem, esse amigo é cheio de iniciativa e bons contatos, se ofereceu a me ajudar a encontrar um estágio em um restaurante. Dessa forma, não teria gasto com um curso em gastronomia, além de ganhar muito mais experiência. Putz! Por mim, fechadíssimo! Não está tudo certo, mas estou correndo atrás disso agora. O ideal seria conseguir que fosse no início do ano que vem. Vamos tentar.

 

No sábado, resolvemos aproveitar o carro e conhecer os arredores. Fomos visitar o Château de Vincennes  e almoçamos olhando para o próprio. Adoro comer olhando um castelo! Putz, mal penso em morar um nadinha em Paris e já começo a ficar insuportável!

 

Depois resolvemos voltar para o hotel por dentro da cidade. A périphérique é prática, mas muito monótona e feia. Passamos na casa do nosso amigo, que mora por Bastille, e fomos juntos tomar um café preguiçoso na Place des Vosges. Incrivelmente, Luiz conseguiu uma vaga bem na praça! Como se já fosse pouco, esse amigo me disse também que era bem possível que ele encontrasse alguém que me alugasse o próprio apartamento a um preço camarada. Caramba, tudo caminha para que essa história funcione! Estou com frio na barriga!

 

De lá, Luiz ainda teve a paciência de dirigir por Montparnaisse e passamos em frente a Alliance Française, que fica no Boulevard Raspail. Coloquei meu olho bem grande ali e combinei com os edifícios de voltar em breve.

 

No sábado, combinamos de jantar com o casal de espanhóis. O início da noite foi um pouco tenso, como já previa. Não por eles, mas porque precisaríamos de um taxi para chegar ao restaurante eleito. Começa que os hijos de mala madre dos taxistas já não gostam de pegar mais de três pessoas. Os poucos que aceitam, cobram uma taxa extra por isso. Éramos quatro adultos e uma criança de carrinho.

 

O que não esperava é que a confusão começasse no próprio hotel, o Concorde La Fayette. Logo na saída, perguntamos ao porteiro se ele poderia chamar um taxi para nosso número de pessoas, no que ele respondeu que não era possível e que nós deveríamos seguir a fila para os taxis logo em frente e negociar diretamente com os taxistas. Ok. Esperamos tranquilamente nosso lugar, enquanto uma fila enorme de um grupo se formou atrás da gente. Quando chega nossa vez, vemos o tal porteiro chegando com um taxi grande e encaminhando ao grupo, que chegou depois de nós! Ou seja, além dele ter ido buscar o taxi, coisa que havia nos dito que não podia, ainda estava furando a fila na nossa frente! Sei, sei, mas não mesmo! No fucking chance! Montamos uma confusão e entramos no taxi na marra. Que por sua vez, já deveria ter combinado com o porteiro tanto a propina, quanto o local. Ou seja, normalmente não são simpáticos, imagina nessa situação! Pois eu nem aí, com grosseria já estou mais que acostumada a lidar, veja bem, moro na Espanha há cinco anos! Gostando ou não gostando, o babaca nos levou ao restaurante e acabou.

 

Ali chegando, tudo mudou. O lugar se chama Pasco, o qual recomendo. Ótima comida e excelente atendimento! Muito gentis. Comi uma Homard, um tipo de lagosta, de entrada e um porco com endívias de prato principal. Claro, óbvio, evidente que acompanhado de vinho. Começamos com um bourgogne-haute e seguimos com um saint-émilion. Companhia perfeita, até a nenénzinha era legal e colaborou.

 

A hora da sobremesa foi divertida, porque cada um fez seu pedido e Luiz pediu um sorvete. Eu achei sem graça, mas não ia falar nada, estou acostumada, ele gosta de sorvete. Veio o garçon que estava nos atendendo antes, mas não foi o que anotou o pedido da sobremesa e nos perguntou: o que vocês pediram? Nós dissemos. Quando Luiz falou o seu, ele respondeu educado e bem humorado, sorvete o senhor pode pedir no MC Donalds, não quer uma sobremesa de verdade? E assim, nos ofereceu o sorvete como cortesia da casa e escolheu ele uma sobremesa de verdade, algo divino com chocolate e côco. Comi a minha e boa parte da do Luiz! A propósito, minha sobremesa era uma torta ao caramelo, com sorvete de queijo.

 

O taxi da volta para casa foi mais fácil, o próprio restaurante se encarregou. O primeiro taxi que chamaram nunca apareceu e o segundo, que nos levou, foi um africano tranquilo. Como disse, em Paris, sempre que possível, prefira um taxista africano ou oriental, costumam ser melhores e mais honestos.

 

Chegou domingo e já era hora de ir. Acordamos um pouco mais tarde e perdemos o café. Depois fizemos umas comprinhas, claro que de comida e de vinhos. Almoçamos no Chez Clément, uma cadeia talvez um pouco comercial, mas que tenho simpatia. E de lá fomos direto para o aeroporto.

 

Antes de embarcar, ainda compramos mais duas garrafas de vinho e alguns queijos bem fedidos que, nesse momento, estão empestiando alegremente a geladeira. Diz a lenda que os queijos devem ser mantidos fora da refrigeração. Bom, primeiro a temperatura deve permití-lo e, segundo, sachet de chulé ninguém merece, né? Os meus ficam na geladeira mesmo, tiro um pouco antes de atacá-los para que cheguem a temperatura correta.

 

Enfim, chegamos em casa com um gato manhoso e bem tratado nos aguardando.

 

Fui dormir pensando como alguns dias ou horas podem mudar sua vida. Nada como estar no lugar certo na hora certa. Mas como estar nesse lugar se não sairmos de casa? Como ter algum retorno sem se arriscar? As pessoas só podem te ajudar se você contar que precisa.

