Tudo começou há uns dois anos, quando fomos passar Natal de 2019 com nossos primos em Portugal, eles haviam se mudado recentemente para Braga. Na realidade, ela é a minha prima de verdade, mas está casada há séculos, assim como eu, e nossos maridos também se dão muito bem, de maneira que nos chamamos todos de “primos” e facilitamos a história!
Até aquele momento, meu plano com Luiz era de nos aposentar em Madri, por milhões de motivos que nem vou entrar em todos os detalhes agora, mas entre eles, o fato de termos muitos amigos que consideramos nossa família extendida.
Enfim, a estadia na casa dos primos durante o Natal fez a gente repensar essa questão da aposentadoria e de onde morar. Francamente, acredito que, quando somos adultos, nós mesmos elegemos a nossa família em função da afinidade. Acontece que quando essa afinidade bate e ainda por cima existe o real grau de parentesco… o sangue fala alto e pesa na decisão. E pesou!
Saí de lá revendo meus paradígmas e avaliando: por que não Portugal? Não seria bacana poder envelhecer perto de quem a gente conhece e gosta? Além do que, minha mãe e a mãe da minha prima são super unidas. Se algum dia elas precisarem morar conosco, facilitaria muito estarmos próximas e em um lugar onde ambas falem o idioma.
E assim, tudo começou, a ideia estava plantada na minha cabeça! Mas… será que Luiz toparia? Pois conversamos e ele achou válido analisar a possibilidade.
Em termos financeiros, o custo dos imóveis em Portugal é muito mais atraente! Principalmente, porque não estávamos interessados em Lisboa. Queríamos algo na região do Porto, de preferência, Braga e arredores. Chegamos a quase fazer uma proposta em um uma casa na mesma rua da minha prima, mas não deu certo.
A essa altura do campeonado, Bianquita já havia aberto o leque e começado a investigar outras possibilidades na região. Comecei a vasculhar websites de busca a propriedades e a história de ter uma quinta, foi ganhando espaço na minha imaginação.
Quinta é um terreno, como um sítio, por exemplo. Esses terrenos são chamados “artigos”. Cada artigo pode ser rústico (plantação), urbano (casa/construção) ou de natureza mista (parte plantação e parte construção). Eu queria uma quinta de natureza mista, onde eu pudesse morar e cultivar a terra.
Cada vez mais, me interessava um lugar onde eu pudesse plantar, produzir minha própria energia, hospedar pessoas, organizar eventos, ter um pequeno restaurante… enfim, uma propriedade autossustentável, com uma gama de possibilidades.
Só tinha um pequeno detalhe, eu nunca tive a menor experiência agrícola na vida! Não entendo chongas de terra! Sou urbana até os ossos! O que vou fazer no meio de Portugal profunda e rural?
Ah, mas o Luiz entende do assunto, certo?
… claro que não! Acho que talvez menos que eu! A ideia maluca foi mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa!
Luiz sabia que eu vinha buscando oportunidades por terras lusitanas, mas nem imaginava o tamanho da encrenca! Honestamente, nem foi algo que saiu inteiro planejado no mesmo dia, a ideia foi desenvolvida aos poucos. Não sou uma pessoa que tem sonhos, nem sei se isso é uma coisa boa ou não. Mas outro dia, li algo como “não tenho sonhos, tenho planos”, e me senti totalmente identificada. Não sonho, eu planejo e faço. E, apesar de só poder falar por mim, acho que Luiz também é assim.
Até que por meados de 2020, compartilhei o pensamento com Luiz. Por sua vez, me olhou num primeiro momento como quem olha para um ET! Mas alguns segundos depois, senti que avaliava seriamente a possibilidade. No fundo, sabia que ele tinha gostado. Provavelmente, mais por mim do que por ele, mas a ordem dos fatores nem sempre altera o produto. Dei o tempo dele amadurecer a ideia, mesmo porque, não havia pressa.
Estávamos em pleno início de pandemia do COVID, há uns 3 meses fechados em casa e, não tenho a menor dúvida, que essa situação teve grande influência nas nossas decisões. Como todos, no princípio quase enlouqueci, mas encontrei meu caminho, com muita meditação e muito canto de mantras! Percebi que meu corpo é a única casa que posso controlar e que levo comigo para onde for. Nada mais parecia me assustar. Por quantas mudanças nós já passamos? Quantas vezes nos reconstruímos? E por que não? Além do que, nós dois somos um time e tanto!
Luiz não só comprou a ideia, como adicionou e incorporou de tal maneira que hoje posso dizer que o plano é nosso! Óbvio que ele profissionalizou a história… me pediu para fazer “business plan“… foi buscar investidores… e eu pensando, caracas, o povo ali nem endereço definido tem! Cada vez que você pergunta onde alguém mora ou onde encontrar é algo como: duas ruas depois da igreja… à direita da casa rosa antes da praça… na bomba de gasolina…
O que importa é que estava decidido! Era nosso novo plano e parecia bastante interessante! Um lugar para vivermos nossa pré-aposentadoria, que nos proporcionasse algum tipo de renda e boa qualidade de vida. Eu cuidaria nos primeiros anos, enquanto Luiz manteria seu emprego e garantia as contas pagas. Ficaríamos nessa ponte-aérea até que pudéssemos fazer uma transição definitiva, no que é possível chamarmos algo de definitivo na nossa vida!
Perfeito! Tudo muito bom, tudo muito bem… mas como a gente coloca isso em prática? Porque como disse, estávamos em plena pandemia e as viagens eram super complicadas, às vezes nem eram possíveis!
Entretanto, acho que por volta de junho, conseguimos marcar uma semana em Portugal, hospedados na casa dos primos. Explicamos tudo a eles, que adoraram saber que teriam companhia muito em breve e se propuseram a ajudar no que pudessem. Aliás, apoio fundamental, como já contarei!
Com a viagem marcada, selecionei pela internet as propriedades que nos interessavam e entrei em contato com os corretores. A intenção era ter todas as visitas agendadas e não perder tempo, afinal, sabe-se lá quando poderíamos viajar novamente!
A primeira Quinta que nos interessou, ficava em Vila Marim, muito próxima a Mesão Frio, com uma vista do Rio Douro de impressionar! Era a favorita do Luiz, mas quando entrei em contato com a corretora, ela já estava sendo negociada e por um preço acima do que nós poderíamos pagar naquele momento. Paciência! Se não é essa, outra será!
Viajamos para Portugal e passamos uma semana ótima e super produtiva! Além da delícia de ver a família, sair um pouco, mudar a rotina… fomos visitar várias propriedades com os primos! Chegamos a fazer proposta em uma delas e marcar assinatura do compromisso de compra e venda… mas o proprietário amarelou na hora de assinar o contrato! Putz, ninguém merece!
Mas também não sofremos! Nessa minha nova fase de vida, penso logo em Ganesha me colocando os obstáculos corretos pelo caminho. O que é nosso viria e pronto!
Tivemos que voltar para Inglaterra, quando nos esperava uma mudança de endereço, uma complicação danada que nem vem ao caso aqui, mas o fato é que só pude pensar em voltar para Portugal pelo final de setembro, início de outubro.
Lá fui eu fuçar na internet outra vez! Quando, de repente, me aparece as fotos da tal primeira Quinta que Luiz gostou, em Vila Marim. E eu pensando… ué, mas não havia sido vendida? Será que o anúncio ficou esquecido aqui? Na dúvida, liguei para a corretora novamente.
Pois não havia sido vendida, o negócio havia furado! Depois viemos entender que a pessoa que tentou comprar da primeira vez o faria através de hipoteca bancária e a documentação estava um pouco enrolada. O banco não espera, mas a gente poderia esperar. Acontece que sempre tem um detalhe, não é mesmo? Havia outro cliente marcado para visitar justamente naquele final de semana e as chances de vender eram boas.
Não conseguíamos marcar passagem para a mesma semana, afinal, as viagens continuavam complicadas. Mas consegui que meus primos fossem visitar no nosso lugar, antes do outro cliente que estava marcado. Acompanhamos toda a visita virtualmente pela câmera do celular, com Luiz no meu ouvido ansioso: fecha agora, fecha agora!
E assim foi! Acreditamos no julgamento dos primos, que afinal, conheciam nossos gostos e o que estávamos buscando. E, claro, pelas imagens que acompanhamos, nos pareceu um ótimo negócio! No final da visita, pelo celular mesmo, fechamos com a corretora: te envio o depósito como sinal e parte do pagamento agora por transferência bancária! Mas não quero que o o próximo cliente vá visitar a propriedade.
Exatamente dessa maneira, compramos uma Quinta vinícola em outro país, que será nossa casa e fonte de renda na pré-aposentadoria, ou seja, foi literalmente, pelas câmeras de um celular, sem visitar pessoalmente!
Na semana seguinte, em outubro de 2020, consegui passagem e visitei o local… sem o Luiz, que não pôde viajar. Nem vou fazer suspense, eu amei o lugar! Arrependimento zero! Gostei ainda mais do que através das câmeras e das fotos. Aliás, ainda bem, né? Porque os 10% de sinal estavam pagos e não tinha volta!
Aproveitei a semana para abrir conta em banco, me registrar como residente na casa dos primos… enfim, começar a preparar a estrutura. E, porque não devo ter um pingo de juízo, acabei comprando também um carro para ficar lá! Foi uma oportunidade, meu primo vende automóveis e apareceu um Kia pé-de-boi, preço bom, com 20 anos de idade, mas baixíssima kilometragem e muito bem cuidado. Pronto! Fica resolvido isso também!
Agora era só esperar a documentação ficar pronta para terminarmos de pagar e assinarmos a escritura. Honestamente, não tínhamos nenhuma pressa, com todas as viagens dificílimas e nosso exímio desconhecimento dos trabalhos necessários, o tempo estava a nosso favor.
A pandemia ficou mais complicada ainda, o ano virou e só conseguimos ir novamente a Portugal em abril de 2021. Em outro momento, contararei a saga que foi, mas finalmente Luiz conheceu a propriedade, 6 meses depois de negociada! A documentação não estava pronta, mas poderia ficar a qualquer momento. Por isso, tivemos a boa iniciativa de fazer uma procuração para meu primo.
Foi a melhor coisa que fizemos, porque em maio, após uma espera de 7 meses, a documentação foi regularizada! E como não poderia deixar de ser, essa história foi coroada com a escritura sendo assinada pelo meu primo, através de uma procuração!
O que importa é que agora é oficial, somos os felizes proprietários de uma propriedade em Vila Marim, com 3 hectares e produção de 7 mil pés de uvas! Prometo contar todos os detalhes, em breve!
Hoje, venho registrar que no dia 27 de maio de 2021, nasceu a Quinta do Vianna! Aqui, compartilharei essa aventura entre erros, acertos, sustos, descobertas, alegrias, preocupações, aprendizado e muito trabalho! E quem quiser fazer parte dessa aventura conosco, seja mais que bem-vindo!
Há alguns dias, um amigo me pediu ajuda para editar um texto que ele mesmo escreveu. Deixo claro que era uma edição sobre a forma de escrever, não sobre conteúdo. O texto é um depoimento verídico de uma pessoa que sofre de transtorno bipolar. O que me chamou atenção foi ser a primeira vez que li o ponto de vista de quem tem o problema. O que a pessoa sente, o que passa pela cabeça nos momentos de crise e, o principal, o que quem está de fora pode fazer para ajudar.
A intenção dele em, generosamente, se expor e compartilhar essa experiência é de ajudar outras pessoas que passam pela mesma situação, estendendo-se também aos familiares.
Achei bacana! Acredito que realmente possa contribuir, esclarecer ou aliviar um peso e, por isso, abri o espaço no meu blog para divulgar seu texto. Frisando que não sou profissional na área e o depoimento não é meu. Mas se quiserem fazer alguma pergunta, ele mesmo pode responder nos comentários. Por isso, peço aos meus queridos e queridas leitoras que tentem não julgar, apenas procurem entender um outro prisma da situação. Você também pode ajudar alguém!
Abra seu coração e boa leitura!
“Meu nome é Fernando, tenho 41 anos de idade e tenho uma doença mental, o transtorno bipolar.
Há muito tempo quero escrever sobre isso e tenho adiado. Mas hoje resolvi fazê-lo porque acredito poder ajudar outras pessoas em situação semelhante. É um assunto muito pessoal e que pouca gente que passa efetivamente pelo problema consegue escrever a respeito. Frequentemente, lemos a opinião de alguém que convive ou até parece conhecer a questão. Mas não há nada como a própria experiência para esclarecer o que sentimos e como nos ajudar.
Fui diagnosticado há mais de 20 anos com transtorno bipolar, um dos muitos tipos de depressão. Não sou especialista no assunto e esse não é um texto técnico, mas por sentir na pele tentarei explicar de forma bem simples o que se passa na nossa cabeça e no nosso corpo quando estamos em momentos de crise.
Essa doença mental é marcada por ciclos de mania/hipomania e depressão.
No ciclo de mania/hipomania, os principais sintomas são: hiperatividade, muita disposição, pensamento muito acelerado e sem muita capacidade de raciocínio, irritabilidade constante e insônia. Por conta disso, é comum que a gente se envolva em problemas sérios envolvendo riscos de compras sem controle, comer de forma exagerada, uso de álcool ou drogas, envolvimento frequente em brigas etc. Nem tudo se manifesta de uma vez, nem todas as pessoas tem os mesmos sintomas e a intensidade deles varia entre os portadores. Por isso, o diagnóstico é difícil e, muitas vezes, o tratamento não é o adequado.
Mas vou falar mesmo sobre a depressão, que para mim é muito pior e mais difícil de suportar. E o principal, sozinhos não conseguimos passar por ela.
Então, vamos lá! No momento em que estamos vivendo e convivendo com essa pandemia do Corona vírus, toda nossa rotina foi alterada de forma brusca. Isso faz com que aumente muito a probabilidade de se acionar algum “gatilho”. Gatilho é o termo que os médicos usam quando algum evento cria um caminho ou abre portas para quem tem predisposição à depressão faça com que ela se manifeste. Por exemplo, a perda do emprego, alguma doença, perda de algum familiar, ou até eventos menores podem ser a chave que liga o que até aquele momento estava lá, mas sem se manifestar.
É importante entender que depressão não é um simples tipo de tristeza, não necessariamente tem uma causa concreta, é literalmente uma doença, é um desequilíbrio de substâncias químicas do cérebro. Não é fraqueza, não é escolha e, principalmente, não é falta de Deus.
Vocês não diriam a um diabético, que também tem desequilíbrio na produção de insulina, para pensar positivo, para rezar ou orar e continuar a comer doces e carboidratos descontroladamente ou não usar a medicação. Não vai ficar tudo bem simplesmente se a pessoa mudar a atitude, é um processo químico. É a mesma coisa.
Por que então as pessoas seguem dizendo essas coisas para quem tem depressão ou outra doença mental? É muita desinformação e, infelizmente, leva a preconceitos absurdos. E o mais grave, faz com que quem tenha a doença, ao invés de pedir ajuda, ainda se culpe mais ou se sinta pior.
Para tentar fazer as pessoas que ainda não entenderam que depressão é uma doença mental, tentarei descrever o que sentimos nesse período. Os pensamentos ficam muito confusos, desordenados ou lentos, não raciocinamos normalmente. Nessa fase mais aguda da depressão é difícil escrever, explicar as coisas de forma clara.
