America’s Cup

Fim de semana passado fomos a Valência, assistir a primeira regata do America’s Cup. Explico um pouco para quem não sabe do que se trata, até porque eu mesma também não sabia. É o torneio mais famoso e prestigiado na área, em outras palavras, uma mistura de copa do mundo do futebol com corrida de fórmula um, só que de barcos à vela. Também acontece de quatro em quatro anos.

 

Funciona da seguinte maneira, o último vencedor do America’s Cup fica esperando quem ganha a Copa Louis Vuitton e esses dois vencedores competem. Sempre o último vencedor do America’s Cup escolhe em qual o porto será a próxima competição, normalmente em seu país. Nesse caso, os vencedores da America’s Cup passada eram suíços, equipe Alinghi, que por motivos óbvios, precisavam optar por algum país onde houvesse mar. Elegeram o porto de Valência, o que fez a Espanha torcer em peso por eles. Os vencedores da Copa Louis Vuitton são da Nova Zelândia.

 

Muito bem, a equipe Alinghi bate nove pegas com a equipe New Zeland e o primeiro que ganhar cinco, vence o torneio. Nós fomos assistir a primeira dessas regatas.

 

A dúvida inicial era para quem iria torcer, principalmente considerando minha longa trajetória e conhecimento do tema. Então, optei por motivos bem racionais, New Zeland fala inglês, tenho amigos morando na Suíça, suíços costumam ser gente boa… resolvi torcer para o Alinghi.

 

Fomos Luiz, eu e um casal de amigos, nós compramos ingressos para assistir o peguinha náutico em alto mar. Não sabia muito bem como isso funcionaria, mas me parecia uma experiência muito diferente.

 

Sinceramente, nunca vi tantos barcos juntos! Juro que havia engarrafamento de iate! Nós fomos em um barco comercial mesmo, mas de acordo com o tamanho e animação dos iates que passavam ao nosso lado, ficávamos de farra escolhendo com quem deveríamos fazer amizade. Aliás, não sei como não batiam.

 

Tinha um probleminha, considerando que era uma regata, até lembrei do fato de que deveria haver bastante vento, mas nem me toquei do quanto o barco em que estava poderia balançar. E juro que havia momentos em que precisava me segurar como se estivesse sobre um touro de rodeio. Não cheguei a passar mal, mas fiquei meio mareada umas duas vezes. Algumas pessoas não se sentiram bem, entre elas, duas mulheres que não levantaram a cabeça por toda viagem. Os maridos solidários, sentados ao lado, com aquela cara de felicidade. Deveriam estar exultantes em pagar caro para ver as esposas enjoarem no mar.

 

Enfim, para ser muito franca, não conseguia entender bem quem estava ganhando a regata, mas achei aquela confusão muito interessante, me deu até vontade de saber velejar. Em boa parte do trajeto me distraí com a cor de água que deve ter sido a originária do nome azul marinho. Muito bonito.

 

A propósito, venceu Alinghi.

 

Depois da regata, ficamos por ali mesmo em uma terraza muito agradável. A estrutura para o evento foi bem montada e tudo me parecia funcionar. Quando resolvemos voltar para o hotel, era mais de dez da noite e estávamos todos exaustos. Sol cansa.

 

E para quem se interessou pelo assunto, até a última vez que acompanhei, as duas equipes estavam empatadas. O website para conferir os resultados é www.americascup.co.nz

Verano

E o verão chegou de vez! Entrou de pé na porta.

 

Ainda está bem agradável e esses dias super claros dão vontade da gente sair e fazer as coisas. Anoitece quase onze da noite e ainda por cima a lua está cheíssima, fica com jeito de fim de tarde. É verdade que na hora clássica da siesta, adotei totalmente o costume local e não ponho nem meu nariz na rua. Já substituí o hidratante por protetor solar, indispensável.

 

Melhor aproveitar agora porque quando entra agosto, é de matar. Além de tudo, a cidade se esvazia. Ano passado, julho foi mais quente, mas é só porque anda essa bagunça metereológica. Não se sabe como será esse ano, mas na semana que vem a temperatura promete chegar aos 35 graus em Madri.

 

A parte boa é que, junto com o verão, entrou também a fase das “rebajas”, ou liquidações. Nessas promoções, quase tudo é vendido abaixo de 50% do preço e as lojas ficam mais cheias que no Natal. E é claro que também vou nessa!

 

Uma coisa engraçada, eles sempre elegem uma música que é o tema de verão. Acho que também tem algo assim no Brasil, mas aqui é realmente levado a sério. As pessoas esperam para saber qual é a música do verão daquele ano. Lógico que é sempre alguma meio cafona e intensa, como quase toda música latina, mas costuma ser divertido e dançante. A desse ano se chama “La Magdalena”, é até bem animada, mas quando você presta um pouco mais de atenção na letra, lá vem aquela coisa dramática.

 

Enfim, esse fim de semana, além de uma overdose da série House, saímos para dançar. Passamos antes na casa de uns amigos que tem uma terraza ótima e ali jantamos ao ar livre. Na sequência, passamos em um bar cubano e no El Junco, que estava surpreendentemente vazio. Talvez ainda fosse cedo para encher os lugares, porque a rua estava lotada de gente. Foi dia de parada gay e movimentou a cidade toda. Acho que o pessoal ainda estava na hora do soninho da beleza antes de voltar para a balada.

 

Óbvio que fizemos tudo caminhando. Luiz resistiu um pouco a princípio, mas acabou por me acompanhar e, quando saímos do El Junco, até as amigas se animaram a ir a pé para a próxima parada.

 

Bom, tentamos o La Bodeguita del Medio, que inclusive foi o primeiro lugar onde saí para dançar em Madri, logo que nos mudamos. Estava bem animado e com todas as músicas espanholas que a gente se acaba de dançar e de rir. A propósito, advinha que música estava bombando?

 

 

La Magdalena (Quijano)

Llevas dos semanas
encerrada en casa
sin salir de la cama
ya no tienes ni lágrimas
no paras de llorar
no comes, ni hablas
ni te vistes, ni te lavas
todo es una lástima

Lo que sobran son hombres
como ése y mejores
ése era un gandul
que problema vas a tener tú
déjate de decir
que no quieres vivir
que le quieres a él
pero él no te quiere a tí

Y hazme caso que no…
no no no no no vale la pena
llorar como una magda magdalena
por culpa de ese hombre culpable
seguro que no va a valer la pena
todos son iguales
prometen haz de ramos, los rosales
ellos nunca salen
pero siempre tienen penas quincenales
no hay ni uno sólo
ni uno sólo sólo que no falle
si no es por una cosa es por otra
pero siempre falla algún detalle
si no es por una cosa es por otra
pero siempre falla algún detalle

Tienes que olvidarte
distraerte, salír, cuidarte
tu bendito mal lo cura el tiempo
y ahora mismo tu estás ciega
cada noche te envenenas
yo sé bien lo que se siente
y no te miento
lo curioso de estas cosas
esque luego te das cuenta
de que que es cierto
lo que cuentan
que una mancha limpia a otra
que otros peces y mejores
en el mar….
siempre se encuentran..

Y hazme caso que no…
no no no no no vale la pena
llorar como una magda magdalena…

Meu pé esquerdo

Consegui quebrar um dedinho do pé esquerdo. Pior, nem foi fazendo nada radical ou interessante, foi uma porcaria de tampa de panela que despencou em cima dele, ou seja, nada mais doméstico!

 

Não se engessa dedo de pé, a única coisa que resta a fazer é imobilizá-lo o melhor possível e ficar de molho. Portanto, nem me dei ao trabalho de mofar em uma emergência de hospital para um médico me atender de má vontade e receitar uma aspirina! Não preciso de ajuda para alimentar minha mala leche.

 

O curioso, e nem um pouco legal, é que finalmente meus pés pareciam curados. Até meu dedinho do pé direito ressucitou! Havia quase um mês que ele estava meio dormente. Além do mais, agora que todo mundo sabe que gosto de caminhar, tem me surgido mais companhia e virei a andarilha de plantão! O que na verdade bem que gosto.

 

Pois bem, no dia do pseudo acidente Luiz estava viajando e uma amiga acabou dormindo por aqui, com a promessa de caminharmos no dia seguinte de manhã. Na hora de por a louça na máquina, a merda da tampa caiu no meu dedo. Foi bem dolorido, mas não achei que fosse muito mais longe que isso, minha tolerância a dor, principalmente nos pés, melhorou muito. Fomos dormir e no dia seguinte o dedo parecia uma bolinha avermelhada e uma parte um pouco roxa. Fui falar com ela, olha, acho que quebrei o dedo. Será que dá para andar assim? Felizmente, ela tem mais bom senso que eu e achou que poderia até aguentar a dor, mas que provavelmente fosse andar toda torta e acabaria por machucar outra coisa. Paciência.

 

No mesmo dia, outra amiga ligou me chamando para caminhar em um parque perto da casa dela. Lá fui eu explicar a saga do dedinho…

 

Fazer o que? Terminei de assistir a segunda temporada de House, meu mais novo vício e acho que vou procurar uma bengala igual a dele para fazer charme. Tive uma idéia, acho que vou usar meu stick de caminhada, o mesmo que usei no Caminho de Santiago.

 

Espero melhorar em breve porque temos viagem de férias marcada para o fim da semana que vem. Vamos até Amsterdam de carro e voltamos parando pelo caminho. Nesse caso, a idéia da bengala já não parece tão charmosa.

 

Fora que ficar internada em casa em pleno verão é de matar!

 

Ai, ai… lá vou eu brincar de estátua.

Meu amigo com nome de constelação

Há alguns anos atrás, conheci uma pessoa que se tornaria uma amiga muito querida. Todos amigos são especiais, cada um com suas próprias características. Essa amiga, pela idade, poderia ser minha mãe, mas nunca a tratei assim. Ela sempre foi uma grande amiga. Através dela, conheci aos poucos toda a família, da qual com o tempo, me senti parte e sinto saudades.

 

Um dia, conheci seu marido, com quem dividia também uma característica especial, que por falta de melhor definição, chamo de gula. O prazer de comer bem e de se emocionar com a comida. Saíamos muito para jantar, em dois casais, e era um super programa para mim. Na mesa, nossas diferenças se tornavam irrelevantes e o assunto nunca faltava. Experimentei novos sabores e desfrutei de alguns conhecidos, e por estar entre iguais, nunca fiz nenhum esforço em disfarçar o prazer que a comida me traz. Nem ele disfarçava a satisfação de ver alguém que se empolgasse tanto por um prato. Era o meu amigo de gula.

 

Meu amigo adoeceu, teve uma doença degenerativa. E o cruelmente irônico dessa história é que foi perdendo a capacidade de comer. Entre meus pesadelos sempre esteve o medo de não poder mais comer de tudo. Portanto, entendo perfeitamente o quanto isso deva tê-lo afetado. Mesmo assim, lutou bastante e teve ao lado uma heroína com a força que espero nunca precisar.

 

Hoje aqui em casa tem banquete, com o melhor vinho que tiver.

 

Meu amigo de gula, fique em paz.

Sete vidas

Ando em uma fase meio pensativa, talvez tenha sido em função da caminhada, mas é possível que a história tenha sido o inverso.

 

Alguns projetos estão aparecendo e para tudo digo sim, alguma coisa tem que funcionar. Pareço uma metralhadora giratória. Não é o normal, porque apesar de não gostar de dispensar oportunidades, tenho o costume de focar esforços. Escolher um objetivo e me concentrar nele. Mas ultimamente, não sei porque, uma vida só parece que ficou pequena.

 

Há um filme que acho muito bonito, O Príncipe das Marés. Sempre me arrepio bem no final, quando o Nick Nolte sentado se pergunta: por que um homem, ou uma mulher, não poderia ter duas vidas? Ele se refere a dois amores, o que não é meu caso. Mas gosto de ampliar o conceito e me pergunto por que tentamos ser tão coerentes? Fazer uma coisa de cada vez.

