Música, amigos, despedidas, encontros…

Os fins de semana tem sido intensos (só para variar um pouquinho). Temos um casal de amigos queridos voltando para o Brasil e daí agendamos umas 35 festas de despedida. Assim a gente distrai a saudade e nem tem tempo de ficar triste. Vai chegando a sexta-feira e, até eu, uma festeira experiente, começo a pensar que não vou dar conta! Mas sempre damos, com maiores ou menores consequências no dia seguinte.

O contraditório, mas que faz bastante sentido, é que por saber que a lista de afazeres é longa, o medo da ressaca faz com que me preocupe mais em me hidratar, comer bem e estar boa para a próxima noitada. É assim, que a gente chuta o balde, a gente chuta, mas guardo um restinho de fôlego.

Na quinta-feira passada, tivemos aula do coral. Ensaiamos a próxima apresentação, que será no dia 8 de julho. Todo mundo cheio de alergia! Não é alegria, é alergia mesmo! Esse ano praticamente não houve primavera, a temperatura melhorou na semana passada e daí todo pólen do planeta explodiu em Madri. Resultado, um coral de fanhos! Mas tudo bem, vamos tocando o barco e vai melhorar.

Saímos do ensaio correndo e fomos jantar com um amigo que veio da Suíça. Em paralelo, era show do amigo que volta para o Brasil, então, unimos o agradável ao agradável, combinamos também com a esposa do cantor e jantamos no restaurante onde era o show. Tomei uma única caipirinha, juro!

Na sexta-feira, foi show do Maracatu FM, o vocalista dessa banda é meu professor de percussão. Como se pode notar, Madri é uma cidade bem pequena, todo mundo se conhece, principalmente os brasileiros. Pois é, uma outra amiga em comum se encarregou de fazer a maior propaganda desse show, e só nesse grupo de conhecidos, éramos 30 pessoas! Nos reunimos no bar ao lado para o aquecimento, a primeira noite do ano em que realmente senti calor, seja pela temperatura ou pelo whisky. O show foi ótimo! Verdade que de vez em quando pensava que depois de tocar com aqueles percussionistas, meu professor ia me ouvir tocar durante a semana e isso era bem intimidador. Prometi a mim mesma que iria estudar mais, se não fosse por muitas horas, pelo menos um pouco todos os dias. Depois esqueci, relaxei e me acabei de dançar.

Entrou madrugada e a fome veio junto, fomos em umas dez pessoas para o Mr. Dog, nossa última descoberta do hamburguer definitivo. E vamos combinar, para segurar a onda depois do whiskão, nada melhor que proteína e gordura! Eu me atraquei com um hamburguer com cheddar e cebola, a briga foi feia, mas ganhei!

De lá não esticamos, afinal para o sábado já estava planejado um churrasco, apelidado de churras-rave, porque só havia hora para começar. Abri os olhos pela manhã, mexi a cabeça para lá e para cá… beleza, ressaca zero! Vamos à próxima festa, o tal do churras-rave.

Levamos o arsenal de instrumentos batucadores e lá encontramos mais dois violões e gaitas. Não preciso nem contar, né? O de sempre, cantoria, batucada, cachacinha, muita água e muita coca-cola para segurar a onda com um mínimo de classe, enfim, o básico que é ótimo e diversão garantida.

Domingo, mais uma vez acordamos bem, mas também cansados. Puxamos o freio de mão um pouco para aguentar a semana. Almoçamos no Kabocla, que faz uma feijoada excelente nesse dia. Vamos combinar que um feijão com arroz faz total diferença para a recuperação de qualquer ser humano. Por outro lado, dá uma preguiça daquelas!

O resto do dia foi de morgação e de cuidados com a casa, finalmente comecei a escolher os trabalhos e quadros para cada parede. Luiz faz os furos para mim, porque sou muito perigosa com um martelo na mão! É que me empolgo e sou capaz de fazer uns rombos impressionantes!

Segunda-feira e tinha aula de percussão. Sentei o rabito no cajón e tratei de praticar antes da aula, repeti, repeti e repeti várias vezes! Não tem milagre, não sou uma gênia dos tambores, só suando muito para sair. Valeu à pena, pois mais tarde recebi meu primeiro “de puta madre”, o que em espanhol é muito bom! Fiquei toda feliz! É só um começo e tem muito chão pela frente, mas já é alguma luz no fim do túnel.

Essa semana tem mais e estou me resguardando porque é para profissionais o negócio, viu?

Começa na quinta-feira, não teremos aula porque é o aniversário da nossa maestra. Daí ela vai comemorar com um show de reagge no Siroco. Como o mundo é bem pequeno, com ela irão participar o amigo que volta para o Brasil e o professor de percussão. Conhecemos os outros músicos também, todos feras, mas falei desses só para ilustrar que o show tem tudo para virar festa de gente amiga.

Um intervalo para contar uma história, há um tempo nossa professora do coral, essa do show, fez outro em homenagem ao Cartola e uma das músicas do repertório era “Ensaboa”. O coral deu uma palhinha nessa música, foi nossa primeira apresentação em um bar. Muito bem, a segunda voz é formada por três cantoras, duas amigas e eu. Essa segunda voz é mais aguda, então a melodia cantava para a gente: ensaboa, mulata, ensaboa… e respondíamos: … tô ensaboando! Não demorou muito para virarmos “as lavadeiras”. Apelido que ficou para nós três, ou a segunda voz.

Porque contei isso? Porque “As Lavadeiras” também vão dar uma palhinha nesse show de Reagge da quinta-feira, vamos cantar “Vamos Fugir”, do Gil. Vou ser sincera, estou com um pouco de vergonha e nervoso, mas ao mesmo tempo, com vontade de fazer. É que quando a segunda voz erra, nem sempre dá para perceber, mas nesse caso, faremos melodia e bate a responsabilidade. Sei que o risco não é alto e o show não é nosso, mas tanto a casa quanto os músicos são ótimos, ninguém quer fazer feio, né? Acho que só vou relaxar na hora que terminar de cantar. Tomara que nossa música seja logo no começo, assim posso me esgoelar e me acabar de dançar tranquila depois.

Está pensando que acaba por aí? Nada, tem programação para sexta, sábado e domingo, todas despedidas do casal que vai embora.

Ai, meu deus, acho que na próxima segunda-feira entro no soro!

E as aulas de percussão?

Sou do tipo de pessoa que acredita que quase nada é impossível. É assim, se vejo alguém fazendo algo que gostaria, salvo os extremos, nunca penso: nossa, nunca seria capaz de fazer isso…

Não é que não reconheça o esforço alheio, muito pelo contrário, é só uma maneira otimista de pensar que se alguém pode, por que não tentar? Então, pelo menos tento.

Bom, sempre quis dedicar um tempo à percussão e, de certa forma, venho me enveredando por esse caminho, de maneira mais discreta. Até que deve ter por volta de um mês, ganhei um cajón do Luiz, que tomou a iniciativa de também buscar um professor particular para mim, antes que eu tivesse tempo de pensar se era isso mesmo que queria. Foi meio no susto!

Como venho dizendo, ando super ocupada e não era exatamente o melhor momento para entrar em mais uma aula. Mas sabe essas coisas que você pensa que nunca há a época perfeita e é melhor tentar do jeito que dá?

Muito bem, lá fui eu ter aula de percussão duas vezes por semana, com um percussionista que admiro bastante o trabalho, ou seja, um pouco intimidador, né?

Então tá, fui cheia de confiança, afinal de contas, levo jeito para percussão, tenho ritmo e bom ouvido. Quer dizer, isso era o que acreditava. Achei que ele ia batucar de um lado e eu ia repetir do outro igualzinho!

Pois bem, vou ser sincera, tenho encarado como um exercício de humildade! Porque taquiupariu lá longe, é difícil pacas! Minha coordenação motora está muito aquém do que imaginava. Na boa, é constrangedor, porque o ouvido escuta uma coisa, o cérebro manda outra e as mãos fazem uma diferente! Caraca que raiva me dá! Ando suando em bicas literalmente a camisa, não sei se pelo movimento dos tambores ou pelo nervoso de não acertar aquela bosta!

Sério, nas primeiras duas aulas, cheguei em casa decidida a transformar o cajón em mais um banquinho da sala! Felizmente, nas duas seguintes ele deu uma passeada por outros instrumentos onde, com bastante dificuldade, consegui melhorar. Deu uma certa esperança, né?

O pior é que sou uma caxias e preciso praticar, estudar e a falta de tempo está me matando! Daqui a pouco vou para a aula e, para o desespero do meu professor, ainda não estou pensando em desistir! Nem quero ser profissional, só quero batucar direitinho e não fazer feio. Não é possível, uma hora preciso acertar!

Em paralelo, estamos ensaiando a apresentação do coral, que será no início de julho e o tema é Samba. Cantar, tudo bem, preciso ensaiar, melhorar e tal, mas acho que vamos positivamente. O caso é que alguns de nós, eu incluída, vamos batucar em umas músicas. É que também estudamos um pouco de percussão antes das aulas. Alguém já experimentou cantar e batucar ao mesmo tempo? Parece simples, né? Não é e outra vez tenho ralado para conseguir sair alguma coisa razoável!

Daqui a mais ou menos um mês, conto como foi a evolução dessas histórias. No mínimo, serei um ser humano mais consciente das minhas limitações. A outra possibilidade é atirar os instrumentos pela janela, então, deixa eu respirar fundo… ahummm…

Hoje até acordei mais cedo!

Vamos ver se assim cabe tudo no dia. Na semana passada, uma amiga me disse que precisava de alguém ao lado dela dizendo o que ela teria que fazer durante o dia, nas coisas mais básicas, porque o tempo vai passando e a gente acaba não fazendo tudo por não se organizar bem.

Desde que mudei para cá, me prometi levar um pouco da vida francesa e comprar os ingredientes frescos para as refeições de cada dia. Já vão quase dois meses e nada! Acabo comprando tudo por internet, é mais fácil! Uma coisa me atrapalha muito, é essa tal de “siesta”, no horário que teria mais disponível, é justo quando todo o comércio fecha. Hoje resolvi tentar me organizar mais cedo, vamos ver se consigo criar o hábito. E criar hábitos é difícil, putz, principalmente os corretos e saudáveis!

O fim de semana foi bom na medida certa, não chutamos o pau da barraca, mas também não foi parado. No sábado, fomos ao show da Maria Rita, que passava por Madri. Quando ela foi lançada eu já estava fora do Brasil, mas acompanhei um pouco a polêmica do ser ou não ser como a mãe, eis a questão… questão essa que me abstive e fui ver com meus próprios olhos o que achava. Gostei e tirando um ou outro trejeito encaixado, nem achei tão parecida à Elis assim.

Coincidiu de ser também dia de San Isidro, o padroeiro de Madri e o centro da cidade estava bombando! Lotado! Quando saímos do show foi complicado achar algum lugar para ir. Provamos uma lanchonete nova que abriu na Calle San Bernardo, Mr. Dog, pelo que entendi, é de brasileiros. Os sanduíches estavam muito bons, acho que o melhor hamburguer que comi por essas bandas. O atendimento foi simpático, mas estava difícil, como disse, não era um dia comum e todos os lugares estavam entupidos de gente! Vale uma segunda ida com mais calma.

De lá, seguimos para o Kabocla, encontrar com um amigo que fazia aniversário. Achei que fôssemos virar a noite, mas a verdade é que bateu preguiça. Estava cheíssimo e não dei conta da cigarrada. Não estava no pique de beber e aí fica difícil respirar na selvagem e esfumaçada noite madrileña. Voltamos caminhando para casa, já que tudo agora é tão pertinho.

Bom que no domingo não tinha ressaca e era dia de sol. Esse tem sido o inverno mais longo que passamos na Espanha, a primavera quase não existiu, poucos dias de temperatura agradável. Portanto, o tempo bom e ensolarado do domingo não podia ser desperdiçado! Fomos buscar alguma terraza pelas redondezas e claro que não havia lugar em nenhuma, mas achamos um bom restaurante e depois demos uma volta a pé para queimar o musgo da pele. Nosso felino também saiu pela casa buscando as frestas de sol para fazer sua gatossíntese diária.

Esqueci de contar, nessa festa de San Isidro, as pessoas se vestem de “chulapos”, que é um traje assim:

 

Bom, o que achei engraçado foi em uma entrevista com crianças, perguntaram a um menininho todo arrumado do que ele ia vestido e ele respondeu bastante decidido que estava vestido de “guapo, muy guapísimo, con ropas guapas”. O que poderia ser traduzido como: vou vestido de bonito, muito bonitíssimo, com roupas bonitas! Ou seja, o vocabulário poderia melhorar, mas a autoestima estava nas alturas!