É uma sensação de morte eminente, sentimos medo sem motivo, nos assustamos com tudo. A distração e a distância de pensamento fazem isso. É tanta tristeza e uma dor por dentro inexplicável, você não sabe de onde vem. A dor é física, o corpo dói, eu particularmente tenho enxaqueca e dores nas costas tão fortes que, às vezes, não consigo me vestir. O cansaço e o desânimo que sentimos é tanto que o respirar necessita esforço. Nessa época, precisamos respirar fundo, falta ar, a gente se sente um nada, vazio por dentro, um estorvo, um incômodo a todos que nos rodeiam. A única vontade de verdade que temos nesse período é de morrer. Aquela sensação de ter caído num buraco escuro e perceber que de lá nunca mais conseguiremos sair.
Eu não estou exagerando, na verdade, sentir o que sentimos e insistir em continuar demanda muita coragem e força.
Temos necessidade de estar sozinhos, mas não queremos nos sentir sós, precisamos ter em quem confiar. Porque quando começamos a afundar, e a gente afunda, precisamos ganhar tempo e ter alguém em quem nos segurar. A família e os amigos de verdade nesse momento são essenciais. Nunca soltem a nossa mão!
É tanta confusão de pensamento, tantos pensamentos negativos e eles se manifestam aos montes. Não conseguimos controlar, às vezes, conseguimos fugir um pouco, mas não dura muito tempo. Muitas vezes, sentimos inveja, até raiva da normalidade dos outros. E a grande maioria de nós, fica revoltado ou agressivo, responde com rispidez, de forma grosseira, alterada e desproporcional. Tudo fica amplificado! Cria uma revolta que é difícil explicar de onde vem e isso não é proposital, eu garanto a vocês! Perdemos a capacidade de raciocínio, os nervos ficam em carne viva.
Mas sei também que, quem está do outro lado, convivendo com alguém assim, sofre com isso. E acredito que seja difícil entender na totalidade como podem ocorrer tantas alterações. Às vezes, vocês respondem, retrucam e os desentendimentos surgem. Eu não culpo vocês, o melhor seria fingir que não ouve, mas sei que é muito difícil.
Nos sentimos no meio de uma multidão, mas sozinhos, sem nenhum rosto conhecido, sem nenhuma referência, não nos encontramos, não sabemos mais de verdade quem somos.
Para terem uma noção do sentimento de vazio, vou tentar dar um exemplo, quando perdemos uma pessoa querida, ficamos com um sentimento de luto, abre um buraco dentro da gente. Sei que muitos já passaram por isso. A sensação que temos se assemelha a essa perda. Entretanto, é como se não fosse só a perda de uma pessoa, mas de todos que conhecíamos, parece que ficamos sozinhos, sem mais ninguém. Sentimos um vazio, um desconsolo que não acaba e não podemos fugir, não há como se esconder, ela nos persegue. Sinto vontade de chorar e, na maior parte das vezes, faço quando ninguém vê. Sei que isso assusta, causa preocupação, e se você estiver por perto nessa hora, não precisa perguntar, falar nada. Seja apenas o ombro a acolher esse choro, ele é sem motivo, é necessidade de jogar para fora um pouco desse vazio, dessa tristeza que a gente sente e parece que se não fizermos isso, iremos nos engasgar.
Não é fácil para mim escrever sobre esse tema, mas em palavras não sei fazer diferente, nós também nos sentimos assustados, dá medo, e o maior medo é que isso nunca acabe. E a sensação é que nunca vai acabar mesmo.
Na fase da depressão, costumo sentir fome, mesmo depois de acabar de comer, é o tempo todo! Mas descobri, depois de muitas recaídas (lembram que tenho transtorno bipolar, a depressão é alternada em ciclos), que isso não é fome. É a sensação de vazio, de desemparo que dá sinais interpretados de forma errada no corpo. Eu comia. Era uma maneira de fugir do que sentia, ganhava muito peso e depois que o pior período passava, odiava a imagem que via no espelho. Aprendi com muito custo a separar a vontade de comer da real necessidade. Mas eu não consigo me controlar o tempo todo. Minha estratégia foi escolher um dia, geralmente na folga, para saciar o desejo contido a semana toda. E tem funcionado até agora. Atividade física nessa época é fundamental, seja caminhar, andar de bicicleta… enfim, ajuda muito mesmo! Serve para a gente espairecer, esquecer os pensamentos ruins que nós sentimos. Mas é praticamente impossível fazer isso sozinho, preciso de ajuda e ser acompanhado. Sem um grande incentivo, o cansaço e o desânimo tomam conta. Por isso, é essencial que alguém nos apoie nesse momento e, inclusive, serve para nos aproximar, reforça os laços que ficam desgastados. Mais uma vez, a participação da família e amigos é fundamental.
Viram como precisamos de ajuda? Mas não sabemos pedir e nem como. Essa ajuda, esse socorro precisam constantemente partir de quem está à nossa volta. Sentir tudo isso e ficar sem saber o que fazer é complicado, tanto para nós que adoecemos como para quem nos vê dessa forma.
Por isso, caso você conviva com uma pessoa depressiva, é importante estar atento à uma série de mudanças que descreverei agora. Os primeiros sintomas que surgem e são bem visíveis são: apatia, tristeza sem motivo, alterações de sono, apetite, confusão mental, irritação, raiva, muito cansaço e desânimo. Se esses sintomas aparecem sem nenhum motivo aparente e persistem por mais de duas semanas, é hora de investigar.
A ida ao médico o quanto antes é o melhor. É importante marcar o médico e ir acompanhado de alguém de confiança. O diagnóstico precoce é essencial e os remédios para depressão precisam ser administrados de forma gradual. A melhora também é gradativa.
Agora, imaginem desde o acordar até o adormecer se sentirem dominados por esse conjunto de sensações negativas e opressivas, vocês suportariam sozinhos? Seria muito difícil! Espero ter conseguido esclarecer como o apoio e compreensão são essenciais e que trata-se de uma doença como qualquer outra. Uma doença que precisa ser compreendida e, principalmente, tratada.
O respeito é muito importante sempre! Guarde seu julgamento, suas opiniões e crenças para você. Tanto quem está doente como a família que acompanha, estão já muito desagastados, cansados e preocupados. São necessárias uma série de adaptações até a estabilização da pessoa que sofre de depressão. Comentários e sugestões não acrescentam nada, não ajudam.
E para vocês, os amigos e familiares que se encontram nessa situação agora, não desanimem! Tem tratamento, tem solução. Com união, compreensão e principalmente a ajuda de quem está próximo, é possível dar um fim a esse sofrimento. E algo fundamental: nunca abandonem o tratamento depois de melhorarem! A depressão clássica (a mais comum), se não for tratada com acompanhamento contínuo, tem recaídas sérias, que na maioria das vezes são bem mais intensas e de recuperação mais demorada.
Caso você que esteja lendo estiver passando por isso agora, ou se já passou e sentir vontade de me perguntar a respeito, de comentar alguma coisa, compartilhar sua experiência, pode ficar à vontade, estou aqui para ajudar. Caso não queira ser identificado, pode me mandar como mensagem privada que preservo o anonimato sem problema.
Não tenho vergonha, nem receio em me expor. Não me sinto melhor ou pior que ninguém por ter transtorno bipolar e ter passado por várias crises de depressão. A nossa vida é cheia de desafios, esse é mais um, e que só prova o quanto somos fortes e quando estamos unidos, podemos vencer qualquer batalha. E novamente volto a reforçar, nunca soltem a nossa mão, é peso demais pra gente suportar sozinho.Todo mundo, independente de sua condição, precisa de alguém!”
Hoje é dia 17/03/2021 e acordamos aqui na Inglaterra com a melhor notícia que poderíamos ter: nossa vacinação contra o COVID será amanhã! Difícil acreditar que esse dia, FINALMENTE, chegou!
O interessante é que amanhã, dia 18/03/2021, também é nosso aniversário de casamento, faremos Bodas de Crisoprásio por 27 anos de matrimônio! Nem sabia o que era crisoprásio, parece até que a gente está escrevendo errado. Mas para os curiosos como eu, é o tipo mais valioso de quartzo cripto, uma pedra rara e desejada. Sua cor é verde-maçã, que também é a cor da cura e da esperança.
A história ainda foi melhorada, porque minha mãe também receberá sua primeira dose da vacina na mesma data que nós. Bom, isso esperamos, pois sua vacinação no Rio de Janeiro já foi cancelada por duas vezes. Mas acreditamos e torcemos muito que agora ela consiga.
Assim que meu dia começou absolutamente eufórico e feliz! Vontade de sair contando para todo mundo e compartilhar esse momento tão alegre!
Porém, pouco depois de começar a dividir o fato, caí na dura realidade que talvez estivesse sendo cruel. Porque deve ser muito duro para quem não tem nem perspectiva de receber a vacina escutar uma notícia assim. Ainda há muita gente sofrendo muito com isso, muita gente com medo e muita gente que perdeu família, amigos, emprego…
A pandemia foi nos cercando e se encarregou de não deixar ninguém passar absolutamente ileso. Quem hoje não foi afetado diretamente? Alguém conhece qualquer pessoa que não tenha perdido alguém com essa insanidade? Antes estava distante… logo escutamos falar… pronto era o amigo de um amigo… e foi se aproximando de nós sem nenhuma piedade até nos roçar ou mesmo nos alcançar.
Não tem jeito galera! Sabe aquela história de que “se não for para todos, não é para nenhum”? É a sensação que tenho agora, como um sabor agridoce, quase um paradoxo, um lado meu é pura felicidade e outro é dor de saber que ainda há tanta gente angustiada, precisando dessa dose como eu.
Mas enfim, um passo de cada vez!
Hoje escolho a felicidade da celebração e o otimismo de dias melhores! Hoje quero dizer que estamos cada vez mais perto de solucionar essa etapa. Hoje eu quero te contar que quando chega nossa vez a gente não esquece de quem ainda falta, nem de quem se foi e não pode mais. Ontem foi outra pessoa, hoje sou eu, amanhã será você! E vai dar tudo certo! Calma, a vez de cada um vai chegar e essa loucura vai passar.
Há um ano eu estava a essa altura organizando minha primeira festa de casamento virtual, com um músico amigo nosso fazendo um concerto, tudo à distância. A primeira quarentena havia acabado de iniciar. Estava quase conformada de não poder fazer uma super festa, mas ainda muito aborrecida por não poder ir ao menos a um restaurante bacana celebrar com Luiz.
Amanhã, nenhum restaurante ou casa de festas me faria mais grata e contente do que o centro de vacinação me fará. E ainda por cima, seremos Luiz e eu vacinados juntos, em sequência. Meu amigo, meu amor e meu parceiro de todas as horas, nunca tão literalmente! E quando estivermos voltando para casa, sei que minha mãe também terá esse privilégio. Foi o melhor presente que eu poderia receber. E se tem uma coisa que esse vírus duzinfernu me ensinou foi a rever nossas prioridades e perspectivas.
Sim, o sabor é agridoce, porque a vida é doce e amarga ao mesmo tempo e eu hoje tenho certeza que gosto dela desse jeitinho mesmo!
Há cerca de um ano, tenho enveredado por um interessante caminho de canto de mantras e, em paralelo, estudado um pouco da mitologia dos deuses e deusas hindus por trás de toda essa filosofia. Acho que a analogia das histórias, em geral, nos ajuda a entender o inconsciente coletivo. Enfim, nem vou me prolongar muito nesse tema, mas vou contar rapida e muito amadoramente sobre um dos deuses mais adorados do hinduísmo: Ganesha.
Ganesha é aquele deus com cabeça de elefante, é conhecido como o senhor dos obstáculos. Muita gente devota pede a ele que abra seus caminhos. Inclusive, são os cantos a Ganesha que também abrem os rituais.
Acho a mitologia sobre sua criação muito intrigante. Há versões ligeiramente diferentes e essa é minha favorita. Ganesha é filho de Shiva e Parvati. Reza a lenda que Shiva sempre saía de casa e passava trocentos anos meditando e, quando regressava, nunca lembrava de avisar a Parvati. A deusa, por sua vez, se irritava muito em ser interrompida nos seus banhos de beleza e purificação por seu marido que chegava a hora que bem entendia.
Em uma dessas viagens meditadivas de Shiva, Parvati estava lá meio solitária e resolveu então que queria ter um filho. Veja bem, Parvati era uma deusa super poderosa, se ela queria criar um filho dela com Shiva, ele nem precisaria estar presente, ela criava e pronto! E assim, nasceu Ganesha, um menino barrigudinho, simpático e muito poderoso! E não, ainda não tinha cabeça de elefante.
Pois muito bem, Parvati foi tomar um dos seus famosos e longos banhos e não queria ser interrompida por ninguém, de nenhuma maneira! Assim que chamou Ganesha e lhe deu essas instruções: meu filho, você se planta aqui nessa porta e não deixa passar absolutamente ninguém! Sem exceções!
Ganesha, obedecendo sua mãe, se plantou na porta de casa e ali ficou!
É lógico que durante esse banho, chegou Shiva em casa, doido para entrar, e encontra esse menino na porta que lhe impede a passagem. Shiva se invoca todo e fala para ele algo como, “mermão, tá maluco? Sou eu, Shiva, um super deus! Eu moro aí, dá uma licença que vou entrar“. Ganesha, barra a entrada e avisa logo: aqui ninguém passa!
Shiva, meio de saco cheio, vai chamar seu tremendo exército e manda retirarem aquele menino da porta que ele quer passar. E lá foi o exército de Shiva, inutilmente tentar tirar o menino… e nada! Foi caindo um por um! Seu general volta e avisa a Shiva: olha, não vai rolar! Não sei quem é esse menino, mas ele é muito poderoso!
Daí com aquela confusão toda, começaram a acordar outros deuses, o pessoal querendo saber o que estava acontecendo e tal. Nisso, desce o deus Vishnu, tenta passar pelo Ganesha também… e nada!
Shiva e Vishnu já meio mordidos com aquela história e sem entender de onde vinha tanto poder, fazem um plano. Vishnu diz que vai distrair Ganesha, enquanto Shiva vai por trás e corta sua cabeça. E assim fizeram, cortaram a cabeça e mataram o pobre do Ganesha.
Bom, nisso, Parvati termina seu banho e escuta aquela algazarra toda e quando chega na porta, descobre o Ganesha decaptado. Imagina uma mãe vendo isso? Ela fica uma fera e parte para cima do Shiva: você está louco! Você acabou de matar nosso filho!
Shiva todo desconcertado, como assim nosso filho? Nem sabia que eu tinha filho! E Parvati não queria nem saber: Shiva, se vira e ressucita o Ganesha agora!
Então, Shiva chama seu exército e lhes incumbe a missão de encontrar uma cabeça para o filho. Lá sai o exército atrás de uma cabeça e encontram um elefante. Daí eles pedem permissão ao elefante para levarem sua cabeça e ele permite (o elefante precisava deixar, não podia ser uma cabeça decaptada assim sem mais nem menos).
A cabeça do elefante é implantada no garoto e ele volta à vida ainda mais poderoso e agora, com a forma que é conhecido, corpo de menino e cabeça de elefante.
Shiva e sua galera de deuses perguntam a Parvati: estamos desculpados? Assim está bem?
E Parvati diz, ainda não, exijo que a partir de agora todo o ritual celebrado se inicie com reverências ao meu filho, Ganesha! Os deuses topam e ficam todos felizes e satisfeitos!
Por isso, todos os rituais começam com saudações a Ganesha e, também por essa história, ele é conhecido como o senhor dos obstáculos. Ainda que muita gente também o chame de “removedor de obstáculos”.
E contei essa história, porque há um detalhe nessas entrelinhas que me faz toda a diferença do mundo! O real papel de Ganesha não é remover seus obstáculos, e sim te dar os obstáculos certos. Não é apenas uma questão semântica, acredito que há toda uma atitude diferente por trás disso. Hoje, quando tenho algum impecilho em meu caminho, ao invés de me irritar ou querer que ele seja removido, eu penso: pode ser o obstáculo certo.
