Há alguns dias quero escrever sobre o tema e não sabia como. Em primeiro lugar, porque sou branca. Ainda que meu DNA seja misturado, não faz tanta diferença, minha aparência é européia. Além do mais, nunca passei por nenhum período sério de dificuldade financeira, o que não quer dizer que seja rica, mas definitivamente, privilegiada.
Se me sinto culpada por ser branca e privilegiada? Não, não me sinto culpada. Mas não creio que seja esse o ponto! Nunca foi. O ponto é: o que faço com isso?
Eventualmente, escrevo sobre racismo ou preconceitos de modo geral, quando acho que de alguma forma posso colaborar. Mas dessa vez, me pareceu um movimento diferente, talvez pelo momento em que surgiu. Minha dificuldade é porque estou tentando ainda entender a dimensão dessa questão. Caberia a mim vir aqui e explicar alguma coisa? Porque eu acho que nunca vou conseguir explicar com a mesma propriedade que o faria uma pessoa negra.
Ao mesmo tempo, não acredito que não tocar no assunto ajude. O que fiz, então? Dei um passo atrás e observei. Tentei buscar uma melhor perspectiva, a de quem vive o problema todos os dias.
E acredito que a melhor postura que nós brancos podemos ter nesse primeiro momento é recuar, observar e aprender. Tentar realmente ouvir o que as pessoas pretas estão dizendo. Precisamos falar mais baixo, ou mesmo fazer silêncio e dar voz a quem não está sendo escutado.
Quando a gente diz que “todas as vidas importam, não só as pretas…”, “e a vida dos índios…”, “e o aborto…” ou traz outros temas complicados de preconceito para a discussão, como, machismo, liberdade de gênero etc, estamos na verdade tirando o foco do problema em questão! É lógico que todas as vidas importam! É claro que há outros preconceitos no planeta! Mas não dá para colocar tudo no mesmo pacote e resolver! Vamos por prioridade, por urgência.
Sabe quando você vai para o hospital e entra na emergência? Então, eu mesma estive um par de vezes, em hospitais públicos (europeus). Ninguém vai para a emergência de um hospital porque está feliz ou saudável! Todo mundo ali tem dor, tem incômodo, tem risco… e, certamente, quando estive no banco de espera foi difícil e dolorido. Mas, ao mesmo tempo, tinha a convicção de que não estava correndo risco de vida. De verdade, confiei na triagem que fizeram e, se chegou alguém mais grave que eu, que passe minha frente, foda-se! Problema meu, não tinha espaço para mimimi, eu não estava morrendo, mas alguém podia estar.
Então, queridíssimos, minha vida não é um mar de rosas, trabalhei e trabalho pacas! Ainda que me considere privilegiada, já sofri também, por ser mulher, por ser imigrante… consigo relacionar e ter empatia por quem passa por qualquer tipo de preconceito. Pelo menos, tenho uma ideia do que é. A diferença é a seguinte, uma coisa é eu perder uma vaga no trabalho por ser imigrante ou ter um salário menor que um homem; outra completamente diferente é ter um policial com o joelho na minha garganta! Todos são problemas. Mas qual é o mais urgente? Qual deveria ser a prioridade?
Ficou mais ou menos claro? Desenho?
Não foi um caso isolado. Não foi uma coincidência. Não foi um simples acidente. E a gente não pode mais olhar para o lado, ou apenas pedir paz. Não tem paz sem justiça! Não tem paz com o joelho na sua garganta!
Não há movimento que realmente revolucione sem o apoio de classes dominantes! Eu não acredito, por exemplo, em um movimento feminista que não tenha respaldo masculino. Assim como não vejo possível um movimento anti-racismo ter sucesso enquanto não tiver apoio dos brancos. Ainda que esse apoio não seja total, o que seria utópico, é fundamental que tenha massa crítica! O volume faz muita diferença.
O fato é, como dar esse suporte fora da área de protagonismo ou sem paternalismo? Não vejo outra maneira que não seja: ouve o que eles estão falando, caraca! Sabe o que eles estão falando? Eles estão dizendo: vidas pretas importam!
E, se vidas pretas importam, por que morrem tantas pessoas negras sem a gente se revoltar? Por que a gente olha em volta nas salas de aula das escolas particulares e não acha estranho não haver praticamente ninguém negro? Por que a gente sai para jantar nos restaurantes e não parece esquisito que os negros do local estejam apenas nos postos de trabalho? Por que as cotas são tão polêmicas? Por que a imensa maioria das bonecas são brancas? Quantos super-heróis negros você conhece? E se nada disso te incomodou, você acha que é uma atitude normal? Você realmente acha que não é racista? Você acha que basta simplesmente não ser racista, ou seja, não fazer nada contra? Porque eu só consigo pensar que não fiz o suficiente.
Eu não sei exatamente o que fazer para ajudar, mas de verdade, quero muito. Porque é o mínimo que posso fazer como ser humano. Caso tenha algum leitor preto ou preta, estou aberta a te ouvir e, se isso colaborar de alguma maneira, também disposta a amplificar seu discurso.
Vidas pretas importam.
Como negro que sou, posso dizer que o preconceito racial existe e é muito forte. Na minha infância sofri muito mais preconceito do que agora quando adulto. Isto me faz avaliar que o negro quando bem sucedido, tanto social, quanto financeiramente, fica um pouco branco e com isso é mais fácil a convivência social.
Vou dar dois exemplos de como as coisas acontecem com o negro:
Na infância na rua em que eu morava, as crianças brincavam na rua. Havia uma menina loirinha muito bonitinha e uma vez eu resolvi telefonar para ela, mas não me identifiquei. Conversamos um pouco e eu insinuei que estava interessado nela. Quando ela reconheceu que era eu, disse: “você não se enxerga?” Foi uma experiência terrível.
Minha esposa é branca e quando começamos a namorar há 45 anos atrás, morávamos no Rio de Janeiro e eu tinha um automóvel Maverick do ano. Certa ocasião, fomos à uma loja em Ipanema, estacionamos o carro na rua e ao nos dirigirmos para a loja, passaram por nós duas senhoras e uma comentou com a outra. Ela só deve estar com ele porque ele tem dinheiro.
Muito bom, Bianca. Não sei se você ainda tem FB, mas coloquei um post “na mesma linha” no meu muro. Abraço
Oi, Romildo! Muito obrigadada por seu depoimento, como sempre, pertinente! Concordo com você, acho que, pelo menos no Brasil, mas também em muitos outros lugares, a questão econômica vem primeiro. São muitas camadas de preconceito que precisamos separar e entender, né? Seja bem-vindo aqui e deixo à disposição o espaço para ouvir suas ideias. Beijo
Oi, Pedro! Obrigada! Não estou usando o FB, mas vou dar uma passadinha por lá para ver 😉 Beijo