 

Por que somos adestrados a ter uma qualidade forte e minimizar as outras? Em que momento viramos empresas? A tendência é sempre colocar o disco rodando na mesma música, até sabê-la de cor. Por que não aprendemos outro idioma ou um instrumento musical? Por que não praticamos um esporte diferente? Nem a desculpa a gente muda, costuma ser a clássica falta de tempo.

 

Tempo é importante, recursos também e não vou entrar no mérito, por exemplo, do caso de uma mãe profissional, que administra carreira, casamento, filhos etc. Há o grande executivo que trabalha 14 horas por dia, e também o pedreiro que queria tocar violino. Não estou falando de esforço sobre humano, nem de super heróis. Mas acho que às vezes, a gente se concentra no que sabe simplesmente para não correr o risco de errar.

 

Tenho corrido alguns riscos e pago as consequências. Ainda não me arrependi, mas precisei mudar.

 

Falo de uma atitude, e me ponho na berlinda. Eu sempre achei que concentrando esforços ganhava força, e é verdade. Cresço mais rápido. O problema é que não houve uma vez em que tivesse chegado rápido aonde quisesse e não olhasse para o lado decepcionada: mas era aqui? E o problema não é chegar cedo, mas o fato de que nossos finais são muito parecidos, desde que o mundo é mundo. Portanto, já que o final é previsível, por que não aproveitar mais o durante?

 

A boa e velha metáfora que o importante não é a chegada, mas o caminho. Mas ainda não havia me ocorrido o que era exatamente aproveitar esse caminho. Não havia percebido que a felicidade existe em grande parte dentro dos momentos de alívio. E daí a grande ironia da situação, o principal momento de alívio no fim da vida é a morte. Como consequência, no que parece ser uma incoerência tão grande que nos enganamos, quanto mais felizes somos, mais próximos da morte estamos. É possivel que por isso nos faça falta a fé. O grande amuleto que nos salvaria justo no final.

 

Mas não quero parecer mórbida, ainda quero ser feliz e não tenho um pingo de vontade de morrer agora. Se tiver que ser, aviso e registro que é contra vontade! Nesse momento, o que gostaria mesmo é de multiplicar possibilidades, mesmo correndo o risco de enfraquecê-las individualmente. Acho que queria ter muitas vidas.

Férias engordativas

Como pode alguém que não tem trabalho fixo esperar tanto pelas férias? Mas sou assim. Na prática, mesmo sem um emprego, tenho minha rotina de atividades e acabo seguindo o calendário de férias do Luiz. Ele acabou de tirar duas semanas e resolvemos viajar de carro.

 

Saímos em plena sexta-feira 13, que de uruca não teve nada. No máximo, um trânsito meio chato para deixar a cidade. Aqueles engarrafamentos colossais de férias e feriados não são privilégio só dos brasileiros. Pouco depois de sair de Madri, o tráfego melhorou bastante.

 

Dormimos em San Sebastián, costa basca na fronteira com a França. O lugar é uma graça, gostaria de voltar com mais calma e para aproveitar a praia. Mas dessa vez, foi só uma passagem rápida.

 

Seguimos rumo ao norte. Nossa próxima parada foi Orleáns, uma cidade pequena, não tão turística e com um centro histórico muito bonitinho. O objetivo era simplesmente dormir e seguir viagem. Nossa meta era chegar em Amsterdam o mais cedo possível, mas é um trecho longo para ir direto e ainda por cima levamos o Jack. Depois de seis ou sete horas, meu pobre felino fica tontinho no carro. Meu outro felino, Luiz, também fica cansado. Dessa vez não pude revezar a direção, meu dedo mais ou menos quebrado ainda estava se recuperando.

 

Enfim, chegamos despretenciosamente em Orleáns, só para uma dormidinha básica. Saímos para jantar e ainda tive o desplante de dizer ao Luiz que não ia levar a máquina fotográfica porque afinal de contas, a noite de Orleáns não deveria estar exatamente bombando.

 

Muito bem, começamos a caminhar e as ruas pareciam meio desertas, as lojas já fechadas e tal, até que finalmente encontramos o centro, onde para nossa surpresa estava animadíssimo e cheio de gente. Era 14 de julho, dia em que se comemora a Queda da Bastilha, portanto há uma série de celebrações por toda a França. Claro que não lembrei disso, nunca lembro as datas históricas nem no Brasil. Mais de uma vez já nos pegamos no meio de eventos hiper badalados que não tínhamos a menor idéia, a sorte ajuda.

 

Logo depois do jantar, começamos a ouvir um som familiar, era uma batucada brasileira. Bom, não sei se era assim tão brasileira, mas o maestro era e não é que estava bom? Pois o grupo saiu andando e tocando pelas ruas em direção ao rio Loire, onde a noite terminaria com uma queima de fogos. E lá fomos nós seguindo a batucada. Considerando que ainda tinha um dedo quebrado, não foi muito prudente nos metermos no meio da muvuca, mas não tivemos nenhum problema. Fora que era hilário assistir aquele samba de gringos.

 

Quando chegamos na frente do rio, havia uma quantidade enorme de gente na rua, uma verdadeira multidão, parecia reveillon carioca! Me arrependi de não haver levado a máquina fotográfica e para queimar minha língua, a noite de Orleáns estava realmente bombando! Fechamos a noite vendo os fogos de artifício brilhando no céu e refletindo no Loire, muito bonito. 

 

No dia seguinte, pé na estrada novamente e dessa vez fomos direto até Amsterdam. Eu adoro aquela cidade! Acho o holandês moderno e aberto, o típico gente-boa. Essa atitude se reflete na arquitetura, na comida, no comportamento, enfim, pelo menos aos meus olhos de visitante.

 

Ficamos em um hotel não tão central, mas de fácil acesso a pé, para quem gosta de caminhar um pouco. Um casarão amarelo localizado bem de frente a um parque, separado deste apenas por um canal, coisa que não falta na cidade. Engraçado, nessas férias a água foi um elemento sempre presente e fundamental. O lugar era um charme e ainda tinha uma terraza bem de frente para o tal canal, de onde curtimos um vinhozinho e um bom livro. E uma coincidência engraçada, Luiz já havia ficado nesse hotel uma vez, a trabalho, e achou o máximo. Óbvio que ele não lembrava onde era, e agora quem fez as reservas buscando pela internet fui eu. Na porta do lugar, assim que chegamos, ele reconheceu: é aqui! Acredite se quiser, fui reservar exatamente o hotel que ele adorou e não lembrava onde era.

 

Gosto de comer em Amsterdam. Estava precisando provar sabores diferentes, aqui na Espanha a comida é sempre muito regional, tudo bem que é ótima, mas chega uma hora que quero variar. Pois fomos a um asiático divino, um italiano estupendo e um francês gourmet, como não poderia deixar de ser. Claro que também não deixaria de comer os famosos croquetes, né? Caminhamos bastante na tentativa de consumir parte das calorias adquiridas. Mas para falar a verdade, nossa velocidade em ganhá-las era insuperável.

 

Ainda estava meio lenta, com o dedo bem dolorido, mas andei assim mesmo e sem reclamar. A temperatura estava agradável e fresca, coisa que sabia que não aconteceria na Espanha, melhor aproveitar o máximo que pudesse ao ar livre.

 

De Amsterdam, resolvemos seguir para Bélgica, país que não conhecia. Ficamos na dúvida se íamos para Bruxelas, mas todo mundo sempre conta que é um lugar bem sem graça, então resolvemos ir para Brugges, o que acredito ter sido uma boa decisão.

 

Brugges, mal comparando, é uma mistura de Veneza com Amsterdam. Achei a cidade bem charmosa, toda cortada por canais, ou seja, lá estava a água novamente.

 

Outra vez, comemos muito bem, vai ser gulosa assim lá longe! Em uma das noites não resisti ao moules et frites, que consistiu em uma verdadeira panela de mariscos com batatas fritas. Mas a verdadeira covardia são aquelas vitrines das lojas de chocolates, cassilda, como um ser humano pode resistir? Impossível! Perdi totalmente a compostura! No dia seguinte, me atraquei de babador e tudo a uma belíssima lagosta.

 

… e não me arrependo!

 

Seguimos descendo de volta para casa e dessa vez paramos para dormir em Mosnes, no Vale do Loire. Há uma série de cidades pequeninas e charmosas ao longo do rio, o que torna o passeio bem agradável. Bom para relaxar do engarrafamento insuportável que aturamos nos arredores de Paris, onde demoramos duas horas para contornar a cidade. Alí também comemos bem, mas não ficamos muito tempo porque já conhecíamos a região. No dia seguinte logo pela manhã, continuamos nossa viagem.

 

Para terminar de chutar o balde de vez, resolvemos fazer nossa última parada no sudoeste da França, em Grenade sur l’Adour e Eugenie-les-bains. São duas cidades bem pequenas, que ficam a 10 minutos uma da outra. O que essas cidades tem em comum? Uma culinária dos deuses! E dessa vez, a conversa é séria.

 

Começando por Eugenie-les-bains, é onde se encontra o chef Michel Guérard, simplesmente considerado um dos fundadores da nouvelle cuisine e entre os melhores chefs do mundo. Um de seus seguidores, Philippe Garrett, continuou por suas próprias pernas e abriu um hotel e restaurante em Grenade sur l’Adour.

 

Pois é, resumo da ópera, em três dias com essa dupla fatal consegui ganhar uns três quilos! Mas vamos por partes.

 

Chegamos primeiro em Grenade, no hotel Pain Adour et Fantasie. De fora, logo que você chega, não se dá nada pelo lugar, tem uma cara de hotel de faroeste. O charme todo está do outro lado, por onde passa o rio Adour. Olha a água aí novamente!

 

O quarto é espaçoso e tem uma jacuzzi com um janelão bem de frente para o Adour, um escândalo! Além da varandinha charmosa que o Jack adorou. Como o hotel só tem dez quartos, eles sempre servem o café da manhã no seu quarto, olha que desagradável, ainda tinha cafezinho na cama!

 

E para completar esse sofrimento horrível, o restaurante, no primeiro andar, fica bem à margem do rio. É nessas mesinhas quase sobrevoando a água onde almoçamos ou tomamos o aperitivo do jantar.

 

A culinária do Philippe Garrett me parece arrojada e bem humorada ao mesmo tempo. Tem uma certa malícia e sensualidade, consegue ser equilibrada, ainda que ele vá no limite da ousadia. Ele domina o foie gras em maneiras diferentes, mas sempre no ponto perfeito. Comi um tartar de atum de ajoelhar e rezar, veio com um tipo de mini hamburguer de atum e alcachofras que só provando para entender. Oferece também um menu de vinhos que acompanham os pratos perfeitamente.

 

Eu era um foie gras! Era a própria gansa estacionada de boca aberta sendo alimentada sem parar! Não é uma imagem muito bonita, mas garanto que foi fenomenal!

 

Em Eugenie-les-bains se encontra o Les Prés d’Eugénie, é como se fosse um tipo de complexo hoteleiro e gastronômico, que pertence ao Michel Guérard e sua esposa, Christine. Nos hospedamos ali por um dia. É muito famoso pelas termas, ou seja, lá estava a água outra vez, mas acredito que o carro chefe seja a gastronomia. Há três restaurantes: Cuisine Minceur, Cuisine Gourmande e Cuisine de Terroir. O primeiro é uma culinária mais leve, o segundo é o gourmet, e o terceiro mais informal, como uma cozinha de fazenda. É claro que o de culinária mais leve a gente nem deu bola, fomos ao Gourmande e o Terroir.

 

Primeiro fomos jantar no Gourmande, onde o próprio Michel eventualmente passeava pelas mesas cumprimentando as pessoas. A primeira vez que fomos nesse restaurante foi há mais ou menos sete ou oito anos atrás, por acaso, aproveitando a reserva de um casal de amigos que não poderia comparecer. O engraçado é que nessa época era muito difícil conseguir uma reserva se não fosse feita com muita antecedência, e para não correr o risco de perdê-la, nos apresentamos no restaurante com o nome desse casal.