E é isso aí, deixa me arrumar para sair. Quero ver se consigo ir de guapa, muy guapísima, de ropas guapas!

Ocupada!

Levei mais ou menos uma semana para abrir e arrumar as caixas. Demorou um pouco mais porque durante dois dias ainda tinha gente em casa trabalhando e aí ficava impossível. A casa ainda não está 100%, mas as únicas caixas que faltam arrumar são as das obras de arte. Leva um tempo até saber que quadro vai em que parede, que objeto fica melhor onde, essas coisas. Toma um pouco de espaço e dá um ar que a casa ainda não está arrumada, mas não me atrapalha em aspectos práticos.

Depois, estava no limite do limite para começar a trabalhar na exposição de agosto. Comecei. Já andava há algum tempo querendo voltar a trabalhar com papel. Pensando um pouco na facilidade do transporte das obras para o Brasil, me pareceu uma excelente oportunidade de unir o útil ao agradável. Gostaria de estar um pouco mais adiantada, mas paciência. De qualquer maneira, voltei a ter os cantos das unhas sujos de tinta, coisa que me deixa feliz.

Em paralelo, comecei a ter aulas de cajón, instrumento considerado espanhol, mas na verdade é peruano e trazido para o flamenco por um brasileiro. A pele da minha mão ainda é muito fina, preciso calejar um pouco e acertar a batida. Desconfio que sou uma mulher um pouco estranha, fiz uma força danada para ficar com os pés meio cascudos, por causa das caminhadas, agora preciso engrossar as mãos! E ao invés de ficar feliz em fazer a manicure, me agrada mais os cantinhos sujos de tinta. Coitado do Luiz!

Os ensaios do coral também aumentaram, pois no início de julho teremos uma apresentação. É uma oportunidade para fazer a transição para algo mais evoluído e não tão caseiro e só para amigos. Nesse caso, faço muita segunda voz ou canto a melodia em tons mais agudos. Até que enfim alguma coisa que pareça um pouco feminina!

Assim que de uma hora para outra, meu tempo minguou. Não é um problema, no fundo, gosto de estar ocupada. Mas atrapalha um pouco a escrita, preciso de calma para sentar e organizar as idéias. Engraçado isso, porque noto que esses dias que escrevo menos ou não escrevo, ando mais confusa. Quem mandou faltar a terapia blogueira tantos dias?

A verdade é que esse último mês minha vida mudou radicalmente e ainda estou absorvendo. A mudança da casa foi só uma das variáveis que fizeram parte do contexto, mas acho que até isso foi muito mais consequência do que causa.

Tenho achado meu rosto mais envelhecido no espelho. A gente se olha todos os dias e não vai notando o tempo passar, mas de uma hora para outra, tenho a sensação de ter subido um degrau. É só uma constatação. Não sei se estou mais cansada ou realmente mais velha, porque minhas alterações maiores são sempre ao redor dos olhos. Assim que às vezes não tenho certeza se o que envelheceu mais foi a pele ou o olhar.

Minha família vai bem, entre um susto e outro, pelo menos para mim, veio a melhor notícia. Meu pai começou a tomar um anti-depressivo. Esse para ele foi um passo muito importante, porque ele nunca acreditou em depressão. Muita gente relaciona esses aspectos sempre com fraqueza ou tristeza, mas por vezes é um processo químico que pode ser auxiliado. Acho fundamental o apoio de um profissional e definitivamente tem gente que passa da raia e tenta resolver a vida com remédios, mas esse não era o caso. O humor dele melhorou, a voz que escuto no telefone é de outra pessoa e com certeza isso estará melhorando também a vida da minha mãe. Entendi que o que me incomodava mais em toda essa história não era o medo da perda, mas a maneira miserável como ele estava vivendo, sem merecer e sem precisar. Vida e morte andam juntas, sou sinceramente capaz de aceitar as duas, mas me recuso a aceitar o sofrimento desnecessário. Por tudo isso, pelo menos momentaneamente, estou em paz.

Pouco a pouco estou voltando a caminhar e me faz bem sentir que é possível recuperar o condicionamento. Ajuda muito quando a temperatura melhora, a gente se anima mais a ir para a rua. E falando em caminhadas, na semana passada veio a Madri um amigo brasileiro que conheci no primeiro Caminho de Santiago e foi bem legal revê-lo. Está em um momento difícil de questionamentos que me lembra muito dos meus passados. As pessoas são diferentes e não tem porque as histórias serem as mesmas, mas me deu um pouco de vontade de dizer, calma, parece absurdo, mas é normal, vai dar tudo certo. Talvez diga depois.

No sábado, chamei alguns poucos amigos para uma inauguração secreta do apartamento. O que me lembra aquelas histórias em quadrinhos, onde há uma placa escrito: esconderijo secreto do Professor Pardal. Fazer o que? Pela quantidade de amigos que temos, motivo de alegria, não há mais condições de fazer uma única festa com todo mundo. Assim uma primeira vez, queria ver quanta gente cabia confortavelmente, se os vizinhos reclamavam, essas coisas. E também porque gosto de conversar com as pessoas e nas reuniões maiores acabo falando com todos e com ninguém ao mesmo tempo. Resumo da ópera, foi ótimo! Pelo menos a parte que o álcool me permite lembrar. Cantamos, tocamos, rimos, choramos, abraçamos, comemos e bebemos pacas! Boa notícia, até o momento, nenhum vizinho reclamou. É verdade que era difícil saber de onde vinha mais barulho, da nossa casa ou da rua! Desconfio que era do nosso apartamento. Tudo bem, todo lar precisa de um batismo. Casa devidamente batizada!

 

No domingo eu era uma planta! Não saí da posição horizontal! Da cama para o sofá para a cama! Levantei só um pouquinho para cozinhar, porque tinha uma fome alucinante!

Segunda-feira, não tem jeito, bora tocar a vida! Acabei de testar uma técnica em uma gravura que não deu certo. Daqui a pouco vou para a aula de cajón e na volta preciso trabalhar mais um pouco nas gravuras. Já a faxina… vai ficar para amanhã!

… mas, e a mudança?

Na primeira vez que nossa mudança chegou a Madri, vinda de Atlanta, admito que estava em pânico! Não conseguia entender como um caminhão daquele tamanho ia parar em uma rua que nunca tinha vagas. Sem falar que havia um corredor comprido onde tinha certeza que alguns dos meus móveis não passariam! O elevador (esse tinha elevador) era minúsculo! Enfim, não tinha idéia como aquela porcaria ia funcionar!

 

Logo descobri que o primeiro problema tinha solução fácil. As empresas transportadoras pedem autorização, com cerca de uma semana de antecedência, e tem disponíveis as vagas em frente ao seu edifício no dia da mudança. O carro que estacionar nessas vagas pode ser rebocado. Descobri recentemente, que a regra é parecida em ruas onde não há espaço de estacionamento, se fecha a rua por determinado período de tempo. A diferença é que para conseguir essa autorização demora mais, por volta de um mês.

 

Pois bem, ainda falando da primeira mudança, pela manhã subiu o indivíduo responsável para conhecer o apartamento e se planejar para como as coisas iriam entrar. Subiu pelo elevador pequeno, seguiu pelo corredor comprido, olhou da janela decidido e eu com aquela cara de nádegas, esperando o momento dele me dizer o tamanho do pepino! Sorriu e me disse algo como: ah, essa mudança é tranquila!

 

Luiz e eu nos entreolhamos com aquele ar de interrogação, que parte ele não entendeu? Mas se ele disse que era fácil… E era! Em três segundos ele arrancou a janela da sala e posicionou um tipo de elevador exterior por onde subiram quase todos os móveis. Inclusive, foi bem rápido!

 

De maneiras que depois disso, relaxei mais com as mudanças e sei que eles encontram uma solução. Por outro lado, também fiquei mais esperta com o que cobrar. Nessa última vez, por exemplo, se tivesse dado mole, teria ficado sem o tal elevador exterior, peça fundamental para o sucesso da empreitada.

 

Então tá, acordamos cedo e deixamos tudo preparado, Jack preso no banheiro com suas coisinhas. Luiz conseguiu folga no trabalho para me ajudar. Ótimo, tudo sob controle!

 

Às 10:00hs, reconheci da janela o responsável caminhando pela calçada. Ele subiu e ficou conversando um pouco com Luiz, porque a autorização para fechar a rua era só para às 11:00hs. Pontualmente, o caminhão apareceu e fecharam o trânsito do quarteirão em seguida. Ninguém reclama, se entende que é assim e pronto. Por outro lado, dá um pouco de vergonha de toda aquela movimentação chamando atenção.

 

 

Pois bem, o caminhão da mudança estaciona na frente e o do elevador externo em seguida. Sobem um tipo de escada de incêncio pela sua janela, encaixam direitinho e é por ali que vão os móveis e as caixas. Já começaram logo com o mais pesado, uma escrivaninha antiga em madeira maciça que é nosso xodó. Ou seja, se era para dar algum abacaxi, seria com ela, o resto era mais simples. A mesa da sala e o sofá tiveram que vir pela escada mesmo, mas não são tão pesados e foi simples. Todo o demais, incluindo as caixas, veio pela janela. No máximo, por volta das 15:00hs, estávamos com tudo dentro de casa!

 

 

Soltamos o gato, que saiu cheirando tudo. Aquela confusão de caixas e Jack feliz da vida em reconhecer os aromas do seu ambiente. Foi quando ele entendeu que já não mudaríamos daqui. Se atracou com seu sofá querido do coração, não queria largá-lo por nada!

 

Beleza! Agora era só abrir e arrumar… umas sessenta caixas!

Como mudar de país!

Voltei! Estava com saudade de escrever e fiz mil textos na cabeça, já que não conseguia tempo nem sossego para sentar em frente ao computador.

Aos poucos vou contando o que se passou por esses dias, mas o resumo da ópera é que estou morrendo de amores pelo meu novo bairro. É natural que no início das paixões a gente não veja os defeitos, e a essa altura, pouco me importa que eles aparecerão. Melhor aproveitar o momento e depois a gente vê o que acontece.

As redondezas de onde vivemos agora não lembra em nada o ar aristocrático do bairro anterior. Como tudo que é alternativo, ou não tão certinho, sempre parece mais real. Porque as pessoas estão mais preocupadas com problemas de verdade e não com as mariconadas que garantem o status quo.

Não sinto falta do elevador, nem da terraza gigante, nem da portaria arrumada, nem das calçadas mais limpas. Um pouco da área de serviço, admito. Por incrível que pareça, o que mais senti foi a distância do Trifón, do Sonia e do Rincón de Jaén, nossos restaurantes favoritos que íamos a pé e conseguíamos mesa nos momentos mais impossíveis. Minhas referências de casa são igualmente onde durmo e onde como.

Não que nos falte onde comer agora, muito pelo contrário. Surpreendentemente, encontramos ao redor comida do mundo inteiro! Também pela proximidade das zonas turísticas, pessoas do mundo inteiro! Distintos idiomas e sotaques.

A gente recebe o que pede, e por isso precisamos ter muito cuidado com o que desejamos, mas nesse momento, tudo o que queria era voltar a morar em um lugar cosmopolita e urbano até os ossos! Viver nesse pequeno oásis de mentalidade mais aberta foi como mudar de país. Tenho consciência que é uma redoma, mas não me importa, é um ar fresco.

Aqui em volta tem cubano, italiano, francês, asiático, americano… Espanhóis também, é lógico, e sinceramente me agrada! Mas não sei, a convivência parece mais harmônica. As pessoas são de mais cores, diferentes traços e matizes. Sempre sou mais feliz dentro da mistura.

Mas vamos aos fatos, voltando um pouco o relógio, em uma terça-feira à noite, 13 de abril, o último operário saiu de casa depois das 21:00hs. Lá foi Luiz e eu correr para limpar a casa, na medida do possível, afinal, teríamos visitas no dia seguinte. A gente está acostumado a estabelecer rotinas em situações absurdas com a maior naturalidade, mas queríamos que os convidados também estivessem à vontade.

Só para lembrar, nossa mudança não havia chegado ainda, estamos falando de uma casa praticamente sem nada. De móveis, tínhamos 4 cadeiras dobráveis, uma micro mesa, 1 colchão de casal e 2 de solteiros, a vinoteca, a mesa do computador com um laptop e as coisas do Jack. Claro, nosso gato tinha seu “apartamento” completo!