A filosofia que guia essa maneira de pensar é que Ganesha pode remover, mas também pode te colocar obstáculos. Nem sempre o que queremos é o melhor para a gente. Eventualmente, precisamos nos exercitar e aprender a passar por dificuldades.
Eu não tenho o luxo da fé, para os sortudos que acreditam em um poder maior, é a boa e velha historinha de que um deus não te dá um problema que você não tenha condição de resolver. Acho essa frase sempre muito mal usada pelas pessoas e em péssimas ocasiões, mas o ponto é, independente da sua razão, por fé, por lógica ou por mera atitude, quando você passa a ver os problemas como os “obstáculos corretos”, sua perspectiva muda completamente.
Não sou perfeita nem tão evoluída, mas consegui estabelecer esse hábito de a cada encrenca ou aparente fracasso, simplesmente pensar: pode ser o obstáculo correto. Sinal que devo ir por outro caminho. Ou sinal que preciso me preparar melhor. Ou sinal que ainda não é agora… Enfim, automaticamente, muda minha energia e sinceramente, vejo como uma oportunidade. Pois ao invés de ficar reclamando como sou injustiçada, ou por que tudo é tão difícil, imediatamente meu foco muda para o que preciso fazer diferente. E, pumba! Minha perspectiva aumenta na hora!
E essa é uma das coisas que acho mais bacana na mitologia em geral, e nesse caso específico, na mitologia hinduísta, como a gente pode aprender com essas histórias a pensar diferente!
Além disso, ampliando-se para o canto de mantras, como essas vibrações e sons adquirem efeito de palavras mágicas.
Está com um problema? Como direcionar o foco para outro lado? Como mudar sua energia? Eu canto! Ganesha, vamos lá, me dá os obstáculos corretos e apaziguados! Oṁ gaṇapataye namaḥ! Pronto! Ganesha tá na causa, agora é comigo! O que preciso fazer para resolver?
Olha, admito que minha vida mudou muito no último ano! Lógico que não foi só por isso, é apenas a famosa ponta do iceberg, mas foi definitivamente um passo essencial para o bem.
E se melhorou minha vida, por que não iria melhorar a sua? Sei lá, se não estiver fazendo nada… da próxima vez que surgir um problemão daqueles, e a gente sabe que vai surgir, tenta o exercício de se perguntar: e se for o obstáculo correto?
As últimas 3 semanas tem sido de absoluto sufoco com nossa família humano-felina. Para quem não sabe, temos dois gatos há cerca de 7 anos, adotados na primeira vez que moramos em Londres, o Wolverine, com 9 anos de idade e a Phoenix, com 11.
Muito bem, Wolverine tem alguns pequenos problemas respiratórios, nada muito grave, como se fosse uma asma leve que administramos sem remédios, só acompanhando.
Há umas 3 semanas eles começou a ficar estranho, respirando mal e se escondendo da gente. Alguma coisa parecia incomodar sua garganta… enfim, estava esquisito. Levamos ele ao veterinário e, em princípio, parecia ser algo respiratório, por causa do seu histórico. Sendo assim, tomou uma injeção de esteróides e voltou para casa bem. Ficou de tomar uma segunda injeção um par de dias depois.
Na segunda injeção, ao invés de melhorar, piorou. Na verdade, começou a piorar exponencialmente e a expelir uma secreção avermelhada por uma das narinas. Parou de comer e beber água, totalmente letárgico, ficamos bem assustados. Levamos novamente ao veterinário.
A veterinária teve a presença de espírito de olhar dentro da boca do gato, afinal, estava estranho a tal da secreção sair por apenas uma das narinas. E descobriu que estava com um abcesso no lado esquerdo do céu da boca. Algum tipo de infecção. Era isso, inclusive, que o estava impedindo de comer, ele até tentava, mas não conseguia.
Esse é um sinal muito importante para quem tem gato. Os felinos, quando sentem que chegou sua hora, param de comer, ficam completamente sem apetite. Ou seja, enquanto o gato quer comer, há esperança!
Muito bem, Wolverine precisou ficar internado e passou por um procedimento cirúrgico, com anestesia geral, para limpar a área e fazer uma biópsia. Fraco do jeito que estava, apertou o coração do risco da cirurgia e da anestesia, mas ele aguentou bem o tranco. Entrou no antibiótico generalizado, enquanto a biópsia não ficava pronta.
Entretanto, nada do gato melhorar… e nada de sair o resultado da biópsia. Voltou para casa depois de uns 5 dias internados, com antibiótico oral. Mas não respondeu bem ao tratamento, a infecção piorou e precisou ser internado novamente…
… e passou pelo segundo procedimento cirúrgico com anestesia geral, ainda mais fraco e há duas semanas comendo o mínimo para sobreviver e tomando fluídos injetáveis.
A essa altura, por mais que tivesse esperança que ele melhorasse, o quadro não era nada promissor e eu estava muito angustiada em fazer o bicho passar por tanto sofrimento, sem saber sequer se tinha alguma possibilidade de melhora. Porque afinal, nada de sair o resultado da biópsia!
Honestamente, aceito bem morte e vida, mas tenho muita dificuldade em lidar com sofrimento e estava pronta para uma eutanásia e parar com a agonia do bichinho, que já levava 2 semanas com dor e faminto. Estava tomando analgésicos, mas a gente sabe que dói assim mesmo.
Mas o que parecia ser uma piora, afinal, além do abcesso no céu da boca, estourou outro na lateral da garganta, na verdade era o corpo tentando expulsar o que provocava a infecção. E o que estava acontecendo era que havia tanto pus envolta da ferida que os antibióticos não faziam efeito. Nesse segundo procedimento cirúrgico, eles limparam bastante o local e colocaram um dreno externo na altura da garganta.
Adicionalmente, saiu o resultado da biópsia e felizmente deu negativo para câncer. Ou seja, era realmente uma infecção cascuda, mas com chance de curar.
Então, vamos para briga com tudo que tiver direito!
Nesse meio tempo, também saiu o resultado da cultura que fizeram da bactéria que estava afetando o gato e ele passou a tomar um coquetel de antibióticos mais focado para o caso específico dele.
A nossa torcida era que, finalmente, com a ferida “limpa” e acessível aos antibióticos e o remédios certos, ele começasse a melhorar. No primeiro dia, para ser sincera, o veterinário estava bem preocupado e frustrado com a falta de resposta do corpo.
Mas… no segundo dia… nosso guerrerinho começou a reagir! Também, acho que havia meio mundo torcendo e enviando energias positivas para o bichano! Bianquita enlouquecida cantando mantras para Ganesha! Mentalizando “di cum força mesmo” para ele melhorar!
No terceiro dia, começamos a realmente acreditar que podíamos ser cautelosamente otimistas e, a partir daí, foi ladeira acima! Ao todo, contando a primeira e segunda internações, ele ficou 13 dias em tratamento intensivo na clínica veterinária. De enlouquecer qualquer dono de bicho! Luiz ligava duas vezes por dia para ter notícias e colocava no viva voz para eu participar.
Na sexta-feira passada, pudemos trazê-lo para casa! Nem sei explicar o tamanho do alívio que é tê-lo aqui, comendo, com o olhar vivo e ronronando feliz! Temos levado ele diariamente para tomar antibiótico injetável, mas é rápido e logo voltamos todos para casa. Hoje é segunda-feira, e ele em princípio recebeu alta dos remédios.
Mas seguro morreu de velho e sei lá… acho que estou com “trauma de guerra” e ainda não relaxei de vez. Na quinta-feira, vamos levá-lo para um check up. Não queremos deixar que ele tenha uma recaída e vamos monitorar muito de perto esses próximos dias sem remédio.
Pois é, vamos brincar um pouco para deixar a coisa mais leve. Recapitulando, lembra que estamos nessa batalha há 3 semanas, incluindo 2 procedimentos cirúrgicos, 13 dias de internação, consultas, remédios etc… e não temos plano de saúde para os felinos! Ui… Veja bem, não é uma reclamação, porque para mim, os veterinários e as enfermeiras fizeram um milagre! Só não saí abraçando todo mundo porque está proibido! Wolverine deve ter gasto umas 3 vidas! Mas não saiu exatamente barato… Então, nesse momento, estamos rifando um rim do Luiz e minha córnea esquerda para pagar a conta! Qualquer contribuição, a família agradece!
E conto isso porque acho que quem tem bicho, ou faz plano de saúde ou faz uma reserva para emergências (nosso caso). Porque se já é um sufoco tendo condição de cuidar do animal, imagina sem poder pagar um tratamento… Deve ser desesperador! Animais de estimação são parte da nossa família, a gente sente como se fosse uma pessoa, porque é um ser vivo e absolutamente próximo, convivemos diariamente e é uma relação de carinho e troca imensa!
Bom, mas não temos apenas um gato e, enquanto isso na sala de justiça, tivemos que administrar uma “faixa de gaza” em casa. Durante esse período de tratamento, isolamos Wolverine no primeiro andar e, claro, Bianquinha dormindo no sofá com ele de castigo; e Phoenix no segundo andar, grudada no dono dela.
Os dois gatos são muito apegados um ao outro e estávamos muito preocupados como a Phoenix ia reagir. Na prática, nesse tempo que Wolverine ficou fora de casa, ela reagiu bem melhor do que esperávamos, ficou muito carinhosa e próxima a Luiz e eu. Entretanto, agora estamos em uma fase de reaproximação dos bichanos. Não é instantâneo, quando você tem mais de um gato e há esses períodos de ausência, principalmente quando um deles vem de um hospital e os cheiros são outros, é necessário se administrar os primeiros contatos.
Por sorte, Wolverine é o dominante, ela nunca o ataca. Ele está mais tranquilo e, claro, no céu de estar em casa novamente. Mas ela ainda está estranhando um pouco. Vamos esperar agora a natureza se encarregar de acalmar as coisas.
E é isso! Nosso Wolverine honrou seu nome de X-Cat e vem reagindo heroicamente! Está um pouco desconfiado ainda conosco, mas muito carinhoso. Não guardou mágoa, não ficou aborrecido porque o deixamos no hospital, ficou grato e contente porque o trouxemos de volta. Ainda não posso acabar essa história com um “e foram felizes para sempre“, temos um caminho e os obstáculos corretos para vencer. Mas assim é a vida, sou grata por cada momento de alívio e, por isso, hoje celebramos!
E cá estamos, finalizado 2020, um ano paradoxalmente par e ímpar ao mesmo tempo!
Escrevo um pouco atrasada, afinal, entrou janeiro, mas quer saber de uma coisa? Se algo aprendemos esse ano foi a ter menos pressa, o tempo pode efetivamente ser relativo.
Não era o final que esperávamos, mas chegar com saúde nessa data não deixa de ser uma vitória! Creio que podemos dizer que somos, de certa forma, sobreviventes de uma guerra mundial e com um inimigo comum entre todas as nações.
Não que todas tenham entendido e lutado da mesma maneira, mas é um fato, o inimigo é único e tal como um super vilão digno da Marvel, é invisível! O interessante é que, assim como os demônios indianos, não é totalmente mau nem totalmente bom. O vírus é o que é, escolhe por seus próprios padrões, devasta ou fortalece.
Tenho muito respeito e empatia por quem sofre ou sofreu suas piores consequências, de verdade, porque foi foda (me desculpem os mais educados) e tenho consciência dos meus privilégios. Mas não vim aqui falar de sofrimento ou de problemas, porque quem está se afogando não quer peso extra e sim uma bóia ou um farol para se auto-orientar.
Desapego é meu lema há anos, nem sei mais se por aprendizado ou porque faz parte da minha natureza. E agora mesmo, nem mais importa a razão e sim que é um fato. E como isso ajudou?
Ajudou a não perder tempo sofrendo ou tentando encaixar uma maneira de viver onde não cabia mais. Ajudou a não gastar energia reclamando da máscara ou não achar a vida horrível porque o bar estava fechado. Ajudou a me privar de prazeres que nunca me assustaram, mas que poderiam prejudicar pessoas que nem conheço. Ajudou a olhar para frente, não para trás, e perguntar: quais são as regras agora? O que temos para hoje?
E, entre nós, muitas das “novas regras” faziam parte da minha rotina! Lavar bem as mãos e manter boas condições de higiene, usar álcool gel (sim, quem me conhece sabe que uso há anos!), fazer compras por internet, cozinhar e cuidar da casa, trabalhar em home office… tudo isso eu fazia! Admito ter potencializado, mas um pouco neurótica eu já era!
E a saudade de pessoas que não podia encontrar? Sério? Eu nem lembro se houve algum período da minha vida que não senti saudades de alguém! Sou colecionadora de saudades! Sejam bem-vindos à minha vida desde… sempre! Na verdade, as alternativas geradas, como vídeo conferências, me fizeram mais próxima das pessoas que amo e vivo distante há décadas!
Verdade que sinto falta de dar uma boa festa, de falar com estranhos, de abraçar os amigos… lógico que sinto falta! Mas também imagino como vai ser bom e o quanto vou valorizar esses momentos que prezo tanto!
O que sim considero uma sorte grande é não estar sozinha em casa. Ter um “partner in crime“, um cúmplice constante e recíproco, fez tudo mais fácil. Mas isso também acontece há muito tempo, não é uma novidade.
Por coincidências ou por escolhas, minha vida e a do Luiz já nos preparava para o que enfrentamos no ano passado. Não posso falar no nome dele, por isso, vou falar no meu. Literalmente, desde criança fui adestrada a administrar a distância, a saudade, a autossuficiência… e adulta tenho o caos como aliado, não porque seja minha preferência, mas porque é quando sou mais forte. A mudança e, consequentemente, a adaptação (afinal é a única opção) fazem parte da nossa rotina desde quando nem me lembro mais! E isso, caríssimos, nos deu um olho em terra de cegos.
Ouvi muitas queixas sobre a privação da liberdade e confesso a vocês, com toda a humildade (que finalmente aprendi esse ano), eu nunca me senti tão livre! Digo e repito que não quero voltar a ser a pessoa que era antes de março de 2020. E não porque me achava má pessoa, mas porque acredito sinceramente que hoje sou melhor, vivo melhor, entendo melhor. Evoluí e sem um pingo de vergonha de dar um tapinha nas minhas próprias costas!
Queridos e queridas, para quem chegou até aqui, não importa se concordamos ou não, estamos no mesmo barco, o time de quem sobreviveu! Muito obrigada por sua companhia e será um prazer iniciarmos juntos 2021. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a vida nos separe…
Dia 9 de novembro de 2020, fiz 51 anos de idade! Essa sou eu, no dia do meu aniversário, com maquiagem e sem filtros.
Eu amo de paixão dar uma boa festa, mesmo sem nenhum motivo significativo. Portanto, se há uma razão, essa vontade se multiplica. No ano passado, tivemos dois motivos de grandes festas em casa, nossas bodas de prata e meu aniversário de 50 anos. Havia orçamento para apenas uma celebração, o que não reclamo, apenas descrevo. Então, optamos pela festa de bodas de prata.
Os 50 anos foram bem celebrados também, mas apenas entre Luiz e eu.
Decidi assim, deixar o festão para o ano seguinte e celebrar os 51 em grande estilo. E o diabo são as expectativas… Eu sempre sou contra a criá-las, mas às vezes é mais forte do que eu. E sim, criei uma expectativa gigantesca em realizar uma super comemoração no meu aniversário. Havia tema e tudo: a festa da boa ideia!