 

Enfim, anos depois, voltamos ao local com as expectativas nas nuvens e mesmo assim a comida ainda era capaz de provocar emoções. Só é um pouco complicado para a auto estima, pois antes de chegar lá achava que cozinhava alguma coisa. Esse cidadão está a anos luz na frente! Sofisticado, de precisão científica e apesar de tanta racionalidade, merecedor do termo arte culinária. Não é comida, é arte. Não há como descrever o que comi sem desmerecer o prato, mas posso garantir que salivo em lembrar. Quando o pão com manteiga do couvert merece atenção especial é porque o assunto é sério!

 

Mas ainda faltava conhecer o outro restaurante de Terroir, La Ferme aux Grives, onde se reproduz um tipo de casa de fazenda, com a cozinha aberta para as mesas. É bem mais informal e de preço mais acessível, serviço impecável e para nosso delírio, outra vez uma cozinha fabulosa! Acho genial você comer pratos absolutamente comuns, como frango ou purê de batatas e ainda assim, ter certeza absoluta que não é igual a nada que você comeu antes!

 

Voltei cheia de idéias e vontade de testar receitas novas! Infelizmente, isso terá que esperar porque a balança foi realmente cruel comigo, ultrapassei todos meus limites de segurança! Luiz e eu já começamos uma dieta e a caminhar pelo parque. Com ou sem dor no dedo, ando feroz na esperança insana da barriga deslizar rapidamente para as coxas!

 

Não será fácil, não tem milagre e o preço é esse. Mas como é bom chutar o balde!

¡Un calor de cuernos!

A África é aqui! Caraca, que calor! O verão realmente promete ser infernal.

 

Tem gente que acha engraçado uma brasileira reclamar do calor de Madri. Eu mesma, antes de morar aqui achava um exagero, mas o pior é que é verdade. Não é só a temperatura, é diferente mesmo. Não venta e quando venta é mais quente ainda, sufocante. E o pior, quando chega a noite, você pensa que vai refrescar e muda dois ou três graus. Com a secura do ar, você não transpira muito, o que te dá melhor aparência e deveria ser mais confortável, por outro lado, desidrata que é uma maravilha.

 

Para dar uma idéia dessa falta de humidade no ar, vou dar um exemplo bem doméstico. Hoje tive que deixar de molho uma blusa que não ficou bem lavada na máquina. Qualquer pessoa que tenha lavado um paninho à mão, sabe que na hora de torcer a roupa nunca é igual à centrifugação da máquina de lavar, ou seja, fica mais água e consequentemente, na hora de estender a roupa, sempre pinga um pouquinho. Pois não pingou! Secava antes!

 

Passamos por uma situação de emergência, pouco antes de sairmos de férias, percebemos que o ar condicionado não funcionava perfeitamente, parecia faltar gás. Quando chegamos de viagem, com aquele calor de cornos, entrei em pânico! Felizmente, o dono do apartamento se sensibilizou e mandou a manutenção rapidamente, acho que o calor aqui é levado a sério. Assim que o ar foi consertado, ficamos igual a viciados respirando aquele arzinho gelado como se fosse ópio. Cadê que queríamos sair de casa?

 

Bom, mas o ar condicionado não pode ficar ligado o dia inteiro, haja conta de luz! Por isso, temos um ventilador que quebra bem o galho durante o dia. Mas precisa ser ventilador que utiliza água, porque os normais só fazem ventar quente. Enfim, de qualquer forma, é móvel e ando para cima e para baixo com ele no apartamento, como se fosse meu cachorrinho.

 

E falando em cachorrinho, nosso felino que não é bobo nem nada, resolveu dormir dentro da pia do banheiro. Elegeu seu novo cantinho fresco.

 

Entre 15:00 e 17:00 horas, nem pensar em sair na rua! A siesta tem uma razão de ser, esse período é cruel. O porquê deles esticarem a mesma siesta o ano todo é malandragem cultural, mas no verão se justifica. Saio antes ou depois desse horário, a vida não pode parar.

 

A propósito, faremos outro trecho do Caminho de Santiago em setembro. O plano A é ir de St. Jean-Pied-de-Port a Logroño. Ou seja, não dá para atravessar os pirineus no improviso, precisamos manter a forma, com calor ou sem calor. Então, lá vou eu derreter no parque do Retiro durante a semana.

Cuidado com o “chupito”

Chupito é um tipo de drink pequeno, como um shot. É comum, por exemplo, ser oferecido como cortesia nos restaurantes em um final de jantar. Normalmente, são licores fortes e digestivos.

 

Nas áreas onde há casas noturnas, como bares ou boites, uma forma de atrair clientes para o local é também oferecendo chupitos de cortesia. Funciona da seguinte maneira, a casa contrata alguém, como um relações públicas, que fica do lado de fora convidando as pessoas que passam na rua para entrar. Pelo centro da cidade, onde há uma enorme quantidade desses locais, é normal você passear pela rua ouvindo o tempo todo: ¿un chupito?

 

A gente já fez mil piadinhas por causa disso. Vamos combinar que, com esse nome… se alguém te oferece um chupito no meio da rua no Brasil, você fica meio tenso. Mas hoje o assunto é mais sério.

 

Caso você aceite, esse relações públicas entra com você e te dá um drink. Ele é remunerado de acordo com o número de clientes que consegue fazer entrar na casa. As próximas bebidas consumidas são por conta do próprio cliente. Ou seja, é uma maneira de fazer o local encher, um atrativo.

 

Até aí, nada demais. Pessoalmente, não costumo aceitar os tais chupitos porque acho ruim, são poucas as bebidas que gosto. Mas nunca havia ouvido sobre nenhum problema. Sempre achei uma maneira inteligente e simpática de atrair clientes. Ninguém quer entrar em um bar vazio, quanto mais animado, mais gente entra e você acaba consumindo mais alguma coisa.

 

Porém, ontem, uma amiga me contou que ela e uma outra menina quase entraram numa fria por causa dessa história. O que acontece é que, por estar em uma cidade teoricamente segura, a gente às vezes relaxa demais, e não pensa que, na realidade, esse negócio do chupito consiste em um completo estranho te dando uma bebida.

 

Aqui é comum você não ficar em um bar só durante toda à noite. Você entra, toma uma coisinha e se a música agradar, fica um pouco mais. Depois muda para outro bar e assim por diante. Muito bem, o que aconteceu com elas foi mais ou menos isso, um rapaz ofereceu os chupitos, elas aceitaram, entraram no bar e tomaram. Mas não gostaram tanto do lugar e resolveram, logo em seguida, mudar para outro, que ficava bem ao lado.

 

Mal entraram no bar seguinte, nem beberam mais nada, e começaram a se sentir estranhas. Como foram as duas ao mesmo tempo, ficaram desconfiadas e sairam imediatamente com a intenção de voltar para casa. E porque às vezes a sorte também ajuda, havia um taxi bem na saída do local e elas basicamente mergulharam nele. No taxi elas já não conseguiam falar mais onde moravam, uma delas lembrou de mostrar a identidade, porque consta escrito seu endereço. Saltaram do carro passando mal horrores e, pelo que entendi, com problemas de coordenação, meio passivas.

 

Minha amiga nem tentou seguir sozinha para casa dela, ficaram as duas juntas, na casa dessa outra menina, cuidando uma da outra como podiam. Conheceram a versão espanhola do “boa noite cinderela”. Felizmente, com um final sem maiores gravidades.

 

Portanto, deixo aqui um alerta. Como disse antes, até esse momento não havia escutado nenhuma história ruim a respeito, e oferecer o chupito é uma boa estratégia mercadológica. Acredito que a grande maioria das pessoas que trabalha chamando os clientes na rua e nos bares é de gente honesta, mas fazer o que? Não está escrito na testa de ninguém quem é bem ou mal intencionado. Então, um pouco de cuidado com o que se bebe na noite madrileña e canja de galinha, não faz mal a ninguém.

O risco das dietas

Há algum tempo, tenho notado que está me custando mais para escrever as crônicas. Assim como o “Vida de Caracol” chegou ao fim, o “Troca de Pele” também. Na verdade, pouco antes de viajar para Santiago, já sabia disso.  A partir daí, parei de numerar os capítulos e a escrever quase que por disciplina, uma maneira de não perder a mão.

 

Em paralelo, tenho viajado o que posso e o que não posso. O que também serviu para adiar o fato de entender porque essa dificuldade havia surgido. Conveniente pensar que isso estava acontecendo por falta de tempo, se quando viajo não tenho acesso ao computador, natural que estivesse escrevendo menos, certo?

 

Claro que não. Primeiro porque não estou escrevendo menos, mas outras coisas. Também não estou saindo menos, o que não justificaria uma possível falta de assunto. Assuntos sobram, falta vontade.

 

Só ontem me caiu a ficha que as viagens e a falta de vontade de atualizar as crônicas se deviam ao mesmo motivo. Cansei de Madri. E agora?

 

Na primeira fase das crônicas, equivalente ao primeiro ano que morei na cidade, havia uma curiosidade em ver a realidade com outros olhos, era uma observadora, quase voyeur, havia o otimismo de quem não tem certeza mas acredita que tudo vai dar certo. Na segunda, na transição entre o segundo para o terceiro ano aqui, minha perspectiva era mais realista, não digo negativa e sim mais participativa, não assistia a um filme, era parte dele. Agora já não há grandes mistérios e me custa manter o bom humor.

 

Madri é provinciana e os madrileños se orgulham disso. Não provam outras línguas, nem outros sabores. Atrás da máscara da tradição, escondem uma enorme covardia em tentar. Insistem em manter-se na década em que quase foram modernos, como uma paranóia coletiva. Falam bem alto e enfaticamente, mas sempre os mesmos temas, nenhuma surpresa nem coragem. Batem no peito por serem europeus, mas desprezam Portugal e são desprezados pelo resto. Na verdade, se desprezam entre si, na própria Espanha. Descontam suas angústias nos imigrantes, como se nunca houvessem sido um dia, sem perceber como é bom ter uma desculpa fácil para a própria incompetência.

 

A gente é boa, animada, as qualidades já ressaltei muitas vezes. E por uma razão que ainda não entendo, me dói muito falar mal daqui. Acho que por isso anda me faltando vontade de escrever sobre a cidade. De certa forma, me sinto permitida a falar bem ou mal do meu próprio país, mas qual seria exatamente minha pátria nesse momento?

 

Não me lembro quantas vezes ouvi e repeti com convicção que é quem se muda que deve se adaptar à outra cultura, às novas regras. Mas será mesmo? Até que ponto realmente escolhi estar aqui? E não me refiro à opção de vir para a Espanha, mas tratando-se o assunto de maneira mais aprofundada, não fui eu quem decidiu globalizar o mundo. Por que não deveria aproveitar a oportunidade de ampliar minhas perspectivas? E onde estava escrito em letras miúdas que isso significaria me restringir? Não elegi trocar de quarto e me fechar nele, saí para o jardim.

 

Retornar ao Brasil resolveria o problema? Duvido. Difícil voltar a ser escrava do medo e me sentir uma palhaça cada vez que vejo o noticiário ou leio um jornal. Mudar para outro lugar? Talvez. Resolveria nos dois primeiros anos, assim como aqui, mas e depois?

 

Há algum tempo atrás, ainda em São Paulo, era totalmente viciada em revistas de decoração. Muitas idéias, inclusive, aproveitava e adaptava aos lugares onde morava. Não houve um local onde moramos que não houvesse feito algo de obra. Nas horas vagas, várias vezes me peguei desenhando a planta da casa dos meus sonhos, a que um dia construiríamos, ainda que não soubesse onde essa casa pousaria. Até nome a casa tinha! Hoje, em uma recepção enquanto esperava Luiz, me peguei outra vez com uma revista de decoração e tudo que gostava me parecia longe ou impossível. O fogão que não terei, a sala que não terei, a casa que nunca terei.

