Sobre a diferença entre meninas e mulheres

Meninas aprendem desde cedo a fazer as pazes. Eu não fazia as pazes, no máximo, aceitava por conveniência, mas a iniciativa nunca era minha. Para mim, o jeito masculino parecia mais simples, você demarca seu território, eu demarco o meu. Acontece que não era um menino, só havia começado a praticar minha autosuficiência nata.

 

Dizem que é do signo, talvez seja, mas de maneira geral tenho duas alternativas, gosto ou não gosto. Meu comportamento no segundo caso é ignorar, nem é difícil, sai naturalmente. E não me lembro de alguma vez na vida tomar uma atitude contra alguém sem ter sido antes provocada. Também não me lembro de ter sido provocada, ou assim entendê-lo, e não ter tomado nenhuma atitude.

 

Acho que minha primeira adversária, quando tinha algum poder de decisão e não era puro instinto, devia ter por volta de uns nove anos. Um acordo mal feito entre figurinhas e papel de carta me rendeu um ódio mortal. Naquele ano, primeiro dela no colégio, fiz a vida dessa mini cidadã bem complicada. O ano se passou e no seguinte fomos da mesma turma outra vez. Os ânimos já haviam baixado, não tinha mais raiva, tampouco tinha interesse às discretas e indiretas tentativas de aproximação. Ela não me incomodava mais, simplesmente não tinha interesse.

 

Um dia precisávamos fazer um trabalho sobre folclore e não achava material nem a pau! Fui conversar com a professora sobre isso e ela ouviu. Poderia ser sua chance de me ver penar um pouco, mas diferente do óbvio, veio conversar comigo, me disse que tinha muito material e que poderíamos fazer juntas.

 

Ainda me lembro daquele ar de suspense que rolou em nossa volta e sabia que todas as meninas esperavam que dissesse não. Eu disse sim. Rapidamente, uma onda de fofoquinhas infantis se disseminou, porque eu só poderia ter aceitado para me aproveitar da situação e ela só poderia ter me oferecido porque estava armando alguma coisa. Eu aceitei porque achei que ela tinha cojones e, nesse momento, passou a me interessar, conquistou meu respeito. Ela ofereceu porque foi o caminho que encontrou para se aproximar. Nós realmente ficamos amigas, o que fez qualquer rumor morrer de velho. Nunca fizemos as pazes, era secundário e não fazia mais diferença de quem foi a culpa.

 

Eu poderia ter aprendido aí a lição do perdão, cheguei a pensar que sim, mas hoje acho que era muito jovem e fui quem o recebeu. Portanto, quem aprendeu mais foi ela, sorte a dela. Aprendi que impressões não são definitivas e que minha indiferença era tão brutal quanto qualquer atitude.

 

Melhor que tomasse rápido a consciência que era feroz e cruel. Isso dependia de mim, não de quem cruzasse meu caminho.

 

A primeira vez que perdoei, tinha 19 anos. Não era mais tão cruel, ou havia aprendido a controlar, mas ainda era bem feroz. Perdoei profundamente e a consequência foi descobrir que isso permitia que me perdoasse também. Foi libertador, um marco na minha vida, a transição para a fase adulta. Meninas fazem as pazes, mulheres perdoam.

 

Sou menos feroz hoje, mas só porque tenho menos fome. Continuo com os dois cães e minha vontade é sempre alimentar o errado, ele nunca morrerá de inanição, mas posso evitar que mate o outro.

 

Acabo de encerrar mais um ciclo e entender o que precisava desse. Os quarenta já podem chegar, estou pronta para eles. Não me sinto mais sozinha.

 

Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura – e a elegância – jamás.

2 comentários em “Sobre a diferença entre meninas e mulheres”

  1. Oieee Bi!!

    Deixei um comentário agorinha, em outro post, mas não sei se ele ficou registrado. Mas enfim… vou seguir a minha ladainha.

    Não podia deixar de comentar este texto, of course.

    Olha, achei muito engraçada essa tua reflexão sobre a diferença entre meninas e mulheres… e de que “fazer as pazes”, muitas vezes (ou normalmente?) é por pura conveniência – mais do que convicção ou escolha pelo perdão. Curioso… a mesma reflexão, há tempos, venho fazendo sobre o desejo de ajudar alguma outra pessoa ou pessoas. Até que ponto isso não é vaidade? Claro que a reflexão não é minha, muita gente discute isso. Mas nem tanta gente assim. 🙂

    Sei que mais complico que explico, mas paciência. Perdoar realmente é algo grande, assim como ajudar sem a necessidade de ser reconhecido por isso – vaidade. Enfim, há atitudes e práticas que nos tornam melhores que uma formiga, realmente – dentro do que nós e formigas podemos fazer. hehehehehehehe

    Agora, minha amiga, eu sei que sou boa em escrever textos pessoas criptografados… só que você acho que está me superando. hehehehehehe. Juro que adorei o texto, mas entendi pouco – ou quase nada. E fiquei com uma puta coceira para saber sobre esta tua fase de reflexão, decepções, mudanças de pele, melhorando o método de alimentar teus cães e de se sentir mais completa. Saudade de uma longa e interessante tarde de conversas em uma varanda e/ou sala de Madrid. Fique bem. E que os 40 cheguem plenos, suaves e com uma grande e boa energia.

    Beijos.

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