Amanheceu

Amanheceu e não tinha vontade de colocar o nariz na rua. Minha amiga russa combinou de passar cedo no hotel para ficarmos na piscina. Não tinha vontade de levantar, nem de ir para piscina, nem de falar com ninguém.

 

Mas já havia combinado e nem que quisesse, haveria tempo de desmarcar. Pensei melhor e achei que talvez devesse descer e explicar a história para ela, mas não tinha vontade de falar no assunto. Então, coloquei o biquini e me propus a descer um pouco, dar a desculpa de uma dor de cabeça qualquer, o que nem era mentira, e subir logo.

 

Desci cedo, como combinado, a piscina ainda estava bem vazia, mas minha amiga não estava. Soube mais tarde que ela havia perdido a hora e não teve como me avisar a tempo. O que em outra ocasião teria sido chato, naquela foi providencial, precisava mesmo ficar um pouco sozinha. E se não tivesse marcado com ela, não teria saído do quarto, o que também foi importante.

 

Ao invés de ir à piscina, preferi a praia. Nada como o mar para viajar em pensamentos. Sentei em uma cadeirinha na beira da água, com metade do corpo dentro e metade fora. A água ali também é quente, chega a uns 37 graus e, às vezes, você se sente no meio de uma sopa.

 

Meu avô gostava de pescar no mar e quando era criança ia com ele algumas vezes, na época achava divertido. Estava no lugar correto para absorver a notícia e aceitar que ele havia morrido.

 

O estranho é que não era exatamente tristeza o que sentia. Para mim vinha muito claramente a sensação de um ciclo bem cumprido. Meu avô viveu sua vida como escolheu, construiu família e morreu de velhice. Foi duro, porém rápido entender que era uma notícia difícil e indigesta, mas não era uma má notícia.

 

O oriente trata a morte de outra maneira e, talvez por estar ali, decidi tentar fazer o mesmo. Um dia também quero morrer de velha, próxima às pessoas que me querem. Encerrei esse capítulo, ou pelo menos acreditei que havia encerrado naquele momento, decidi não falar no assunto e continuar a viagem e a vida, porque era assim que deveria ser. Mais tarde, já em Madri, percebi que havia saltado meu luto e que isso também era importante. E o retomei. Mas essa é uma outra história.

 

Quando voltei ao quarto, mais serena, havia uma mensagem da minha amiga russa. Muito sem graça ela se desculpava pelo furo, e o irônico é que eu não tinha como agradecê-la por isso. Combinamos de jantar, já com os maridos.

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