 

Nesse momento, não vejo a idade como um limitador. Posso entrar em uma escola de idiomas e aprender uma nova língua, como uma adolescente. Posso fazer um estágio em algum restaurante com o mesmo entusiasmo de quem inicia sua primeira carreira. No Pompidou, interagi com um trabalho da Louise de Bourgeois, que já era uma senhora quando reconhecida e após quase um século, segue contemporânea até os ossos! É mais fácil permanecer jovem quando aceitamos o muito que aprender.

 

Estava um pouco agoniada porque sentia que sabia um monte de coisas e que precisava colocar isso em prática. Parecia uma perda de tempo em não usar a experiência adquirida. Talvez fosse, mas talvez a perda de tempo seja em não buscar outras experiências. Caramba, ainda falta muito!

Paris e eu

Paris e eu temos um assunto eternamente pendente. Toda vez que vou é como se a cidade dissesse que continua me aguardando, sabe que sou dela, mas preciso aprender outros lugares. Hoje não estou afim de contar, mas tenho alguns ciclos selados em Paris e não tenho certeza se foi por acaso ou o inconsciente me levou. Nem importa. Sei que ela começa a me chamar.

 

Na quarta-feira à noite vou para lá e já estou feliz em saber que está perto. Nem me faz diferença se os dias estiverem cinzas ou os parisienses de mau humor, ali sou protegida.

 

Uma vez, não me lembro porque, Luiz me chamou para ir com ele e não sei que raios me deu que comecei a pensar se dava ou não, se devia ir mesmo. Ele olhou para minha cara assustado, você está na dúvida se quer ir a Paris? Começou a me sacudir dizendo, sai desse corpo que não te pertence espírito malígno, deixe a minha mulher em paz! Ufa! Ainda bem que ele tomou uma providência, acordei daquele transe malévolo, e claro que fui!

 

Dessa vez, ele não precisou me tirar de nenhum transe absurdo. Quando disse que tinha um treinamento de dois dias por aquelas bandas, levei quase meio segundo para dizer que ia junto. Ainda mais sendo quinta e sexta, ou seja, poderemos aproveitar a noite de quarta e o fim de semana.

 

Na sexta, vamos jantar na casa do amigo francês que nos prometeu um super mega foie gras plus. Ele está me ajudando a encontrar um curso de gastronomia para eu aproveitar melhor o tempo. Talvez a gente consiga encontrar outros amigos também, espero que sim.

 

Queria voltar ao restaurante de Montparnasse, onde celebramos nosso aniversário de uma década de casados. Isso foi há pouco menos de seis anos e me sinto como se houvesse sido em outra vida de tanta coisa que aconteceu nesse período. Como será jantar lá agora?

 

Quero passear pelo Pompidou com meu bloquinho de desenho, depois me perder um pouco até chegar na Place des Vosges e comer por ali.

 

E está bom de planos. Acho que só quero mesmo é estar lá com o Luiz.

Sobre a diferença entre meninas e mulheres

Meninas aprendem desde cedo a fazer as pazes. Eu não fazia as pazes, no máximo, aceitava por conveniência, mas a iniciativa nunca era minha. Para mim, o jeito masculino parecia mais simples, você demarca seu território, eu demarco o meu. Acontece que não era um menino, só havia começado a praticar minha autosuficiência nata.

 

Dizem que é do signo, talvez seja, mas de maneira geral tenho duas alternativas, gosto ou não gosto. Meu comportamento no segundo caso é ignorar, nem é difícil, sai naturalmente. E não me lembro de alguma vez na vida tomar uma atitude contra alguém sem ter sido antes provocada. Também não me lembro de ter sido provocada, ou assim entendê-lo, e não ter tomado nenhuma atitude.

 

Acho que minha primeira adversária, quando tinha algum poder de decisão e não era puro instinto, devia ter por volta de uns nove anos. Um acordo mal feito entre figurinhas e papel de carta me rendeu um ódio mortal. Naquele ano, primeiro dela no colégio, fiz a vida dessa mini cidadã bem complicada. O ano se passou e no seguinte fomos da mesma turma outra vez. Os ânimos já haviam baixado, não tinha mais raiva, tampouco tinha interesse às discretas e indiretas tentativas de aproximação. Ela não me incomodava mais, simplesmente não tinha interesse.

 

Um dia precisávamos fazer um trabalho sobre folclore e não achava material nem a pau! Fui conversar com a professora sobre isso e ela ouviu. Poderia ser sua chance de me ver penar um pouco, mas diferente do óbvio, veio conversar comigo, me disse que tinha muito material e que poderíamos fazer juntas.

 

Ainda me lembro daquele ar de suspense que rolou em nossa volta e sabia que todas as meninas esperavam que dissesse não. Eu disse sim. Rapidamente, uma onda de fofoquinhas infantis se disseminou, porque eu só poderia ter aceitado para me aproveitar da situação e ela só poderia ter me oferecido porque estava armando alguma coisa. Eu aceitei porque achei que ela tinha cojones e, nesse momento, passou a me interessar, conquistou meu respeito. Ela ofereceu porque foi o caminho que encontrou para se aproximar. Nós realmente ficamos amigas, o que fez qualquer rumor morrer de velho. Nunca fizemos as pazes, era secundário e não fazia mais diferença de quem foi a culpa.

 

Eu poderia ter aprendido aí a lição do perdão, cheguei a pensar que sim, mas hoje acho que era muito jovem e fui quem o recebeu. Portanto, quem aprendeu mais foi ela, sorte a dela. Aprendi que impressões não são definitivas e que minha indiferença era tão brutal quanto qualquer atitude.

 

Melhor que tomasse rápido a consciência que era feroz e cruel. Isso dependia de mim, não de quem cruzasse meu caminho.

