Há alguns dias, um amigo me pediu ajuda para editar um texto que ele mesmo escreveu. Deixo claro que era uma edição sobre a forma de escrever, não sobre conteúdo. O texto é um depoimento verídico de uma pessoa que sofre de transtorno bipolar. O que me chamou atenção foi ser a primeira vez que li o ponto de vista de quem tem o problema. O que a pessoa sente, o que passa pela cabeça nos momentos de crise e, o principal, o que quem está de fora pode fazer para ajudar.
A intenção dele em, generosamente, se expor e compartilhar essa experiência é de ajudar outras pessoas que passam pela mesma situação, estendendo-se também aos familiares.
Achei bacana! Acredito que realmente possa contribuir, esclarecer ou aliviar um peso e, por isso, abri o espaço no meu blog para divulgar seu texto. Frisando que não sou profissional na área e o depoimento não é meu. Mas se quiserem fazer alguma pergunta, ele mesmo pode responder nos comentários. Por isso, peço aos meus queridos e queridas leitoras que tentem não julgar, apenas procurem entender um outro prisma da situação. Você também pode ajudar alguém!
Abra seu coração e boa leitura!
“Meu nome é Fernando, tenho 41 anos de idade e tenho uma doença mental, o transtorno bipolar.
Há muito tempo quero escrever sobre isso e tenho adiado. Mas hoje resolvi fazê-lo porque acredito poder ajudar outras pessoas em situação semelhante. É um assunto muito pessoal e que pouca gente que passa efetivamente pelo problema consegue escrever a respeito. Frequentemente, lemos a opinião de alguém que convive ou até parece conhecer a questão. Mas não há nada como a própria experiência para esclarecer o que sentimos e como nos ajudar.
Fui diagnosticado há mais de 20 anos com transtorno bipolar, um dos muitos tipos de depressão. Não sou especialista no assunto e esse não é um texto técnico, mas por sentir na pele tentarei explicar de forma bem simples o que se passa na nossa cabeça e no nosso corpo quando estamos em momentos de crise.
Essa doença mental é marcada por ciclos de mania/hipomania e depressão.
No ciclo de mania/hipomania, os principais sintomas são: hiperatividade, muita disposição, pensamento muito acelerado e sem muita capacidade de raciocínio, irritabilidade constante e insônia. Por conta disso, é comum que a gente se envolva em problemas sérios envolvendo riscos de compras sem controle, comer de forma exagerada, uso de álcool ou drogas, envolvimento frequente em brigas etc. Nem tudo se manifesta de uma vez, nem todas as pessoas tem os mesmos sintomas e a intensidade deles varia entre os portadores. Por isso, o diagnóstico é difícil e, muitas vezes, o tratamento não é o adequado.
Mas vou falar mesmo sobre a depressão, que para mim é muito pior e mais difícil de suportar. E o principal, sozinhos não conseguimos passar por ela.
Então, vamos lá! No momento em que estamos vivendo e convivendo com essa pandemia do Corona vírus, toda nossa rotina foi alterada de forma brusca. Isso faz com que aumente muito a probabilidade de se acionar algum “gatilho”. Gatilho é o termo que os médicos usam quando algum evento cria um caminho ou abre portas para quem tem predisposição à depressão faça com que ela se manifeste. Por exemplo, a perda do emprego, alguma doença, perda de algum familiar, ou até eventos menores podem ser a chave que liga o que até aquele momento estava lá, mas sem se manifestar.
É importante entender que depressão não é um simples tipo de tristeza, não necessariamente tem uma causa concreta, é literalmente uma doença, é um desequilíbrio de substâncias químicas do cérebro. Não é fraqueza, não é escolha e, principalmente, não é falta de Deus.
Vocês não diriam a um diabético, que também tem desequilíbrio na produção de insulina, para pensar positivo, para rezar ou orar e continuar a comer doces e carboidratos descontroladamente ou não usar a medicação. Não vai ficar tudo bem simplesmente se a pessoa mudar a atitude, é um processo químico. É a mesma coisa.