Preciso nem explicar, né? Aconteceu o impensável no planeta, uma pandemia mundial! De quebra, um “lockdown” fresquinho iniciando-se na semana anterior aos meus planos celebrativos! Mais uma vez, a grande festa que já havia se conformado em ser pequena, foi adiada.
É lógico que não era sobre uma festa, era apenas a gota d’água. O cansaço em recomeçar, a sensação de andar para trás, a preocupação com as notícias que vieram e virão.
Passada a frustração e o inferno astral, cá estou, com ânimo e fôlego renovados! Pode tirar seu cavalinho da chuva, Sr. COVID, como diria minha avó, sou pau de dar em doido! E agora, uma experiente jovem senhora!
O final do ano se aproxima, sei e entendo o quanto as pessoas praguejam sobre 2020. Mas sinceramente, já fiz as pazes com ele… na verdade, fiz há meses! Está perdoado! A quantidade de coisas que realizamos esse ano não foi pequena. Foi foda, mas seguimos aqui, com a perigosa sensação de invencibilidade. Faz tempo que não me sinto tão forte, segura e tão calma. Em parte, talvez pela idade, mas acredito que em boa proporção se deveu ao que esse ano nos ensinou. Da maneira mais dura, mais louca, mas aprendi.
Eu sei exatamente quem sou. Meu corpo é meu lar e estou confortável em casa, dentro da minha própria pele. A vida é uma constante mudança, o tempo passa, minha idade passa…
E tudo bem, porque tudo muda e isso também vai passar.
Muito bem, não sou advogada, mas gosto de me informar. Então, para quem não entendeu o tamanho do absurdo envolvido, vai uma ligeira explicação jurídica para leigos. Quando um assassinato é cometido, ele pode ser “culposo” ou “doloso”.
Um assassinato “culposo” é aquele onde, apesar da vítima haver morrido, não havia essa intenção. Por exemplo, uma briga entre dois estranhos em um bar, de repente, um deles leva um soco e quando cai, bate a cabeça e morre. O crime aconteceu, a vítima morreu, mas o criminoso que o matou talvez só quisesse machucá-lo, não esperava que ele morresse.
Já um assassinato “doloso” é quando o crime foi premeditado. Existia uma vítima escolhida, o criminoso foi lá e deu um tiro na cabeça de fulaninho de tal.
Essa é a diferença: o “doloso” é um crime planejado e o “culposo” é um crime onde não havia a intenção de matar.
Mas, por exemplo, não existe um “assalto culposo ou doloso”, assalto é assalto! Não existe esse negócio de “eu nem queria roubar, mas estava ali…”. Se roubou, existia a intenção de roubar, ponto! Não tem discussão! Como não existe “sequestro culposo”, ninguém sequestra outra pessoa sem perceber que sequestrou!
Da mesma maneira que “estupro culposo” simplesmente NÃO EXISTE! Na cabeça de quem um homem estupra sem querer? Isso é uma verdadeira aberração jurídica! Praticamente um deboche da sociedade e dos direitos individuais.
Peço desculpas aos mais sensíveis pela baixaria que vou escrever no próximo parágrafo, mas infelizmente, uma boa interpretação de texto é algo em extinção no Brasil, portanto, não é mais possível se escrever com metáforas. É preciso falar diretamente e dar nome aos bois!
Vamos lá, para você, homem que é incapaz de sentir empatia imaginando que poderia ser sua mãe ou sua irmã, vamos fazer o seguinte, faz de conta que foi com você! Você, homem branco e hétero (só para contextulizar), saiu com um amigo que conhecia há pouco tempo, mas era um cara legal, do seu time, votou no mesmo presidente que você… e então, foram juntos para um clube dançar e, quem sabe conseguir “pegar mulher“. Você bebeu mais do que deveria e não percebeu que seu amigo colocou drogas na sua bebida, o que te fez apagar. Daí seu amigo foi lá e comeu seu cu, deixou provas no seu corpo, sêmen e sangue. Você acorda confuso, meio drogado, sem entender nada, vai para casa ensanguentado cheio de dor e humilhado. Pensa que denunciar seu “amigo” será uma razão de constrangimento total, porque todo mundo vai dizer que você bem que queria, fala sério? Vão pensar que na verdade você deve ser mesmo um enrustido… E quer saber, pensando melhor, seu amigo nem teve a intenção de te estuprar… é que você estava ali, meio inconsciente, quando ele percebeu… estava com o pau duro dentro do seu cu! Ups, foi algo que ele mal notou que estava fazendo! Pois é, esse seria um estupro culposo…
Alguém acha engraçado? Eu acho triste!
Veja bem e entenda o caso, a menina denunciou; apresentou provas; apresentou testemunhas; fez exames e entregou prova de sêmen e rompimento recente do hímen… faltou o que? A vítima estava no local exercendo sua profissão honestamente, trabalhando! A menina era virgem, e não digo isso porque acredito que ela precisasse ser, mas apenas para ressaltar que nem os mais canalhas e conservadores teriam algum argumento ridículo e preconceituoso para colocar.
Como não havia mais sombra de dúvida que o crime aconteceu, o que restou? Tirar da cartola uma modalidade de crime que NÃO EXISTE! E assim, mais uma vez, culpar a vítima! E, de quebra, defamar bastante a menina, afinal já é praxe nesse meio, eles estão acostumados.
Se essa aberração não for remediada imediatamente, podem se preparar mulheres, porque nunca mais nenhum jogador de futebol, político ou qualquer homem branco e rico será encriminado por estupro no Brasil! Independente de quantas provas forem apresentadas. Afinal de contas, uma nova categoria de coitados deficientes intelectuais foi gerada: homens que estupram sem querer!
Pessoalmente, não vejo como uma briga de mulheres ou uma demanda feminista (que sou). Acho que deveria incomodar a qualquer pessoa, qualquer ser humano. De toda maneira, me sinto grata quando percebo também os homens entendendo e se juntando à causa.
O que podemos fazer? Pressão! Chega de só divulgar o rosto e o nome da vítima! O estuprador se chama André de Camargo Aranha. O nome do promotor que alegou estupro culposo é Thiago Carriço. O nome do advogado que humilhou a vítima se chama Cláudio Gastão da Rosa Filho. O nome do juiz que aceitou todo esse absurdo e absolveu o estuprador se chama Rudson Marcos. E espero que, dentro da legalidade, eles não tenham um minuto de paz pelo mal e injustiça que estão tentando propagar.
Para quem se interessar em fazer alguma coisa, há uma petição virtual aqui http://chng.it/hLTsFzxC. Eu assinei. Não é uma petição que resolve, mas ajuda a dar voz para que o caso não seja abafado.
Pelo que tenho observado à nossa volta, acho até que estamos levando toda essa pandemia maluca de uma maneira razoavelmente leve! Fazer o quê? Aprendemos a não enlouquecer.
E sim, nosso tipo de trabalho e condição social favorece, não nego, entendo que não é igualmente fácil ou difícil para as pessoas. A desigualdade existia antes e segue existindo. É cruel, não é justo, mas é assim desde que o mundo é mundo. Acho até que esse período ajudou a olharmos um pouco melhor para nosso lado e, honestamente, tenho presenciado iniciativas bonitas de tentar ajudar o próximo.
Dito isso, egoistamente, junto a esse segundo “lockdown”, me veio também uma onda de frustração pessoal. Porque está bastante perto do meu aniversário e o planeta sabe o quanto eu amo oferecer uma festa e celebrar! Sim, é sobre meu umbigo, eu sei, vou trabalhar melhor isso na minha cabeça, mas me deu uma baixada de bola e certa desanimada.
Aos protocolos de segurança, já me acostumei, faço automaticamente sem reclamar. Se era o preço para alguma libertade, pago feliz! E acho que poderiam reforçar o uso desses protocolos, sem fechar novamente o comércio, os restaurantes e os bares. Mas como costumo dizer, o que acho ou deixo de achar não vale nada. E lá vamos nós para uma segunda temporada do “fique em casa”!
Curiosamente, em março, havia viajado para Madri quando toda a história ainda era nebulosa e, na volta, resolvido fazer uma quarentena opcional por respeito aos demais. Antes do meu tempo de reclusão acabar, foi declarada no país a primeira quarentena oficial, o que tornou meu isolamento mais longo que o das pessoas ao redor.
Pois acaba de acontecer algo semelhante. Viajei para Portugal para resolver alguns assuntos que não poderiam esperar. Obviamente, tomei todas as precauções, não apresentei nenhum sintoma na volta, mas cumpro 14 dias de isolamento obrigatório em função da viagem. Meu isolamento se encerraría no dia 06/11. Daí, no final da semana passada o primeiro ministro anunciou que um novo lockdown entrará em vigor a partir do dia 05/11!
Sério! Um dia antes? Lá vou eu partir para o isolamento com duas semanas de antecedência outra vez!
Mas nem é o pior! O que me deixou bastante chateada é que 9 de novembro é meu aniversário. Nem tinha a expectativa de fazer nada grande demais, mas pelo menos, uma reuniãozinha com amigos que sei que estão se cuidando. E pensei também em contratar um amigo músico para fazer um concerto virtual ao vivo. E o principal: agendado um jantar em um restaurante muito legal com o Luiz. Pois é… a resposta é “não” para todas as alternativas acima!
E isso, sem falar que já adiei duas vezes uma ida ao Brasil. A primeira seria em setembro. Troquei para novembro, com a intenção de passar meu aniversário com a família. No mês passado, desisti de vez e cancelei a passagem. Cansei de adiar planos. Agora só planejo o que posso cumprir.
É, sei que podia ser pior… sei que não devia reclamar… mas caraca, já deu, né? Na boa, sou voluntária para qualquer vacina experimental que aparecer! Cobaia, amarradona! E isso porque nem gosto de tomar vacina nenhuma!
Bora lá, Bianquita! Partir para nova temporada de meditações… Deixa eu ir cantar meus mantras que é o melhor que faço!
A frequência em relação à desonestidade é relativamente pequena e ainda surpreende, o que considero muito positivo, mas existe. As maiores vítimas costumam estar entre as classes economicamente mais baixas e imigrantes, o que é normal, os abusos são sempre mais frequentes com quem não tem voz. Entretanto, ninguém está livre e é bom conhecer seus direitos.
Mas vamos começar pelo que é mais comum. A primeira coisa que você precisa decidir é a periodicidade do aluguel. Você pode alugar um imóvel como contrato de curta duração (short let), que varia desde poucos dias até 6 meses. Costuma-se pagar um valor maior para esses aluguéis, uma média de 50% mais caro por semana. São apartamentos que vem com tudo, móveis, utensílios etc. Normalmente, incluem internet e as contas (água, gás, energia… exceto telefone), pode incluir também limpeza, dependendo do acordo.
A outra opção e mais comum para quem é residente, são os aluguéis de longa duração (long let), com um período típico de um ano. Após esse tempo, você tem a opção de sair ou o proprietário pode pedir que você saia. É sempre uma negociação, mas costuma girar entre 1 e 3 anos, com uma cláusula de rompimento a partir de 1 ano (pode ser de 6 meses, mas raramente aceitam um período tão curto). Essa cláusula se chama “break-clause“. Isso quer dizer que, se você sair ou se o proprietário pedir para você sair antes de um ano, quem fizer esse pedido pagará multa contratual (e as multas são altas!). A partir desse tempo, você só precisa notificar o proprietário com 1 ou 2 meses de antecedência (tudo escrito no contrato).
Há uma outra opção de aluguél que é compartilhando com outra pessoa (shared accomodation), bastante utilizada por estudantes. Nem todo imóvel aceita, no próprio anúncio eles já dizem se aceitam ou não.
Os preços dos aluguéis na Inglaterra geralmente são dados por semana, ainda que sejam pagos por mês. Nos anúncios, eles até facilitam e falam do preço mensal, mas de toda maneira, é calculado por semana. Por exemplo, o valor é £700 semanal. Daí você divide esse valor por 7 e multiplica por 30. Seu valor mensal será £3.000 (=(700/7)*30). E não simplesmente se multiplica os £700 por 4 semanas, o que daria £2.800. A lógica até faz algum sentido, afinal, há meses com 5 semanas. Mas enfim, assim é calculado o valor. Esse preço inclui condomínio e, eventualmente, pode até incluir água ou internet, mas não é tão comum nos aluguéis de longa duração.
Adicionalmente a esse valor do aluguel, você também precisa pagar a “Concil Tax“. Que é um imposto direcionado para a região onde você mora. Conceitualmente, é como se fosse um IPTU só para seu bairro. Cada zona da cidade tem um tipo de conselho diretor, eleito pelos moradores daquela mesma região, que decide como esse orçamento será alocado. Como será distribuída a coleta do lixo, se precisa de mais policiamento, como manter os parques, se há incentivo em descontos aos moradores para frequentarem academias de ginástica, como manter centros comunitários, bibliotecas… enfim, tudo o que aquela comunidade específica demanda. Essa taxa não é nada baixa, varia de bairro para bairro e pode chegar até quase 10% do seu valor mensal de aluguel. Ou seja, é importante estar atento na hora de definir seu orçamento para moradia. É um valor anual, pago mensalmente enquanto você morar no local.
Há uma série de websites de busca para encontrar um imóvel, mas acho que os mais conhecidos são o Zoopla e o Righmove. As imobiliárias também tem seus próprios websites, mas costumam anunciar em paralelo nesses dois links.
É possível alugar um imóvel diretamente com o proprietário, mas não é tão comum. Eu acho que o risco é maior. E é aí que você realmente precisa começar a ter cuidado. Aconselho a procurar um bom agente imobiliário, de uma agência conhecida, que você veja que o escritório existe.
Porque o que acontece é o seguinte, não tem muito esse conceito de fiador por aqui, cada um é responsável por seu próprio nariz. Por isso, costumamos deixar uma “caução” depositada, atualmente, o normal é o equivalente a um mês e meio de aluguel. Mas vamos por etapas.
Depois que você visita o imóvel e demonstra seu interesse, é necessário fazer um “holding fee“, que nada mais é do que uma taxa de reserva. Isso quer dizer que, enquanto a imobiliária e o proprietário estão checando sua documentação, eles não podem seguir anunciando e mostrando o apartamento. Quando a sua documentação é aprovada, esse “honding fee” é retido e descontado do valor do aluguel que você precisa pagar sempre do mês a vencer (ou seja, você paga o mês antecipado). Caso sua documentação não seja aceita, eles te devolvem esse dinheiro.
Atenção! Cuidado quando antes de você sequer visitar o imóvel, a pessoa com quem falou no anúncio já comece a te cobrar o tal do “holding fee”. Desconfie quando o anúncio parece bom demais para ser verdade. Fotos de apartamentos maravilhosos por um preço imperdível! Não existe isso aqui, esquece! Erros gramaticais, inglês esquisito… E, principalmente, NUNCA pague um centavo antes de visitar o apartamento! Não custa dizer, verifique também se as fotos correspondem ao apartamento que você está visitando.
Muito bem, você foi visitar o apartamento e gostou? Peça o cartão de visitas do corretor (Letting Agent). Verifica se ele tem um email da empresa, se há um website da imobiliária… coisas simples, que não custam nada. Agora, uma vez que ele tenha te mostrado o imóvel pessoalmente, tenha te dado o cartão de visitas, você provavelmente já checou se a imobiliária existe… enfim, não há muito por que desconfiar. Se você se interessou pelo imóvel, melhor deixar logo o raio do “holding fee” para mostrar que você tem a real intenção de fechar negócio.