 

A primeira vez que perdoei, tinha 19 anos. Não era mais tão cruel, ou havia aprendido a controlar, mas ainda era bem feroz. Perdoei profundamente e a consequência foi descobrir que isso permitia que me perdoasse também. Foi libertador, um marco na minha vida, a transição para a fase adulta. Meninas fazem as pazes, mulheres perdoam.

 

Sou menos feroz hoje, mas só porque tenho menos fome. Continuo com os dois cães e minha vontade é sempre alimentar o errado, ele nunca morrerá de inanição, mas posso evitar que mate o outro.

 

Acabo de encerrar mais um ciclo e entender o que precisava desse. Os quarenta já podem chegar, estou pronta para eles. Não me sinto mais sozinha.

 

Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura – e a elegância – jamás.

As idas e vindas, melhor cantar

Setembro tem sido um mês de mudanças, ou pelo menos de vontade ou planejamento delas. Não parece ser só comigo.

 

Em parte, acho que é porque o ano aqui começa em setembro. Por isso, às vezes, a gente adia os planos e empurra um pouco com a barriga até o verão terminar. Mas penso que é mais do que isso. Tenho a sensação que é uma daquelas nuvens universais que você olha em volta e está todo mundo muito parecido.

 

Primeiro sintoma, a mulherada sai tosando ou pintando o cabelo. Se não há possibilidade de uma transformação mais radical, no mínimo, ajeitam ou prendem de uma maneira diferente. Mas definitivamente, algo na região da cabeça começa a incomodar e se altera visivelmente. Homens, vou logo avisando, mulher quando muda a aparência, é porque quer mudar (ou já mudou) por dentro. Nem sempre é mau sinal, é apenas um ritual de passagem.

 

Não estou muito segura se isso também acontece com a ala masculina, não que eles não mudem, mas o processo é diferente.

 

Outro sintoma feminino, tendência ao isolamento temporário. Isolamento é exagero, é mais como uma reserva, dá menos vontade de encarar uma multidão. Você quer estar com menos gente, quieta, caseira. Estou falando de mim, mas sei que estou falando de outras pessoas também. É como um momento que você quer olhar mais para dentro, reforçar seus relacionamentos, entender seus limites. Tudo te deixa mais sensível, parece uma TPM a médio prazo. Enfim, remexer a caixa de Pandora nos deixa mais vulneráveis, então melhor nos preservarmos um pouco.

 

Sei que estou mais séria. Olhar para dentro nos traz a tona nossa real natureza, às vezes eu gosto e outras não. É minha decisão eleger o que manter e o que voltar para a caixa. Antes, meu critério consistia em me perguntar se fazia minha vida melhor; agora me pergunto se faz minha vida mais fácil. A lógica me diz que deveria ser ao contrário, segundo o amadurecimento, mas não foi assim para mim. Talvez seja uma questão semântica ou talvez seja minha natureza cética e prática falando mais alto. De uma maneira ou de outra, quero mais é facilitar minha vida. Só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a perder…

 

Nessa única semana, tive notícia de três amigas que se vão de Madri. Não me entristeço mais, nem cobro, a vida é assim, as pessoas vão e vem.  Eu venho e vou. Tive vontade de ir também e nem sei para onde. Você não é dono dos seus amigos, nem de ninguém.

 

Nosso último hóspede holandês me disse que você só toma mesmo a decisão de qual seu lugar quando constrói sua casa do chão. Engraçado ele falar isso, porque ele não sabe que penso igual e tenho na cabeça a casa dos meus sonhos, que não sei onde poderia plantar. Mas sei que não é aqui, nem agora. Infelizmente, porque estou pronta para ela e para as mil metáforas que ela traz.

 

Uma dessas amigas fez uma festa de despedida no Kabocla, nessa quarta-feira. Ela vai para o Panamá pela ONU. Luiz estava viajando, fui representando a família.  A conhecemos no coral e alguns participantes estavam por lá. Como não poderia deixar de ser, demos uma palhinha de três músicas que, considerando nossas férias e nenhum ensaio, não foi de todo mal. Foi gostoso cantar outra vez, mesmo meio desorganizado.

 

E falando no coral, no dia seguinte, fizemos uma reunião com os integrantes para decidir nossos rumos para esse próximo ano. Como disse antes, o ano letivo espanhol começa agora em setembro. Achei legal, o grupo vem amadurecendo e foi muito mais simples conversar agora que da última vez. Vamos combinar, com tantas mulheres participando, de vez em quando precisamos parar e discutir a relação. Agora chamamos “Dumbaiê”, eliminamos o cantoria. Uma maneira de nos rebatizar, sem perder o nome e a identidade. Há a possibilidade também de se abrir outra turma só para percussão, o que iria adorar. Soltar a voz e o braço me faz muito bem.

 

Hoje é sexta-feira, comecei o dia animada, depois me decepcionei e doeu, mas pelo menos entendi. Não tenho porque me esconder, eu sempre mostro a minha cara e é a única que tenho. Decidi não aceitar o peso do mico nas costas, não é meu. Tomada essa decisão, fiquei em paz.

 

Mais tarde vamos sair para jantar com um casal de amigos espanhóis. Gosto muito deles e temos um tipo de acordo gastronômico, intercalamos quem vai decidir onde será o próximo restaurante que conheceremos. O de hoje é um nipo-tailandês. Ótimo, estou com a boca para comida oriental!

Munique e a Oktoberfest 2009

Na sexta-feira, acordamos não muito tarde e já recuperados. A Oktoberfest só abriria no sábado.

 

Luiz não liga para café da manhã, no seu dia a dia toma um copo de leite e sai. Eu amo café, mas só costumo caprichar nos fins de semana ou quando tenho visitas. Meu normal é comer umas torradinhas com manteiga, café preto (muito!) e, de uns tempos para cá, incluí suco fresco de laranja. Portanto, quando sou hóspede, não costumo ter grandes exigências e me adapto ao cardápio dos anfitriões. A única coisa que não consigo abrir mão é da cafeína, ou simplesmente não acordo.