Por que então as pessoas seguem dizendo essas coisas para quem tem depressão ou outra doença mental? É muita desinformação e, infelizmente, leva a preconceitos absurdos. E o mais grave, faz com que quem tenha a doença, ao invés de pedir ajuda, ainda se culpe mais ou se sinta pior.
Para tentar fazer as pessoas que ainda não entenderam que depressão é uma doença mental, tentarei descrever o que sentimos nesse período. Os pensamentos ficam muito confusos, desordenados ou lentos, não raciocinamos normalmente. Nessa fase mais aguda da depressão é difícil escrever, explicar as coisas de forma clara.
É uma sensação de morte eminente, sentimos medo sem motivo, nos assustamos com tudo. A distração e a distância de pensamento fazem isso. É tanta tristeza e uma dor por dentro inexplicável, você não sabe de onde vem. A dor é física, o corpo dói, eu particularmente tenho enxaqueca e dores nas costas tão fortes que, às vezes, não consigo me vestir. O cansaço e o desânimo que sentimos é tanto que o respirar necessita esforço. Nessa época, precisamos respirar fundo, falta ar, a gente se sente um nada, vazio por dentro, um estorvo, um incômodo a todos que nos rodeiam. A única vontade de verdade que temos nesse período é de morrer. Aquela sensação de ter caído num buraco escuro e perceber que de lá nunca mais conseguiremos sair.
Eu não estou exagerando, na verdade, sentir o que sentimos e insistir em continuar demanda muita coragem e força.
Temos necessidade de estar sozinhos, mas não queremos nos sentir sós, precisamos ter em quem confiar. Porque quando começamos a afundar, e a gente afunda, precisamos ganhar tempo e ter alguém em quem nos segurar. A família e os amigos de verdade nesse momento são essenciais. Nunca soltem a nossa mão!
É tanta confusão de pensamento, tantos pensamentos negativos e eles se manifestam aos montes. Não conseguimos controlar, às vezes, conseguimos fugir um pouco, mas não dura muito tempo. Muitas vezes, sentimos inveja, até raiva da normalidade dos outros. E a grande maioria de nós, fica revoltado ou agressivo, responde com rispidez, de forma grosseira, alterada e desproporcional. Tudo fica amplificado! Cria uma revolta que é difícil explicar de onde vem e isso não é proposital, eu garanto a vocês! Perdemos a capacidade de raciocínio, os nervos ficam em carne viva.
Mas sei também que, quem está do outro lado, convivendo com alguém assim, sofre com isso. E acredito que seja difícil entender na totalidade como podem ocorrer tantas alterações. Às vezes, vocês respondem, retrucam e os desentendimentos surgem. Eu não culpo vocês, o melhor seria fingir que não ouve, mas sei que é muito difícil.
Nos sentimos no meio de uma multidão, mas sozinhos, sem nenhum rosto conhecido, sem nenhuma referência, não nos encontramos, não sabemos mais de verdade quem somos.
Para terem uma noção do sentimento de vazio, vou tentar dar um exemplo, quando perdemos uma pessoa querida, ficamos com um sentimento de luto, abre um buraco dentro da gente. Sei que muitos já passaram por isso. A sensação que temos se assemelha a essa perda. Entretanto, é como se não fosse só a perda de uma pessoa, mas de todos que conhecíamos, parece que ficamos sozinhos, sem mais ninguém. Sentimos um vazio, um desconsolo que não acaba e não podemos fugir, não há como se esconder, ela nos persegue. Sinto vontade de chorar e, na maior parte das vezes, faço quando ninguém vê. Sei que isso assusta, causa preocupação, e se você estiver por perto nessa hora, não precisa perguntar, falar nada. Seja apenas o ombro a acolher esse choro, ele é sem motivo, é necessidade de jogar para fora um pouco desse vazio, dessa tristeza que a gente sente e parece que se não fizermos isso, iremos nos engasgar.
Não é fácil para mim escrever sobre esse tema, mas em palavras não sei fazer diferente, nós também nos sentimos assustados, dá medo, e o maior medo é que isso nunca acabe. E a sensação é que nunca vai acabar mesmo.