 

Aprendi a ter orgasmos múltiplos por arranjar espaço para uma cafeteira nova e um espremedor de sucos. E não sei exatamente se isso é bom. Aprendi a disfrutar de pequenos prazeres ou a me contentar com pouco? Sinceramente, não sei, acho que um pouco dos dois. Talvez só esteja mais velha.

 

Como as outras fases, essa também vai passar. Fico um pouco curiosa com as próximas. De qualquer forma, me surpreendeu a calma com que me veio essa reflexão, que não é absolutamente nada mais que uma reflexão. Provavelmente, em outras épocas seria o estopim para uma crise existencial novinha em folha.

 

Quem sabe é a dieta que estou fazendo, dietas me deixam num mal humor… Abstinência é uma merda!

Novos ares

Há muitos tipos de viagens, uma infinidade delas, e é  sempre uma experiência diferente, pois a grande maioria te tira da sua rotina. Mas há algumas viagens que logo no início você sente que são mais do que isso, podem mudar sua vida. A ida a Dubai foi assim, sabia que não voltaria a mesma e na volta para casa tive a certeza que mudou outra vez minha maneira de olhar. Não sei dizer se voltei melhor, mas definitivamente maior, com novas portas abertas.

 

Nunca havia viajado a um país oriental, o meu limite mais a oeste foi Praga. Confesso que também nunca tive muita vontade antes, não fazia parte das minhas prioridades. Mas a vida foi mudando, o mundo foi mudando e minha curiosidade surgiu, de uma hora para outra, o oriente médio me parecia muito interessante, provavelmente por misterioso.

 

Não se pode colocar todo o oriente em uma mesma panela, seria o equivalente a dizer que sul americanos, canadenses e europeus são iguais. A oportunidade que tive foi de conhecer um dos Emirados Árabes, e nesse caso, ainda havia um complicador a mais, era um país muçulmano, aquele grupo que depois dos comunistas, também come criancinhas! Admito que sou uma implicante com os Estados Unidos e que, quanto mais eles condenavam essa cultura, mais me dava vontade de conhecê-la.

 

Pois fui a Dubai de coração aberto, pronta para absorver o máximo de informação possível e tentando não julgar o que era certo ou errado. Aceitar e conviver com as diferenças é uma arte que o brasileiro aprende cedo, mas nem todos entendem o valor que essa característica tem no planeta atualmente.

 

No dia de embarcar estava meio esquisita, ansiosa e com uma sensação de quem não sabe muito bem onde pisa. Luiz foi a trabalho e em viagens que vou acompanhando sei que ele não costuma ter tempo de sair comigo, portanto não faço esse tipo de cobrança. Lógico que prefiro sair acompanhada, mas nunca deixei de fazer nada por estar sozinha e me viro muito bem. Mas nesse caso, não sabia se realmente poderia sair só. Será que seria respeitada? Precisava usar alguma roupa específica? Tinha que usar véu? Podia olhar as pessoas nos olhos? Coisas muito básicas, mas que poderiam ofender alguém, o que não era minha intenção.

 

A viagem começa literalmente no avião, as pessoas são diferentes, desde a cor da pele, a maneira de pintar os olhos e as roupas. Foi quando me dei conta que a diferente era eu, era na minha testa que estava pintado o  “x” vermelho. Ainda dentro do avião, vi uma única mulher de traje negro e véu. Dormiu quase todo o vôo. Ao seu lado, uma mulher loira a olhava como quem via um bicho raro. E eu pensava, aqui o bicho raro é você (e eu!).

 

Por outro lado, me sentia muito segura na aeronave. Quem iria cometer um atentado ali? “Tudo brimo”.

 

No aeroporto, em Dubai, outras mulheres já usavam véu, uma delas só mostrava os olhos. Suponho que colocaram os trajes no avião, ou logo que saltaram.

 

Fomos para a fila da imigração. Engraçado porque não havia como não comparar com a imigração americana e o curioso é como os valores estavam invertidos. Nos EUA, quase todos ali seguramente seriam chamados àquela salinha depois da fiscalização, para prestarem maiores esclarecimentos do que faziam no país. E eu, que nunca havia sido parada antes, me perguntava se seria a minha vez. Será que minha blusa era decotada demais? Será que deveria deixar Luiz ir na frente e só ele falar? Preocupações que agora acredito não fazerem sentido, mas foi bom estar atenta, porque assim a gente aprende mais.

 

Todos os fiscais da imigração usavam trajes característicos. Havia algumas mulheres trabalhando, todas de negro, inclusive todas negras, não sei se por coincidência, todas de véu na cabeça, mas nenhuma com véu no rosto. E os homens usavam o traje típico árabe, aquele vestido branco chamado “dishdasha”, antiséptico e sem nenhuma marca de amarrotado, sandálias e o pano amarrado na cabeça. Esse pano da cabeça se chama “shumagg”, sua cor e maneira de usar definem quem você é, de que região vem. No caso desses fiscais, todos usavam shumagg branca, mas com algumas amarrações diferentes.

 

Chegou nossa vez e fomos atendidos por um homem. Perguntou de onde éramos, Luiz falou Brasil e ele respondeu: samba! Luiz ainda sério e concentrado disse que morávamos em Madri e ele: olé! Nessa hora relaxei, vi que ele não estava ali para encrencar nem ficar de pirraça com ninguém. Só fazia seu trabalho e tinha uma curiosidade natural. Tentava ser simpático, sem faltar com respeito. Sorriu e disse bem vindos! Não fui tratada como uma intrusa, o que me deu mais vontade de não ser uma.

 

Na saída do aeroporto, uma pessoa do hotel nos aguardava. Isso é uma coisa normal, os hotéis sempre enviam alguém para recepcionar seus hóspedes. Também são os hotéis os responsáveis por emitir os vistos de entrada no país. Você recebe uma cópia do seu visto por fax ou e-mail, e é essa cópia que você apresenta no check in e na imigração. Até onde sei, não existe a possibilidade de entrar no país sem um lugar para ficar. Se não for o hotel, algum morador deve se responsabilizar por você.

 

A saída do aeroporto também representou a primeira saída do ar condicionado. Pode acreditar que o curtíssimo trecho entre a porta e o automóvel foi um dos momentos que mais senti calor na vida! E era seis da matina! Foi quando também desisti de me preocupar se minha camiseta era ou não cavada demais, arranquei a camisa que ficava por cima e que se dane! O calor era impressionante!

 

Logo entramos no carro, onde recebemos por cortesia uma garrafa de água e uma toalhinha descartável geladinha, uma delícia! Conto esses detalhes porque descrevem um pouco do que é a vida em Dubai, é esse contraste. Do lado de fora, árido, duro, difícil, e do lado de dentro um conforto de sonhos. Eu tinha a sorte de poder estar do lado de dentro, mas que não acreditasse que meu mundo é de sonhos. Acabava de me lembrar que estava em pleno deserto e era gringa.

 

No caminho entre o aeroporto e o hotel, de cara você começa a entender o que é a cidade. O número de guindastes de construção é surreal. Os prédios são gigantescos e monumentais. Olha que viajo bastante e hoje, talvez infelizmente, é muito difícil encontrar alguma coisa que me surpreenda, mas ali me surpreendi. Não é por um prédio monumental, mas por centenas deles ao mesmo tempo. Você vê a cidade crescendo como um organismo vivo, pulsante. Nada é simples ou normal, é um exército de gente se desdobrando para surpreender, ser o mais do mundo em alguma coisa.

 

O céu tem outra cor, é acinzentado sem ser nublado, é o azul que é diferente mesmo. Às vezes, o horizonte chega a parecer esfumaçado.

 

Chegamos ao hotel, excelente, que por um preço muito razoável, oferecia o atendimento cortês e profissional, bem diferente ao que estamos acostumados na Europa. Absolutamente todos falam inglês, o mesmo acontece no comércio. É verdade que leva um acento indiano, mas compreensível e todos tem boa vontade em entender. Sim, é para fazer negócios, mas e daí? Aqui você paga caro e mesmo assim é mal tratado. Admito que bem que gostei de ser paparicada.

 

O hotel que nos hospedamos ficava bem na frente da praia, onde você tem segurança e serviços como cadeiras, bebidas etc. As pessoas usam roupa de banho normal para os padrões ocidentais, biquinis, sungas, sem problemas. A única restrição, também muito razoável, é que se pede em respeito às tradições islâmicas, que não se caminhe pelo hotel sem shorts, camisas e sapatos. Vamos combinar que ninguém precisa ficar passeando na recepção de biquini, né?

 

Novamente, em relação às grandes construções, é interessante observar que o prédio do hotel onde estávamos era relativamente grande, mas perto dos prédios construídos em volta, parecia uma verruguinha esverdiada meio perdida. Construíram em volta uns prédios cor de areia, carésimos, mas que cá entre nós, pareciam um grande cabeção de porco.

 

A grande maioria dos trabalhadores nas construções é de indianos, muito razoável, considerando que mais de 70% da população é de indianos. As obras funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana. Os turnos da noite são os mais disputados, pela temperatura mais amena. Ganham por volta de 500 a 600 Dirhams por mês, que equivale a cerca de 100 euros. Até onde entendi, esse salário é livre de despesas, eles recebem moradia, comida e transporte. Trabalham duro. É curioso passar ao lado dessas obras e ver pessoas de uniformes, outras com trajes indianos, uns com capacetes, outros com turbantes, outros com uns panos embaixo do capacete, um samba do criolo doido!

 

Nos hotéis, na área da recepção e restaurantes, há igualmente homens e mulheres trabalhando. Mas somente homens arrumam os quartos. Uma boa parte dessas mulheres que trabalham e dos camareiros vem da indonésia.

 

Há também bastante imigração russa. Reza a lenda, que parte razoável do dinheiro que alimenta o setor de construções é da máfia russa. Essas coisas não se provam, mas já vi o suficiente na vida para saber que obras nessa proporção não podem vir apenas de dinheiro, digamos, honesto. Posso não ter certeza de onde vem esse dinheiro, mas certamente ali funciona uma imensa lavanderia. O governo pensa o seguinte, se vai ajudar o desenvolvimento local, então pode. Não é como no Brasil, onde o dinheiro vai para meia dúzia e o resto do povo que se dane. Os investimentos realmente vão para a cidade. Por consequência, as leis mudam a todo momento, nada é rígido, tudo é relativo e negociável. Acredite se quiser, mas até impostos aduaneiros, contas de água e luz podem ser negociadas.

 

As bebidas alcóolicas são bem restritas. Os muçulmanos não bebem, mas os estrangeiros podem beber em locais que possuem autorização. Esses lugares se restringem aos hotéis e alguns restaurantes. Não se vende álcool em super mercados ou lojas. O que acontece, por debaixo dos panos, são enormes festas privadas onde a bebida corre solta, inclusive entre os moradores locais. Por outro lado, a tolerância às drogas é zero. Mesmo nessas festas, as drogas são muito mal vistas, ninguém consome. Portanto, dificilmente rola algum tipo de violência, as pessoas estão lúcidas. Muito prudente, considerando que você pode estar batendo um papinho com um comerciante de armas iraniano.

 

Nos hotéis e nos poucos restaurantes onde a bebida é autorizada, ninguém te olha feio ou fica te julgando se você beber, é normal. Por outro lado, não sei se pela a restrição à bebida, os sucos de frutas são deliciosos, em especial, o de limão com menta. E todo mundo fuma a tal da “shisha”. Não resisti e experimentei também. Você não sente o sabor do tabaco, o que predomina é o aroma e sabor de fruta. Os restaurantes acabam meio esfumaçados, mas não é incômodo. Você fuma antes, durante e depois das refeições. Admito que no final estava me dando um pouco de barato, principalmente porque não sou fumante.