 

Assim que quando nossa amiga perguntou sobre o nosso café da manhã, foi o que expliquei. Acontece que os pães alemães são uma delícia! Fora que adoro uma novidade, então aquele nosso cafezinho básico virou toda uma refeição. E Luiz, que nunca come nada, comeu mais do que eu!

 

Não ligo muito para os pães espanhóis. Eles aqui tem paladar para coisas meio secas, tanto os pães como os queijos. Para mim, tenho sempre a impressão que o pão está meio velho. Há exceções, é claro, mas na média é assim, é uma questão de gosto. Os pães alemães me parecem um orgulho nacional, mais até do que as famosas salsichas – que também adoro. São diferentes cores, sementes, cereais, até puros são saborosos. Resultado, a dieta foi para o brejo.

 

Saí com minha amiga para dar uma caminhada e conversar, Luiz ficou em casa. A gente fala mais do que a língua e por alguma coincidência dos astros, passamos por situações muito semelhantes em épocas parecidas, apesar de sermos muito diferentes. Foi bom pelo papo e pela caminhada, maneira que gosto de entrar no clima das cidades.

 

Pela hora do almoço, voltamos ao apartamento dela para encontrarmos com Luiz e irmos a um museu-não-lembro-de-que no centro da cidade. Nunca chegamos ao tal museu. Andamos pela cidade e estacionamos em um bistrot charmosinho, onde conseguimos confundir bastante o garçon, que misturava alemão, francês e inglês. Já não era exatamente verão, mas um friozinho suportável que nos fez sentar do lado de fora e aproveitar os últimos dias de ar livre.

 

O caso é que ficamos ali até bem umas cinco da tarde, enrolando com um borgonha muito bom. Mas precisávamos voltar para casa porque tínhamos planejado jantar em um restaurante alemão que Luiz conhecia.

 

Aliás, esse foi um capítulo a parte, nunca imaginamos que o fato de sair para jantar pudesse se transformar em algo tão complexo! Minha amiga reclamava sem parar que era no outro lado da cidade, pedíamos outra sugestão e nada! Porque eles não conheciam restaurantes alemães, nem tão longe de casa. Então vamos nesse, vamos de taxi que ninguém precisa se preocupar em não beber, não pode ser tão complicado assim. No final, fomos de carro, Luiz e eu acreditando que sairíamos da cidade! Ou do país, sei lá! Quando ele olha no gps, constata que o restaurante ficava a 10Km da casa deles, 15 minutos dirigindo. Caraca! Isso era o do-outro-lado-do-mundo-difícil-para-cacete? O coral que frequento fica a 6km… e vou a pé! Se precisasse viver em um raio de 5km2 acho que morria de claustrofobia!

 

Enfim, chegamos ao restaurante e achei ótimo, se chama Sankt Emmerams . Não comi nada tão cheio de gordura ou esquisito. Na verdade, me deu pena estar com pouca fome, porque não dei conta de tomar vinho outra vez e fiquei curiosa para provar outros pratos. Comi um faisão recheado divino, em um prato cheio de detalhes e matizes agridoces.

 

Finalmente, chegou sábado, dia da abertura da famosa Oktoberfest. Não guardava enormes expectativas a respeito, mas era uma festa que tinha curiosidade em conhecer. Havíamos combinado outras vezes de ir, mas sempre acontecia alguma coisa, ou esquecia que apesar do nome, era em setembro e não outubro. Até que agora, por acaso (e juro que foi por acaso), começamos a combinar de nos encontrar e tal. Falei com Luiz que estava afim de ir, ele se animou também e só depois percebemos que coincidiria com a abertura da Oktoberfest. Beleza! Melhor ainda.

 

A única coisa é que como decidimos sem grandes antecedências – e é na Alemanha! – não conseguiríamos entrar nas tendas. Funciona da seguinte maneira, você só consegue beber se estiver sentado nas mesas, dentro dessas tendas. Como era o dia da abertura, estava totalmente lotado. As pessoas que não tinham reserva, chegavam super cedo para se estapear e guardar algum lugar, o que não seria nosso caso.

 

Por mim, tudo bem. Honestamente, achei até melhor. Porque não tomo cerveja e não gosto de estar no meio da muvuca muitas horas. Acho que se estivéssemos em um grupo grande e conseguisse beber alguma coisa, até encarava, mas acordar de madrugada, passar o maior perrengue, para simplesmente sentar ali e ver o povo tomar cerveja, não fazia a menor questão. Eles moram lá há nove anos, ou seja, devem estar carecas de ir! Provavelmente, estavam quebrando nosso galho aturando a quermese.

 

O que achei uma pena é que minha amiga tinha um vestido típico extra e eu estava doida para pagar esse mico, mas infelizmente, não coube em mim. Ela é brasileira, a única do nosso grupo vestida tipicamente como uma alemã.

 

Enfim, resumo da ópera, chegamos pouco antes do meio dia, horário da abertura oficial, e ainda pegamos o finalzinho da parada.

CIMG4719

CIMG4724 

Escutamos o prefeito ou algo do gênero inaugurando a feira e nos dirigimos para a tenda de onde vinha a sua voz. Demos a maior sorte e conseguimos entrar. Segundo minha amiga, normalmente esse horário você já não consegue mais, eles fecham as portas. Não ficamos muito tempo lá dentro, mas deu para ver como funcionava. De vez em quando, precisávamos desviar das garçonetes que passavam com trocentas canecas de cerveja enormes do nosso lado. Visto isso, começou a ficar muito apertado e resolvemos sair.

