Chegar em casa

Chegar em casa foi difícil. Bom ver meu gato, fico com saudades dele quando viajo. Mas por outro lado, me trazia outra vez à realidade, que não era má, mas ainda havia uma notícia dura para lidar. Achei que tivesse absorvido a morte do meu avô, mas não tinha. Faltava um período de luto. Não é mórbido, nem masoquista, simplesmente é um ritual de passagem necessário para prosseguir.

 

Adoeci. O corpo muitas vezes se encarrega de tratar o que a cabeça se nega. Tenho uma tendência alérgica razoável, mas como felizmente minha saúde é forte, não é comum se manifestar. Entretanto, qualquer tristeza maior, ou algo parecido, baixa minha resistência no ato e pego tudo de errado que tiver no ar. A garganta trava e ganho uma tosse alérgica que pode durar meses. Chamo de tosse do sapo, enquanto estiver com o sapo entalado na garganta, a tosse não passa.

 

Mesmo assim, saíamos. Encontramos amigos e sinceramente podia me divertir. É diferente quando a gente se diverte sem estar tão bem, o riso sai com ar de desabafo, mas adianta e faz bem. Tinha a sorte da viagem a Dubai para contar, e o assunto podia ir por aí.

 

Uma amiga passou um aperto enquanto viajávamos, nasceu a filhinha da sua prima, mas com complicações no parto. As coisas se acertaram e a neném foi para casa um ou dois dias depois da nossa chegada em Madri. De alguma forma a história também servia para mim, como se me confirmasse que o ciclo da vida aconteceu como deveria. Uns se vão, outros ficam, e dessa vez foi na ordem correta. O mundo ainda guardava alguma justiça.

 

Meu irmão me ligou, achei ele bastante abalado ainda. Ele me contou que no domingo seguinte jogariam as cinzas do meu avô na cachoeira do sítio da minha tia. Era um lugar que ele gostava muito. Também me disse que se eu quisesse escrever alguma coisa, ele leria para mim no dia. Achei uma ótima idéia, me tirava a sensação de impotência, isso eu poderia fazer.

 

É complicado receber a notícia da morte de alguém querido e próximo quando você está longe. A gente fica meio barata tonta, sem saber se vai para o Brasil ou se tem algo que fazer. No fundo a gente sabe que não adianta mais,  só que fica faltando alguma coisa. Escrever eu podia.

 

Foi mais difícil que imaginava, custou a sair a primeira linha. Na verdade, custou dias. Busquei um texto que havia escrito lá atrás, logo que soube que ele estava doente, e foi um começo. Depois saiu naturalmente, desabafei como deveria ter feito antes e não havia conseguido. E foi bom, o sapo virou girino, ainda incomoda um pouco, mas a tosse melhorou muito.

 

No domingo, não quis sair de casa, fiquei esperando. À noite falei com meu irmão para saber como foi tudo. Ele estava melhor e eu também. Missão cumprida e ciclo resolvido. Saudade é parte da vida.

 

Na segunda-feira já acordei bem.

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