Coloquei na sala os 2 colchões de solteiros, um sobre o outro, como se fosse um sofá, com as cadeiras em volta, assim pelo menos a gente tinha onde sentar para conversar. E como o primeiro casal que chegaria não ia dormir, logo que eles saíssem, montaria os colchões como cama para os hóspedes.

Muito bem, por volta das 11 da manhã, chegou o primeiro casal de amigos. Vinham do Brasil para a Alemanha e o vôo fez uma escala de 8 horas em Madri. Ficar no aeroporto por todo esse tempo, além de desgastante, era uma besteira, considerando que moro aqui. Enfim, deixaram as malas no aeroporto, o check in para o próximo vôo engrenado e vieram para cá.

Em outra ocasião, teria feito um almoço legal, mas nessas condições, relaxei e resolvi comer na rua mesmo. Fomos ao restaurante cubano aqui do lado, comer um arrozinho com feijão e mandioca frita, assim, segundo minha amiga, a adaptação da volta do Brasil era gradual. Ainda demos uma voltinha pelos arredores e voltamos para casa para esperar meus primos chegarem.

Por volta das 16:00hs, chegaram meus hóspedes, minha prima e seu marido, vindos de trem desde Barcelona. Madri era a última parada da viagem. Ficamos na sala batendo papo (sim, nos colchões e nas cadeiras desmontáveis) até que chegou mais uma amiga que mora aqui e, por coincidência, conhece minha prima há séculos.

Na hora que essa última amiga chegou, era exatamente o momento que o primeiro casal precisava voltar ao aeroporto. Claro que gerou mil piadas que eles precisavam ir embora e liberar duas cadeiras para mais alguém sentar!

Com aquele entra e sai de gente, minha amiga brasileira, que me conhece há muito tempo, se acabava de rir da confusão, enquanto seu marido, alemão, não entendia bem toda aquela rotatividade, como a coisa mais normal do mundo, em um apartamento sem móveis!

Logo, meus primos e essa amiga, saímos para caminhar pela cidade. A amiga mora no centro há algum tempo e conhece todas as biroscas existentes. Acabei conhecendo dois lugares que quero voltar, um onde se come em pé a tal da “tajada”, um pedaço de bacalhau fresco empanado muito gostoso, e olha que não ligo para bacalhau! Outro, um bar que é um apartamento de cobertura transformado, só quem conhece chega lá, porque não tem letreiro nem nada, você literalmente toca o interfone para entrar. É um pé sujo com uma vista interessante, que vale para passar e tomar uma bebida entre uma coisa e outra. Em madri, você nunca fica em um lugar só.

Meus primos ficaram até domingo, dia 18 de abril e deu tudo certo. A falta de móveis não pareceu um problema tão grave, pelo menos para a gente, até porque ficamos muito na rua. No sábado, fomos até Segóvia e na volta esticamos até La Granja, que não conhecia ainda e achei uma gracinha.

Muito bem, nesse meio tempo, foi quando explodiu o tal vulcão na Islândia! E até o último minuto, existia o suspense que eles conseguissem voltar para o Brasil. Por mim, tudo bem, mas considerando que no dia seguinte à sua partida chegaria nossa mudança… acho que seria um pouquinho confuso, né?

No fim, também deu tudo certo. Luiz conseguiu fazer o check in deles on line e não enfrentaram grandes filas no aeroporto.

Só nos tocava voltar para casa, descansar um pouco e esperar chegar a famosa mudança marcada para 19 de abril.

Nota de esclarecimento paterno

Meu pai está internado por precaução, mas está tudo sob controle.

Ele descobriu – por acaso, como sempre – que estava com um coágulo no pulmão. Quando não se sabe, pode ser um problema seríssimo, porque o coágulo poderia circular com consequências fatais. Mas descobrindo-se a tempo é relativamente simples de resolver. Basta tomar a medicação e aguardar que se dissolva (+/- 5 dias). A única coisa chata é que a medicação precisa ser tomada no hospital.

Aos amigos e conhecidos, quem estiver no Rio de bobeira e quiser visitá-lo, será muito bem vindo! Ele está bem e de bom humor, só entediado de estar internado.

O ciclo das obras

Obra é ótimo, né? Principalmente quando acaba!

No Brasil, quando os apartamentos eram nossos, fizemos obra em absolutamente todos! Acho que mais por minha causa do que pela do Luiz, ainda que depois ele pareceu também pegar gosto. Com o tempo ficou mais fácil, você vai conhecendo quem trabalha melhor, calcula bem as quantidades, sabe onde estão os fornecedores. A linguagem é fundamental, aprendi a falar com naturalidade “táuba”, “demão” (sempre no singular: é duas demão!), “vrido”…

E não era só contratar não, me metia na obra mesmo! Carregava material, ajudava a instalar coisas e até que me virava bem. De certa maneira, acho que isso acabava por contribuir que os operários me respeitassem mais e nunca tive nenhum tipo de problema nesse sentido. Vamos combinar, o nome “artista plástica” pode ter seu glamour, mas na prática, somos operários de luxo e normalmente ganhamos menos. Então, era um trabalho que nunca me intimidou e sempre fui chegada a uma ferramenta.

Às vezes, no meio do caos, rolava alguma história divertida. Não dá para esquecer do Tonhão, um eletricista que era um baita de um negão 4×4, todo musculoso,  e que se borrava de medo do meu gato. O mestre de obras e o pedreiro, que já tinham sacado que Jack não podia ser mais manso, se acabavam de rir da paura do Tonhão e, devo admitir, que era um pouco malvada, porque também não resistia e alimentava a idéia de que o tonto do nosso felino era uma verdadeira fera, só controlável quando eu estava por perto! Aquele homem daquele tamanho só entrava nos ambientes se eu entrasse primeiro para garantir a segurança. Coitado, Jack bocejava de sono e ele enxergava um leão pronto para atacá-lo!

Enfim, toda obra tem um ciclo. Começa com a empolgação em mudar e a euforia de construir algo personalizado, novo. É seguida da raiva pelos atrasos inevitáveis e, se você não estiver presente, pelas decisões mais estapafúrdias possíveis tomadas pelo pessoal contratado. Logo vem o desespero daquela bosta que não acaba nunca! Onde você estava com a cabeça quando resolveu fazer aquela merda daquela obra? E, finalmente, o alívio do fim! Você já nem quer saber se foi o que queria em princípio, só quer que acabe! Acontece que a poeira baixa e assim que você consegue limpá-la, vem a curtição. Acho que bate algum estado de demência, porque me esqueço rapidamente de toda a chateação.

Bom, acabei de me mudar para um apartamento cuja obra não está terminada. Não faltava muita coisa e agora falta menos, então digamos, que pulei algumas etapas do ciclo e entrei diretamente na fase do desespero para acabar logo! Menos mau que cheguei fresca e de bom humor, sem o desgaste das etapas anteriores. E a verdade é que está ficando bonito e muito dentro do nosso gosto pessoal, ainda que seja alugado.

Acho que hoje termina, há um operário nesse momento trabalhando no banheiro. Estou naquele esquema de o que acabar acabou e o que sobrar vai ficar para a próxima encarnação.

Amanhã recebo um casal de hóspedes, que fica até domingo, quero que a casa tenha algum clima de normalidade. Além dos hóspedes, chegará no mesmo dia um casal de amigos que faz uma conexão de vôo de 8 horas de duração em Madri. Para não ficarem bestando no aeroporto, virão para cá e a gente aproveita e mata a saudade antes deles seguirem para Alemanha, onde moram. Lembra que falei que há um operário trabalhando nesse minuto no banheiro? Pois é, melhor que ele termine, porque amanhã recebo quatro pessoas em uma casa quase sem móveis! Na próxima segunda-feira (isola!), chega a mudança, aquela bem simples, em que teremos que parar a rua.

Por conta disso, ando meio ansiosa, nem é em um mau sentido, mas quero que as coisas se resolvam e tenho prazos para cumprir. Gostaria de arrumar logo a casa e começar a trabalhar na exposição de agosto.

Aliado a quase duas semanas comendo na rua, o corpo sentiu e me bateu uma certa azia na semana passada. Ainda que seja gulosa pacas, cuido muito da minha alimentação, pelo menos durante a semana, e faz muita diferença. Bom, não ajudei muito chutando o pau da barraca no vinho na sexta-feira e no sábado estava um lixo! Só consegui sair da cama à noite, enjoada e com uma dor de estômago daquelas. Levantei direto para irmos a um churrasco na casa de amigos, o que foi bom, porque nesse caso, a gordurinha da carne caiu que foi uma beleza. Claro que ficou todo mundo me gozando pois só fiquei na água e na coca-cola, com bastante gelo! Bom para Luiz, porque dirigir de volta ficou por minha conta.

No domingo, fomos a um aniversário-feijoada e foi tudo de bom! Levamos os instrumentos e tocamos um pouco. Abusamos da cachacinha, mas dessa vez, caiu muito bem. Quando digo que a comida faz toda a diferença do mundo!

Mas tudo bem, porque agora já temos pia e, consequentemente, voltei a cozinhar. Nossa, de cara fiz um feijão só no alho e cebola, um arroz bem refogado, farofa e bife. Mais caseiro impossível! Para quem acompanha o blog, sim, aparentemente o fogão é pirolítico total! Gostei mais do que o de cerâmica, mas já percebi que perderei outro par de panelas. A pia é profissional, a torneira é móvel e regulável, igual a de restaurante. Definitivamente, a cozinha é a estrela da casa. Para quem gosta de esquentar o umbigo no fogão, como eu, é perfeito.

Acho que o cidadão acabou de arrumar o banheiro, vou lá…

O mistério do fogão de indução e seu manual

Tem mais alguém que ame de paixão manuais de aparelhos elétricos ou eletrônicos? Porque, na boa, cada vez que vejo aquelas verdadeiras enciclopédias, em diversos idiomas, tenho vontade de voltar ao tempo das cavernas!

Até bem pouco tempo, não lia bosta de manual nenhum! Saía apertando o que parecia lógico e o que não funcionava, perguntava ao Luiz, que aliás, lia todos os manuais! Parecia até gostar, o que sempre me deixou desconfiada que podia ser algum distúrbio, sei lá…

O problema é que o mundo se tornou complexo! Qualquer merreca de espremedor de frutas tem 47 funções! Há telefones celulares com tantas possibilidades que me surpreende que ainda por cima se consiga falar através dele! A propósito, o carro do Luiz fala!

O que quero dizer com tudo isso é que eu, uma das últimas dinossauras resistentes, fui obrigada a me render aos manuais! Admito que melhoraram muito, principalmente a parte de ilustrações. Ainda assim, é um saco! Aliás, alguém poderia tentar fazer um manual como histórias em quadrinhos, seria bem mais divertido.

Pois é, daí estou no apartamento atual, aprendendo a utilizar os aparelhos novinhos em folha. O proprietário caprichou e chegou tudo de última tecnologia, até aí, maravilha! Tudo lindo! E, obviamente, tudo acompanhado dos respectivos manuais. Ui! 

A máquina de lavar louça ficou para o Luiz, só tive que dar um ou outro pitaco. Para mim, sobrou a lavadora e o fogão. Não adiantava pedir para ele, sou eu que uso e achei que ia tirar de letra. A lavadora foi mais simples, afinal, já havia quebrado a cabeça quando mudei para a Espanha e entendido que símbolo significava o que. Já o fogão…

Começa que nem o fogão nem o forno tem nenhum botão! Pelo menos, nenhum visível, é tudo camuflado ou embutido. O fogão é uma placa de indução, que a besta aqui só entendeu que era diferente de uma placa de cerâmica agora. Olhando para os dois é a mesma coisa, mas o funcionamento é totalmente distinto. Ah, tá… Taquiupariu, vou ter que ler o manual!

Pego o manual em 32 idiomas e nem tento me exibir, fui logo para o português mesmo! De abrir e achar as instruções na minha língua já me deu sono. Tudo bem, Bianca, atitude por favor! Comecei a ler com alguma boa vontade.

Primeiro, o fogão não liga se não tiver uma panela sobre a placa, no local dos bocais. Todo mundo entendeu que o bocal é um desenho, né? Ok, lá vou eu catar uma frigideira para fazer o teste. Coloco a frigideira, aperto que que tinha que apertar e nada! Tudo liga, mas fica piscando e apaga em seguida. Essa bosta veio com defeito, não é possível!