Outra coisa, o mercado imobiliário é aquecido. Caso você deixe para pensar muito ou não faça reserva, provavelmente vai perder o negócio. Não é um problema você dar condições razoáveis para assinar um contrato, por exemplo: preciso que troque o carpete que está muito usado; só alugo com máquina de lavar-louças… enfim, condições que você provavelmente até deu previamente ao corretor. Eles costumam ser bem tranquilos com isso, na pior das hipóteses, vão dizer não. Mas não conte com grandes negociações de preço. No geral, eles anunciam no valor correto para alugar. Claro que você tem todo direito de tentar baixar o preço… mas não tenha grandes expectativas.
A parte burocrática costuma levar, no mínimo, uma semana. Eles checam tudo! E, vamos combinar, está certo, né? Bom, até que aprovam sua documentação. Daí é que vocês vão assinar o contrato. Peça uma minuta para ler antes da assinatura! E LEIA MESMO!
A maioria dos contratos são padrão e muita gente parte do princípio que algumas coisas estão escritas, mas não serão efetivamente cobradas. Não caia nessa! Se está escrito, eles podem cobrar sim! Deixe claro e esclareça suas dúvidas. Não é problema nenhum você questionar cláusulas dos contratos, ninguém fica ofendido com isso!
E sim, nós já tivemos experiência com proprietária trambiqueira! Por exemplo, o apartamento havia sido anunciado com garagem, então não colocamos a garagem no contrato, porque parecia óbvio, né? Só que não… Mesmo com emails trocados com a imobiliária falando da garagem, por não constar no contrato, deu pau e ficou por isso mesmo!
Resumindo: leia, questione, corrija, negocie! Tudo preto no branco, por escrito! E só assine quando estiver realmente confortável. Está na dúvida? Busque outro apartamento, busque outra imobiliária!
Por outro lado, o contrato está certinho? Show! Esse documento existe para proteger ambas as partes.
Na assinatura desse contrato você precisa pagar um depósito fiança, como disse antes, normalmente o equivalente a um mês e meio de aluguel, mas pode variar entre 6 a 8 semanas. Adicionalmente, se paga também o aluguel do primeiro mês adiantado. E a partir dos próximos meses, você pagará sempre no mesmo dia acordado, a mensalidade adiantada. Recomendável fazer por transferência bancária, porque o comprovante da transferência funciona como seu recibo. É normal que esse depósito seja feito através da imobiliária e você pode deixar pré-agendado no banco todos os meses.
É fundamental você fazer um inventário (Inventory Check)! Costuma ser pago pelo próprio inquilino, mas vale cada centavo! São relatórios muito detalhados em relação a como você recebeu o imóvel. Às vezes, você não se preocupa tanto nesse momento com isso, mas é exatamente onde o proprietário desonesto tenta te passar a perna. Ao final do contrato, o proprietário pode tentar buscar desculpas ridículas para não te devolver seu depósito e ficar com seu dinheiro.
Nossa, e eles fazem isso? Fazem! A última proprietária trambiqueira do apartamento que moramos fez de tudo para nos passar para trás! E… se ferrou! Mas vou contar essa história na sequência. O bicho pegou para ela exatamente porque tínhamos TU-DO documentado!
O inventário é um excelente recurso para você se proteger. Outro recurso importante é o que eles chamam de “Tenancy Deposit Protection Certificate“, a imobiliária fica com o seu depósito retido como garantia durante o período de alguel. A imobiliária só pode te devolver o depósito com a aprovação d@ proprietári@; entretanto, esses proprietários também não recebem o depósito caso não provem que houve real motivo. Isso te dá o tempo de, por exemplo, entrar na justiça contra um proprietário que esteja usando de má fé.
Você pode receber orientação gratuita de como proceder nesses casos de disputa em relação à devolução do depósito em website do próprio governo, aqui.
Recomendo outro website muito útil com informações gerais em relação aos alugueis, chama-se MrSuperAdvisor.
E se, infelizmente, você precisar partir para uma disputa na corte, achei informações muito úteis nesse website da Shelter. Eles orientam a enviar uma carta com determinado modelo oficial aos proprietários, avisando que será dada entrada no processo (letter before action template). Nessa carta, a gente usa os termos oficiais, dá um prazo para resposta, diz que a partir dessa data nos damos o direito a entrar com o processo, sem maiores notificações, e que despesas serão adicionadas por conta do perdedor. Fiz igualzinho e foi batata! No dia seguinte a proprietária pilantra parou de nos ignorar respondeu à imobiliária e nos reembolsou integral. No caso, anexei os dois relatórios do inventário, de entrada (check in) e saída (check out), ou seja um documento que comprovava que entregamos o apartamento em melhor estado do que recebemos – viu como foi importante? Ela sabia que eu tinha como provar, que ela ia perder o processo e sairia mais caro que simplesmente devolver nosso depósito.
Foi desgastante, mas acho que ela agora vai pensar duas vezes antes de se fazer de engraçada novamente. Enfim, passou! Lição aprendida e espero que possa ajudar alguém que se encontre na mesma situação. Ou melhor, que nem entre em roubada parecida, porque sabe no que precisa prestar atenção.
Um pequeno detalhe que passou batido, quando receber o inventário, cheque se está de acordo. Teste os equipamentos, utensílios, tudo! E qualquer divergência, notifique imediatamente por escrito (email).
Vale dizer que só tivemos problema com essa única proprietária pilantra! A imensa maioria das pessoas é correta! Mas é aquela história, as regras e os contratos são feitos exatamente para os momentos de divergência. E eles podem acontecer.
Honestamente, cuidamos muito bem de todos os lugares que moramos! Independentemente de como somos tratados, nós tratamos as pessoas com o respeito que acreditamos ser correto. É frequente devolvermos os imóveis alugados melhores do que recebemos. Afinal, não importa por quanto tempo, pode não ser nossa casa, mas é nosso lar.
Deu tudo certo! Claro! A gente sabe que, de uma maneira ou de outra, no final dá certo e pronto!
Fiz toda a preparação praticamente sozinha, com algo de apoio do Luiz. Mas quem empacotou 99% das caixas fui eu mesma! E tudo bem, porque esse era o combinado.
Foi até legal, porque acabei gravando vários vídeos tutoriais de como fazer uma mudança e tenho planos de abrir um canal no Youtube falando a esse respeito. Vamos combinar, experiência me sobra. Quem sabe, ajude alguém por aí. Porque sei que esse é um fator grande de estresse para as pessoas normais.
O que importa é que estamos totalmente instalados em uma casa charmosérrima em Windsor! Não é tão grande, mas tem o tamanho perfeito para nós. A cada dia que passa, mais eu gosto do lugar! A energia é boa, me sinto bem aqui e os gatos estão super felizes, o que sempre é um bom sinal!
Com exatas duas semanas após a mudança, demos nossa primeira festa! Na verdade, era o aniversário do Luiz, quando nós sempre oferecemos uma feijoada, já famosa. Mas também usamos o pretexto para fazer a inauguração da casa. Festa discreta, provavelmente a recepção com menos gente que demos na nossa vida, 7 adultos e uma criança, e com todos os cuidados para seguir os protocolos de segurança. E quer saber, até que aproveitei bastante! De certa forma, tivemos mais tempo para conversar com as pessoas e dar mais atenção individualmente.
Ainda há muito o que conhecer nas redondezas, afinal além do pouco tempo que temos por aqui, estamos evitando bares e restaurantes. Primeiro por uma questão de segurança, mas também porque finalmente resolvemos seguir uma dieta a sério. Tudo uma questão de tempo e posso dizer que hoje sou bastante mais tolerante e paciente do que era no início desse ano.
Resumindo, apesar dos pesares… da correria… das dúvidas sobre onde morar… de proprietários que, querendo ou não, nos deixaram na mão por um par de vezes… de todo o perrengue operacional que é uma mudança física… e tudo isso durante uma pandemia que mais parece uma praga bíblica… estou feliz pacas e acho que foi o melhor que poderia nos acontecer!
Isso quer dizer que, pelo nosso histórico, daqui a no máximo uns 6 meses, Luiz deve receber alguma proposta para mudar de país… Brincadeirinha gente! Mas juro que às vezes até fico grilada de estar tão satisfeita aqui!
Um dia de cada vez e hoje agradeço por estar onde estou, com saúde e por ter um lar que possa acolher amigos e família!
E lá vamos nós mais uma vez! Para você que me acompanha, sabe que quando digo que é a minha quadragésima sétima mudança não é uma força de expressão, é literal!
… mas Bianca, você não se cansa de mudar não?
Canso queridos, mudar é chato e trabalhoso, juro que não procuro, simplesmente, não reajo contra. Se é para ir, vamos e pronto! Ainda que, admito, com toda a experiência desenvolvida ao longo desses anos, é bem mais fácil para a gente do que para a maioria das pessoas normais.
Encurtando o suspense, ao final do mês de agosto, mudaremos para Windsor, cidade onde fica o famoso Castelo de Windsor, ou melhor, a casa da rainha.
Mas para os que, como eu, gostam dos detalhes, vou contar a história desde o começo. E adianto que, só para variar, foi outra saga!
Vamos do início, quando achamos esse apartamento que moramos atualmente ficamos bastante felizes por alguns motivos. Primeiro, era no mesmo edifício em que morávamos, assim seguia perto do nosso vizinho que já virou família. Segundo, era mais barato e, finalmente, porque tinha varanda. Além do que, sendo no mesmo prédio, a mudança foi bem mais simples.
Quando recebemos as chaves e entrei pela primeira vez no apartamento vazio, me dei conta que ele havia sido deixado bastante sujo, diferente do que nos haviam dito. A proprietária nos disse que haviam feito uma limpeza profissional! Bom, só se o profissional era um açogueiro, ou quem sabe, um encanador! Porque profissional de limpeza… certamente não era.
Para completar, percebi detalhes bastante desagradáveis que não pudemos notar nas visitas ao imóvel. Por exemplo, o esmalte do vaso sanitário por dentro já descascando, azulejos quebrados… enfim, coisas básicas e que você nem gasta muito dinheiro para consertar, mas que demonstravam o desleixo que a proprietária tinha com o imóvel.
Felizmente, tudo registrado no inventário de quando entramos. Assim, temos um documento oficial de como recebemos o apartamento.
Tive o pressentimento que não havia sido uma opção tão boa assim. No fundo, nem falei nada para Luiz, mas havia me arrependido de cara pela troca. Porém estava feito, então o jeito era fazer com que se tornasse um lugar mais bonito, limpo e com uma energia melhor. O que acho que conseguimos.
Em paralelo a isso, nós havíamos alugado um apartamento com direito à garagem. Como não temos carro, perguntamos se ela nos daria um desconto e poderia alugar a garagem para outra pessoa. Ela não aceitou. Ok, então, ficamos sem o desconto, mas obviamente, com a garagem! Isso foi registrado em uma série de emails, mas não colocamos por escrito no contrato de aluguel, afinal, o apartamento já havia sido anunciado com a vaga, certo?
Deveria ser óbvio, só que não. Logo que recebemos as chaves, não nos passaram o controle remoto da garagem. Como não tínhamos carro, não tivemos nenhuma urgência em reclamar. Estávamos ocupados com outras coisas. Daí, mais ou menos um mês depois de mudar, íamos dar uma festa e quis pegar os controles para um casal de amigos poder estacionar o carro.
Para nossa surpresa, a proprietária se negou a entregar, disse que alugamos o apartamento sem garagem e o filho dela estava usando a vaga.
Oi?
Trocamos “trocentos” emails, mostrando as mensagens e provando que o apartamento foi anunciado com a vaga etc… e não adiantou nada! Ela simplesmente ignorava as mensagens e a imobiliária lavou as mãos! É surreal, eu sei, mas foi exatamente o que aconteceu.
Poderíamos ir para justiça brigar, mas quem quer passar por todo esse perrengue, sendo que nem temos carro! Era o desaforo, porque certamente ela alugou essa vaga para outra pessoa e ganhou de nós e do outro, né? Decidimos que assim que vencesse a cláusula de um ano de contrato para deixar o imóvel sem multa, sairíamos daqui.
Houve outros detalhes que vou poupar a paciência de vocês, mas que deixaram claro a atitude desonesta da proprietária, que sempre se fazia de desentendida para levar vantagem em tudo. Resolvemos tentar não nos aborrecer, começamos a buscar novos lugares para morar e mudaríamos de casa em 27 de junho, quando fazia um ano de contrato. Nem um minuto a mais!
Como Luiz estava trabalhando muito de casa, começamos também a pensar na possibilidade de sair de Londres, porque é bastante caro morar aqui. Poderíamos aproveitar e mudar para uma cidade mais legal e onde poderíamos estar em um apartamento ou casa maior.
Decidimos que seria Brigthon, porque a cidade é uma graça, tem praia, vida noturna agitada… enfim, tem vida e nos sentimos muito bem lá.
Maravilha, tudo decido… tudo certo… estoura o raio do COVID! Quarentena e o escambau! Ninguém sabendo o que aconteceria no mundo! Paramos tudo e resolvemos ficar bem quietos por aqui mesmo, fazer o que? Nem tinha a possibilidade de ver imóveis, muito menos fazer uma mudança. Fora que a gente não sabia se teria emprego, se continuaríamos aqui, estava tudo muito confuso para encaixar uma mudança no meio!
Chegou junho e os ventos começaram a se acalmar. Como quem não quer nada, comecei a olhar se havia outro imóvel aqui perto do nosso, na mesma rua, quem sabe…
Incrivelmente, vagou outro apartamento no mesmíssimo edifício! Praticamente o mesmo valor, melhor conservado, maior um pouquinho e uma posição melhor no prédio, de frente para o Tâmisa.
Lá fomos nós ver o apartamento, de máscara e tudo! Não seria uma mudança tão complicada e nos livrávamos da proprietária uruca!
Assim foi, fizemos a proposta, o proprietário do outro apartamento topou e demos o aviso aqui que sairíamos. A gente precisa avisar com dois meses de antecedência quando vai deixar o imóvel.
Tudo muito bom, tudo muito bem, as fronteiras começaram a se abrir e fomos para Portugal, para casa dos nossos primos. Ando com um olho grande para morar por aquelas bandas e queria visitar algumas possibilidades. Viagem ótima! Aproveitamos bastante, mesmo seguindo todos os protocolos de segurança. Eu já entubei o novo normal e vida que segue! Cumpro os protocolos automaticamente e tudo bem!
No finalzinho da viagem, recebemos uma notícia bomba: o proprietário do apartamento que íamos nos mudar desistiu de alugar, preferia vender! Só que havia passado quase um mês e já havíamos anunciado que saíriamos daqui!
…e a gente vai para onde agora?
Poderíamos pedir para continuar no apartamento que estávamos, mas vamos combinar, como todo o histórico acima relatado, a gente não queria mais ficar aqui! Não tinha mais clima! Conto os dias para ir embora como uma presidiária!
Sendo assim, toca a procurar outra casa no meio dessa confusão do vírus!
Nesse caso, resolvemos abrir o leque da localização e saímos dando tiro para todo lado! Apenas uma coisa estava decidida, queríamos um apartamento de três dormitórios, seja lá onde fosse!
Na verdade, apesar de toda preocupação, a confusão do COVID acabou jogando um pouco a nosso favor, porque os preços de aluguel reduziram e tínhamos agora a oportunidade de alugar em lugares que eram mais caros antes.
Na nossa lista reduzida de lugares, os finalistas eram um apartamento em Brighton e uma casa em Windsor.
Nosso primeiro favorito era o apartamento, bem de frente para o mar, um tamanho ótimo e cheinho de armários! Fizemos proposta super felizes! Só havia um probleminha, o prédio não aceitava animais! O dono do apartamento até tentou negociar com o condomínio, queria alugar para a gente, mas após uma semana, o condomínio negou de vez.