CIMG4729 

CIMG4730

CIMG4734

CIMG4735

Do lado de fora estava bem cheio também. É como se fosse um imenso parque de diversões, parece muito com uma quermese. Vários quiosques de comidas típicas e, acredite se quiser, até um que vendia caipirinha. Na verdade, caipirinha faz muito sucesso na Alemanha, tomamos uma bem correta. Encontramos um quiosque que vendia cerveja também, mas segundo nosso amigo alemão, era uma cerveja han$sgros##&*  que ele não tomava. Como não entendo chongas de cerveja…

CIMG4736

CIMG4738

CIMG4739

CIMG4740 

Não podia sair de Munique sem comer uma salsicha, né? Aproveitei e comi uma wurst muito gostosa, que foi meu almoço. Nesse dia, resolvi não marcar bobeira e me guardar para um bom jantar. Gosto das salsichas alemãs e sempre que viajo, tento comer o que é da região, é bom variar um pouco.

CIMG4755 

De lá, fomos procurar algum lugar para sentar fora da Oktoberfest e tomar alguma coisa. Não entendi muito bem, acho que o plano inicial era um biergarten, mas acabamos passando por uma terraza bonitinha que parecia oferecer opções além da cerveja. Ali ficamos tomando um vinhozinho, curtindo meia dúzia de nesgas de sol que apareceram e começamos a decidir onde jantar.

 

Sim, porque veja bem, definir um local para jantar era a operação mais complexa de toda a viagem! Minha amiga, que deve estar lendo meu blog, sofrerá na minha mão agora. Primeiro, porque intimidade é uma merda; segundo, porque vai ter dificuldade em escolher um lugar para ir lá na PQP! Cassilda! Na boa, a gente conversava em português, todos conversávamos em inglês, os dois trocavam idéias em alemão… e nada! Tentava fazer algumas perguntas para facilitar, do tipo, qual é o seu restaurante favorito? Mas daí parece que complicava mais! Não sei, definitivamente, deve haver algum esquema alemão para se definir onde jantar, mas o processo precisa ser realizado com três semanas de antecedência e em um formulário xpto, em duas vias de cores diferentes…

 

Eu sou coelho! Eu sou coelho! Só quero um lugarzinho para jantar! Qualquer lugar! Qualquer nacionalidade! Pode ser andando, de metrô, de carro, de bicicleta, de helicóptero! Não me importa! Socorro!

 

O esforço compensou. Eles lembraram de um francês fusion que não-sei-quem foi comemorar o aniversário de casamento. Fechado! Esse! Está ótimo! Demos sorte mais uma vez e desconfio que eles conseguiram reservar a última mesa do restaurante, porque estava lotado.

 

O lugar era uma graça, se chama Makassar e já ganhou o posto de meu restaurante preferido em Munich. Atendimento simpatissíssimo, dois dos três donos atendiam as mesas, falavam um inglês perfeito e conheciam bem o Brasil. O ambiente era um charme e a comida divina! Companhia perfeita, viagem fechada com chave de ouro. Show!

 

Meu paupérrimo vocabulário alemão aumentou. Agora sei falar genau (exatamente), lecker (gostoso), danke (obrigada) e bitte (por favor, de nada). 

 

No domingo, tomamos o rumo de casa. Dessa vez, o vôo estava marcado em um horário civilizado e o tempo de espera na conexão em Roma era bem razoável. Nossos amigos nos levaram ao aeroporto e esse sim é bem longinho. De carro, sem trânsito, uns 40 minutos.

 

Tanto no aeroporto alemão, quanto no italiano, compramos vinhos. Imagina se perderíamos a chance. Uma meia dúzia de garrafas no total, afinal de contas, no dia seguinte estreiaríamos nossa vinoteca. Aqui, por motivos óbvios, é mais fácil e mais em conta comprarmos vinhos espanhóis. Eu gosto, mas também gosto de variar. Vinhos e gastronomia são prazeres que Luiz e eu temos em comum, acho que é nosso luxo. Não somos muito consumistas com outras coisas, esse é nosso fraco.

 

No aeroporto de Roma, recebemos uma mensagem da amiga que ficou aqui em casa com o Jack. Pedia que chegássemos com fome. Então tá, né? A figuraça fez almoço, sobremesa e prendeu faixas de papel de boas vindas! Pode? Muito bom ser mimada, adoro, nem faço doce.

 

E é isso, agora preciso segurar a onda porque no fim do mês vamos a Paris. Daí já viu, outro chute no balde! Meu plano malévolo é fazer um workshop culinário, será que rola?

E aí, colocamos ordem no barraco?

Pois então, vamos por partes. Depois da feijoada, a casa tinha uma boa energia. É sempre uma pena não poder chamar todo mundo, mas a gente faz o que pode. O legal é que alguns amigos sairam daqui com vontade de dar festa também, acho que é contagioso.

 

Faxinão na casa, incensos cheirosos comprados em um árabe de Granada, cada coisa indo para seu lugar. Congelador e geladeira liberados, doidinhos para serem novamente recheados. Semana tranquila, de arrumação.

 

Fomos fazer compras, Luiz se animou e comprou uma adega. A gente vem adiando essa compra há anos e nem é nada demais. Simplesmente, uma geladeira pequena para vinhos. Com tanto arruma de cá, arruma de lá, vagou espaço para ela. A propósito, nosso novo brinquedo chegou hoje, mais ou menos após uma semana.

 

Tudo muito bom, tudo muito bem, fomos a um churrasco na casa de amigos no sábado. Domingo, morgação.

 

Segunda-feira, Luiz viajou bem cedo a trabalho para Barcelona. Fiquei fazendo hora na cama até mais tarde, acordo e vou abrir meu e-mail. Meu pai na UTI outra vez, entrou no domingo à noite. Cassilda!