Passa Luiz, dá uma olhada no manual e diz qualquer coisa que a panela precisa ser de um material específico que o fogão de indução reconheça. Bom, li alguma coisa assim no manual, mas me pareceu um completo absurdo! Panela é panela! Achei que quando se dizia ser fundamental que a panela fosse específica para aquele fogão, se tratasse do seu melhor aproveitamento. Nunca imaginei que um fogão pudesse reconhecer uma… panela!

Não quis entrar na discussão, porque só gosto de comprar as brigas que tenho certeza, me restringi a aceitar meio contragosto e buscar outra panela maior. Dessa vez funcionou! Como se tratava de uma panela de pressão relativamente antiga, achei que não tinha nada a ver com tecnologia, simplesmente era mais pesada. Cheguei a colocar uma outra frigideira sobre a que não funcionava para ver se era o peso. E nada!

Cassilda! Onde foi parar o bom e velho fogão de fogo? Eu quero FOGO! Fo-go! Ele é feinho, chato de limpar, mas cozinha que é uma beleza!

Muito bem, pelo menos com alguma panela consegui que o fogão funcionasse, logo concluí que não tinha nenhum defeito, a defeituosa era eu! Resolvi entender o forno. Depois da surra do fogão, o forno foi mais dedutivo. Para algo serve a curva de aprendizagem!

Bom, tínhamos que comprar alguma coisa na loja de ferragens, que aqui se chama ferretería, e Luiz sugeriu que tentássemos também comprar outra panela apropriada. Entre nós, achei uma bobagem, mas para não parecer implicante, concordei. De qualquer maneira, já precisava mesmo de outra frigideira. Chegamos na loja e a primeira coisa que o vendedor nos disse é que se o fogão era de indução, só funcionaria com as panelas apropriadas! Lógico!

Solucionado o mistério do fogão, poderia ter ficado quieta, mas preferi não perder a piada e contei para Luiz o que se passou pela minha cabeça quando ele veio com aquele negócio que o problema era da panela. Para que? Ele ficou todo satisfeito porque finalmente tinha razão e agora quer contar essa história para absolutamente todo mundo, claro que adicionando alguns detalhes por sua conta, para dar um pouco mais de graça, digamos assim.

No mais, tudo bem, ainda não temos pia, mas acredito que até o fim da semana se resolva. Enquanto isso, a gente faz o sacrifício de conhecer um restaurante novo a cada dia. É um sofrimento, mas alguém tem que passar, né?

Mudamos!

…quer dizer, pelo menos a primeira fase da mudança.

Às vezes, eu mesma me surpreendo com a facilidade em que navego no caos, parece que é meu elemento mais produtivo, vai entender! Não é que não me preocupe ou não me canse, mas sempre é mais estimulante.

Fizemos tanta coisa que nem sei por onde começar a contar, essa é a desvantagem de levar mais de uma semana sem escrever. Vamos pela cronologia, que assim vou me lembrando.

 

No último fim de semana de março, começamos a trazer algumas coisas para o apartamento novo. Tinha feito meu dever de casa e deixado o indispensável empacotado e separado para trazermos antes da mudança definitiva. Em princípio, Luiz queria alugar uma perua, recrutar dois amigos que se ofereceram para ajudar e carregar aquele monte de tralha. Achei a maior roubada! Cheio de gente forte precisando de trabalho, vamos combinar, tem economias que honestamente não compensam. Alguns dias antes, ele chegou a sugerir que eu deveria dirigir a furgoneta! Engraçado como há 16 anos casados e ele ainda não perdeu o medo da morte! Eu? Euzinha? Esquece, contrata ajuda!

 

Pois acho que foi a melhor coisa. No domingo pela manhã, chegaram três indivíduos bem dispostos, dois deles brasileiros, e carregaram o que tínhamos de mais pesado. Acabamos por incluir algumas coisas e assim ter maior conforto para esperar a mobília.

 

Entre nós, acho que até o momento que a bagagem saiu de casa, Luiz não estava muito convencido que deveríamos ter contratado alguém. Acontece que eu sabia muito bem a quantidade e o peso das coisas que estávamos mandando, além de já haver subido e descido algumas vezes as novas escadas. Estive limpando antes o apartamento e esperando encomendas, como por exemplo, os móveis da cozinha e eletrodomésticos, cujas caixas tomaram meia sala. Os carregadores chegavam no apartamento com um palmo de língua para fora!

 

Por outro lado, logo que começamos a subir os três andares de escada e Luiz resolveu dar uma mãozinha para os rapazes, percebeu a encrenca que seria subir tudo aquilo. Eu nem quis saber! Não sou preguiçosa, mas esse negócio de me matar de fazer força com quatro cavalheiros robustos, três deles pagos para isso! O feminismo que se dane! Luiz, solidário, caprichou na gorjeta gorda, que verdade seja dita, foi merecida. Eles tiveram muito boa vontade e trabalharam para valer em pleno domingão.

 

Bom, missão parcialmente cumprida, porque por mais que eles tenham levado o grosso, sempre sobra algum rabo para ser levado depois. Muito bem, à noite um amigo passou em casa para levar algumas coisas e sobrou para ele dar uma forcinha, aliás, um forção!

 

A gente chegou a considerar dormir no apartamento novo, já que os colchões estavam por lá. Mas não tinha condição, não tinha água e a cozinha não estava montada. Então, simplesmente, arrumei os armários e dei mais uma limpada.

 

O que acontece é que o apartamento está em fim de reforma e obra faz um tipo de pó muito fino que custa a sair, parece que são camadas e camadas de pó! Até aí, nenhuma surpresa.

 

Certo, mas se os colchões estavam lá, onde a gente ia dormir? Forrei um feather bed, que é como um edredon grossinho, com uns travesseiros e um colchão de acampamento por baixo do Luiz. Eu encarei o edredon diretamente sobre o tatame (nossa cama é japonesa). Bom, dormindo com a barriga para cima não é tão mau, as costas ficam esticadinhas, mas não dava para virar de lado que doía tudo! Tenho os ossos meio pontudos. Super confortável, né? Tudo bem, duas noites não matam ninguém.

 

Domingo à noite, descobrimos que sim, havia água quente e fria no apartamento. Inclusive, foi o único dia em que o mestre de obras apareceu. No restante, furou conosco e não atendeu mais quando Luiz telefonou.

 

O que importa é que com água, tudo melhora e, com isso, sabíamos que poderíamos nos instalar. Coisa que até esse momento, não tínhamos certeza.

 

Segunda-feira, veio o montador da cozinha e alguns eletromésticos que faltavam. Vi com esses olhos, que a terra há de comer, o super-homem-tartaruga, um baixinho de metro e meio, truncado, subir três andares de escada, em um só tirão, com uma máquina de lavar louça e um fogão nas costas! Luiz, eu e o montador ficamos apostando se ele também subiria sozinho com a máquina de lavar roupa, que é mais pesada. Mas para essa, teve ajuda de um segundo homem.

 

O rapaz da cozinha montou tudo no mesmo dia. Bom, tudo que tinha, né? Porque não veio a pia nem o exaustor. Sim, nossa cozinha não tem pia ainda, a gente usa a do banheiro. Mas melhorou muito o fato de ter máquinas de lavar louça e roupa. Claro que nada na vida é simples e houve alguns pepinos para resolver e decidir, mas quando há solução, é normal. Pequeno detalhe, havia uma serra elétrica no meio da sala! Alguém tem idéia da quantidade de pó e serragem que isso faz? Eu tenho. Mas saímos na segunda à noite com tudo limpo.

 

Na terça-feira, saiu toda nossa mudança do apartamento antigo para um guarda móveis. Logo após o almoço, a casa já não nos lembrava. Estranha essa capacidade que as pessoas tem de transformar uma casa em um lar e vice-versa. Todo mundo quando mora em algum lugar deixa um tipo de energia, que chamo assim por não ter outro nome melhor. É algo intangível, mas que a gente nota quando chega nos lugares.  A cada casa que me mudo, trabalho para arrumar essa energia da mesma maneira como arrumo os móveis. Trabalho os cheiros, os ângulos dos olhares, as quinas, a facilidade para limpeza, a privacidade, os acessos. Um lar precisa de vida, pode ser gente, animais, plantas, crianças, música, precisa de movimento. É como água, que é vital, mas parada não gera boa coisa. Um lar precisa ser um lugar para o qual você tenha vontade de voltar quando acaba o dia. Se em algum momento você não quer mais voltar para casa, melhor modificá-la ou mudar-se, porque já não é mais seu lar.

Lembro quando nos mudamos para o apartamento anterior, em um bairro bastante tranquilo, havia todo um sistema de segurança montado. A porta da terraza era trancada à chave e tinha grade, o que me fazia pensar quem entraria por ali? O Homem-aranha? Por que tanto medo? Uma das primeiras coisas que fiz foi pedir a proprietária que desligasse esse sistema e ela me perguntou se tinha certeza que não queria nenhuma proteção. Não respondi, mas pensei, como assim? Tenho na porta cinco moedas chinesas e duas fitas do senhor do bonfim! Quem entra se depara com um espelho, o que deseja recebe de volta. Estou muito bem protegida! Não nos descuidamos, uma vida em um país sul americano faz a gente desenvolver defesas e instintos que nem nos damos conta. Mas aqui há um ditado que gosto muito: mariconadas, las justas! Que o medo seja apenas o da prudência, a paranóia que fique do lado de fora!

Mas voltando à atual mudança, entramos de mala, algumas cuias e o Jack! Nosso felino finalmente conheceu sua nova residência. Chegou desconfiado, como é bom que seja, foi identificando possíveis esconderijos, entendendo os cheiros e ruídos. Depois de ter um gato, aprendi a prestar mais atenção aos cheiros e ruídos que cada casa tem. Aos poucos foi relaxando e se aventurando a buscar as frestas de sol, mas ainda passa a maior parte do tempo em nosso quarto, onde se sente mais seguro normalmente. Cada dia conquista um pouco mais de espaço e deu seu aval de aprovação, ainda ficará mais feliz quando os móveis terminarem de chegar.

Passamos toda a semana limpando e limpando. Tenho a sensação que dissolvi minhas digitais! E não adianta, nesse comecinho, tenho que fazer eu mesma ou com ajuda do Luiz. Minha necessidade de limpeza beira à doença! Quero ter certeza absoluta que está bem feito.

Mas nem tudo foi só trabalho, também aproveitamos bastante as redondezas. Estou simplesmente a-do-ran-do! Cada dia conhecemos um lugar diferente e até agora, nada me decepcionou.

Até visitas já recebemos! Na quarta-feira, foi o show de dois amigos no Kabocla, que agora é super perto daqui. Marcamos com um casal de amigos em casa para irmos juntos. Lógico que abrimos uma champagne para comemorar, afinal, os móveis não chegaram, mas todas as bebidas sim! Uma questão de prioridades. Legal que esse mesmo casal também inaugurou o último apartamento, então melhor manter a tradição!

Seguimos para o Kabocla e nos deparamos com um show particular, porque praticamente todo mundo que chegava era amigo! Juro! Virou a sala de casa e, adicionando-se algumas caipirinhas, todo mundo se meteu! Pedimos música, cantamos, tocamos… e tudo em um tom muito sereno, é lógico! Bom encontrar os amigos e pagar os habituais micos tão redentores. Bom saber que fofocas se dissipam no tempo quando não alimentadas. Bom voltar para a casa com Luiz quase de manhã, completamente tortos e caminhando. Não me lembro se foi difícil subir as escadas, mas acho que nem senti.

Na quinta-feira, tivemos mais um casal de visitantes e daqui fomos jantar juntos. Na sexta, rodamos tudo em volta, mas não encontramos ninguém, ainda pensamos em esticar no Kabocla, mas deu preguiça. Estou gostando desse negócio de passear um pouco a cada vez que descemos para comer. No sábado, fomos almoçar na casa de amigos, até para lembrar que existe vida além do centro da cidade, coisa que nesse momento está difícil de acreditar.

No domingo, mais um faxinão para não perder o hábito e o resto do dia, morgação total. Saímos para almoçar e passear, mas resolvi fazer o jantar em casa. Não dá para caprichar muito, porque sem o exaustor a casa ficaria muito esfumaçada. Então, rolou um macarrão de pacote e um assado desses congelados. Até que não foi mau.

Hoje tirei para escrever e dar mais uma arrumada na casa. Agora vou ver se descubro que dia teremos pia!

E chegou a primavera!

Morar em um país de estações definidas me deixou meio piegas. Chega a primavera e me sinto carregada por passarinhos como em um desenho da Disney. Não tem uma semana que a temperatura começou a mudar e as árvores estão pipocando brotinhos, flores explodindo.