 

Os shoppings são um capítulo a parte. Como ninguém consegue caminhar nas ruas, os espaços de convivência são fechados e os grandes malls funcionam como enormes calçadas de temperatura e segurança controladas. Ali, tudo se mistura no mesmo espaço, uma enorme Babel. Há os ocidentais, de todas as nacionalidades possíveis, apesar de não ver outros brasileiros. Muitos indianos, com e sem trajes típicos. Árabes com shumaggs brancas, quadriculadas em vermelho e branco, coloridas, com cordinhas diferentes etc. Mulheres de mini saia, outras de véu colorido, véu negro, véu onde só aparecem os olhos, véu por todo o rosto… Vi até uma beduína, de traje negro, que levava um tipo de máscara de metal e ia apitando uns sons enquanto caminhava.

 

A grande maioria das lojas vende roupas ocidentais e, na minha ignorância, cheguei a pensar, claro, também vai ter alguma loja só com roupa preta, burcas todas iguais? Uns dois minutos depois, passamos por uma loja assim e me dei conta da besteira que estava pensando. Primeiro que não é burca, o traje chama “abaya” e o véu “hijab”, e vamos por partes porque é muito detalhe. As mulheres locais usam tanto o traje quanto o véu negro, mas quando a gente olha mais de perto eles não são iguais. Tem bordados, brilhos, tecidos diferentes, alguns são um pouco mais abertos e permitem ver a roupa que há embaixo, outros são totalmente fechados. Teoricamente, a moça precisa usar o véu a partir da primeira menstruação, mas às vezes a família pode optar por usar um pouco antes. Normalmente, elas não cobrem todo o rosto enquanto solteiras, isso acaba sendo uma opção do marido. Às vezes você vê um homem com mais de uma esposa, todas de negro, mas só uma com o véu tampando o rosto, provavelmente a primeira esposa. As mulheres não locais, mas que seguem a tradição muçulmana, usam roupas ocidentais, com os véus coloridos e não tampam o rosto.

 

Todas pintam muito os olhos, coisa que me deu vontade de fazer logo de cara. Aliás, também fiz uma pintura de hena na mão e no braço, linda!

 

Mas enfim, essa história das roupas e véus é muito complicada. Procurei entender sem julgar. A primeira vez que vi uma mulher toda de negro, só com os olhos de fora, ainda no aeroporto, me deu um pouco de nervoso, era opressor. Depois, quando vi várias nos shoppings e pela cidade, não parecia nada demais, porque elas não me pareciam tristes. A maioria das mulheres locais que vi usavam o traje todo negro, inclusive o véu na cabeça, mas não cobriam o rosto. E me pareciam muito animadas nas suas compras.

 

Quanto às mulheres não locais, mas que usavam véu colorido, sem tampar o rosto, sinceramente, achei até bonito, muito feminino e um traço de identidade cultural.

 

Não digo que quero essa vida. Fui criada em uma civilização ocidental e hoje seria praticamente impossível abrir mão do que aprendi serem meus direitos. Simplesmente estou dizendo que elas não me pareciam infelizes. Dubai é um oásis de tolerância e considerado muito liberal, mesmo assim, vi com otimismo a possibilidade de uma convivência pacífica entre culturas tão diferentes.

 

E esse é outro ponto interessante, sempre ouvi descrições de Dubai como sendo o emirado mais ocidental. Isso não é verdade, ainda que seja uma maneira mais simples de descrever algo parecido. Dubai é totalmente oriental, mas é tolerante e aceita conviver com a diferença. As pessoas locais não estão se misturando, no sentido de mudar suas próprias crenças, mas convivem no mesmo espaço e com respeito. E os ocidentais que ali se encontram também não estão tentando mudar ninguém, simplesmente respondem com igual tolerância em adaptar a vida que estão acostumados, procurando não ofender ninguém.

 

Um bom exemplo é o casal de amigos que encontramos, ele egípcio e muçulmano, ela russa e não se converteu. Ela não usa véu, trabalha e toma seu vinhozinho, eventualmente. Ele não toma uma gota de álcool e segue suas tradições. Tem um filho e vão muito bem, obrigada. Um casal absolutamente normal, daqueles que discute os caminhos no carro, porque afinal de contas, ele não quis parar para pedir informação…

 

Aliás, esse casal nos ciceroneou. Muito bom quando a gente pode conhecer uma cidade junto de quem mora nela e, nesse ponto, tivemos muita sorte. Na primeira noite, encontramos um amigo solteiro do Luiz e jantamos com ele. Um italiano, que já morou aqui em Madri. Um dia, largou tudo e mudou de mala e cuia para Dubai, foi trabalhar com o mercado imobiliário. Compreensível, porque em dez minutos que estava na cidade queria investir ali.

 

Com o casal, saímos mais vezes, junto com seu filhinho de uns cinco anos. Em um dos jantares, fomos a um restaurante sírio libanês muito legal. Uma infinidade de comidas, sucos deliciosos e a famosa shisha.

 

Contraditoriamente, um dos lugares que mais gostei de Dubai foi também de onde saí mais triste. Fui jantar com Luiz no Buddha Bar, da mesma cadeia espalhada pelo mundo, inclusive acho que abriram um em São Paulo. Mas continuando, em Dubai ele é perfeito, combina com o contexto. O local tem iluminação baixa e de velas, um pé direito enorme, uma parede envidraçada de frente a um canal e um Buda dourado gigantesco olhando as mesas. A música é ótima e a comida também. Só que imagina entrar nesse ambiente e, ao mesmo tempo, ver as pessoas vestidas com trajes indianos, árabes, véus brancos, enfim, é um ambiente que você se sente em meio de um sonho. Luiz também adorou e tivemos um super jantar.

 

No final, na euforia do ambiente e do vinho, quis ligar para casa e contar as novidades. Havia passado o dia dos pais e ainda não havia conseguido falar com o meu. Minha mãe atendeu com uma voz muito esquisita e percebi logo que algo não estava certo. Eu disse que não responderam os e-mails e ela falou que haviam ido a Belo Horizonte porque meu avô não estava tão bem. Encurtei a conversa com o que realmente interessava, mas ele está vivo?

 

Não estava. Há um ano me preparo para receber essa notícia, mas naquela noite não me passava pela cabeça. A música alta me dava a esperança de não ter ouvido direito, levei alguns minutos para entender o que acontecia e confirmar se estava ou não em algum sonho.

 

Fomos para o hotel em meio a ligações interrompidas do meu pai, que me explicava a história. Ele tinha a voz tranquila e creio que isso também me tranquilizou. No fundo, todos nós sabíamos que havia chegado a hora e que foi melhor assim. Mas nunca é fácil. Tentei falar com minha tia, mas não consegui. De qualquer maneira, já não havia o que fazer, ele já havia sido até cremado e eu estava literalmente no meio do deserto.

 

Era tarde e Luiz precisava dormir. Passei a noite acordada, meio sonâmbula e esperando que o dia amanhecesse logo. As manhãs clareiam nossas idéias e nos lembram que a vida continua.

Amanheceu

Amanheceu e não tinha vontade de colocar o nariz na rua. Minha amiga russa combinou de passar cedo no hotel para ficarmos na piscina. Não tinha vontade de levantar, nem de ir para piscina, nem de falar com ninguém.

 

Mas já havia combinado e nem que quisesse, haveria tempo de desmarcar. Pensei melhor e achei que talvez devesse descer e explicar a história para ela, mas não tinha vontade de falar no assunto. Então, coloquei o biquini e me propus a descer um pouco, dar a desculpa de uma dor de cabeça qualquer, o que nem era mentira, e subir logo.

 

Desci cedo, como combinado, a piscina ainda estava bem vazia, mas minha amiga não estava. Soube mais tarde que ela havia perdido a hora e não teve como me avisar a tempo. O que em outra ocasião teria sido chato, naquela foi providencial, precisava mesmo ficar um pouco sozinha. E se não tivesse marcado com ela, não teria saído do quarto, o que também foi importante.

 

Ao invés de ir à piscina, preferi a praia. Nada como o mar para viajar em pensamentos. Sentei em uma cadeirinha na beira da água, com metade do corpo dentro e metade fora. A água ali também é quente, chega a uns 37 graus e, às vezes, você se sente no meio de uma sopa.

 

Meu avô gostava de pescar no mar e quando era criança ia com ele algumas vezes, na época achava divertido. Estava no lugar correto para absorver a notícia e aceitar que ele havia morrido.

 

O estranho é que não era exatamente tristeza o que sentia. Para mim vinha muito claramente a sensação de um ciclo bem cumprido. Meu avô viveu sua vida como escolheu, construiu família e morreu de velhice. Foi duro, porém rápido entender que era uma notícia difícil e indigesta, mas não era uma má notícia.

 

O oriente trata a morte de outra maneira e, talvez por estar ali, decidi tentar fazer o mesmo. Um dia também quero morrer de velha, próxima às pessoas que me querem. Encerrei esse capítulo, ou pelo menos acreditei que havia encerrado naquele momento, decidi não falar no assunto e continuar a viagem e a vida, porque era assim que deveria ser. Mais tarde, já em Madri, percebi que havia saltado meu luto e que isso também era importante. E o retomei. Mas essa é uma outra história.

 

Quando voltei ao quarto, mais serena, havia uma mensagem da minha amiga russa. Muito sem graça ela se desculpava pelo furo, e o irônico é que eu não tinha como agradecê-la por isso. Combinamos de jantar, já com os maridos.

… ainda em Dubai

Continuando a contar sobre Dubai, sei que parece incrível, mas frequentar os centros comerciais é uma das maneiras de se conhecer a cidade. Não é só pelo fato de serem impressionantes, como tudo ali, nem pelos preços, que são realmente convidativos. É porque é praticamente impossível passear na rua, ninguém caminha pelas calçadas, você passa mal. É um calor que gira por volta dos 45 graus, ou mais, com 100% de umidade e sol na cuca. Tudo funciona movido a ar condicionado.

 

O primeiro shopping que conheci foi o Emirates, onde há uma imensa pista de esqui com neve artificial. Obviamente, a maior do mundo. Esquiar em pleno deserto era algo que não podia deixar de fazer, inclusive havia levado minhas botas de esqui. Outra vez, é tudo igual, mas diferente. Começa no vestiário, onde as mulheres entram com aquela roupa toda para se trocarem. Há cabines separadas para isso, entrei em uma delas e simplesmente dentro não tem luz, elas se trocam no escuro. Bom, não consegui e fui para o meio do vestiário, onde vi que havia outras meninas trocando de roupa, logo não estava fazendo nada errado.

 

No vestiário masculino, Luiz depois me contou que chegaram para ele pedindo informações em árabe. Depois fiquei de farra com ele, também, com essa cara de egípcio!

 

Dentro da pista, você vê a maioria das pessoas com as roupas normais de inverno, mas também há um monte de gente com roupa árabe, homens e mulheres, e um casacão preto por cima que vai quase até os pés. Eles não entram para esquiar, porque não dá para esquiar com aqueles vestidos, mas para experimentar o frio ou acompanhar os filhos.

 

Nesse dia, para mim estava difícil esquiar, porque havia muitas outras coisas para prestar atenção e não conseguia me concentrar. Começou porque cheguei totalmente mareada ao local, pegamos um taxi com motorista indiano com um cheiro que me deixava tonta. Não é suor normal, acho que pela comida, cheira a curry com páprika, sei lá. Depois me disseram que eles usam um tipo de óleo no corpo e que também dá um pouco desse cheiro. Enfim, não se pode abrir as janelas para arejar, por causa do calor. Então, imagina meia hora de curry nas suas narinas, saí do taxi verde e trocando as pernas.