Na fase da depressão, costumo sentir fome, mesmo depois de acabar de comer, é o tempo todo! Mas descobri, depois de muitas recaídas (lembram que tenho transtorno bipolar, a depressão é alternada em ciclos), que isso não é fome. É a sensação de vazio, de desemparo que dá sinais interpretados de forma errada no corpo. Eu comia. Era uma maneira de fugir do que sentia, ganhava muito peso e depois que o pior período passava, odiava a imagem que via no espelho. Aprendi com muito custo a separar a vontade de comer da real necessidade. Mas eu não consigo me controlar o tempo todo. Minha estratégia foi escolher um dia, geralmente na folga, para saciar o desejo contido a semana toda. E tem funcionado até agora. Atividade física nessa época é fundamental, seja caminhar, andar de bicicleta… enfim, ajuda muito mesmo! Serve para a gente espairecer, esquecer os pensamentos ruins que nós sentimos. Mas é praticamente impossível fazer isso sozinho, preciso de ajuda e ser acompanhado. Sem um grande incentivo, o cansaço e o desânimo tomam conta. Por isso, é essencial que alguém nos apoie nesse momento e, inclusive, serve para nos aproximar, reforça os laços que ficam desgastados. Mais uma vez, a participação da família e amigos é fundamental.
Viram como precisamos de ajuda? Mas não sabemos pedir e nem como. Essa ajuda, esse socorro precisam constantemente partir de quem está à nossa volta. Sentir tudo isso e ficar sem saber o que fazer é complicado, tanto para nós que adoecemos como para quem nos vê dessa forma.
Por isso, caso você conviva com uma pessoa depressiva, é importante estar atento à uma série de mudanças que descreverei agora. Os primeiros sintomas que surgem e são bem visíveis são: apatia, tristeza sem motivo, alterações de sono, apetite, confusão mental, irritação, raiva, muito cansaço e desânimo. Se esses sintomas aparecem sem nenhum motivo aparente e persistem por mais de duas semanas, é hora de investigar.
A ida ao médico o quanto antes é o melhor. É importante marcar o médico e ir acompanhado de alguém de confiança. O diagnóstico precoce é essencial e os remédios para depressão precisam ser administrados de forma gradual. A melhora também é gradativa.
Agora, imaginem desde o acordar até o adormecer se sentirem dominados por esse conjunto de sensações negativas e opressivas, vocês suportariam sozinhos? Seria muito difícil! Espero ter conseguido esclarecer como o apoio e compreensão são essenciais e que trata-se de uma doença como qualquer outra. Uma doença que precisa ser compreendida e, principalmente, tratada.
O respeito é muito importante sempre! Guarde seu julgamento, suas opiniões e crenças para você. Tanto quem está doente como a família que acompanha, estão já muito desagastados, cansados e preocupados. São necessárias uma série de adaptações até a estabilização da pessoa que sofre de depressão. Comentários e sugestões não acrescentam nada, não ajudam.
E para vocês, os amigos e familiares que se encontram nessa situação agora, não desanimem! Tem tratamento, tem solução. Com união, compreensão e principalmente a ajuda de quem está próximo, é possível dar um fim a esse sofrimento. E algo fundamental: nunca abandonem o tratamento depois de melhorarem! A depressão clássica (a mais comum), se não for tratada com acompanhamento contínuo, tem recaídas sérias, que na maioria das vezes são bem mais intensas e de recuperação mais demorada.
Caso você que esteja lendo estiver passando por isso agora, ou se já passou e sentir vontade de me perguntar a respeito, de comentar alguma coisa, compartilhar sua experiência, pode ficar à vontade, estou aqui para ajudar. Caso não queira ser identificado, pode me mandar como mensagem privada que preservo o anonimato sem problema.
Não tenho vergonha, nem receio em me expor. Não me sinto melhor ou pior que ninguém por ter transtorno bipolar e ter passado por várias crises de depressão. A nossa vida é cheia de desafios, esse é mais um, e que só prova o quanto somos fortes e quando estamos unidos, podemos vencer qualquer batalha. E novamente volto a reforçar, nunca soltem a nossa mão, é peso demais pra gente suportar sozinho.Todo mundo, independente de sua condição, precisa de alguém!”