Todas as gatas da vizinhança entraram no cio ao mesmo tempo. Vejo da janela e me divirto com o constrangimento dos adultos que passam ao lado meio desconcertados. Achei surpreendente que os homens pareçam mais incomodados que as mulheres. Talvez as fêmeas entendam melhor os ciclos e que não há quem segure a fertilidade da primavera. Às vezes, acordo à noite com os gritos histéricos felinos e me dá vontade de rir das gatas despudoradas e decididas, ainda que bastante seletivas.

Daqui a mais ou menos um mês, as rosas devem começar a desabrochar no Retiro e também poderei comprar os gerânios para a próxima janela.

Meu gato já entendeu que algo vai mudar. Viu malas pela casa, me acompanha empacotando coisas, cheira as caixas, se mete nelas e sente que a energia está em pleno movimento. Acho bonitinho ele perceber e ficar mais agarrado conosco, como se fosse para confirmar que ainda faz parte dos nossos planos. Claro que faz.

Fim de semana movimentado

Na Espanha tem feriado para cassilda! Acho que na maioria são feriados católicos, mas como nunca sei quando é o que, não posso garantir essa informação. Muito bem, na última sexta feira, 19 de março, foi dia dos pais aqui, se não me engano, dia de São José.

Ótimo para a gente, porque pudemos comemorar nosso aniversário de casamento, no dia anterior, sem a preocupação de acordar cedo na sexta.

O plano A era fazer um jantar em casa mesmo e abrir algum dos vinhos enfurecidos, mas ando sem grandes inspirações na cozinha. Como já disse, minha cabeça está em outro lugar e, com a proximidade da mudança, não quero fazer compras. A geladeira anda uma pobreza, coitada!

Entre nós, também não me animava muito comemorar as bodas em um apartamento disputado por um divórcio. Sei lá, meio uruca, né?

Luiz havia visitado algum cliente pelo centro da cidade e passou em uma rua com restaurantes que agradaram. Sugeriu que saíssemos sem grandes planos e escolhêssemos algum lugar que parecesse legal. Normalmente, não é uma boa idéia sair para jantar sem reserva, mas quer saber, bem que gostei da proposta. Fazia algum tempo que não saíamos sem destino certo pelas ruas de Madri e a conotação me agradou.

Fomos primeiro ao coral, onde ganhamos um “Carinhoso” ao fim da aula. Já fomos sem carro para nem ter preocupação com nada. De lá, pegamos o metrô para o centro e caminhamos até encontrar um restaurante italiano que me agradou, chamado La Creazione.

Gostei do lugar e depois, estava feliz. Bom, Luiz tratou de pedir logo um Brunello di Montalcino. Algo que tem o poder de melhorar instantaneamente o atendimento. Minha clássica resistência à bebida anda mais ou menos, por causa de umas tonturas malucas que melhoraram, mas não passaram. Mas quer saber, por um lado são dezesseis aninhos de casório, por outro, era um Brunello! Meu fígado cutucou o estômago, deu aquela piscadinha: a gente aguenta, vai? De entrada, comi um tartar de atum, muito bom. Mas o campeão da noite foi um tagliolini (aquela pasta fininha, como o cabelo de anjo) com lâminas de trufa bianchetta, de ajoelhar!

Ainda puxamos papo com um garçon de Cabo Verde. Conversamos sobre o que gostávamos no país, reclamamos das leis de imigração que andam enlouquecidas e saímos de lá fechando o local.

Muito bem, como na sexta-feira era feriado, aproveitamos e marcamos uma comemoração em casa com os amigos. Assim ficava uma festinha dupla, porque também funcionou como despedida do apartamento. Por mais que queira mudar e tal, a verdade é que aproveitei muito morar aqui, tivemos momentos bastante legais e acho que devemos cumprir com alguns rituais de passagem para fechar os ciclos. Dessa vez foi uma recepção pequena e durante o dia. De maneira que quando o pessoal chegou, ainda estávamos meio de ressaca da noite anterior. Tudo bem, porque eles também estavam.

Mas sabe como é, uma coisa puxa a outra… Luiz colocou uma Salineira na mesa… a evaporação aqui em casa é alta… e chutamos o balde outra vez!

Pela meia noite e alguma coisa, quando só restava um casal de convidados, botei pilha para irmos ao Kabocla, no show de uns amigos. E lá fomos nós!

Duas caipirinhas depois, durante o intervalo, esses amigos músicos nos chamaram para tocar alguns instrumentos que estavam sobrando. Bom, acho que foi mais ou menos assim, porque meu nível de compreensão poderia não estar muito preciso. O fato é que, ao lado da banda, se reuniu toda uma equipe de chocalhos! Alternei com um tamborim e Luiz com um pandeiro. Não sei que raio de barulho fizemos ali, mas me diverti muito!

Para variar, saímos com a casa fechando e aproveitamos uma carona providencial dos amigos que foram conosco. A temperatura estava ótima, foi o primeiro dia do ano que pude usar camiseta sem manga. Sempre me lembro desses dias, porque apesar do frio não ser tão incômodo para mim, depois de meses usando casacos, acho a sensação do fresco direto na pele uma delícia! Logo fica normal, mas os primeiros dias assim são libertadores.

Até chegar em casa, tomar banho e tal, era quase de manhã. Em algum momento, acordei com a voz de susto do Luiz! Caraca, são duas e meia da tarde!

Nenhum problema se não tivéssemos combinado de participar do show infantil de uma amiga que começava às cinco.

Levantamos com aquela cara amarrotada e nos arrumamos no reflexo. Tomei um não-sei-o-que de vitamina com ginseng, aspirina e um balde de café! A gente ainda precisava ensaiar uma música, mas não dava tempo! Peguei o CD e fomos treinando pelo caminho no carro.

Resultado, o show foi ótimo, como sempre. Mas a música que cantamos foi um micão daqueles! Entrei sem um pingo de segurança e com a voz baixíssima (se aumentasse desafinava), Luiz esqueceu a letra… putz! Sorte que era como um desafio, então errar ficava um pouco engraçado, tudo bem. Nos redimimos nos tamborins, que aí sim, acho que ficou bonitinho.

Terminado o show, e aí, saímos para tomar alguma coisa? Ai, meu deus! Olha, saio amarradona, mas no momento, até coca-cola está forte para mim!

Fomos a um restaurante mexicano ali perto e comemos bem. Não havia me dado conta que estava com fome, pois acho que não tive tempo para pensar no assunto, mas só de ler o cardápio, meu estômago começou a participar ativamente da conversa. De lá, emendamos em uma vinoteca, onde juro e tenho testemunhas, que não bebi nada além de água. Luiz guerreiro, ainda sobreviveu a uma taça de vinho.

As meninas estavam engraçadas e a imagem campeã da noite foi na hora da conta, quando as duas disputavam quem pagaria. Até dedo no olho rolou! O golpe de misericórdia foi uma delas literalmente arremessar uma nota de 20 euros no pobre do garçon, que olhava completamente perplexo a cena!

Demos uma carona para elas e voltamos para casa, mortinhos! Luiz, amanhã vamos não fazer nada?

E sim, no domingo, não fizemos nada além de morgar e nos recuperar de três dias seguidos de movida.

Hoje, começo a empacotar algumas coisas para a mudança. Bom que amanheceu um dia lindo de sol, com a temperatura bastante amena e isso sempre anima a começar o dia melhor.

16 aninhos!

Hoje é 18 de março de 2010, completamos 16 anos de casados. Confesso que as cifras me impressionam, em dois anos nosso casamento adolescente atingirá a maior idade!

Para quem decidiu casar porque ia mudar de carro e morou o primeiro ano de casório em cidades diferentes, não vamos nada mal!

Outro dia, uma amiga brincou dizendo que nasci casada com Luiz. Engraçado, porque hoje é até difícil me lembrar de histórias ou ocasiões onde não estivemos juntos. Soa quase como uma vida passada. E ao mesmo tempo, honestamente, nunca senti que abri mão da minha liberdade.

Resolvemos os problemas impossíveis, achamos espaço para as diferenças irreconciliáveis, sofremos com as crises intransponíveis… e demos festas depois para debochar do provável. No fim das contas, a gente sabe que é só uma questão de querer e tentar se divertir pelo caminho.

Eu quero e me divirto.

Próximos capítulos: a mudança!

Na nossa divisão de tarefas matrimoniais, a mudança é responsabilidade minha. Não que a faça sozinha, sempre conversamos sobre as possibilidades, mas como reza o ditado, cachorro de dois donos morre de fome, então melhor definir quem alimenta cada bicho. Pela prática, tenho as coisas esquematizadas na cabeça, o que facilita um pouco nossa vida. Essa próxima é especialmente divertida.

É assim, o próximo apartamento está fechado na palavra, mas não assinamos o contrato, o que nesse momento, por conhecer as pessoas em questão e ter uma relação de confiança, honestamente não me preocupa. Mas como sou filha dos meus pais, para mim negócio só está 100% fechado depois de assinar.

Muito bem, mas vamos continuar, o apartamento que estou nesse momento está em plena disputa judicial. Todo mundo sabe disso. Pois bem, a proprietária, com quem temos maior afinidade, já trocou a fechadura da porta com medo do louco do ex-marido tentar invadir. Pequeno detalhe, como ele não sabe exatamente quando sairemos, se cogita a possibilidade do indivíduo aparecer na minha porta enquanto nós ainda moramos aqui. Por via das dúvidas, o taco de baseball está bem acessível e não seria a primeira vez que partiria para a porta bem acompanhada. Sei que não é muito razoável, mas ele é meio doido e eu sou doida e meia. Luiz ainda tenta ser o policial bonzinho da história e tem uma relação civilizada com o indivíduo, mas de bobo não tem nada e já tem auxílio jurídico na manga, caso seja necessário. Afinal, estamos totalmente legais nessa confusão.

Diante das circunstâncias, estamos tentando adiantar o máximo possível nossa saída do imóvel. Acontece, que o próximo apartamento fica em uma zona bastante central, em uma rua estreita, onde o caminhão da mudança bloqueará toda a passagem. Ou seja, precisamos de uma autorização especial que tarda cerca de um mês, para bloquear o trecho da rua, no quarteirão do edifício. Sim, meus amigos, para mudar a gente precisa fechar uma rua!

Luiz não quer esperar mais um mês aqui nem que a vaca chegue no nosso ouvido e faça cof cof… Bianca, se vira! Seu marídio quer porque quer mudar até o fim desse mês! Tudo bem, melhor assim, porque a verdade é que já começa a me agradar a idéia de dar umas pauladas no ex-marido-louco-da-proprietária. E isso não é coisa que se deva passar na cabeça de uma mocinha educada.

Lá vou eu ligar para a empresa de mudanças e negociar soluções. A menina tem até boa vontade, mas maneiras diferentes são muito confusas para quem faz sempre as coisas do mesmo jeito. Acontece que é a terceira vez que contrato essa mesma empresa, o que me dá alguma credibilidade e margem para negociação.

Então, o plano é o seguinte, empacotar tudo e enviar para o guarda móveis da transportadora. Enquanto isso, já pedir as autorizações necessárias para a mudança, e assim que saírem, fazer uma segunda mudança, do guarda móveis para o próximo apartamento. Para um brasileiro isso pode parecer bastante lógico, inclusive, melhor para empresa que me cobra duas mudanças, mas pode acreditar, não foi nada simples explicar isso aqui.

Bom, e até aí, nem estou me preocupando que a mudança no novo apartamento subirá por três andares de escada! Isso é problema da empresa! Estão sendo pagos para fazer força ou para colocar aquele elevador que sobe por fora da janela, que não é exatamente uma novidade na europa.

Está fácil? Ah, então vamos complicar mais um pouquinho?

O novo apartamento ainda não está pronto, simples assim. Falta pouca coisa, mas as obras por essas bandas são demoradas. Pelo que entendi, falta o box do banheiro, alguns espelhos e todos os armários e eletrodomésticos da cozinha. Daí, o mais complicado seria mesmo a cozinha, mas como a obra suja já terminou, é viável.

Isso quer dizer o seguinte, assim que a nossa mudança sair daqui, ou nos instalamos na casa de amigos ou vamos para o apartamento sem móveis e sem cozinha!