 

Outro shopping interessante, com aparência bem árabe, é o Madinat Jumeirah, fica próximo ao Burj Al Arab, aquele hotel famoso, 7 estrelas, com formato de vela de barco. Almocei com Luiz ali, enquanto esperávamos por um casal de amigos. Quando estava no restaurante, entrou um árabe com quatro ou cinco esposas, o que quer dizer que era bem rico. Um homem só pode se casar com mais de uma mulher se puder mantê-las e todas com o mesmo padrão. O que uma ganha a outra tem que ganhar também. Pois entrou um grupo de mulheres, todas de negro e com véu, mas com o rosto aberto. Uma era negra e as outras morenas de pele mais clara e isso também é um fato interessante, a cor da pele não faz a menor diferença, não há racismo por esse motivo. Mas voltando, entraram morrendo de rir, animadas mesmo e não me parecia nada fingido. Uma mulher vinha atrás delas, separada, era a única que cobria o rosto e só os olhos ficavam de fora, imagino que fosse a primeira esposa. Também foi a única que me olhou, de maneira profunda e indecifrável.

 

Comentei com o Luiz e ele resolveu logo o enigma do seu jeito, disse que ela pensou: humm… essa é bonitinha, vou pedir para meu marido comprá-la… podemos oferecer uns dois camelos e três cabras. Acho que as cabras não iam rolar, afinal de contas, já estou meio usadinha.

 

Brincadeiras a parte, o olhar realmente me impressionou. Eu, como boa parte das mulheres, sou boa para identificar o que um olhar quer dizer. Mas ali estava fora do meu alcance, era outro idioma que não conhecia.

 

A maioria das famílias locais que vi era de um casal, digamos, normal. Só um homem e uma mulher. O tratamento com os filhos é bem carinhoso e várias vezes vi os homens, com suas túnicas brancas, ajudando a carregar o carrinho, dar mamadeira, nada tão diferente. Algumas vezes você vê o marido ir na frente da mulher, porque dentro de sua cultura, sua função é protegê-la. Ela não deve trabalhar, porque o trabalho não é nobre e ela é especial porque é capaz de dar a luz. O quanto isso se distroceu ao longo do tempo é uma outra discussão e, como já disse desde o início, não fui para julgar, mas observar e aprender. É importante lembrar que Dubai é um oásis tanto em tolerância, quanto em poder aquisitivo. Acredito que o problema maior surja quando chegamos nas populações bem pobres e sem acesso à educação. A ignorância é violenta e opressora em qualquer lugar do mundo, seja em que cultura for.

 

E para encerrar a história dos shoppings, fui a um terceiro, também muito interessante. Chamado Ibn Battuta Mall, tem seis grandes alas, cada uma representando uma região, China, Índia, Pérsia, Egito, Tunisia e Andalusia. Não preciso dizer que é outro local incomensurável, né? Cada ala recebe decoração específica em função da região que representa, tanto por dentro, como em sua arquitetura por fora.

 

Conhecemos também a parte antiga da cidade, bem menos turística. Fomos de carro com nosso casal de amigos e enfrentamos um engarrafamento de deixar qualquer paulista com inveja. Aliás, engarrafamentos fazem parte da rotina local.

 

Nessa parte da cidade, os centros comerciais são abertos, ou seja, sem ar condicionado. Felizmente, foi nosso último passeio da viagem e estava um pouco mais acostumada ao calor. Ali funcionam os mercados, ou “souks”. Nós fomos ao Gonden Souk, o mercado de ouro. Imagine um centrão de cidade, um lugar bem simples, com mil lojinhas uma do lado da outra. Só que todas essas lojinhas tem vitrines repletas de ouro. Não tem polícia, não tem segurança e não tem roubo. Por outro lado, não estaria tranquila em passear sozinha, a não ser que estivesse usando véu.

 

Na volta para o carro, chegou um momento que nenhum de nós quatro conseguia mais falar. A roupa molhada de suor e tonta. Você começa a passar mal. E era dez da noite! Logo que se entra no ar condicionado do automóvel, a gente se recupera, mas o corpo ainda sente o cansaço. Esse entra e sai de frio e calor foi minando um pouco minha garganta.

 

Fomos jantar na sequência, era quinta-feira e os restaurantes abrem até mais tarde. A semana funciona de domingo à quinta. Ou seja, o fim de semana deles é sexta e sábado. Na quinta-feira à noite as ruas estão cheias de gente passeando, nos carros e nos ambientes fechados é lógico. Nossos amigos disseram que existe inverno em Dubai, e que a temperatura chega a uns 19 ou 20 graus, quando todos usam seus casacos. Custo a acreditar.

 

De lá voltamos ao hotel, ainda tínhamos que fazer as malas. Fomos dormir por volta das duas da matina e precisávamos acordar às quatro para ir ao aeroporto. Ou seja, noite virada. Só descansaria já em solo ocidental.

 

Saí de Dubai com a sensação de ser uma pessoa diferente da que entrei. Achava que era uma viagem de uma só vez e agora não sei, pode ser que volte. No espelho já me vi com o olhar indecifrável daquela mulher árabe e continuo sem entendê-lo. E talvez também seja bom um pouco desse mistério, há coisas que não devem ser explicadas. Aceitar a realidade como ela é, sem lutar, às vezes é uma questão de sabedoria e estratégia.

 

Salam aleikum!

Entre aeroportos

A volta para casa foi muito marcante no sentido da quebra entre culturas.

 

O aeroporto de Dubai é grande, moderno e tem um ótimo free shop para as compras finais. Poderia achar que estava em qualquer país ocidental, se não fosse por algumas pessoas em trajes típicos árabes ou indianos. Mas quando você menos espera, sempre há algum detalhe que te lembra onde você está.

 

No portão de embarque, logo ao lado do nosso, havia uma tribo de beduínos que aguardava a viagem. Os beduínos são um povo nômade que vive nos desertos do Oriente Médio e do norte da África. Seu nome deriva das palavras árabes “al bedu”, habitantes das terras abertas, ou “al beit”, povo da tenda.

 

Mas espera aí, jogo dos sete erros, o que faz uma tribo beduína viajando de avião? A cena não encaixava.

 

Nesse caso, estavam todos no chão, alguns deitados e os outros sentados, exatamente como se estivessem no meio do deserto. Havia algo de primitivo e, em um primeiro olhar, sem nenhuma análise pejorativa, era como um grupo de leões, com o líder, um homem que parecia o mais velho, barbudo e de turbante, sentado com o pescoço esticado, atento ao que havia em volta, cuidando do grupo. É difícil descrever, mas impressionava como sua anatomia se encaixava ao chão, não podia imaginá-los sentados em cadeiras. Alguém imaginaria um leão sentado em uma cadeira? Lembravam um pouco mendigos e levavam grandes garrafas de líquidos e recipientes, como marmitas, envoltos em panos. Não me pergunte como aquilo passou na fiscalização, seguramente fizeram vista grossa ou há critérios distintos que consideram as diferenças culturais. Sinceramente, fiquei curiosa se no avião eles sentariam em poltronas ou se espalhariam pelos corredores.

 

Mas não tinha muito tempo para observá-los, melhor prestar atenção ao meu lugar na fila porque, para variar, havia uma família de indianos que a ignorava e tentava furá-la de qualquer jeito. Eu não sei da onde surgiu a tal expressão “fila indiana”, já que nenhum indiano respeita fila. Acho que só os elefantes mesmo que vão um atrás do outro. O interessante é que havia uma adolescente, provavelmente, criada no ocidente, que se sentia completamente desconfortável com o pai fazendo isso. Dizia baixo para ele: what are you doing? E o pai continuava se fazendo de desentendido e se enfiando na frente dos outros. Enfim, na minha frente ele não entrou, até porque Luiz irritado me empurrava para frente, vai, vai.

 

No avião não sentamos juntos, pegamos dois corredores, eu atrás dele. Daí começa a tradicional neurose do quem-vai-sentar-do-meu-lado. Primeiro fico na torcida para não vir ninguém, mas ultimamente os vôos vem lotados. Então começo a torcer para que seja uma mulher pequena… tá bom, pode ser um homem mais magrinho… ou que sente de perna fechada… ai, cassilda, dá pelo menos para ser limpinho… Enfim, no final sentou um holandês alto, mas magro e não me incomodou em nada. Também quebrei seu galho e liberei meu encosto de braço, afinal de contas, sentar no meio é um saco!

 

Foi quando vi entrar o incrível Hulk em versão branca e agradeci solenemente por ele não estar do meu lado. Sério, faz muito tempo que não vejo um homem tão grande. E não era gordo, na verdade, não tinha barriga, parecia uma montanha de músculos! Forte para burro! Fiz logo a história: desse tamanho, aqui… deve ser um soldado mercenário, um assassino profissional ou coisa parecida. Que mêda! O cidadão sentou-se comportado, ou melhor, encaixou na poltrona e o braço inteiro ficava do lado de fora. Fiquei imaginando o pobre que sentou do outro lado.

 

Pois bem, atrás dele sentou-se, advinha, um indiano claro. Um rapazinho magrelo, todo metido a modernoso. Não demorou muito e ele resolveu apoiar os joelhos na poltrona do incrível Hulk. Passou o vôo inteiro chutando a cadeira do homem-armário, que de vez em quando dava aquela olhadinha para trás, no mínimo imaginando quem era o maluco. E eu pensava, esse mocinho não tem medo da morte? Tem que acreditar muito no carma, viu?

 

No fim do voo, descobri que Luiz havia pensado o mesmo, tanto sobre a teoria conspiratória do assassino profissional, quanto ao indiano doido que chutava sua poltrona. Sei lá, acho que quando o homem é assim grande de verdade e tem noção de sua força, acaba relaxando, porque se tomar uma atitude pode ser drástica. Pelo sim, pelo não, quando Luiz esbarrou nele tratou de se desculpar, um pouco de educação não custa e melhor não confiar tanto assim no carma.

 

Nosso avião fez uma conecção em Amsterdam e tínhamos tempo para almoçar com calma antes da próxima etapa de duas horas de voo. Assim que pisamos em solo ocidental, Luiz respirou aliviado, que bom voltar… aqui sei o que fazer!

 

A primeira providência foi sentar-mos em um restaurante e pedir uma garrafa de vinho, quase que em uma atitude infantil. Simplesmente, porque ali poderíamos tomar uma bebida alcoólica sem problemas.

 

Sei que não era uma reclamação da parte dele em relação ao Oriente Médio, mas é que por melhor que te recebam, é uma cultura muito diferente da nossa e precisamos estar o tempo inteiro atentos para não cometer um deslize. E nem é só uma questão de medo da punição, mas uma tentativa de respeito ao contexto.

 

De certa forma, as mudanças de país e as frequentes viagens me fazem pensar constantemente sobre as diferenças culturais e como me comportar nessas situações. Vejo hoje com muito mais clareza essa quantidade de detalhes distintos, às vezes sutis, entre os países e suas culturas. Mas de repente, passar essa barreira do oriente me fez colocar o mundo sob uma outra perspectiva, me fez ver o ocidente como um grande bloco outra vez. E me senti parte dele. Por algum tempo, volto a ter uma casa e uma identidade inquestionável. Meu mundo tem crescido demais, o que não é mal, mas foi importante diminuí-lo um pouquinho também, estava demasiado dispersa.

 

No avião entre Amsterdam e Madri, entraram alguns espanhóis e, em especial, um grupo por volta de seus 50 anos. Aquele jeito de conversar alto e com as tradicionais expressões de sempre. Sim, ainda era provinciano, mas dessa vez não irritou, era engraçado. Já não éramos tão diferentes assim e eu não era tão estrangeira.

Chegar em casa

Chegar em casa foi difícil. Bom ver meu gato, fico com saudades dele quando viajo. Mas por outro lado, me trazia outra vez à realidade, que não era má, mas ainda havia uma notícia dura para lidar. Achei que tivesse absorvido a morte do meu avô, mas não tinha. Faltava um período de luto. Não é mórbido, nem masoquista, simplesmente é um ritual de passagem necessário para prosseguir.