Havia ainda a casa em Windsor. Nós havíamos gostado, mas em comparação ao apartamento, ela perdia. Os quartos são um pouco pequenos e acho a cidade de Brighton mais animada. Daí ficou um pouco daquele gosto de perda no início.
Mas sabe de uma coisa, a gente não é de sofrer pelo leite derramado. Se não der, não deu, paciência. A semana que levou para o condomínio de Brighton votar se poderíamos morar com os gatos ou não também serviu para pensarmos na casa com outros olhos. E a verdade é que a casa também tem muitas vantagens. Serão três quartos, que mesmo pequenos, oferecem bastante mais espaço do que temos hoje. A cozinha é ampla e clara e tem portas francesas que dão para um jardim pequeno, de fácil manutenção, bem charmoso e com a possibilidade de fazermos churrasco, coisa que a gente adora! Vamos combinar que esse ano está meio que perdido mesmo e ainda teremos meses pela frente de limitações. Estar em uma casa ajuda muito!
Windsor não tem a mesma balada de Brighton, mas a noite está bastante prejudicada de toda maneira. Os clubes e casas noturnas nem estão abrindo ainda! E na vida diurna, acho que não perde em nada, pelo contrário. Temos uma série de passeios ao ar livre que poderemos fazer a pé ou de barco. E a cidade é mais elegante, digamos assim. Além de bem mais próximo para o Luiz, caso ele tenha que voltar a trabalhar no escritório alguns dias da semana.
Adicionalmente, também temos amigos muito queridos que estarão mais perto e ficaram super felizes da gente ir para lá. A empolgação deles me contagiou, comecei a imaginar os encontros e as coisas que podemos aproveitar pelas redondezas.
Ou seja, no fim das contas, acho que foi a melhor opção mesmo! Assim que, nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, achamos uma casa para ir!
E agora que contei a saga de achar moradia, tem a outra mini-saga da realização da mudança. Em princípio, como nós íamos nos mudar dentro do mesmo edifício, nem precisava contratar ninguém, era fácil! Mas para outra cidade, a coisa muda de figura e assume novas proporções.
Lá foi Bianquita cotar empresa de mudança! Já havia começado a ver alguns preços, mas não podia ir muito além, porque nem a cidade para onde mudaríamos estava definida! Seria uma história muito difícil de explicar. E agora, estava super corrido para pesquisar e negociar. Tive que fechar meio que às pressas, porque era literalmente o último dia para poder reservar espaço na rua em Windsor para fazer a mudança. Esses procedimentos burocráticos tem prazos rígidos a serem seguidos. Novamente, fechamos em cima do gongo! Mas fechamos!
Talvez pudesse negociar melhor preço, mas à essa altura, estou feliz em conseguir resolver. Da onde veio esse, virá mais! Deixa a economia girar, paciência!
Só outro detalhe, disse que estamos seguindo a vida normalmente, mas lógico, estou falando do novo normal. Eu não me arrisco mesmo! A gente segue os protocolos direitinho!
Portanto, não quero nem saber de ninguém aqui em casa empacotando e manuseando nossas coisas. Fora que sabe-se lá de onde vem as caixas, que costumam ser reaproveitadas. Seguro morreu de velho…
Isso quer dizer que quem está empacotando tu-do sou euzinha mesmo! Comprei as caixas e o material pela Amazon, saiu inclusive mais barato do que usando o da companhia de mudanças. E, vamos combinar, modéstia às favas, garanto que tenho mais experiência do que qualquer empacotador profissional no mercado! Fora que vou fazer com muito mais cuidado.
A gente muda no dia 29 de agosto. Comecei a empacotar tudo ontem, dia 10. Assim faço com calma e organização. Não precisava estar fazendo o calor duzinfernus que está fazendo agora, mas penso que isso deve estar me ajudando a emagrecer, pronto!
Pensando seriamente em fazer uns tutoriais sobre mudança! Será que posso ganhar dinheiro com isso?
Estava eu lendo um artigo sobre a peregrinação à Meca em tempos de COVID-19. A tradicional peregrinação acaba de iniciar, em 29/07, com as devidas restrições.
Foram super sérios, sinceramente, achei bacana! Cada participante precisa respeitar um período de quarentena… reduziram o número de peregrinos para se manter a distância de segurança… fizeram testes… ofereceram o ihram, tapete de oração, máscaras, desinfetantes etc. Até aí, achei muito organizado e civilizado!
Foi quando li sobre o kit pedras: foram distribuídas pedras esterelizadas para o apedrejamento de Satã…
Oi?
Ok, tá bom, tá certo! Claro que entendi a proposta, mas só eu achei que soa surreal?
Quando até Satã precisa ser apedrejado com pedras esterelizadas… a coisa tá feia mermão! Será que na porta do inferno já tem um potinho de álcool gel? Será que quando você passa nas mãos sai graxa ao invés de álcool? Tipo assim, pegadinha do Demo…
Poderia ter te escrito antes, mas soaria como despedida e você não iria gostar. Eu não iria gostar. Por isso, não vou me despedir de você, vou te fazer um brinde!
Eu lembro do dia em que te conheci, apresentada por uma amiga em comum. A partir desse encontro, houve vários outros, frequentamos muitas festas, dançamos forró, cantamos juntas, rimos pacas juntas, não sei se choramos juntas, acho que não. Se choramos, não lembro.
Você cuidou do meu gato, eu fui no hospital com você. Te apresentei vários amigos, você me apresentou outros tantos, às vezes parece que somos todos de uma única grande família que se conhece desde sempre.
Exceto pela insensibilidade dos médicos madrilenhos, nunca ouvi você reclamar ou falar mal de ninguém. E nunca ouvi uma única crítica sobre você! Pensa em uma pessoa do bem, positiva e gentil com absolutamente todos!
Corajosa e aventureira com letras maiúsculas! Não me recordo agora conhecer ninguém que houvesse praticado esportes radicais e viajado tanto como você! Saltar de pontes, voar de asa delta, mergulhar… nada te assustava ou, se assustava, nunca te impediu de seguir adiante e experimentar. Viver no limite.
Nenhuma doença jamais iria te definir. Honestamente, a maior parte do tempo que compartilhamos, eu nem pensava a respeito. A gente tinha muito mais o que fazer! Você entendeu rapidamente que ninguém tem dia certo para partir, não temos esse controle. Mas como viver cada dia sim, essa decisão é nossa. E, com você, aprendi isso de verdade, pelo seu exemplo, seu legado. Não foi lendo uma frase piegas de um texto qualquer, foi tendo o privilégio de te ver viver por 11 anos aproveitando e fazendo valer cada dia da sua vida. Você me acostumou a presenciar milagres.
Ainda me emociona ver sua imagem ou ouvir sua voz em algum audio, mas confesso que não chorei muito. Quando o choro quer chegar, eu engulo, como aprendi a engolir cada momento rápido de tristeza em que te encontrei e senti que seu tempo acabava. Porque eu jamais te olharia com qualquer resquício de pena.
Guerreiros e guerreiras conhecem e são donos dos seus destinos, se vão lutando. Não morrem, apenas partem orgulhosos e serenos com a sensação de dever cumprido.
Há alguns dias quero escrever sobre o tema e não sabia como. Em primeiro lugar, porque sou branca. Ainda que meu DNA seja misturado, não faz tanta diferença, minha aparência é européia. Além do mais, nunca passei por nenhum período sério de dificuldade financeira, o que não quer dizer que seja rica, mas definitivamente, privilegiada.
Se me sinto culpada por ser branca e privilegiada? Não, não me sinto culpada. Mas não creio que seja esse o ponto! Nunca foi. O ponto é: o que faço com isso?
Eventualmente, escrevo sobre racismo ou preconceitos de modo geral, quando acho que de alguma forma posso colaborar. Mas dessa vez, me pareceu um movimento diferente, talvez pelo momento em que surgiu. Minha dificuldade é porque estou tentando ainda entender a dimensão dessa questão. Caberia a mim vir aqui e explicar alguma coisa? Porque eu acho que nunca vou conseguir explicar com a mesma propriedade que o faria uma pessoa negra.
Ao mesmo tempo, não acredito que não tocar no assunto ajude. O que fiz, então? Dei um passo atrás e observei. Tentei buscar uma melhor perspectiva, a de quem vive o problema todos os dias.
E acredito que a melhor postura que nós brancos podemos ter nesse primeiro momento é recuar, observar e aprender. Tentar realmente ouvir o que as pessoas pretas estão dizendo. Precisamos falar mais baixo, ou mesmo fazer silêncio e dar voz a quem não está sendo escutado.
Quando a gente diz que “todas as vidas importam, não só as pretas…”, “e a vida dos índios…”, “e o aborto…” ou traz outros temas complicados de preconceito para a discussão, como, machismo, liberdade de gênero etc, estamos na verdade tirando o foco do problema em questão! É lógico que todas as vidas importam! É claro que há outros preconceitos no planeta! Mas não dá para colocar tudo no mesmo pacote e resolver! Vamos por prioridade, por urgência.
Sabe quando você vai para o hospital e entra na emergência? Então, eu mesma estive um par de vezes, em hospitais públicos (europeus). Ninguém vai para a emergência de um hospital porque está feliz ou saudável! Todo mundo ali tem dor, tem incômodo, tem risco… e, certamente, quando estive no banco de espera foi difícil e dolorido. Mas, ao mesmo tempo, tinha a convicção de que não estava correndo risco de vida. De verdade, confiei na triagem que fizeram e, se chegou alguém mais grave que eu, que passe minha frente, foda-se! Problema meu, não tinha espaço para mimimi, eu não estava morrendo, mas alguém podia estar.
Então, queridíssimos, minha vida não é um mar de rosas, trabalhei e trabalho pacas! Ainda que me considere privilegiada, já sofri também, por ser mulher, por ser imigrante… consigo relacionar e ter empatia por quem passa por qualquer tipo de preconceito. Pelo menos, tenho uma ideia do que é. A diferença é a seguinte, uma coisa é eu perder uma vaga no trabalho por ser imigrante ou ter um salário menor que um homem; outra completamente diferente é ter um policial com o joelho na minha garganta! Todos são problemas. Mas qual é o mais urgente? Qual deveria ser a prioridade?
Ficou mais ou menos claro? Desenho?
Não foi um caso isolado. Não foi uma coincidência. Não foi um simples acidente. E a gente não pode mais olhar para o lado, ou apenas pedir paz. Não tem paz sem justiça! Não tem paz com o joelho na sua garganta!
Não há movimento que realmente revolucione sem o apoio de classes dominantes! Eu não acredito, por exemplo, em um movimento feminista que não tenha respaldo masculino. Assim como não vejo possível um movimento anti-racismo ter sucesso enquanto não tiver apoio dos brancos. Ainda que esse apoio não seja total, o que seria utópico, é fundamental que tenha massa crítica! O volume faz muita diferença.
O fato é, como dar esse suporte fora da área de protagonismo ou sem paternalismo? Não vejo outra maneira que não seja: ouve o que eles estão falando, caraca! Sabe o que eles estão falando? Eles estão dizendo: vidas pretas importam!
E, se vidas pretas importam, por que morrem tantas pessoas negras sem a gente se revoltar? Por que a gente olha em volta nas salas de aula das escolas particulares e não acha estranho não haver praticamente ninguém negro? Por que a gente sai para jantar nos restaurantes e não parece esquisito que os negros do local estejam apenas nos postos de trabalho? Por que as cotas são tão polêmicas? Por que a imensa maioria das bonecas são brancas? Quantos super-heróis negros você conhece? E se nada disso te incomodou, você acha que é uma atitude normal? Você realmente acha que não é racista? Você acha que basta simplesmente não ser racista, ou seja, não fazer nada contra? Porque eu só consigo pensar que não fiz o suficiente.
Eu não sei exatamente o que fazer para ajudar, mas de verdade, quero muito. Porque é o mínimo que posso fazer como ser humano. Caso tenha algum leitor preto ou preta, estou aberta a te ouvir e, se isso colaborar de alguma maneira, também disposta a amplificar seu discurso.
Uma pequena pausa para os comerciais! Acabo de lançar meu segundo livro! Está à venda através das plataformas da Amazon do seu país. Basta buscar por: Bianca Rocha, Desvios do Caminho de Santiago. Estão disponíveis as versões impressa e e-book, em português.
A ideia de trilhar o Caminho começou a rondar pela minha cabeça por volta de 2006, quando ainda morava em Madri. Em maio de 2007, meus planos se concretizaram.
Em um primeiro momento, não me via em uma fase de grandes transformações e minhas expectativas eram baixas. Não buscava revelações nem respostas, apenas queria usar o privilégio de poder pensar um pouco na vida fora do contexto habitual. Queria ocupar o pensamento com coisas básicas, como, quantos quilômetros vou andar, o que comer, onde dormir… Acreditava que esse era um luxo primário que nem todos querem ou podem dispor.
Obviamente, nem tudo foi como planejei. Conscientemente ou não, mais do que um roteiro rural, tratava-se de uma jornada interior, um encontro com quem eu era.
Portanto, conto no livro sobre a primeira vez que estive no Caminho de Santiago Francês, quando decidi caminhar pouco mais de 200 Km, partindo da cidade de Pontferrada até Santiago de Compostela. Quando escrevi esse depoimento, não sabia que voltaria a realizá-lo por outras três vezes, todas elas experiências bem diferentes. E muito provavelmente, retornarei em outros momentos. Nem tudo penso da mesma maneira, afinal lá se vão cerca de 13 anos, mas procurei manter o que havia escrito e sentido naquele momento.
Convido vocês a participarem dessa viagem comigo! Buen Camino!
Vou logo avisando que lá vem textão! Daqueles com direito a humor, suspense, raiva, mistério, amizade… tudo de direito!
Simplesmente, porque a pessoa aqui precisou vender um imóvel em outro país em plena quarentena. Mas vamos por partes, afinal toda saga merece ser contada em detalhes.
Nasci em 1969… Ok, menos detalhes! Vamos começar do ano passado.
Em 2019, nós compramos um apartamento pequeno em Madri, como investimento. Alugamos rápido, apenas duas semanas anunciado e, em princípio, tudo ótimo! Como já gerencio imóveis à distância, achei que não seria tão complicado administrar um apartamento em Madri desde Londres. Até bom ter alguma desculpa para ir pelas bandas espanholas de vez em quando. Um par de meses depois, começamos a ter problemas com o inquilino. Essa parte da história, vou abreviar porque é bem chata. O apartamento é mínimo, por contrato era para uma pessoa sozinha, ele colocou outra pessoa no apartamento para morar com ele sem nos informar, nos atrasava o pagamento com mil desculpas, logo parou de pagar, colocamos advogado, uma preocupação do cão porque é um bairro onde há algumas invasões… enfim, um perrengue total!
Com o primeiro comunicado legal que o inquilino deveria pagar ou sair, as negociações ficaram um pouco mais tensas, mas começamos a ver que ele deixaria o imóvel, provavelmente até maio, data que estava programado o julgamento final. De toda maneira, jogamos como policial bom e policial mau e Luiz manteve o contato civilizado com ele. Eu vinha de vez em quando bater um pouco.
No dia 02 de março, Luiz conseguiu convencê-lo a sair, devolvendo metade da fiança. Sim, uma merda você ainda devolver dinheiro a uma pessoa que está te devendo, mas a gente achou que valia para encerrar a preocupação. Nem sei como ele topou, acho até porque como moramos em Londres, ele deve ter pensado que não conseguiríamos negociar pessoalmente pegar as chaves e dar o dinheiro.
Acontece, que quem tem amigos tem tudo! E pedimos a um amigo nosso o IMENSO favor de ir até lá, pagar a ele, mas obviamente, só entregar o dinheiro com o inquilino uruca do lado de fora do imóvel e trocando a fechadura na mesma hora.