Era uma casa, muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada…

Olha Luiz, seguinte, topei encarar essa mudança maluca, tudo bem, até levo com bom humor, mas a gente não sabe quanto tempo realmente levará essa tal de autorização. Não vou me enfurnar na casa dos outros por um mês, com um gato, assim na cara de pau, hotel por esse período nosso orçamento fica estratosférico, então prefiro levar meia dúzia de coisas para o apartamento novo e a gente se vira por lá. No máximo, podemos contratar uma furgoneta mané dessas e levar o kit básico de sobrevivência na selva: colchão, laptop, roupas e cafeteira. O fundamental é a cafeteira, porque o café não pode me faltar, sinto muito! Nas duas vezes que mudamos de país juntos foi assim, chegamos antes dos móveis, nem é novidade. Lá vamos nós acampar! Ele topou, acho até que preferiu dessa maneira.

Bom, só faltava a gente ter hóspedes, né? Não falta, teremos um casal de hóspedes em abril. Tudo bem, é minha prima e temos intimidade. Além do mais, acho que quando eles chegarem a cozinha estará pronta.

Considerando tudo isso, minha cabeça anda a mil, normal. Acontece que é curioso como o que me afeta se reflete na cozinha. Por exemplo, se estou de mau humor ou com raiva, minha comida sai salgada. Se estou preocupada ou distraída, queimo tudo. Na semana passada, consegui queimar o feijão de ficar aquela crosta preta no fundo da panela de pressão. Hoje, quase incendiei a casa, juro! Inventei de fazer torrada… o telefone tocou… era a empresa de mudanças… esqueci… me toquei com o cheiro de queimado chegando na sala.

Corri para a cozinha e já saía fumaça preta do forno, putz! É que pão queimado vira carvão. Imagina queimar carvão dentro de casa! Desliguei tudo, abri o forno e fui correr para abrir as janelas, ligar o exaustor e a ventilação do ar condicionado. Na boa, se fosse uma vizinha vendo a quantidade de fumaça negra que saía, teria chamado os bombeiros sem nem pestanejar! Felizmente, meus vizinhos fofoqueiros estavam ocupados, era hora da siesta, e dei conta da fumaceira sozinha. Não sabia se ria, chorava ou abanava. Jack se defende, tratou de sumir do caminho e foi para perto de uma das janelas abertas.

Baixada a fumaça, fui procurar se restou algum dano colateral, mas não, nada além daquele cheiro de queimado indisfarçável.

Pergunta se depois me atrevi a cozinhar hoje? Estou com uma fome do cão, mas nem chego na cozinha! Assim já vou me acostumando à vida no mês que vem!

Rumo ao 34

Aproveitando o sol que abriu, deixa me animar um pouco também e contar como andam as coisas. Pelas minhas contas e anotações, estamos no meu endereço número 32, acontece que efetivamente morei em Paris por pouco mais de um mês e acho que contou como o número 33. Logo, estamos partindo para o trigésimo quarto.

Nos últimos dois finais de semana, ficamos basicamente por conta de visitar apartamentos. No primeiro deles, vimos um apartamento praticamente do lado da nossa casa, com um bom tamanho, mas o estado de conservação incomodava um pouco. Marcamos de ver outro em La Vaguada, no domingo, mas estava um pouco reticente em relação à localização, por ser mais afastado do centro do que gostaria.

Tudo de metrô é muito fácil, mas o planeta sabe que gosto mesmo é de caminhar.

Na noite de sábado, fomos a um reunião na casa de uma amiga. Divertido, ainda que não conseguimos ficar muito tempo, porque Luiz estava gripado e meio cansado. Mesmo assim, foi legal porque alguns dos convidados estavam no nosso desfile improvisado de carnaval e é muito engraçado lembrar dos episódios, digamos, peculiares, que sempre somos protagonistas. Outra coisa que foi boa, é que duas mães de amigos moravam em Vaguada, e nos falaram bem do bairro, o que me animou um pouco mais.

Muito bem, domingo de manhã, lá fomos nós ver o tal apartamento em Vaguada, que tinha a vantagem de ser no condomínio de outro amigo. Gostei do apartamento e meio que entubei andar de metrô. O preço era bom e era grande, paciência. Saí de lá crente que ia fechar negócio.

De lá, fomos almoçar na casa de um casal de amigos, um filet à Daniel, daqueles com bastante alho! Uma delícia e bem propício, já que Luiz estava gripado e eu ameaçando a ficar também. Bom para conversar, desabafar um pouco da encheção de saco que estava de Madri. Aparentemente, o humor feminino está em conjunto naquela fase tepeêmica, pode ser o tempo chuvoso, sei lá, ou então aquela onda de energia que sempre afeta as pessoas com afinidades. Aproveitei para tirar uma casquinha de um neném gorduchinho simpático, naquela fase que está por um triz para começar a andar.

No caminho para casa, Luiz me perguntou se não queria dar uma última olhada na internet, para ver se algo de novo havia surgido no mercado imobiliário. Por que não?

E já que era por desencargo de consciência, resolvi olhar bem no centrão mesmo, coisa que não havia feito antes por acreditar que seria impossível encontrar um apartamento com garagem. Essa era uma condição para a gente, é um complicador, mas acontece que Luiz tem que trabalhar de carro e não acho justo ele chegar tarde e ainda sofrer para achar uma vaga.

Caraca, e não é que de cara acho um apartamento do jeito que a gente queria, com garagem, perto do Palácio Real. Putz! Até sonhei com o apartamento! No dia seguinte, pela manhã, Luiz ligou para lá e o dito cujo do apartamento estava apalavrado, para assinar contrato na quinta-feira. Não acreditei! Que vacilo!

Tudo bem, Bianca, sem pânico! Você já conhece esse jogo! Mais importante do que conseguir ou não algo específico é entender o que a gente quer e focar esforços. A verdade é que até esse momento, estava atirando para todos os lados. Sabia que não era o melhor, mas é que não conseguia querer nada, queria mesmo era ir embora. Estava procurando apartamentos por absoluta diciplina, vontade não tinha um pingo! O que valeu desse apartamento perdido foi sentir essa vontade de morar por ali, trouxe alguma motivação.

Então, está bem, vamos dar mais uma procurada antes de fechar com o imóvel de Vaguada. Achei outro interessante em Salamanca, fizemos proposta, mas a dona queria um pouco mais, nos pediu alguns dias. Enquanto isso, continuamos buscando. A época é vantajosa para a gente, tem muita oferta no mercado e os preços cairam bastante. Você até vê muito anúncio com preço alto, mas não alugam nunca, quem quer de verdade alugar, precisa baixar.

Apareceu um em Las Rozas, muito perto de onde Luiz trabalha. O apartamento era realmente ótimo, enorme! Mas tão longe quanto bom. Outra vez, ficamos muito divididos.

Nisso, uma amiga fala que seu marido tem um apartamento em um local que para nós seria ótimo. Só que tinha um problema, o edifício não tinha elevador. Putz, mas aí não dá! Sem elevador, nem a pau Juvenal! Nem quis ver porque sabia que seria tentada.

O tempo passando e eu começando a ficar preocupada com prazos, não dá para ficar até sempre esperando o apartamento perfeito, uma hora a gente precisava decidir.

Tive a idéia de ir visitar garagens para ver se havia vagas para alugar e depois buscar apartamentos na redondeza. Com isso, aumentávamos nossas opções, já que é difícil encontrar edifícios com garagem no próprio prédio, pelo menos, nas zonas centrais onde estava interessada. Uma idéia muito simples, que deveria ter tido antes, mas paciência, talvez as coisas tenham seu tempo e, honestamente, essa decisão pelo local custou a aparecer.

Achamos possibilidades de garagem e achei um apartamento próximo a uma delas, perto da San Bernardo, uma zona bem central e de bom tamanho. Lá fomos nós visitá-lo na sexta-feira, às 20:00hs. Chegamos lá e o apartamento era bem razoável, mas só alugava mobiliado, coisa que nos impossibilitava. Sempre tem alguma coisa. A pessoa que nos mostrou nos disse que ele mesmo tinha um imóvel bem perto dali, mas que era algo diferente, menor e em um prédio mais antigo. Não havia me interessado até ele falar o preço, quase metade ao que estávamos visitando. Pensei que a longo prazo não toparia, mas por um tempo e por aquele preço, até que encarava. Fomos visitá-lo.

Chegamos lá, era um edifício sem elevador, respirei fundo e pensei, eu posso! Acontece que não cabiam nossas coisas, nem com muito boa vontade. Agradecemos e saímos, meio desanimados.

Justo em frente, havia um restaurante que Luiz leu não sei onde que era bom, comida de Nova Orleans, ou algo assim. A essa altura, estava com um pouco de fome, chovia para cassilda e ainda era cedo para ir ao Kabocla, tínhamos um aniversário para ir por ali. Então, resolvemos sentar um pouco e tomar fôlego.

Aproveitei para tentar relaxar com uma taça de vinho e ouvir as vozes da minha cabeça. E, a propósito, o restaurante é legal, chama Gumbo e fica na Calle Pez 15.

Lembrei do apartamento que minha amiga tinha dito, aquele lá atrás que não queria ver porque não tinha elevador. O único impecílio que ele oferecia, havia acabado de me provar que seria capaz de conviver, não a longo prazo, mas por um tempo e por alguma razão.

Resolvi falar em voz alta o que estava pensando, Luiz, você acha que nosso amigo toparia um contrato por um prazo menor? Um contrato de um ano, por exemplo? Porque se não me acostumar, um ano não mata ninguém e estou careca de mudar de casa mesmo. Além do mais, é um prazo para a gente ter as coisas mais claras na nossa cabeça. Para ele talvez seja bom, não tem risco nem preocupação de alugar para um estranho. E se eles resolverem que querem mudar para lá, um ano também não é muito para esperar.

Senti que Luiz gostou da idéia, parecia um alívio. Quando quero alguma coisa, a vida dele é muito mais simples. Dali mesmo ligou para nosso amigo, que estava próximo e disse que podia passar no restaurante para nos encontrar. Beleza! Já nem durmo com essa curiosidade.

Não vou mentir, subir três andares de escada é broca! Mas o apartamento está uma graça, todo novinho e com uma boa distribuição e espaço. Tem um jeito de loft, com duas colunas de madeira descobertas e uma parede de tijolos aparentes que é um charme. Nosso amigo tem uma garagem dupla que pode dividir com o Luiz ali perto, ou seja, a única concessão mais complicada é realmente o elevador.

Quer saber, tudo bem, vou encarar. Dane-se, talvez seja bom para emagrecer! Às vezes, a gente precisa quebrar alguns paradígmas. Por agora, temos a sorte de ser saudáveis e jovens o suficiente para subir umas escadas. Estou vendo como uma experiência de vida diferente, não apenas pelas escadas, mas pelo local. É mais alternativo, onde imagino que as pessoas devam ou deveriam ter a cabeça mais aberta. Vai ser bom uma mudança de ares.

Agora a gente precisa acertar alguns detalhes. O apartamento está terminando de reformar, faltam algumas coisinhas e hoje pedirei um orçamento para uma empresa de transportes. Só não sei como será essa mudança, porque não vi nenhum local para parar um caminhão sem impedir a passagem dos outros veículos, é uma rua antiga e apertadinha. Fora uns móveis pesados para burro que a gente tem! Mas enfim, quando chegou nossa primeira mudança no país, também não tinha a menor idéia de como seria e eles tinham solução para tudo. Estou tentando acreditar nisso.

Duro está cuidar do apartamento atual e sua rotina, meu desapego é um clássico e minha cabeça já foi, não moro mais aqui. A vantagem é que não sofro, mas esse período intermediário é chato pacas! Paciência, Bianca, paciência…

Aprendendo os jargões e eufemismos imobiliários espanhóis

Edifício Senhorial = prédio velho

Edifício Histórico = velho para burro e caro

Edifício Representativo = mas representa quem ou o que?

Apartamento com muito caráter = nunca foi reformado

Mobiliado = nem o dono quis levar aquele monte de móvel-merda

Janela dupla = rua barulhenta para cassilda

Bem comunicado (por meios de transporte) = longe

Bom estado de conservação = deram uma limpadinha, talvez uma pintura nova

Muita luz = um sol do caramba

Diálogos bizarros procurando apartamento para alugar

Muito bem, estou naquela fase agradabilíssima de procurar apartamento para morar. Isso sem falar da motivação em buscar algo que por antecipação já sei que será pior ou mais caro, e para completar, com a boa vontade que estou no momento de relevar os, digamos, aspectos culturais nativos.

A gente faz assim, vasculho novecentos apartamentos pela internet e seleciono os que me parecem melhores, o que nunca passa de uns três ou quatro. Passo essa meia dúzia de dois apartamentos para o Luiz ver se a ele também agrada. Ele liga para confirmar se ainda está para alugar, se é aquilo mesmo, e vê quando pode visitar.

