A volta para casa foi muito marcante no sentido da quebra entre culturas.
O aeroporto de Dubai é grande, moderno e tem um ótimo free shop para as compras finais. Poderia achar que estava em qualquer país ocidental, se não fosse por algumas pessoas em trajes típicos árabes ou indianos. Mas quando você menos espera, sempre há algum detalhe que te lembra onde você está.
No portão de embarque, logo ao lado do nosso, havia uma tribo de beduínos que aguardava a viagem. Os beduínos são um povo nômade que vive nos desertos do Oriente Médio e do norte da África. Seu nome deriva das palavras árabes “al bedu”, habitantes das terras abertas, ou “al beit”, povo da tenda.
Mas espera aí, jogo dos sete erros, o que faz uma tribo beduína viajando de avião? A cena não encaixava.
Nesse caso, estavam todos no chão, alguns deitados e os outros sentados, exatamente como se estivessem no meio do deserto. Havia algo de primitivo e, em um primeiro olhar, sem nenhuma análise pejorativa, era como um grupo de leões, com o líder, um homem que parecia o mais velho, barbudo e de turbante, sentado com o pescoço esticado, atento ao que havia em volta, cuidando do grupo. É difícil descrever, mas impressionava como sua anatomia se encaixava ao chão, não podia imaginá-los sentados em cadeiras. Alguém imaginaria um leão sentado em uma cadeira? Lembravam um pouco mendigos e levavam grandes garrafas de líquidos e recipientes, como marmitas, envoltos em panos. Não me pergunte como aquilo passou na fiscalização, seguramente fizeram vista grossa ou há critérios distintos que consideram as diferenças culturais. Sinceramente, fiquei curiosa se no avião eles sentariam em poltronas ou se espalhariam pelos corredores.
Mas não tinha muito tempo para observá-los, melhor prestar atenção ao meu lugar na fila porque, para variar, havia uma família de indianos que a ignorava e tentava furá-la de qualquer jeito. Eu não sei da onde surgiu a tal expressão “fila indiana”, já que nenhum indiano respeita fila. Acho que só os elefantes mesmo que vão um atrás do outro. O interessante é que havia uma adolescente, provavelmente, criada no ocidente, que se sentia completamente desconfortável com o pai fazendo isso. Dizia baixo para ele: what are you doing? E o pai continuava se fazendo de desentendido e se enfiando na frente dos outros. Enfim, na minha frente ele não entrou, até porque Luiz irritado me empurrava para frente, vai, vai.
No avião não sentamos juntos, pegamos dois corredores, eu atrás dele. Daí começa a tradicional neurose do quem-vai-sentar-do-meu-lado. Primeiro fico na torcida para não vir ninguém, mas ultimamente os vôos vem lotados. Então começo a torcer para que seja uma mulher pequena… tá bom, pode ser um homem mais magrinho… ou que sente de perna fechada… ai, cassilda, dá pelo menos para ser limpinho… Enfim, no final sentou um holandês alto, mas magro e não me incomodou em nada. Também quebrei seu galho e liberei meu encosto de braço, afinal de contas, sentar no meio é um saco!
Foi quando vi entrar o incrível Hulk em versão branca e agradeci solenemente por ele não estar do meu lado. Sério, faz muito tempo que não vejo um homem tão grande. E não era gordo, na verdade, não tinha barriga, parecia uma montanha de músculos! Forte para burro! Fiz logo a história: desse tamanho, aqui… deve ser um soldado mercenário, um assassino profissional ou coisa parecida. Que mêda! O cidadão sentou-se comportado, ou melhor, encaixou na poltrona e o braço inteiro ficava do lado de fora. Fiquei imaginando o pobre que sentou do outro lado.
Pois bem, atrás dele sentou-se, advinha, um indiano claro. Um rapazinho magrelo, todo metido a modernoso. Não demorou muito e ele resolveu apoiar os joelhos na poltrona do incrível Hulk. Passou o vôo inteiro chutando a cadeira do homem-armário, que de vez em quando dava aquela olhadinha para trás, no mínimo imaginando quem era o maluco. E eu pensava, esse mocinho não tem medo da morte? Tem que acreditar muito no carma, viu?
No fim do voo, descobri que Luiz havia pensado o mesmo, tanto sobre a teoria conspiratória do assassino profissional, quanto ao indiano doido que chutava sua poltrona. Sei lá, acho que quando o homem é assim grande de verdade e tem noção de sua força, acaba relaxando, porque se tomar uma atitude pode ser drástica. Pelo sim, pelo não, quando Luiz esbarrou nele tratou de se desculpar, um pouco de educação não custa e melhor não confiar tanto assim no carma.
Nosso avião fez uma conecção em Amsterdam e tínhamos tempo para almoçar com calma antes da próxima etapa de duas horas de voo. Assim que pisamos em solo ocidental, Luiz respirou aliviado, que bom voltar… aqui sei o que fazer!
A primeira providência foi sentar-mos em um restaurante e pedir uma garrafa de vinho, quase que em uma atitude infantil. Simplesmente, porque ali poderíamos tomar uma bebida alcoólica sem problemas.
Sei que não era uma reclamação da parte dele em relação ao Oriente Médio, mas é que por melhor que te recebam, é uma cultura muito diferente da nossa e precisamos estar o tempo inteiro atentos para não cometer um deslize. E nem é só uma questão de medo da punição, mas uma tentativa de respeito ao contexto.
De certa forma, as mudanças de país e as frequentes viagens me fazem pensar constantemente sobre as diferenças culturais e como me comportar nessas situações. Vejo hoje com muito mais clareza essa quantidade de detalhes distintos, às vezes sutis, entre os países e suas culturas. Mas de repente, passar essa barreira do oriente me fez colocar o mundo sob uma outra perspectiva, me fez ver o ocidente como um grande bloco outra vez. E me senti parte dele. Por algum tempo, volto a ter uma casa e uma identidade inquestionável. Meu mundo tem crescido demais, o que não é mal, mas foi importante diminuí-lo um pouquinho também, estava demasiado dispersa.
No avião entre Amsterdam e Madri, entraram alguns espanhóis e, em especial, um grupo por volta de seus 50 anos. Aquele jeito de conversar alto e com as tradicionais expressões de sempre. Sim, ainda era provinciano, mas dessa vez não irritou, era engraçado. Já não éramos tão diferentes assim e eu não era tão estrangeira.