Foi muito tenso, mas deu certo!
No dia seguinte, Bianquita pegou o primeiro voo e estava em Madri para recuperar o apartamento, ver se tinha algum problema, passar a conta de luz para meu nome, limpar o imóvel e entregar as novas chaves para uma imobiliária tentar vendê-lo. E assim foi.
Dia 07 de março, voltei para Londres, naquele clima esquisito de COVID-19 começando… aeroportos meio vazios… sem encontrar álcool gel para comprar… tá faltando papel higiênico… mas o que está acontecendo?
Luiz resolveu que deveríamos começar uma quarentena voluntária, mesmo só eu tendo ido a Madri. Enfim, essa parte da história foi contada por aqui há alguns posts.
O que não contamos é que conseguimos tirar um inquilino complicadíssimo apenas uma semana antes de fechar as fronteiras e começar o confinamento espanhol. Uma semaninha depois e não teríamos conseguido tirá-lo de lá nem a fórceps! Inclusive, legalmente não poderíamos!
Ah, então nós ficamos tranquilos, né? Só que não. Porque, como comentei, é um bairro sujeito a algumas invasões e nessa situação, fica difícil controlar o que está acontecendo. E nós com o apartamento vazio não era exatamente tranquilizador. Vai que o ex-inquilino resolve voltar e invadir o imóvel?
Daí, já com o burburinho de que ia fechar tudo em Madri, o corretor ainda conseguiu mostrar o apartamento para vários potenciais compradores e não é que um deles se interessou de verdade? Ou seja, pelo meio de março, com tudo fechado, nós conseguimos vender o apartamento e receber um sinal simbólico. Contrato assinado à distância. Maravilha!
Veja bem, estou falando do meio de março. Nesse momento, a gente não tinha ideia da proporção que as coisas tomariam. Achávamos que íamos esperar umas semaninhas, talvez um mês e logo iríamos a Madri para assinar a escritura e receber o pagamento.
As semaninhas se transformaram em quase três meses e a água foi subindo. Não tínhamos mais certeza se o negócio seria fechado, todo mundo com medo do que vai acontecer economicamente, quem vai ter emprego, e se não vendesse agora sabe-se lá quando alguém resolveria comprar o apartamento. A gente com o apartamento preso e sem receber. E aí?
Pequeno detalhe, no próximo mês, faria um ano que compramos esse imóvel e a faixa de tributação muda! Além do que, estavam por aprovar uma série de medidas no edifício que aumentaria nossos custos e, se a gente votasse a favor dessas medidas, teríamos que arcar com a despesa, mesmo tendo vendido o imóvel. Assim, surreal! Ou seja, a gente tinha porque tinha que fechar o negócio até o final de maio. E ponto.
Conseguimos comprar as passagens e marcamos a escritura para o dia 27 de maio. Vamos de máscara! Vamos plastificados! Foda-se, vamos! O corretor conseguiu agendar tudo, beleza!
Dia seguinte, dá no noticiário espanhol que todo mundo que entrasse no país precisaria fazer quarentena de 14 dias. Como assim? A gente não pode ficar 14 dias em Madri. Cancela a passagem!
Então, Luiz buscou o consulado para tentar fazer uma procuração para um amigo nosso assinar a escritura. O próprio consulado indicou um notário espanhol que trabalha aqui em Londres. Tudo absolutamente legal, o cidadão faz isso há 20 anos, o procedimento é reconhecido pelo colégio de notários da Espanha, custou uma baba, o corretor manteve a escritura para dia 27 de março, foi um perrengue conseguir enviar tudo com antecedência e… vejam vocês… o notário da Espanha não quis aceitar a procuração.
Hein?
É, ele não QUIS.
E isso dele não querer pode? Não, não pode. Nós poderíamos entrar com uma demanda judicial, que levaria sabe-se lá quanto tempo para ser resolvida. Ele insistia que a procuração só seria válida com o carimbo do consulado e não o do ministério das relações exteriores, como constava. Balela, até porque o consulado estava fechado e foram eles próprios quem indicaram a solução para a gente!
Ah, mas o comprador poderia mudar de cartório? Claro que sim. Mas ele também não quis. Disse que era amigo pessoal desse notário desde criancinha e só confiava nele.
Em espanhol castizo: hay que joderse, no?
Meu palpite? Os dois combinaram. Acho até que o comprador queria fazer negócio, mas considerando que tudo em Madri estava fechado e ele não conseguiria alugar nem fazer nada, muito melhor que seguisse em meu nome. Claro, eu pagando todas as despesas e me responsabilizando por tudo e, ainda por cima, guardando o apartamento para ele, né?
Francamente, no meio a uma situação como estamos vivendo, com todo mundo tentando fazer o melhor, e um cidadão nos faz arriscar a vida, encarar dois aeroportos e dois voos, correr o risco de não conseguir voltar, gastar uma fortuna num período difícil… por capricho? Do fundo do meu coração, já perdoei, mas acho um tremendo de um mau karma. Não quero esse povo perto de mim nem em pensamento. Pronto, xô da minha cabeça!
Acontece queridos que o que eu acho ou deixo de achar vale 2 centavos. Como é que a gente fazia para resolver?
Luiz queria entrar novamente com o pedido de procuração via consulado. E aí, Bianquinha deu um ataque de piti!
Eles estão enrolando a gente! Até o consulado resolver essa bosta a gente já poderia viajar, é claro! É só mais despesa e mais tempo! Não aguento mais, vamos para Madri!
Mas e os 14 dias de quarentena?
Dane-se! O que eles vão fazer? Colocar um guarda do meu lado? Como eles vão controlar? Entrar, nós entramos, porque somos espanhóis. O problema é como vamos sair…
Ganesha, tá contigo! Abre nossos caminhos aê!
Bom, o voo anterior que havíamos marcado no dia 27 foi cancelado. Só dava para ir no domingo 24, os últimos dois lugares do voo, e voltar na segunda-feira 25. É assim ou não é! Pagamos um rim nas passagens, mas a essa altura…
Ligamos para o corretor na sexta-feira: es lo que hay! Te vira e marca para segunda-feira! Ele se virou! Aliás, um corretor de imóveis fora de série! Só tenho a agradecer! Daqueles que foi na parceria com a gente, fazendo de tudo para achar soluções.
Certo, então, porque era uma situação muito simples, um outro detalhe, onde é que a gente ia dormir no dia 24?
O lugar onde costumo ficar, fechado! Buscamos alguns outros… fechados também! Luiz achou um bastante caro. E o problema não era apenas ser caro, me dava medo de no hotel poderem controlar o raio da quarentena e sermos forçados a ficar 14 dias! Imagina?
Sim, temos trocentos amigos em Madri, mas cadê a coragem de pedir para dormir na casa deles depois de passar por dois aeroportos e um avião? Porque, por mais que estivéssemos nos cuidando há 3 meses, a nossa exposição seria complicada.
Fui pensando nas pessoas e eliminando quem tinha filhos, quem tinha gente idosa em casa… lembrei de uma amiga solteira e escrevi para ela, completamente sem graça. Em seguida, me arrependi da mensagem e apaguei. Não vou deixá-la nessa saia justa, né? Só que ela viu, me perguntou como estavam as coisas e contei o que houve. Ela respondeu algo como, eu me acabo de medo, mas na rua vocês não ficam. Peraí que vou falar com o fulano (que é muito amigo dela, mas eu só conhecia de vista). Ele tem um apartamento que aluga para AirBnB e está vazio por motivos óbvios. Vou pedir para você ficar lá. Maravilha! Fechou, eu alugo o apartamento dele por uma noite. Ela achava que ele nem ia querer que eu pagasse. Tudo bem! Eu acharei alguma forma de retribuir a gentileza! O importante é que estava resolvido onde ficar e foi um alívio gigantesco!
Abrindo um parênteses, é fato público e notório que falo com deus e o mundo, trato completos desconhecidos como amigos de infância! Às vezes, Luiz se preocupa e fica no meu ouvido: cuidado, porque nem todo mundo é seu amigo… Pois é, por que contei essa história? Por que eventualmente me pergunto se não deveria ser menos espontânea e mais seletiva, é possível que realmente pudesse me preservar mais. Acontece que lembrei de uma coisa e comentei com Luiz, você lembra uma vez que estávamos no LiberArte e fiquei conversando com uma pessoa. Daí ele saiu, acho que para fumar e você me falou meio mal-humorado, quem é esse cara? Respondi, é amigo da nossa amiga, muito gente boa, estava me dando umas dicas de como alugar apartamento aqui em Madri. Luiz respondeu sua célebre frase, nem todo mundo é seu amigo…
Então, como a vida dá muitas voltas, esse “estranho” que eu estava conversando feliz da vida é o amigo da nossa amiga que nos cedou o apartamento para dormir. Assim que, ainda que nem todo mundo seja meu amigo… muitas vezes, eles são!
Tem gente mesquinha, tem gente aproveitadora, tem de tudo! Mas também há muita gente boa e disposta a ajudar! Assim que prefiro correr o risco de me ferrar algumas vezes e seguir sendo gentil, acreditar nas melhores intenções.
Mas seguimos o barco. Por mais que acreditasse que tudo ia dar certo. Vai que prendem a gente por 14 dias na Espanha? Nós temos 2 gatos em casa. De um dia para o outro não é grave, mas duas semanas!
Liguei para meu vizinho, também meio sem graça. Olha a gente não apresentou nenhum sintoma em 3 meses, estamos seguindo todas as recomendações, mas tem essa situação. Você pode cuidar dos gatos se acontecer alguma coisa? Ele também foi super gentil e me deixou tranquila que os felinos não ficariam desassistidos!
Luiz, o que podíamos fazer, está feito! Vamos na raça mesmo e nos virar para dar certo! Levamos na bagagem a escritura do apartamento de Madri, para garantir que tínhamos casa lá e conseguir entrar; assim como o contrato de aluguel do apartamento aqui de Londres, para conseguir voltar. E seja o que tiver que ser!
Ele preparou o arsenal de máscaras, luvas e álcool gel. Combinamos o que falaríamos caso a gente fosse parado na imigração, juntos ou separados. Agendei carro para nos levar. Enfim, estratégia toda montada!
Nosso voo saía às 19h20 de Londres, pousando às 22h30 em Madri. Saímos de casa com antecedência bem razoável, às 15h30. Porque não sabíamos como seriam os controles e esse era o único voo do dia. Não havia margem de erro!
Pontualmente, às 15h30 o carro chegou, um motorista muito simpático, ex-lutador de boxe. Um pouco atrapalhado com a máscara, acho que como todos nós. E sim, estávamos de máscaras, aquela super fodástica que não lembro o nome.
Dessa maneira começou nossa viagem.
No caminho, muitas sensações diferentes, que ainda estou absorvendo. Meus sentidos à flor da pela, minha atenção plena. Uma mistura de alegria, medo, esperança, nostalgia, aborrecimento, frustração, coragem, otimismo, raiva, emoção… tudo junto ao mesmo tempo. Definitivamente, nada me parecia normal, ainda que a maioria das pessoas agisse com estranha naturalidade, inclusive eu mesma! Talvez seja esse o tal novo normal.
Depois de quase três meses em casa, com algumas caminhadas pelo bairro e uma única saída em transporte público por absoluta necessidade, sair de carro e atravessar a cidade foi bizarro. Foi ruim e foi bom demais.
A quarentena em Londres está sendo mais branda que boa parte da Europa. A máscara não é obrigatória em lugares abertos, apenas dentro do transporte público e locais fechados.
Domingo fez um dia de primavera absolutamente lindo! A temperatura agradabilíssima! Dias assim em Londres são um luxo! A rua estava cheia de gente andando de bicicleta, praticando esportes e caminhando pelas calçadas. E nós passando de carro, protegidos por nossas máscaras. Foi tudo tão estranho…
Um lado meu condenava os transeuntes incautos, sem máscaras e sem medo. Outro lado meu morria de inveja. E outro lado ainda estava extremamente feliz de ver as pessoas corajosas e bem. Apostando na vida. Ou não deveriam pensar assim? Será que tem um preço?
Janelas abertas, vento no rosto, me sentindo um cachorro feliz passeando de carro. Outras vezes, completamente abafada pela máscara negra. Preocupada com o que ainda encararíamos, tentando nos visualizar no dia seguinte, aliviados, com tudo resolvido, e em casa.
Curiosamente, tanto tempo na expectativa para sair e agora que estava fora, tudo que queria era conseguir voltar para casa bem e em segurança com Luiz. Logo eu, que me sinto tão valente!
Tudo muito bom, tudo muito bem, perdida em meus pensamentos… praticamente chegando ao aeroporto, que é longe pacas da nossa casa, Luiz quica no banco, caramba, esqueci minha carteira! Precisamos voltar!
…
Oi? Como assim?
Exatamente, meu caríssimo marido esqueceu seus documentos em casa! Sem eles, não assinaríamos a malfadada escritura.
TAQUEOPARIULÁLONGEDOCARAMBA! Isso não pode estar acontecendo!
Mas estava. Tivemos que voltar o caminho inteiro e ir novamente para o aeroporto. Pelas nossas contas, daria tempo, mas seria literalmente em cima da hora e não podia acontecer mais absolutamente nada de errado!
Então, você xingou, reclamou, brigou? Não, não abri minha boca! Por que iria piorar uma situação como essa? Quem faz isso por querer? Ainda bem que não fui eu ou estaria cortando meus pulsos! Quer saber, vou mentalizar meus mantras! Ai, meus deuses, lá vou eu torrar o saco do Ganesha para abrir os caminhos! Lembrar meus exercícios de meditação… fazer os mudras de Yoga que aprendi… respirar quadrado… o que estivesse ao meu alcance! Sei lá o que funciona ou não funciona, só queria tirar os pensamentos ruins da minha cabeça para não surtar. E funcionou.
Do caminho, Luiz ligou para nosso vizinho e pediu para ele checar se a carteira estava em casa. Após um suspense danado, estava embaixo de um caderno! Sério? O vizinho deixou em um lugar fácil, bem na entrada de casa.
Chegamos no edifício, saímos os dois correndo, com o plano de um ficar segurando o elevador! Naquele esquema, qualquer segundo conta! O elevador chega no nosso andar e… enguiça! A porta não abre! Nossos celulares no carro, e nem adiantava berrar porque está todo mundo dentro de casa.
Luiz tentando abrir a porta na marra, eu apertando botões de emergência. De repente, a porta tornou a fechar, subiu mais um andar e… abriu!
Voamos para fora do elevador, conseguimos pegar a carteira e descemos os cinco andares de escada correndo!
O motorista fez o que dava para fazer, nervoso tentando ajudar, um perrengue só!
Fechei meus olhos, respirei fundo, fui meditando e mentalizando o mantra, om gam ganapataye namah… Ganesha é o removedor dos obstáculos e aquele que abre os caminhos para nossa evolução. Normalmente, se canta para ele antes de qualquer ritual, cerimônia ou trabalho, para que sejamos bem sucedidos.
Tomei uma decisão: eu vou assinar esse documento amanhã e pronto! Ou sim, ou sim! Vou nadando, mas vou! Pensei inclusive no plano B, alugar um carro no aeroporto e tentar atravessar o Eurotunnel!
Mas não foi necessário, chegamos em um horário que acreditávamos ser possível embarcar. No limite, mas paciência, o aeroporto estaria vazio, certo? E havíamos feito o check in em casa.