Em um desses, me liga ele, escuta, a pessoa, uma tal de Amparo, falou que pode estar no apartamento daqui uma meia hora se você quiser visitar, o telefone é tal. Eram umas quatro horas e ligo eu para a Amparo.

_ Sou Bianca, meu marido acabou de ligar e gostaria de visitar o apartamento.

_ Mas que horas você vem? (assim, na lata!)

_ Posso estar aí em uma hora, são quatro horas agora, marcamos às cinco?

_ …às cinco no mais tardar, hein? (com voz de briga)

_ Bom, posso tentar chegar um pouco antes, mas já são quatro…

_ É, mas às cinco tem que voltar ao trabalho!

_ Ok, como disse, farei o possível para chegar antes.

_ Mas você vem ou não vem? Porque preciso saber e às 5 no mais tardar…

_ Sim, mas é exatamente isso que estamos falando. É para eu ir ou para não ir?

_ Porque às 5 você tem que voltar para seu trabalho!

_ Não, não tenho nenhum trabalho para voltar.

_ Mas você não tem que voltar para seu trabalho?

… taquiupariu, essa mulher já está me irritando!

_ Não, quem está no trabalho é meu marido, posso voltar a qualquer hora. Achei que a senhora é que precisasse voltar ao SEU trabalho (afinal, até esse momento, não sabia se estava falando com uma corretora).

_ Eu  não, você vem às 5 então (mandando eu ir às 5).

_ Confirmando o endereço é rua tal, número tal?

_ Isso

_ Quando chegar, telefono?

_ Claro que não, quando chegar você toca o interfone!

_ No anúncio não consta o apartamento, nem a senhora me disse. Toco o interfone para qual apartamento?

Resposta em tom de quem está me dizendo algo óbvio.

_ Mas é o 9 A, claro! Se é o 9 A é só apertar o 91 e tocar a campanhia, ué!

Ah, bom, claro, vou na sua casa todos os dias, por que não advinharia seu apartamento? E lógico, se o apartamento é 9 A, o código tem que ser 91! Que burra que sou, putz!

Por outro lado, queria mesmo ir ao centro e dar uma olhada em outros lugares, ver se havia alguma placa de aluga-se e sentir um pouco a região. Então, eu vou e aproveito a viagem.

_ Muito bem, estou saindo agora de casa.

Peguei um taxi, para ir mais rápido, já me preparando psicologicamente para mandar a indivídua a tomar por culo. Prontinha para dizer, minha senhora, tem milhões de apartamentos para alugar, uma crise de dar gosto, não preciso alugar esse, quer mostrar, mostra, não quer, não me enche o saco!

Cheguei, apertei o 91, claro! Toquei a campanhia e da porta se ouvia aquele esporro de cachorro, que não parecia pequeno. Logo pensei, melhor abandonar o plano de mandá-la a tomar por culo! Abre a porta uma senhora, até sorridente, da idade da minha mãe. Pronto, agora, pela prerrogativa da idade, nem posso ser mal educada!

Bom, não deu tempo de pensar em muita coisa, porque minha atenção estava direcionada a um cão com aparência de mistura de pit bull com fila brasileiro, agarrado pelo pescoço pela tal senhora, avançando e rosnando – não latindo, eu disse rosnando – para minha pessoa. A senhora sorrindo, agarrada ao pescoço canino, me dizendo que podia passar que ele não fazia nada!

Ninguém merece! E eu nem vou ficar nesse apartamento de doidos mesmo!

Paciência, por sorte estava naquele espírito meio puta da vida e lembrei do Cesar, o  “Encantador de Cães”, que Luiz adora assistir, gosto também, mas menos que ele. Adotei logo a postura fria de cadela Alfa, colocando o animal em seu lugar. Pior é que funcionou e logo ele ficou tranquilo.

Em pouco tempo, percebi que a senhora não fazia por maldade, era bronca mesmo. Essa coisa da lógica ibérica, que já expliquei algumas vezes. Não deixa de ser cansativo, mas me esforço para ter um pouco mais de boa vontade quando vejo que não é uma questão pessoal, e principalmente por ser uma pessoa um pouco mais velha.

_ O apartamento é seu?

_ Claro que o apartamento é meu? Vai ser de quem se estou aqui?

Vai ser de quem? Está escrito na testa dela que é a dona do apartamento! Ela não pode ser a mãe da proprietária, corretora… Com a vontade que me mostrava o imóvel, poderia ser até inquilina!

_ Pergunto porque estou vendo que o imóvel está ocupado, e se a senhora mora aqui, quando o imóvel estaria livre?

_ Ah, bom! Não, não, sou a dona! Só saio daqui quando alugar! (lógico)

Começou a me mostrar o apartamento com um pouco de pressa e ansiedade. Não é à toa que seu bicho é nervoso, tadinho. Havia parado de latir e me olhava um pouco confuso, me seguia, mas respeitava meu espaço vital. Para ser sincera, a essa altura eu também já estava com um pouco de pressa e vontade de ir embora.

No anúncio dizia que o apartamento tinha duas terrazas. Ela me mostrou a primeira e comentei, perguntando.

_ São duas varandas, não é mesmo?

_ Mas a outra está fechada! (definitiva)

Pensei, por que raios ela anuncia duas terrazas se a outra está fechada? Mas nem sei porque ainda perguntava alguma coisa, me restringi a seguir e terminar a visita o antes possível!

Até que entramos em outra varanda enorme, quando entendi que simplesmente estava fechada com janelas!

Gente, a doida devo ser eu, não é possível!

Continuamos a visita, vendo os quartos e banheiros e, ao terminar de passar por eles, muito rapidamente, ela ia fechando as portas. Cheguei a pensar que ela não devia querer me alugar, talvez por ser estrangeira, sei lá, até que ela me pergunta:

_ É só você e seu marido ou tem mais gente?

_ Não, só eu, meu marido e um gato.

_ Então, para vocês está bom dois quartos! Você não precisa mais do que isso! (ela decidiu)

_ Mas temos muitos móveis e trabalho em casa, como artista plástica. Preciso de espaço para uma mesa grande. Talvez pudesse colocá-la na terraza fechada…

_ Você trabalha como artista plástica? E isso dá dinheiro? (afinal, com tanta intimidade que nós tínhamos, era uma pergunta previsível, ne’?)

Diante dessa pergunta, não resisti e resolvi me divertir um pouco.

_ Não, mas não preciso, meu marido ganha bastante dinheiro por nós dois.

Acho que ela esperava qualquer resposta, menos essa. Ainda que fosse a única que ela realmente entendesse, por estar dentro do seu universo limitado de compreensão. E me respondeu, sem despeito, mas com uma pontinha de inveja tranquila.

_ Ah, bom, quando alguém pode se permitir…

_ Pois é, posso me permitir… tenho a sorte de poder seguir minha vocação… (caprichei no tom mais frívolo e fútil possível) Muito obrigada por mostrar o apartamento, vou pensar, conversar com meu marido e qualquer coisa telefono. Seu cão está mais calmo.

_ É, ele fica nervoso sempre que vem alguém no apartamento…

Não falei, mas pensei, a culpa é sua, ele só te imita.

O apartamento não era mal, mas já imaginou negociar a sério com a cidadã? Pois me inclua fora dessa!

O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem?

Acordei com a sensação de que se não escrevo hoje, não escrevo nunca mais! Nem sei porque está tão difícil, geralmente é algo que me faz falta e agora está custando a dar vontade de contar as coisas. Pode ser esse tempo úmido e frio, mas sei lá, acho que estou meio de saco cheio mesmo.

Entre o primeiro e esse parágrafo, já fui umas três vezes ver se nasceu algo na geladeira, procurei meu gato, procurei os gatos da vizinhança pela janela, passei na fazenda do Facebook, pensei que as compras feitas pela internet estão demorando a chegar… beleza, chegaram, mais uma desculpa… caramba, Bianca, se concentra!

Vamos lá, até o carnaval, acho que ia tudo bem. A volta de Paris foi um pouco complicada, todas as voltas são um pouco complicadas, mas tudo bem.

Aqui, comemoramos um único dia de carnaval, o sábado. Geralmente, se organiza um desfile no Paseo de la Castellana de países sul americanos. Já participamos uma vez e foi bem divertido. Entretanto, como estão na fase de putear imigrantes, resolveram algora pedir documentação de todo mundo que participa. É razoavelmente absurdo você controlar a documentação de toda uma parada, além da intenção de colocar a galera no seu devido lugar. Não tenho idéia de como foi esse ano, porque nos recusamos a participar. Fizemos nosso próprio bloco independente, concentrado no Kabocla. Dali, fomos tocando percussão até a Plaza de España, subimos a Gran Vía, descemos a Preciados, paramos em Sol e finalmente, fizemos todo o percurso de volta. Devia estar frio, mas francamente, não senti nada. Também, alcoolicamente abastecidos como estávamos, podia nevar que não  ligava! Sei que nos divertimos, cantamos, batucamos, fizemos muitas amizades e, mais uma vez, chutamos o balde! No dia seguinte, descobri que as baquetas estavam quebradas de tanta energia, digamos assim, que massacramos os tamborins. Antes disso, ainda na concentração do Kabocla, consegui tocar um pouco de tantam e provei um surdo – o instrumento – da casa. Definitivamente, gosto de instrumentos de marcação, mas para a nossa avenida improvisada, o tamborim era muito mais fácil. Luiz tocou caixa e repinique, e houve um momento onde carregou os dois ao mesmo tempo, sem perder a pose.

No domingão, morgamos, mas sem consequências tão graves, além das baquetas destruídas e alguns hematomas inexplicáveis pelo corpo.

No início da semana, começaram as notícias chatas. Primeiro, o absurdo na renovação dos nossos documentos, que já contei em alguma crônica atrás. Enfim, como se costuma dizer, há males que vem para bem. Algumas vezes, fico me questionando se não sou muito rígida em pensamento e que talvez aqui fosse um bom lugar para ser minha casa. Viajando de vez em quando, respirando um pouco de ar puro, até que dá para aguentar. Mas tudo  na vida tem um limite e tenho certeza que aqui não é meu lugar. Tudo é uma questão de tempo e oportunidades.

Diante disso, mudei um pouco de idéia em relação a onde morar. Porque para complicar, precisamos achar um novo apartamento e não consigo me motivar nem me decidir. É que nem tenho vontade de olhar nada. Mas estive pensando que é melhor ir para algum bairro fora do centro, onde podemos estar em um apartamento maior por um preço melhor. Antes me fazia falta estar em um local central, para andar, ver gente, experimentar, ter histórias. Confesso que não ando me animando a por o nariz na rua, parece que me despertou alguma origem árabe desconhecida e minha vontade é de viver para dentro de casa.

Prefiro acreditar que vou melhorar na primavera e essa má vontade é só pelo inverno. Mas em Paris também era inverno, na verdade, bem mais cinza e frio que aqui. Enfim, difícil comparar, o que nos move são os objetivos, não o lugar. O problema é que cada vez fica mais difícil encontrar algum objetivo aqui. Não vou fechar portas, continuo atenta, só que cética.

Muito bem, durante a semana recebo a notícia que meu pai começou com febre outra vez. Putz grila! No dia 23, dia do seu aniversário, tinha uma cistoscopia marcada. Estávamos preocupados, porque ele já fez duas antes dessa, na primeira, descobriu que estava com câncer; na segunda tirou mais três tumores; por otimistas que estivéssemos, difícil estar absolutamente tranquilos. E com a febre, pensamos que poderia ser outra infecção urinária, o que adiaria tudo. Bom, fez os exames e descobriu que estava era com pneumonia. Parece meio louco, mas essa era uma notícia razoavelmente boa, a preocupação era se isso adiaria ou não a tal da cistoscopia.

Luiz perguntou se eu queria ir ao Brasil, achei que era precipitado, melhor aguardar os resultados.

Nisso, um amigão que conheci na primeira vez que fiz o Caminho de Santiago, estava fazendo o Caminho Português, por mais ou menos uma semana. Meio loucura, porque essa época é um frio do cão e chove, mas ele deu sorte. Ficou de passar aqui em casa na volta, coisa que fomos nós quem convidamos. O trágico cômico dessa história, é que da última vez que isso aconteceu – afinal, como eu, ele também já voltou ao Caminho – fui embora de urgência um dia antes dele chegar em Madri, exatamente quando se suspeitou que meu pai tinha um tumor e marcaram a primeira cistoscopia. Óbvio que todo mundo entende essa situação, mas repetí-la me parecia piada de mau gosto. Nem falei nada e resolvi assumir que as coisas poderiam dar certo.