 

Adoeci. O corpo muitas vezes se encarrega de tratar o que a cabeça se nega. Tenho uma tendência alérgica razoável, mas como felizmente minha saúde é forte, não é comum se manifestar. Entretanto, qualquer tristeza maior, ou algo parecido, baixa minha resistência no ato e pego tudo de errado que tiver no ar. A garganta trava e ganho uma tosse alérgica que pode durar meses. Chamo de tosse do sapo, enquanto estiver com o sapo entalado na garganta, a tosse não passa.

 

Mesmo assim, saíamos. Encontramos amigos e sinceramente podia me divertir. É diferente quando a gente se diverte sem estar tão bem, o riso sai com ar de desabafo, mas adianta e faz bem. Tinha a sorte da viagem a Dubai para contar, e o assunto podia ir por aí.

 

Uma amiga passou um aperto enquanto viajávamos, nasceu a filhinha da sua prima, mas com complicações no parto. As coisas se acertaram e a neném foi para casa um ou dois dias depois da nossa chegada em Madri. De alguma forma a história também servia para mim, como se me confirmasse que o ciclo da vida aconteceu como deveria. Uns se vão, outros ficam, e dessa vez foi na ordem correta. O mundo ainda guardava alguma justiça.

 

Meu irmão me ligou, achei ele bastante abalado ainda. Ele me contou que no domingo seguinte jogariam as cinzas do meu avô na cachoeira do sítio da minha tia. Era um lugar que ele gostava muito. Também me disse que se eu quisesse escrever alguma coisa, ele leria para mim no dia. Achei uma ótima idéia, me tirava a sensação de impotência, isso eu poderia fazer.

 

É complicado receber a notícia da morte de alguém querido e próximo quando você está longe. A gente fica meio barata tonta, sem saber se vai para o Brasil ou se tem algo que fazer. No fundo a gente sabe que não adianta mais,  só que fica faltando alguma coisa. Escrever eu podia.

 

Foi mais difícil que imaginava, custou a sair a primeira linha. Na verdade, custou dias. Busquei um texto que havia escrito lá atrás, logo que soube que ele estava doente, e foi um começo. Depois saiu naturalmente, desabafei como deveria ter feito antes e não havia conseguido. E foi bom, o sapo virou girino, ainda incomoda um pouco, mas a tosse melhorou muito.

 

No domingo, não quis sair de casa, fiquei esperando. À noite falei com meu irmão para saber como foi tudo. Ele estava melhor e eu também. Missão cumprida e ciclo resolvido. Saudade é parte da vida.

 

Na segunda-feira já acordei bem.

Meu avô agridoce

Agridoce é um sabor que gosto muito, traz o contraste entre a intensidade do acre e a doçura discreta que o complementa. Assim foi meu avô. Um homem de aparência emburrada e séria para as pessoas em geral, mas especialmente carinhoso com a família mais próxima, principalmente com os netos.

 

Sou neta e portanto faço parte do seleto grupo a quem ele confiou e mostrou seu melhor lado. Quem diria que esse homem tão bravo nos recebia fazendo cócegas e dizendo: pode morder? Pode beijar? Pode apertar? Deve ter acontecido, mas não tenho na memória nenhum dia em que ele demonstrou estar aborrecido comigo.

 

Algumas recordações são mais fortes, lembro do apartamento da Tijuca, onde acordava com o cheiro do café e ia para mesa sabendo que encontraria cabaninhas de índio esculpidas na ponta do pão francês, com portinha e tudo. Ainda montaríamos o forte-apaxe para continuar a brincadeira. Depois ele me levava para a Praça Xavier de Brito, que para mim era “a pracinha”, para andar de pônei ou nas charretes de pedalar, brincar no parque e tomar chicabon. Mais tarde, na hora da sua cochilada, eu me enfiava junto na cama e pedia que me contasse a história da cegonha mentirosa por tantas vezes que só um avô teria paciência. É claro que no fim era ele quem dormia.

 

E, finalmente, o passeio mais cobiçado do ano: o Tivoli Parque da Lagoa! Pois também era ele que se metia na montanha-russa e no twist para nos agradar, mesmo sabendo que sua coluna não ia gostar muito desse negócio.  Ali aprendi a comer churros com doce de leite.

 

Alguns anos depois, o Tivoli foi substituído pelo passeio no trenzinho de Cabo Frio… centenas de vezes! Começo de noite na feirinha, maresia, cheiro de milho cozido e açucar queimado de amendoin.

 

Meu avô construía brinquedos e jogos inventivos. Tinha ferramentas e sabia consertar tudo. Gostava de pescar, exercitava as pernas e viajava solitário nos seus pensamentos, mas nos levava com ele, na única idade em que pescar me parecia divertido. Ele tinha sua maneira de se comunicar conosco e a gente se entendia sem muitas palavras. E como era bom comer galhudo e perna de moça, recém pescados, fritos na farinha de rosca.

 

Meu avô tinha gosto de torresmo com linguiça, mandioca frita crocante, bife acebolado, arroz refogado na banha de porco até virar pipoca, feijão grosso e leitoa pururuca. Misturava com o cheiro da minha avó, tecido bem passado guardado em móvel de madeira. Imagino eles se encontrando assim, ele assoviando alto seu inconfundível “Vivi” e ela respondendo, “Bêtinho”…

 

O tempo passou e mais um ciclo de vida terminou, exatamente como deve ser, e portanto a tristeza seria injusta, mas fica a saudade. Ficamos nós, com a responsabilidade de construir nossas próprias histórias e com a felicidade de possuir tantas boas memórias. Quem tem ou teve avôs e avós tem sorte, aprende mais cedo a possibilidade da fantasia, a usar a imaginação, não para fugir, mas para fazer a vida mais interessante e colorida.

 

_ Hoje tem festa no céu!

_ OOOOObaa!

_ Vai ter muita comida e bebida!

_ OOOOObaaaa!

_ Mas quem tem boca grande não entra!

_ … coitôdo do jacaré!

Os bastidores da tradicional feijoada do Luiz 2007

Meu digníssimo marido faz parte daquele time que não é muito chegado a comemorar aniversário. Mas ano passado fizemos uma feijoada que ele gostou, talvez até porque tirasse um pouco a cara e a carga de uma festa de aniversário.

 

O importante é que em 2006 saiu da boca dele o comentário que deveríamos instituir o dia anual da feijoada aqui em casa. E eu tinha muitas testemunhas que ouviram! Até no blog estava registrado. Pois muito bem, esse ano, por que não? Vamos fazer a feijoada do Luiz! Sábado, que é o dia dela.

 

Ele demorou um pouquinho, mas logo se animou com a idéia. Óbviamente, quando convidou as pessoas não disse que era seu aniversário. Mas não tem problema, porque alguns amigos lembravam e para o resto eu dedurei.

 

Infelizmente, é uma eterna escolha de Sofia e aqui não cabe todo mundo que queremos convidar. No total, fomos em vinte pessoas e duas nenéns, o limite estrapolado para um almoço em casa.

 

Os ingredientes principais chegaram de contrabando pelas mãos de um amigo. Meu pai havia me mandado uma mala de pertences e dessa vez ele caprichou! Uma carne seca alta e magra, costelinha defumada de ajoelhar, linguicinha enfurecida e o paio que não tem como ser ruim. Havia até um pé-de-porco, que coloco para dar gosto, mas tiro antes para não impressionar os convidados. Convém lembrar que nada disso existe aqui, o que faz a brasileirada, eu incluída, delirar quando encontra.

 

Aqui não tem a couve, mas a gente dá um jeito. Existe uma verdura galega similar, chamada “berza”, que é a opção mais próxima. Infelizmente, não era época. Daí tem a segunda opção que é a folha da acelga, também funciona bem. Comprei uma braçada de folhas, que picadinhas em tiras finas e refogadas com torresmo e alho, não decepcionam em nada.

 

Luiz teve a idéia de fazer uma camiseta da feijuca, como se fosse um abadá. O problema é que foi meio em cima da hora e achar alguém que executasse esse plano a tempo não foi simples. Mas como sempre, no fim deu certo.

 

Levo quase uma semana, preparando tudo e fazendo as compras. Assim não fica muito pesado e no dia da festa estou tranquila para aproveitar também. De qualquer forma, o dia anterior é sempre o que há mais trabalho.

 

Enfim, como a lei de Murphy é infalível, na sexta-feira levantei de uma noite infernal e uma ligeira intoxicação alimentar. Luiz, por sorte, teve na quinta, não sei que raios a gente comeu durante a semana, mas foi poderoso. Resultado, um dia antes, com todo mundo convidado, as carnes desalgadas e uma feijoadinha para umas 20 pessoas a ser preparada, acordo eu vendo o mundo girar e sem poder nem pensar em comer nada que enjoava! Ca-ra-ca! Alguém me diz que isso não está acontecendo…

 

Enrolei o que pude na cama, com aquela esperança remota de que na hora em que levantasse estaria boa. Quando vi que não ia acontecer e que não tinha jeito, instalei minha maca no sofá da sala, perto da cozinha e ficava variando entre o fogão e uma deitadinha. Liguei para o Luiz explicando o drama, ele conseguiu vir trabalhar de casa.

 

Foi a sorte, porque assim pôde me ajudar bastante. Bom, digo que foi a minha sorte, não sei se foi a dele, porque precisava picar uma tonelada de cebola e alho, amassar batata, enrolar bolinhos e trocar alguns móveis de posição. O feijão, fiz à moda antiga, sem panela de pressão. Cozinhando devagar, cada carne a seu tempo. Só não podia provar o sal, na verdade, não podia provar nada. Luiz provava para mim. Fora a preocupação em passar as boas energias para a comida, porque cozinha tem lá suas bruxarias. É terminantemente proibido se cozinhar de má vontade!

 

Fui dormir exausta! Nem tanto pelo trabalho, é que estava meio ruim ainda. Acho que o maior desespero era o medo de acordar mal no dia seguinte e não poder comer a bendita feijoada! Tomei anti-alérgico, anti-ácido, melatonina, aspirina e apaguei a noite toda. Uma boa noite de sono é um santo remédio! No sábado, acordei com todo gás e o principal, sem um pingo de enjôo. Uma ova que não ia comer da feijoada!

 

Por volta dàs 14:30 horas, começaram a chegar os convidados. Todo mundo entrou na brincadeira e vestiu a camiseta. Ficamos de farra dizendo que estávamos criando o vício e que no próximo ano o abadá seria vendido. No que mais do que depressa, uma amiga respondeu, mas o abadá tem que valer para quatro dias…

 

Como entrada, servimos um vinagrete com pão fresco e torradinha, bolinho de bacalhau, linguiça fina defumada e carne seca acebolada desfiadinha. Farofa de acompanhamento, para quem quisesse. Um amigo trouxe pão de queijo, que voou rapidamente.

 

Caipirinha de cachaça e cerveja. Eu mesma prefiro a amarelinha pura, não sou muito chegada a misturas. Tá bom, também tinha água e refrigerante, afinal de contas, havia dois bebês na festa!

 

E finalmente, ela, a rainha do evento: a feijoada! Putz! Modéstia às favas, ficou boa pra burro! Como feijão é bom!

 

Apesar da lombeira que provoca, o papo seguiu animado e ainda demos conta da sobremesa. Um amigo trouxe sorvetes e outro fez um pudim de leite condensado que foi uma covardia. Os últimos convidados se foram pela uma e meia da matina!

 

Festa boa… 2008 tem mais!

O impacto que temos na vida das pessoas

Nesse fim de semana, saímos Luiz, eu e uma amiga. Sentamos animados por uma garrafa de whisky, coisa que não tomo faz tempo. Mas nesse caso, ou encarávamos a garrafa ou não haveria mesa nem lugar para sentar. Logo, também não foi assim um grande sacrifício.

 

O fato é que o papo estava bom e, em determinado momento, já não lembro se Luiz ou ela tocaram no ponto que as pessoas não se dão conta do impacto que podem ter na vida dos outros. Concordei rapidamente, sem perceber que também estava vestindo a carapuça. Porque estávamos falando das outras pessoas, certo? Claro que não era eu que impactava na vida de ninguém, né?