A partir daí, entramos em um filme de ficção científica. O aeroporto de Heathrow completamente vazio! Corremos para passar nos controles de segurança. Havia uma única loja aberta, que vende coisas de farmácia, água e sanduíches. Como chegaríamos super tarde em Madri e não haveria nada aberto, Luiz foi comprar alguma coisa para comer e eu fui verificar no painel o nosso portão.
O placar eletrônico meio apagado, exceto por uns quatro ou cinco voos marcado. Nenhum deles para Madri. Gelei! Caraca, essa porcaria foi cancelada!
Mas não foi, eu é que não tinha enxergado bem, em outro espaço acima, estava o portão, é que já iria começar o embarque.
Chegamos no portão de embarque cerca de 32 segundos antes de anunciarem a abertura das portas. Acredite se quiser, fomos os primeiros a entrar. Porque foi o tempo de chegar correndo na frente para ler se estávamos no lugar certo e abriram o embarque!
Apesar do sufoco, quero acreditar que talvez tenha sido para nosso bem. Uma das minhas preocupações era ficar ali no grupo, exposta esperando por horas no aeroporto. E isso não foi necessário.
Verdade que o elevador em casa enguiçar foi sacanagem, né? Mas ok, sou uma nova criatura que agradece (quase) tudo agora! A gratidão traz boas vibrações!
Respira aí, que ainda não acabou, falei que era uma saga…
No avião, absolutamente to-dos de máscara! Nos enviaram uma mensagem anteriormente por email avisando que quem não estivesse de máscara não embarcaria. O que concordo em gênero, número e grau.
É claro que teve um único engraçadinho que tentou burlar a regra e ainda se fez de machão. Quase perdeu o voo, tomou uma chamada do lado de fora e usou uma máscara cedida por outra passageira. Fala sério! Não teve apoio de ninguém.
Levei uns lencinhos para desinfetar meu banco, os lugares para o braço, cinto, bandeja… enfim, saí limpando sem a menor cerimônia! Fiz igualzinho à indiana que pegou o voo comigo vindo de Madri havia quase três meses. Naquele momento, achei tão engraçado. Paguei com a língua e repeti o gesto! Devo dizer que ineditamente os aviões estão terminando seus voos mais limpos do que antes da viagem!
Decolamos no horário! Pensei, ufa, mais uma etapa importante vencida! Valeu, Ganesha!
A comissária anunciou que iria passar um formulário a ser preenchido para ser entregue às autoridades de segurança sanitárias espanholas em solo, em função da tal quarentena de 14 dias.
Caraca! Lá vem! Luiz preencheu tudo e ficamos naquela expectativa de como seria.
Participo de uma vigília de mantras diariamente, dessa vez, o foco nem é para mim, é para quem esteja necessitando. Bom, até pode ser para mim, de vez em quando, mas normalmente no meu caso é mais uma doação de energia que o contrário. Não tinha como me conectar por internet, como fazemos de costume, mas paciência, me conectei sozinha mesmo e mentalizei os mantras usuais. Dessa vez, incluindo todas as pessoas que estavam nos ajudando a passar por esse desafio. Foi o tempo de terminar e abrir os olhos, o avião anunciou a aterrissagem.
Passamos pelo controle de passaportes. Beleza! Não era ali que entregaríamos o tal formulário. Eu me acabando de medo de carimbarem alguma data de chegada no passaporte, mas nada!
Fomos andando o mais rápido possível, porque fiquei imaginando o tamanho da fila, com distância de 2 metros entre si, para entregar aquela papelada toda. O voo foi lotado.
Muito bem, a fila ficou realmente gigante, mas estávamos bem na frente, então foi rápido. Primeiro vem alguém com aquela roupa de astronauta e mede sua temperatura com um aparelho que nem te toca. Daí você fala com outro agente que recebe seu formulário e te passa instruções que você precisa medir sua temperatura duas vezes ao dia e anotar. Caso sentir qualquer sintoma, procurar as autoridades imediatamente.
Perfeitamente, moço, deixa com a gente! Ele não falou em que país deveríamos fazer isso, certo?
Corre para pegar um taxi! Dali, catei o celular avisei ao nosso novo amigo do apartamento que estávamos a caminho. Ele mora no apartamento de baixo e o de cima ele aluga como AirBnB. Contei lá atrás no post, lembra? Então, precisávamos pegar a chave com ele. As mensagens, quem lia para mim era Luiz, porque a cerejinha do bolo é que esqueci de colocar as lentes de contato antes de viajar e nem estava enxergando nada direito! Já quase na rua dele, faltando uns 400 metros para chegar, nosso taxi fica detido, porque havia um carro da polícia parado na frente, bloqueando a rua. Alguns policiais dando uma dura tremenda em um indivíduo! Aquilo ia longe!
Quer saber, estamos próximos do apartamento, resolvemos saltar e fazer o resto do trajeto a pé… na su-bi-da! Sério, para coroar o final da viagem, né? Chegamos suados, com cara de meio mortos, mas chegamos!
Nosso novo amigo e dono do apartamento nos recebeu com um sorriso. Na verdade, se recusou a receber qualquer pagamento, nem para limpeza! Imagina, um prazer ajudar, vocês ficam aqui! Sério, nem tenho palavras! O apartamento uma graça, estava tudo lindo, ele ainda teve a gentileza de deixar comida para o café da manhã, vinho e cerveja! Naquele esquema, relaxa que vocês já tem muita preocupação para resolver. Juro, fiquei emocionada. Não é pelo valor, é pelo carinho e pelo aconchego em um momento de estresse total, e vindo de uma pessoa que mal nos conhecia! Veio como um fôlego, pensei, daqui para frente, tudo só pode dar certo!
No avião, tive uma ideia para retribuir a gentileza. Nosso restaurante favorito em Madri é o El Fogón de Trifón e o Trifón, dono do restaurante, se tornou nosso amigo pessoal. Nessa fase de confinamento, os restaurantes sofreram muito sem trabalhar. Há pouco tempo, ele resolveu fazer entrega a domicílio, coisa que seu restaurante não fazia antes. A gente queria muito prestigiá-lo e senti por ir a Madri nessa correria e não ser possível encaixar uma refeição na nossa agenda. Então, veio a ideia de oferecer um jantar entregue ao dono do apartamento que ficamos. Se a gente não consegue desfrutar, que alguém legal desfrute!
Bom, seria impossível ter uma ótima noite de sono, concordam? Dentro das possibilidades, foi boa sim, mas acordando bastante durante à noite, com medo de perder a hora. A escritura estava marcada para às 11h. Dalí iríamos para o banco, depositar o cheque, passar na companhia de luz para cancelar e seguir direto para o aeroporto. Nosso voo era às 17h e não queríamos chegar depois de 15h em Barajas.
Chegamos cedo ao cartório e eu exercitando toda a minha capacidade de perdoar e tentar não estar de má vontade com o comprador nem com o notário que nos fizeram enfrentar toda essa confusão absolutamente à toa! O importante era resolver.
Confesso que até me surpreendi comigo mesma, porque meu bom humor durante o processo não foi nenhum esforço. Eles não me incomodaram.
Todo mundo de máscara! O notário, de máscara e viseira de proteção. Na mesa havia separações em acrílico, parecia um local de visitas de presídio. Estranho, mas a essa altura, estou achando tudo normal!
E foi tudo certo! Documento assinado e cheque administrativo entregue em nossas mãos. Negócio fechado!
Comentamos que de lá iríamos ao banco, depois à companhia de luz e aeroporto. O corretor pediu que não desligássemos a luz ou seria muito mais complicado religar. Ele mesmo se comprometeu a fazer a transferência de titularidade para a gente. Perfeito! Menos um trabalho e ganhamos tempo!
Aliás, devo confessar que normalmente tenho má vontade com corretor. Acho sempre um valor de comissão exagerado, costumam me encher o saco e muitos deles chegam inclusive a atrapalhar o negócio. Pois paguei com minha língua outra vez! Nesse caso, o trabalho deles valeu cada centavo! Conseguiram um comprador em plena quarentena, no preço que me interessava, deram a maior assistência para gerenciar esse conflito para a assinatura da escritura, me orientaram com a documentação e, ainda por cima, eram legais! Portanto, faço aqui minha propaganda, a imobiliária foi a Tecnocasa.
Bom, fomos direto para o banco depositar o valor. Não sabíamos bem como estariam funcionando, mas foi tranquilo também. Só podíamos entrar de máscaras e luvas. Eles tinham luvas descartáveis para oferecer, mas nós levamos as nossas. Funcionários simpáticos. Nenhum problema!
Na verdade, toda interação que tivemos, com funcionários do banco, motoristas de taxi… qualquer pessoa, foi bacana. Acho que estavam todos carentes de se relacionar socialmente, todos queriam falar qualquer coisa. E sempre com muita gentileza. Lógico que a questão financeira pesa também, mas senti uma vontade genuína da parte deles em se comunicar.
Esqueci de contar outro detalhe, dia 25 de maio foi o primeiro dia da flexibilização da quarentena espanhola, quando parte do comércio pôde abrir, dentro dos protocolos de segurança. Os bares e restaurantes ganharam o direito a abrir suas terrazas, ou seja suas mesas externas, mantendo certa distância entre essas mesas. Ou seja, ainda por cima, tivemos a sorte de estar presentes em um momento tão especial na cidade!
Para quem não conhece Madri, é preciso entender que eles possuem uma cultura callejera muito grande. O povo gosta de passear na rua! Seja para encontrar amigos, para sentar nos bares ou simplesmente andar nas calçadas. É verdade que ninguém no mundo gosta de ficar preso, mas garanto que para um madrileño castizo, é a morte lenta e dolorosa.
Então, imagina um dia lindo e ensolarado de primavera quase verão, quando finalmente o comércio pode começar a abrir e as pessoas, que estavam presas há quase 3 meses, são liberadas para estar na rua! De máscaras, lógico, não importa, porque essa liberdade condicional passou a significar muita coisa!
Havia um clima de otimismo bonito, aquela sensação de haver uma luz no fim do túnel. De saber que o número de pessoas morrendo ou sofrendo diminui a cada dia. A consciência de que dias melhores virão e que, quem sabe, talvez o pior já tenha passado.
Saímos do banco aliviados. Sabíamos que não havia acabado, a volta seria outro desafio. Mas foda-se, na vida não há nada garantido e acho que depois de tudo que havíamos passado, merecíamos um momento de celebração.
E modéstia às favas, tenho essa habilidade de no olho do furacão pedir altas! No esquema: ô problema, espera aí um minutinho que já volto para te resolver! Agora estou ocupada sendo feliz um instantinho!
Checamos a hora, tínhamos algum tempo. Buscamos em volta alguma terraza aberta para comer alguma coisa e desfrutar da rua. Encontramos quase em frente ao banco, um bar de champagne, imagina isso? O que poderia ser mais perfeito para celebrar?
Preciso dizer o que foi que pedimos para tomar? A garçonete numa felicidade contagiante! Mesmo de máscara, podíamos notar seu sorriso largo! Nos disse que era a primeira garrafa de champagne que abriam no bar nos últimos três meses! Celebramos todos o som da rolha, inclusive as mesas ao lado. Da outra ponta, alguma desconhecida me fez um aceno de aprovação e retribuí!
Não sei exatamente quanto tempo ficamos e não acho que era importante, mas aquela sensação que o relógio parou. Ao fundo aquele som de burburinho gostoso, como só em Madri e que me faz sentir tão em casa. Eu nem sabia que tinha saudades nesse nível de detalhes.
Mas nossa saga ainda não havia acabado. Precisávamos voltar para casa. Pés no chão novamente, bora lá!
Pegamos um taxi para o aeroporto, dessa vez chegamos sem afobação. Novamente, entramos em um filme de ficção científica. Nunca vi, nem quero ver outra vez Barajas vazio e triste assim.
Rolou algum suspense, claro, mas não tivemos problemas. Na verdade, a volta foi bem mais fácil. Tem sempre aquele momento tenso de olharem seu passaporte, checarem no sistema e você ficar esperando alguém te perguntar, ué mas você não chegou ontem? Só que isso não aconteceu. Entramos direto, embarcamos e o voo dessa vez estava vazio.
No aeroporto em Londres, por coincidência, o mesmo motorista que havia nos levado foi nos buscar. Bom que assim descobriu que havíamos conseguido chegar a tempo.
Dessa vez, era uma segunda-feira e as ruas estavam bem desertas. Passar pelo centro da cidade e quase não ver ninguém, onde normalmente você nem consegue enxergar a calçada, foi totalmente surreal. Dá um aperto no coração.
Na praça de Trafalgar, um carro blindado dando proteção à distribuição de alimentos. Uma fila longa para recebê-los, com distanciamento entre as pessoas.
Vim lembrando de mim mesma passando por aquelas ruas lotadas em outras ocasiões e nem sei dizer bem o que sentia, não era exatamente saudade, talvez um tipo de nostalgia. Tudo tão igual e tão diferente.
Chegamos em casa, sãos e salvos! Meus gatos bem, sem ideia do tamanho do caminho que havíamos percorrido do lado de fora. Quantas coisas podem acontecer em 24h?
Tomei meu banho, fui dormir completamente exausta! Acordei no dia seguinte mais velha e mais consciente de tudo que passamos e teremos que passar. Não sei o que vai acontecer, ninguém sabe. Sei que não tem volta.
Mas sei o que vi e senti, para o bem e para o mal, e hoje vou escolher o bem. Hoje decido pela esperança em dias melhores e ensolarados, de vento na nuca, som de copos brindando, ruído de gente ao fundo rindo, de estranhos contando suas vidas e da possibilidade de perceber sorrisos atrás das máscaras.
É bom saber que a vida encontra seu curso e que, muitas vezes, verdadeiras sagas acabam bem. Deu tudo certo!
Daí que não se cura vírus com decreto. O COVID-19 não se assusta com berros.
Daí que a gente deveria aprender com a experiência alheia. Quando a economia de todo um planeta é alterada, não pode ser uma simples invenção de algum país.
Daí que é verdade que nem todas as nações podem combater seus problemas da mesma forma. É possível que parar radicalmente o Brasil trouxesse mais destruição. Mas o MÍNIMO que as pessoas precisam ouvir é a verdade, que é uma doença séria e que mata. E que precisa haver algum protocolo de segurança a ser seguido, como o uso de máscaras, luvas ou algum outro tipo de proteção. Não é uma gripezinha e não afeta apenas idosos ou pessoas fragilizadas.
Daí que o resto do mundo está evitando aglomerações, o Brasil está promovendo passeatas, carreatas e manifestações, com apoio do seu principal governante.
Daí que não entender as proporções do alcance desse problema é ignorância. Entender e ignorar é genocídio.
Daí que pessoas inteligentes mudam de ideia, prepotentes e loucos querem apenas ter razão.
Daí que quem tem alguma condição ou melhor informação e pode estar em casa está sendo acusado de covardia ou preguiça.
Daí que o mundo está se unindo para vencer um inimigo real: o vírus! O Brasil está se dividindo e impondo absurdamente uma ideologia e uma classe social a uma doença.
Daí que a população está perdida e desgovernada. Não sabe o que seguir ou acreditar e isso está custando sangue. Tem muita gente morrendo desnecessariamente.
Daí que a imprensa é tendenciosa sim, mas melhor ter alguma que possamos reclamar do que nenhuma. Independente da tendência em que se mostre, o vírus é real, as mortes são reais, não estão sendo inventadas por alguma cadeia de televisão.
Daí que quando se elege um presidente não se assina um cheque em branco. Isso foi dito sobre a oponente anterior e segue se aplicando.
Daí que a independência dos três poderes existe para garantir a soberania de uma nação, não apenas seus próprios privilégios.
Daí que a força militar de um país está para proteger o Estado, não para zelar pelas vontades de uma única família.