No sábado pela manhã, ele chegou e até que foi bom para mudar um pouco o assunto. Havia prometido um jantar e um super vinho há bem uns dois anos, ainda no Caminho, e promessa, principalmente as gastronômicas, é dívida. Durante à tarde, ainda fomos dar uma palhinha no show do Telaraña, o levamos conosco e demos uma volta pelo centro da cidade. A verdade é que o frio não estava animador para uma caminhada mais longa.

Fiz o prometido jantar, com menos pratos do que gostaria, mas Luiz diz que sou exagerada e nosso amigo também não come muito. De entrada, uma gema pochet sob um creme de batata e escalope de foie gras; de prato principal, um crostillant de vacío com champignons ao porto. O vinho, um que estava babando para abrir desde meu último aniversário, o português Pera Manca. Ainda arrematamos com o espanhol Mauro, para continuar a conversa. Foi dando sono em todo mundo, até meu gato ficava nos chamando para o quarto e nos demos por vencidos. No dia seguinte, pela manhã, ele se foi.

Nesse domingo, nem saímos de casa. Um dia chuvoso, como quase todos ultimamente. Deixei algumas coisas encaminhadas para o jantar de Lulus que teria na segunda-feira, bom que ocupava a cabeça. Cozinhar me relaxa. Quando estou triste ou aborrecida, não. Mas não era o caso, estava só preocupada.

Na segunda, tentei levantar e quase caí outra vez na cama, completamente tonta. Mas que diabos é isso? Será ressaca? Mas não bebi nada além de água ontem! Desconfio que tenho labirintite meio fraca, nunca confirmei, mas explicaria o aparecimento tardio das minhas vertigens com altura. A semana não havia sido exatamente tranquila, às vezes acho que estou normal e administrando bem o estress, mas o corpo te sinaliza que nem sempre é bem assim. É possível que isso tenha desencadeado a tal tontura. E aí, que faço? Também não confio em médicos aqui. Resolvi dar um par de dias e ver se melhorava sozinha. Enquanto isso, procurei não levantar nem deitar muito de repente. Engraçado, porque acho que sou muito inquieta e fazer movimentos lentos me cansa, tenho que pensar. Dormi mais um pouco e levantei – devagar – bem melhor.

Chequei os e-mails e descobri que o encontro à noite havia sido cancelado. Pombas, logo agora que já tinha adiantado as coisas desde ontem! Da mesma maneira que cozinhar me relaxa, acho decepcionante cozinhar à toa. Paciência.

Acompanhei as notícias do Brasil, meu pai estava melhor, sem febre, mas sem confirmação se faria mesmo a cistoscopia ou não. Fomos nesse suspense até terça-feira, o dia originalmente marcado, quando o médico resolveu que não havia motivos para adiar mais. Ainda bem, porque no fim da tarde recebi a melhor notícia do ano, nenhum tumor encontrado! A data escolhida era ambígua, seu aniversário, poderia ser um balde de água fria a ser lembrando anualmente dali para frente, mas não foi. Na verdade, foi um presentão.

Diante disso, meus problemas ficaram menores. Às vezes, a gente precisa colocar as coisas em perspectiva, o que para mim é sempre um esforço.

Na quarta-feira, me toca o correio na porta. Era o livro que escreveu esse mesmo amigo que recebemos no fim de semana, contando a experiência de trilhar o Caminho de Santiago. Levou mais de dois meses para chegar, e chega justamente em seguida à sua visita. Por se tratar de uma história real e termos trilhado uma parte juntos, sou uma das personagens nos últimos 200km do livro, coisa que não vou negar, gostei muito. Claro que o livro é muito mais do que isso e é a sua versão dos fatos, além de um recorrido histórico genial. As folhas já foram devidamente devoradas em menos de dois dias, e mesmo já tendo lido por internet antes, é diferente ter o papel na mão. Acho legal ver meu nome em um livro e saber que sou eu, pode ser vaidade, talvez seja, mas juro que é muito mais pelo registro. Parece que quando as coisas estão escritas valem mais, se concretizam e te dão a oportunidade de reviver, se quiser.

Ainda me lembro o que se passava na minha cabeça naqueles momentos, da sensação de dor, da dúvida se era capaz, do cheiro de merda de vaca, dos latidos dos cachorros trabalhadores e do que me fez voltar para fila, da lama nas botas… e ainda me impressiona pensar que tantas coisas que parecem ser horríveis foram tão boas. Era só uma questão de por em perspectiva. Não sei porque, mas tudo meu é viceral, o que tem a vantagem da intensidade, mas dificulta ver a imagem inteira de tão perto. De lá para cá, já mudei de idéia muitas vezes, minha tolerância a dor aumentou muito, fisicamente inclusive, e não me afasto muito tempo das minhas botas.

E para quem não estava lá muito afim de escrever, acho que por hoje está bom.

Como putear um imigrante: manual prático espanhol

Putear é um termo espanhol bastante utilizado. Não tem o peso de um palavrão, soa mais como o sacanear brasileiro.

Quero falar de um tema que ando evitando, porque sempre me aborrece. Mas não tem jeito, mais cedo ou mais tarde ele aparece na vida de uma i-mi-gran-te! Hoje foi dia de solicitar o novo visto. Quer dizer, teria sido o dia, se não tivessem mudado as regras no meio do caminho. Um pequeno detalhe, as datas foram mudadas através de uma circular interna. Isso mesmo, não importa o documento que você recebe do Ministério do Trabalho. Vale mais um papel que o Don das Coves resolveu circular internamente no seu departamento.

E por que mesmo isso aconteceu? Posso dar explicações técnicas absurdas, mas a verdade, todos nós sabemos, é para putear os imigrantes.

Nisso eles são mestres! Poderiam, no mínimo, utilizar essa energia para fazer de maneira mais inteligente, pois com a atual cabecinha de ostra, não se favorece a ninguém, nem aos próprios espanhóis. Outra vez, a velha conhecida atitude provinciana, que a meu ver é o pior defeito que encontro aqui e não há cão que faça com que eu me adapte! Até porque é muito difícil me adaptar à burrice. Não tenho mais como ser condescendente, insistir em se negar a ver o que acontece no resto do planeta é insano. Porque, claro, como tudo aqui só pode ser o que há de melhor no mundo, quem vem de fora só pode ser pior! Tudo que muda só pode ser horrível! O que em uma primeira análise parece orgulho nacional, mas na prática é uma grande covardia em tentar e fazer feio. Então, melhor nem tentar. O bom é esse jeito que eu sei. Então, vamos alimentar a mediocridade.

Não consigo entender porque raios usam o pseudo patriotismo para andar para trás! Patriotismo, em teoria e mesmo com ressalvas demagógicas, visa unir um país para crescer, para ser melhor. Como você pode ser melhor em qualquer coisa se só olhar para o próprio umbigo? Como você sabe que é melhor se não sabe o que há em volta?

E meu ponto hoje, como incentivar a vinda de tecnologia e conhecimento de fora com a atual política burra de imigração? Não vai acontecer!

Já disse e repito, não há nada mais injusto que tratar pessoas diferentes da mesma forma. E é absolutamente estúpido escolher a pior forma para tratar a todos. Apesar de todas as mudanças e aprendizado com esse último período de imigração que passa pela Espanha, a lei vigente continua se baseando exclusivamente em quem chega ao país ilegalmente em uma patera.

Vamos dar exemplos concretos. Suponhamos que um cidadão estrangeiro consiga o visto de trabalho espanhol. Nem vou entrar no mérito de que para isso ele precise provar que nenhum outro espanhol pode ocupar seu lugar, o que inclusive, estou de acordo. Muito bem, se esse cidadão é casado e quiser que a esposa venha para o país legalmente, precisa esperar um ano (sim 12 meses) para que o visto de sua esposa saia. Existem algumas razões para isso, uma é obviamente o intuito de freiar a entrada de mais gente, mas também porque se parte do princípio que alguém veio antes ilegalmente e ralou aqui até conseguir trazer a família paupérrima e ignorante.

Agora, vamos analisar meu caso, que no universo de empresas internacionais nem é tão raro assim. Aliás, é cada dia mais normal. Meu marido foi convidado por sua empresa para vir para cá. Ele não pediu para vir, ele provou que não há um espanhol que tenha suas qualificações, ou seja, ele vem aportar conhecimento, é – ou deveria ser – do interesse do país. Sabe como é a lei? Exatamente a mesma. Em tese, eu deveria esperar um ano separada do meu marido para residir legalmente na Espanha. É óvio que essa condição não foi aceita, nem por nós, nem por ninguém na mesma situação. Então, criou-se uma exceção à regra por pressão das empresas. Ainda que a lei permaneça a mesma.

Ainda havendo essa exceção, que é quase considerada um favor que eles fazem, o restante do processo é igualzinho, com filas e prazos absurdos. Menos mal que temos direito a advogados que nos auxiliam. Inclusive, olha que beleza, sou uma das sortudas que está passando pelos processos no momento em que eles estão sendo criados. E a parte mais divertida da história, as regras mudam quando eles querem.

Muito bem, enquanto a Espanha buscou por mão de obra barata, que os espanhóis não estavam dispostos a ser, vamos abrir a porteira! Alguém selecionou essa entrada? Imagina! Fizeram vista grossa à vontade para passar deus e o mundo.

Em seguida, precisava se incrementar o ingresso de pessoas que sustentassem uma população que envelhecia sem quem bancasse suas aposentadorias. Beleza, impostos! Vamos legalizar a galera! Alguém se preparou para esse processo? Outra vez, alguém se preocupou em selecionar o que era realmente bom para o país? Não, colocaram todo mundo na mesma cesta, a mesma boiada!

Agora o país está numa crise de dar gosto! Cheio de desempregado! De quem é a culpa? De um monte de gente, mas o mais fácil e menos desgastante politicamente é mandar essa imigrantada toda de volta! Quem investiu aqui, quem trabalhou, quem teve interesse em se integrar à cultura, foi traído. Esteja ou não contribuindo com o desenvolvimento do país, que volte para sua terra!

Alguém pensou em como incentivar esse movimento contrário de uma maneira inteligente e estruturada? Imagina! Se na entrada que eles precisavam, ninguém pensou, que dirá na saída! Qual é o plano? Vamos putear os imigrantes! Assim a gente passa o recado que está difícil! Vamos sacanear nos aeroportos, porque dá imprensa. Vamos mudar as regras de quem está tirando a documentação, porque esse boca à boca corre. Vamos mandar o pessoal para cá e para lá, assim se perdem dias de trabalho e há mais chance de serem despedidos. Vamos pedir documentos pelas ruas para criar um clima tenso.

Mas, continuando, vamos lá, alguém com mais de dois neurônios, por favor me acompanhe. Quem está ferrado em seu próprio país, vai ser puteado à vontade e não vai voltar. Simplesmente, perderá um pouco mais de dignidade. E, aparentemente, são esses que a Espanha manterá aqui, os pais dos Latin Kings.

Porque os demais, quem tem poder de consumo, quem tem potencial intelectual e outras opções, não precisam disso. São esses que vão embora. Brilhante, né?

Interessante que nessa loucura sumiram também os turistas brasileiros. Sim turistas, que gastam, não estou falando de imigrantes pobrezinhos, os turistas mesmo, sumiram daqui. Madri era o segundo destino favorito para turismo dos brasileiros. Não vem mais ninguém. Duvido que algum imbecil local tenha se tocado do fato, provavelmente, culparão a crise! Sempre tem uma desculpa. Mas a verdade é que viajo bastante e continuo vendo os brasileiros passeando em outros países.

Muito bem, mas as pessoas na rua, o espanhol normal e corrente, tem alguma coisa com isso? Porque esse é um problema específico meu, como estrangeira. Pois eu acho que tem sim. Na sua rotina, concordo que o espanhol tem outras coisas e outros problemas para se preocupar, mas não vejo isso como fato isolado. É só mais um exemplo. Na verdade, estou falando de uma atitude provinciana, que insiste em se refletir em tudo.

A Espanha precisa decidir de uma vez se quer ser um grande país ou um conjunto de pueblos. Não há como fazer tortilla sem quebrar os ovos! Não há desenvolvimento sem investimento, tudo tem um custo. Não há melhora sem mudança. Ficar no meio do caminho, alimentando complexo de inferioridade e com desculpas esfarrapadas baseadas na cultura e na tradição não levarão o país a lugar nenhum. ¡Hay que mojarse!

Se vou esperar por isso? Provavelmente, não.