 

Respirei fundo e fiquei fazendo hora para ligar para o Brasil, são 5 horas de diferença de fuso. Enquanto isso, toco a limpar casa para ocupar a cabeça. Na boa, acho que desinfetei tudo! Dava para literalmente comer no chão!

 

Finalmente, consegui ter notícias. Eram preocupantes, mas não pareciam gravíssimas, melhor aguardar. Ele teve novamente uma infecção urinária. Pelo que entendi, é relativamente normal, porque toda a medicação para o câncer na bexiga é tomado via sonda, daí fica propício a infecções. Mas pelo histórico dele, é sempre conveniente ficar sob uma maior atenção no início para que a coisa não se complique.

 

Na terça-feira, esperávamos um hóspede e na quinta, tínhamos passagens compradas para Munique. Que faço? Resolvi não fazer nada e monitorar os acontecimentos.

 

No dia seguinte, acordei na expectativa que meu pai tivesse alta da UTI, o que seria bastante tranquilizador. Notícia que chegou por volta das 15:00hs daqui. Ótimo, porque quando nosso hóspede chegou, pouco antes do Luiz, já estava mais tranquila e otimista. E sorte a deles, porque enquanto precisava esperar, não queria sair de casa e precisava fazer alguma coisa para o tempo passar logo. Resultado, cozinhei para um exército!

 

Beleza, na quarta-feira soubemos que meu pai não só teve alta da UTI, como não precisou passar pela semi-intensiva, foi direto para o quarto. Isso era um bom sinal. Tinha expectativa de ir para casa entre quinta e sexta-feira.

 

Ok, então resolvemos manter a viagem para a Alemanha.

 

De quarta para quinta, veio uma amiga aqui para casa para ficar com o Jack enquanto viajávamos. Ela está se separando do marido e é uma situação bem complicadinha. De maneira, que era conveniente para todos nós que ela dormisse aqui.

 

Na quinta, o relógio tocou às 3:30 da matina. Sim, nosso vôo decolava às 6:00hs. Claro que não dormi bosta nenhuma durante à noite e ainda nos aguardava uma pequena escala de 7 horas no aeroporto de Roma. Queria matar o Luiz! Tudo bem que as passagens nos saíram de graça por milhagem, mas foi praticamente como injeção na testa!

 

Um frio do cacete! Alguém me explica como a gente sai de um calor de 30 graus para um frio de 8? Porque em Madri é assim. Será que deveria viajar mesmo? E se desse merda no Brasil? E se não desse? Ta-quiu-pariu!

 

Tudo bem, Bianca, respira cachorrinho, se acalma, tudo vai dar certo, relaxa!

 

No aeroporto de Barajas, descobrimos que havia um vôo antes em Roma, saindo às 9:00hs. Seria meio corrido, mas talvez nos desse tempo. Não quis me estressar muito com isso, mas não custava tentar.

 

Chegamos a tempo, saímos esbaforidos para um balcão da Alitalia, mas como era milhagem da Delta, não podia ser trocado, mesmo havendo lugar de sobra no avião. Ninguém merece!

 

Quer saber? Estamos aqui mesmo, chegamos cedo, vamos tentar aproveitar. Nos informamos se havia como ir de trem para o centro da cidade. Havia e só levava meia hora. É porque os taxistas romanos são muito bandalheiros e me irrita!

 

Troquei um SMS com minha mãe, meu pai estava bem, com possibilidade de alta naquele mesmo dia. Yes!

 

Deixamos a bagagem no aeroporto, pegamos um trem e lá fomos nós para o centro de Roma. Passeamos um bom trecho a pé e sentamos na Piazza Navona para almoçar. Era cedo, mas pela hora que havíamos acordado, estava com a maior fome.

 CIMG4679

CIMG4681

Na própria Piazza Navona, na embaixada do Brasil, estavam montado uma exposição em homenagem ao Ayrton Senna. A gente até conseguiu ver alguns carros chegando.

CIMG4700

CIMG4692

CIMG4694

E aí, tomamos um vinho? Porque não. Luiz tem uma excelente qualidade masculina, não é mesquinho. Eu odeio gente mesquinha! E, sinto muito pelo sexismo, mas homem mesquinho ainda é pior! Pois muito bem, olha a carta daqui, olha de lá, quer saber, estamos almoçando em Roma, não pagamos um centavo de passagem, que tal um Barolo?

 

Perguntar para mim se quero um Barolo? Macaco, quer banana?

CIMG4686 

No fim das contas, até que já não estava achando nada mal aquela conexão em Roma. Por outro lado, depois de uma noite não dormida, um jet lag básico e uma garrafa de vinho, minha habilidade de raciocínio estava bastante resumida. Fora que parecia uma míope sem óculos em movimentos lentos e programados, o que não seria nenhum problema se não tivéssemos que voltar para o aeroporto e pegar mais um vôo.

CIMG4687 

Lá fomos nós! Chegamos a tempo no aeroporto e não precisamos esperar muito. Não consigo dormir no avião, mas desconfio que babei um pouco.

 

No aeroporto de Munique, nosso amigo foi nos encontrar e seguimos de trem para a casa deles. Minha amiga estava fazendo jantar, um couscous marroquino.

 

Na estação do metrô que saltamos, a maior chuva. Tentamos ligar para nossa amiga vir nos buscar e nada dela atender o telefone. Tudo bem, já deu tudo certo hoje, não temos do que reclamar, pegaremos um pouco de chuva.