 

Como assim? Luiz me mandou na lata alguns exemplos imediatos e me assustou a possibilidade de afetar a vida de alguém. Primeiro porque me parecia uma certa pretenção me atribuir esse poder, segundo, porque no exemplo que ele me deu, não era algo que precisasse me esforçar para fazer.

 

Daí entrei em uma viagem pessoal e comecei a lembrar de pequenos gestos que recebi, de amigos ou desconhecidos, e que em determinado momento acredito terem salvo a minha vida. Ou ao menos o meu dia.

 

E talvez esse seja o ponto principal que anda me intrigando, pois não são enormes e sacrificados favores que nos impactam normalmente, mas uma mão certa na hora que precisamos. Correndo o risco de ser piegas, às vezes, só um sorriso basta.

 

Um exemplo básico, andei com um pouco de má vontade com a cultura espanhola nos últimos tempos. Não importa se com ou sem razão, mas aconteceu. Na volta de Dubai, fomos comer no La Daniela, uma taberna que gostamos muito, mas já tinha um tempinho que não passávamos por lá. É um lugar tipicamente espanhol, onde por incrível que pareça, entendi muito do comportamento local. Uma das garçonetes, que se tornou nossa amiga, tem o maior jeito de invocada, apesar de não sê-lo. Pelo contrário, é super educada, é só o jeito mesmo. Enfim, na ida falei brincando com o Luiz que a gente ia levar uma bronca dela ou nos ignoraríam porque ficamos muito tempo sem aparecer. Era brincadeira, mas não percebi que realmente me preparei para ser ignorada. Pois quando chegamos e ela me viu, abriu um sorriso largo e atravessou o salão para vir me cumprimentar. Foi uma coisa tão simples e tão poderosa. Ela não sabe, mas com um sorriso mudou minha atitude. E ao mudar minha atitude, notei que conheci ou me reaproximei de amigos espanhóis.

 

Finalmente, resolvi uma questão que me incomodava há anos, mas não sabia exatamente o porquê. Tive uma amiga muito próxima que se suicidou. Na época do ocorrido, andávamos meio afastadas. Nenhum problema, a gente se falava por telefone, mas ambas estávamos de namorado novo e é um momento que você acaba buscando mais privacidade. Enfim, em determinada semana comecei a pensar nela e precisava ligar. Não era nenhum pressentimento, só vontade de falar, gostava dela, estava com saudades. Eu demorei e ela se matou antes. Eu nunca me culpei por isso e continuo sem me culpar, mas uma coisa me angustiava e agora entendi. Não sei se tivéssemos conversado isso teria feito alguma diferença. Mas se eu tivesse ligado, eu saberia. Como não o fiz, nunca vou saber.

 

Outro exemplo? Esse mais divertido. Uma vez conduzindo no Rio, não devia ter muito mais que uns 20 anos e era estressadíssima, como todo carioca dirigindo. A buzina faz parte do regulamento. Enfim, o sinal abriu e o carro da frente deve ter demorado uns 15 segundos para arrancar e, lógico, dei aquela buzinada clássica! O passageiro que estava sentado atrás, um homem de uns 40 anos, virou para mim com uma cara de p$%^& e acho que estava a ponto de me sinalizar obscenamente. Não sei que santo me baixou, mas de repente achei a situação engraçada e até me arrependi de ter me invocado tanto com uma porcaria de um sinal. Olhei para o cidadão emputecido, sorri sincera e mandei um beijo. Ele ficou absolutamente desconcertado. Veja bem, estou falando de um homem carioca com seus anos de praia… Ele me devolveu o beijo meio de lado, rindo sem jeito e virou rápido para frente, claramente sem saber bem o que fazer. Ao invés da gente se xingar ou se aborrecer, eu fui morrendo de rir o resto do caminho para casa e ele provavelmente também. Pronto! Para que se matar por uma bosta de um sinal? Tenho certeza que o que mudou esse fim foi um sorriso.

 

Essa consciência, foi um chamado à responsabilidade. Não posso sair por aí com a intenção de ajudar o mundo, nem calcular cada gesto ou palavra, mas também não posso ignorar que as coisas que faço tem consequência e não é apenas na minha vida.

 

Isso sem falar dos amigos. Se já eram importantes antes, ganharam uma proporção mais intensa, porque quando você mora fora, eles se tornam parte da sua família. Na verdade, até meu gato hoje é parte da família! Se eles impactam tão fortemente na minha vida, por que não impactaria na deles?

 

Alguns pequenos gestos deveriam ser regras universais. Quando alguém fala conosco, independente da idade, devemos prestar atenção; se marcamos um encontro, devemos aparecer ou avisar a tempo; se conhecemos alguém, devemos manter contato ou nos despedir com educação; se podemos fazer um favor, devemos fazê-lo porque sim; se temos a chance de unir pessoas, não devemos disperdiçá-la; ou talvez a gente pudesse pelo menos sorrir um pouco mais.

Un curro

“Currar”, dito com cada “r” bem pronunciado, vem da palavra “curro”, na gíria popular, um trabalho duro e normalmente mal remunerado. É um tipo de bico e costuma ser trabalho braçal.

 

Contrariando a lógica, sou chegada a um curro! Fazer o que? Eu gosto de trabalho físico, até durmo melhor.

 

Essa semana um amigo precisava montar sua exposição e sentiu que sozinho não daria conta a tempo, me chamou para ajudar. É engraçado porque as pessoas te chamam sem graça para essas consideradas roubadas, un curro. Mas o pior é que não achei nada demais, na prática foi legal.

 

É a primeira vez que ajudo a montar uma exposição da qual não vou participar. Curti da mesma forma, adoro um bastidor. Traz essa sensação de que você está vendo um segredo, algo que os outros seres humanos não terão acesso. É uma viagem na maionese, sei disso, mas embarco direitinho.

 

No Brasil, uma vez fiz um curso no MAM, e para entrar nas salas de aula, nós passávamos por trás do salão de exposições. Eu achava o máximo passar por ali nas épocas de montagem, pois estava fechado ao público em geral e a gente sempre via primeiro. Outra vez tinha a sensação de estar em um lugar secreto, mesmo sendo cercado por janelas gigantescas. Segredos de liquidificador.

 

Enfim, a exposição do meu amigo foi muito legal e foi melhor ainda me sentir parte dela, mesmo como mão-de-obra absolutamente braçal. Ganhei até um agradecimento no discurso de abertura! Que chiquérrimo!

 

Ele eventualmente trabalha para galerias com montagens de exposições de outros artistas e já me ofereci para ajudar caso apareça alguma oportunidade. Não seria nada mal fazer alguma coisa que gosto, em um ambiente que quero entrar e ainda por cima ganhar uma dinherrinha, né?

 

Vê se pode, tanto estudo, a maior pinta de dondoca e doida para ser pião de obra! Tô com uma saudade de pintar uma parede…

Yo camino

Dia 28 de setembro, embarco na próxima caminhada de longa duração, os primeiros 150 km do Caminho de Santiago. Lá vou eu de novo! O plano “A” é começar em Sant Jean Pied-de-Port e ir até Logroño.

 

Uma coisa me alegra, outra me assusta. A primeira é que Luiz vai junto, ou seja, será uma oportunidade de dividir uma experiência intensa. A segunda é… que Luiz vai junto!  E não há como não pensar em que tipo de impacto isso terá no nosso convívio. Estou otimista, mas não ingenuamente. Depois de trilhá-lo, entendi que o assunto é sério. A gente até pode se divertir, mas não há espaço para distrações sem consequências.

 

Existe a possibilidade que eu continue o caminho sozinha por mais alguns dias, mas não tenho certeza, vai depender de muitas coisas, entre elas dos meus pés estarem em boas condições. Fisicamente, não acho que esteja tão bem preparada quanto da última vez, mas acho que consegui conservar um bom desempenho e o principal, ganhei a atitude necessária. Acredito que não vá voltar tão atordoada, mas isso a gente só descobre na hora.

 

Um amigão do Rio, que fez os últimos quilômetros comigo em junho, está nos ajudando bastante com informações. Os imprevistos fazem parte do roteiro, mas a estratégia é fundamental. O quanto mais pudermos nos preparar, melhor, porque uma vez lá, a gente já entra direto no olho do furacão. É quase sempre possível terminar o trecho, mas faz muita diferença em como a gente volta para casa. Sem preparo, físico e psicológico, a gente pode se machucar feio.

 

Bom, nem sempre é assim tão pesado, a contrapartida compensa muito, aqui e lá. É gostoso ver os amigos vivendo a experiência de alguma forma, Luiz ganhou de presente roupa, guias, cantil, repelentes… tudo para o caminho. Também tem sido legal treinar com ele caminhando pela cidade ou pelo parque. É bom quando a gente tem uma atividade em comum, fortalece alguns laços.

 

E a magia do Caminho, essa já conheço bem, ando escutando ele me chamar de volta.

 

 

“Se meus joelhos não doessem mais

diante de um bom motivo

que me traga fé, que me traga fé

se por alguns segundos eu observar

e só observar

a isca e o anzol, a isca e o anzol

ainda assim estarei pronto

pra comemorar

se eu me tornar menos faminto

que curioso, curioso

 

o mar escuro trará o medo lado a lado

com os corais mais coloridos

 

valeu a pena, eh eh

sou pescador de ilusões

 

se eu ousar catar

na superfície de qualquer manhã

as palavras de um livro

sem final, sem final

sem final, sem final, final”

 

(Pescador de Ilusões – Marcelo Yuka/ O Rappa)

Ai, ai, ai, ai… está chegando a hora…

Cadê que consigo inspiração e paciência para escrever? Essa semana foi ansiedade na veia, doida para começar logo a caminhada. Não sei porque fico tão agoniada para ir logo, nem é a primeira vez!

 

Nesse período, um amigo dormirá aqui em casa, para o Jack não ficar sozinho. Esse ano contei com a ajuda de três amigos para conseguir viajar ao mesmo tempo que Luiz, o que foi uma mão na roda impagável. Nosso gato é o mais próximo de filho que temos e sempre foi um pouco difícil administrar viagens sem ele. Como um típico felino, ele não parece muito sociável e faz o maior doce com as visitas, mas sinto claramente a diferença que faz o fato de ter gente dormindo em casa com ele.

 

Amanhã cedo começaremos nossa saga. Vamos de trem até Pamplona e pegaremos um taxi até Sant Jean Pied-de-Port, de onde se inicia oficialmente o Caminho de Santiago. O roteiro inicial é, sair de lá, dormir em Roncesvalles (25 km), Zubiri (22 km), Pamplona (20 km), Puente la Reina (23,4 km), Estella (22 km), Los Arcos (21 km) e Logroño (27,3 km).

 

A quilometragem diária me parece razoável, me preocupa apenas o primeiro dia, quando atravessaremos os Pirineus e há apenas uma parada com estrutura. A temperatura também está mais baixa do que planejamos, mas isso não é de todo mal. Sente-se um pouco de frio para iniciar, mas logo o corpo aquece. O contrário, quando está muito quente, é que complica bastante.

 

Há uma ambiguidade interessante. Por um lado, tento planejar todo o possível, saber por onde vou passar ou dormir, quais os trechos mais complicados, enfim, acho que é uma maneira de não perder o controle, porque detesto perder o controle. Mas por outro lado, é justamente essa impossibilidade de prever e controlar todos os detalhes que me atrai muito, traz um ar de aventura.

 

O que vou aprender dessa vez? Será que conseguirei evitar as malditas bolhas? Como será a volta para casa? E da onde tiro paciência para aceitar cada resposta a seu tempo?

 

Bueno, me voy. Volto em mais ou menos uma semana e só quero voltar com saúde, o resto se pode acertar. E quando nossa maior preocupação é a saúde, é que estamos realmente envelhecendo. Ainda bem que moro na Espanha, e aqui nós ficamos mayores