 

Começamos a caminhar e escutei uma buzina insistente, olhei na rua e não vi nada. Continuou, olhei outra vez e nada. Nosso amigo alemão, ignorando a buzina, seguia rápido para casa. Até que de repente, vem um carro a toda pela calçada, atrás da gente, buzinando. Pensei, não é possível, um alemão não faria isso, tem que ser ela! Luiz e eu a reconhecemos e tentamos avisar ao seu marido, que não acreditava e continuava seguindo para casa. A gente já estava dentro do carro quando ele resolveu aceitar que era mesmo a sua esposa! Foi engraçado e o melhor, não nos molhamos. Achei até romântico aquele carro buzinando a toda velocidade em uma calçada (alemã) para nos dar uma carona!

 

Na mesa do jantar, outro recado no celular, meu pai recebeu alta e estava chegando em casa. Beleza, acho que agora dá para relaxar e curtir bem a viagem.

 

Mais uma garrafa de espumante alemão rosé, que aliás, foi a primeira vez que tomei e achei interessante, combinou com o prato. Em seguida, mais duas garrafas de um riesling. Um couscous ótimo, um bolo de chocolate… e uma maca por favor!

 

Vamos combinar, café da manhã em Madri, almoço em Roma e jantar em Munich, isso é globalização!

 

Pelas 22hs havia perdido minha capacidade de comunicação em qualquer idioma. Capotei.

 

E como foi em Munique? Foi ótimo, conto na próxima.

Como andar de bicicleta

 

 

Festeiro que se preze não perde a mão. É como andar de bicicleta, você dá as primeiras pedaladas e o resto sai naturalmente. 

Intervalo nos problemas pessoais e mundiais, crises que esperem um pouquinho, porque tradição é tradição, e em setembro aqui em casa tem feijoada! E tem que ser completa!

CIMG4585 

Fizemos novamente o abadá, distribuído logo na chegada. Deixei disponível tesoura para quem quisesse personalizar o seu. A maioria das meninas optou por modificar a camiseta. Bom, sou zero à esquerda com qualquer coisa parecida à costura, mas uma amiga me ajudou com o meu e com o de outras convidadas.

Estampa da camiseta 2009

Estampa da camiseta 2009

 

Foram 5 kgs de feijão preto, 2 pacotes de arroz, 3 kgs de farinha, 9 bolsas de acelga (para fazer a falsa couve), 3 kgs de laranja e duas gavetas do congelador em carnes variadas. Uma semana na cozinha, fazendo aos poucos e congelando. O feijão, foi feito na véspera e refogado no dia. Nada de panela de pressão, feijão sem pressa, cozido devagarinho com cada carne ao seu tempo. 

Quanto às sobremesas, uma amiga veio dormir aqui em casa desde quinta-feira e fez pudim, mousse de limão, torta alemã, pavê e um bolo maravilhoso com o símbolo do flamengo (ela é vascaína, fazer o que? Ninguém é perfeito e promessa é dívida!). Outra amiga trouxe um creme de abacaxi.

DSC00227 

Enquanto o pessoal chegava, servimos frutos secos, linguicinhas, azeitonas, queijo e batata frita. Nada demais, porque vamos combinar, não faltava comida, né?

CIMG4562 

De bebida, foram 130 latas de cerveja, 9 garrafas de cachaça, 1 garrafa de vodka, ½ garrafa de rum, 20 lts de refrigerante, resfriados em 35 bolsas de gelo. Colocamos instruções para a caipirinha self service e o pessoal se virou. Da próxima vez, melhor ter mais cerveja, não faltou, mas não sobrou.

CIMG4575

CIMG4574 

Os pratos e talheres foram descartáveis, sinto muito. Pessoalmente, detesto coisas de plástico, mas com 40 amigos presentes, ficava impossível ser diferente. 

Muito bem, o fato é que 85% do meu trabalho é antes dos convidados chegarem. Na hora da festa, relaxo e curto. Alguma coisa sempre tem para fazer, mas para ser sincera, gosto de ter funções ou atividades. Até servir a comida, cuidei da festa, a partir daí, todos já estavam à vontade e com intimidade suficiente para que o barco seguisse sozinho. 

Depois do almoço, começou a música ao vivo e lá fui eu para o meio deles batucar. Imagina se vou perder essa oportunidade? Agarrei meu djembe e fui para o meio dos percussionistas tentar aprender por osmose. Não sei como raios estava tocando, mas estava me sentindo a própria! De vez em quando, precisava me lembrar que era a dona da casa e ia atender alguém. Claro que outra pessoa se apoderava do instrumento e eu ficava marcando sob pressão com cara de cachorro magro até recuperá-lo de volta.

DSC00185

DSC00228

... fui ao ar, perdi o lugar! :P
... fui ao ar, perdi o lugar! 😛

Lá pelas tantas, achei que já havia saído muita bebida e que ainda tinha gente que dirigiria para casa. Brilhante idéia, vou esquentar a feijoada outra vez! E lá foi o caldo de feijão na cumbuca! 

Mais ou menos pela meia noite, os últimos convidados se foram. Nossa amiga que dormiu aqui em casa ajudou com a louça, Luiz com a arrumação e o lixo, passei pano na casa e fomos dormir com tudo resolvido. 

Acordei tarde, nem vi minha amiga sair. Ficamos morgando o domingo inteiro. Havia planejado fazer um jantar especial só para Luiz e eu, e tomarmos um Pera Manca, que estava reservado para seu aniversário. Imagina se a gente aguentou? Claro que não! Essa semana, quando a feijoada estiver devidamente expulsa desse corpito, dou uma caprichada.

 CIMG4595

Uma feijoada para quebrar o jejum

Continuo meio ostra, mas o calendário não se baseia no nosso estado de humor e chegou setembro, mês da tradicional feijoada do Luiz.

 

A gente se prometeu que não ia chamar tanta gente, foi a mesma escolha de sofia de sempre, mesmo assim, ficou impossível reduzir a lista para menos de 40 pessoas. Para ser sincera, havia pelo menos mais umas 20 que queríamos chamar, mas chegamos a conclusão que não iam caber. Ano passado vieram pouco mais de 50 amigos e tínhamos 2 sofás a mais.

 

E lá fui eu cozinhar para o exército!

 

Acontece que já gosto de esquentar o umbigo no fogão e, no final das contas, o trabalho compensa. Levo uma semana cozinhando para que não fique muito pesado fazer de uma vez só. O arroz e a falsa couve estão congelados, a farofa também está pronta, as carnes, devidamente contrabandeadas, estão desalgadas e vão para o fogo daqui a pouco com a estrela da festa, o feijão.

 

Uma amiga veio me ajudar com as sobremesas, parte que é mais complicada para mim, que não consigo seguir receitas, não dá para fazer doces de olho. Ela está fazendo bolo, pudim, pavê e torta alemã, nesse momento inclusive, fui expulsa da cozinha. Daqui a pouco é minha vez.

 

E sabe que me animei? Estou curtindo receber o pessoal e é bom quebrar o jejum das festas maiores.

 

Vem alguns amigos novos, grupos que ainda não se conhecem e mais espanhóis do que ano passado. Vamos ver no que dá, mas costuma dar certo. Nesse sentido, nossa casa é bem brasileira e adoramos uma mistura. Pessoalmente, acho legal misturar profissões, interesses, idades, caso contrário, corre-se o risco de virar festa institucional.

 

Bom, melhor voltar para o tronco que ainda faltam algumas coisas e a feijuca é amanhã.

Eu e a ostra

Estou ficando com medo do mês que vem. Será meu inferno astral dos fatídicos quarenta, coincidindo com entrada emblemática de outono e ausência depressiva de luz. Pior, em algum momento entrarei na TPM! Talvez seja prudente pedir ao Luiz que me amarre na cama para evitar que corte os pulsos!

 

Sério, andei pensando nisso. Estou tão preocupada sobre o que fazer da vida nos próximos anos, melhor me concentrar em como sobreviverei no mês seguinte!

 

Para começar, estou uma ostra. Saio o mínimo possível, falo o mínimo possível. Poderia também comer o mínimo possível, mas nessa parte infelizmente continuo a mesma gulosa.

 

Assistir DVD no ar condicionado tem me parecido um pro-gra-ma-ço! Ler um livro então, o cúmulo da aventura! Não me lembro mais quando a gente deu a última festa. Agora, só reuniões com um ou dois casais. Isso pode parecer normal para muita gente, mas posso afirmar que para mim não é!

 

Será que estou mudando ou será apenas uma fase? Porque o que mais me assusta é o fato de estar bastante confortável assim. Isso pode ser grave! Até me auto analisei para saber se estou deprimida, mas cheguei a conclusão que era procurar pêlo em ovo, não estou deprimida. Pelo contrário, acho que os problemas mais sérios que enfrento hoje estão se resolvendo, de uma maneira ou de outra.

 

Passei a me preocupar mais com a saúde. Acho até que já me cuidava, mas isso vem ganhando prioridade. Em parte, pode ser pela péssima condição médica espanhola, mas sinto que vai além disso. Estou mais sensível aos problemas do mundo, as coisas me doem mais, levo mais tempo para me acalmar, fico arrasada e impressionada com a crueldade humana… Putz, os sintomas são claros: definitivamente, devo estar ficando velha! A diferença é que acreditava que a idade e experiência me fariam mais preparada para enfrentar o mal, digamos assim, mas na prática você tem mais consciência do tamanho que ele tem e isso é mais frustrante que encorajador.

 

Decidi que não vou fazer o Caminho de Santiago completo agora em outubro, por motivos diferentes aos que imaginava. Não tem nada a ver com a saúde do meu pai. Simplesmente, não está na hora. Engraçado porque tomei a decisão definitiva com a chegada de uma amiga do mesmo Caminho, me fez pensar que ele está lá e não sairá de lá. Do mesmo jeito que aprendi a decifrar os sinais de quando preciso ir, também estou percebendo quando não tem que ser. Nesse momento, o que preciso aprender e resolver está onde estou e vai para onde eu for.

 

Não quer dizer que ficarei em Madri, já tenho duas viagens planejadas. Uma para Munich, onde finalmente conseguirei participar da Oktoberfest. Que a propósito, é em setembro e não em outubro. E outra para Paris (ah… Paris…). Ambas viagens serão curtas, mas estou com muita vontade de ir. Na segunda, tentarei fazer algum curso de culinária, tenho buscado pela internet, mas ainda não encontrei nenhum que casasse datas e interesses.

 

Ou seja, setembro não me parece nada mal e o tempo está bem preenchido. Isso sem falar do aniversário do Luiz, que é esse fim de semana.

 

Depois vem o buraco negro de outubro, que nem quero pensar agora. E finalmente, novembro, quando as coisas parecem que irão melhorar.

 

Após quase cinco anos morando na Espanha, foi aprovada e regulamentada a validação da carteira de motorista brasileira. Como não precisava de carro, na verdade, seria uma trabalheira e um custo desnecessário, não tirei carteira novamente aqui. Mas agora com a validação, resolvi fazer a minha. Ficou marcado para o início de novembro, não havia data antes, será praticamente um presente de aniversário. Não me importava muito não ter a carteira aqui, mas agora que sei que poderei, me animei toda.

 

Luiz também se informou que na próxima renovação do NIE, que será nosso visto de residência permanente, independente da condição anterior, passo a ter direito ao visto de trabalho.

 

Não vou negar que a possibilidade de novamente possuir dois documentos com direitos fundamentais importantes é uma cenoura e tanto! Dá até medo ter expectativas porque já me frustrei um bocado com isso, mas agora está tão perto que talvez não seja ruim acreditar um pouco.