Mudanças, mudanças e mais mudanças!

Acho que toda viagem que faço, a cabeça é a primeira a ir e a última a voltar. Há sempre esse período limbo onde estou no meio do caminho, flutuando em algum universo paralelo.

Na última noite na França, nosso amigo fez um jantar para a gente, que além de estar uma delícia, ainda serviu para me dar algumas dicas. Sempre é bom ver quem sabe cozinhar em ação, porque todo mundo tem algum truque que não é secreto, mas a gente faz tão naturalmente que não lembra de contar para os outros. Sei que foi a melhor maneira de fechar uma viagem memorável, ao redor de uma mesa bem servida.

Daí vem o que chamo de glamour da volta, que consiste naquela pilha de roupa para lavar, compras para fazer, casa para organizar… enfim, mas não é de todo mau, porque também é um tempo para encaixar a cabeça no pescoço outra vez.

Chegamos em Madri com dias bonitos de sol, algo que aprendi a valorizar já faz um tempo. O céu da Espanha é muito bonito, mesmo quando está frio. Por mais que seja apaixonada por Paris, é impossível não notar que esteve como de costume, com o céu variando em graduações de cinza. Como estava feliz e ocupada, não chegou a me afetar, mas afetou meu gato, que apesar de se comportar muito bem, estava tristinho no final da viagem. Para o Jack, fez falta a luz e mais ainda o Luiz, eles dois me lembram que alguma rotina é importante.

Luiz foi nos buscar e ajudar a trazer a bagagem de mais de 40 dias. Viemos de trem, mais ou menos doze horas de viagem em uma cabine privada. Gostei, apesar de ser menos romântico e mais balançante do que imaginei. Mas preferi do que o avião, que chega tão rápido que não me daria tempo de mudar o canal. Jack não adorou a viagem, mas não causou nenhum problema, ficou grudado comigo praticamente a noite toda. Quando chegou em casa, nosso felino arrebitou logo o rabo, feliz da vida, dormiu praticamente três dias sem parar e quase sem querer sair do quarto. Agora está normal, ronronante, e já encontrou todas as frestas de sol que atravessam o apartamento.

Ainda de Paris, conversei com a amiga imparável que se dizia meio paradinha, temos mais ou menos aquele efeito da pólvora e o fósforo, que isoladamente são quase inofensivos. Enfim, resolvemos que seria bom uma festa para encontrar o pessoal, afinal de contas, não sei o que deu nesse ano, mas cada um foi para um lado diferente do mundo. E por que não outro reveillon?

Então tá, né? Marcado para o final de semana seguinte ao da nossa chegada, o reveillon em fevereiro. Todo mundo de branco, com direito a abrir champagne e pular as sete ondas (pode acreditar, nós pulamos!). Marcamos a festa durante o dia, a partir das 14:00hs, para não assustar muito os vizinhos com a nossa volta.

Pelo meio da semana, descobrimos que precisaremos deixar nosso atual apartamento. Pois é, outro capítulo da velha saga mudança de endereços, pois de uma só tacada aumentarei logo dois na minha lista, o de Paris e o próximo. Tenho que rever minhas anotações para confirmar se iremos para o número 35 ou 36!

Munidos dessa informação e, portanto, menos preocupados em incomodar os vizinhos, o ensaio para a batucada do carnaval foi liberado. Não sei como não fizemos chover nesse dia! Mas que foi uma delícia rever os amigos, isso foi. Infelizmente, o couro do meu tantam amanheceu todo furadinho, acho que alguém batucou com anel, sei lá, pelo menos não afetou o som. Agora precisamos pensar na festa de despedida dessa casa, mas melhor encontrar um lugar para morar antes.

Não está fácil, porque esse apartamento é muito bom e tem uma relação de preço, tamanho e localização quase imbatível. Por outro lado, tem uma coisa que me chateia há algum tempo, ele é objeto de disputa em um divórcio e nós não estamos nem um pouco afim de ficar no meio desse fogo cruzado. Já tivemos que mudar de telefone, já acordei com a polícia na porta para confirmar quem mora aqui, enfim, já deu. Não me apeguei ao local, só estou com um pouco de preguiça para achar outro.

No domingo, logo após nosso reveillon fora de época, não levantamos muito tarde. Um pouco de ressaca, mas nada tão grave, só cansaço mesmo. De qualquer forma, queria passear de carro pela cidade e ver se sentia alguma preferência diferente por algum novo lugar para morar. Chegamos a ver fora de Madri também, pensamos na possibilidade de uma casa mais afastada, considerando que minha carteira de motorista agora é válida aqui. Mas logo no caminho vi que não estou preparada psicologicamente para uma vida não urbana. Acho que estava esperando aquela cidadezinha linda e charmosa do interior da França, coisa que só existia na minha imaginação. Uma parte considerável dos pueblos não tem muito mais charme além do que as pessoas guardam na memória afetiva.

No comecinho da noite, ainda fomos para o Kabocla, no show de despedida de uma amiga que está voltando para o Rio. Mas uma que se vai e nem posso ficar mais triste, é egoísta não querer que as pessoas sigam seus caminhos e já vi tanta gente chegando e partindo. Sinto saudades, mas realmente aprendi que é bom ter amigos espalhados pelo mundo que nem é tão grande assim. Se eles estão bem, por que eu não ficaria?

Definitivamente, esse ano iniciou com um poder de mudança impressionante. Sorte de quem perceber a onda e pular na sua crista.

E falando em comida, onde comer em Paris?

Bom, como boa parte das decisões que a gente toma, onde comer é uma eleição muito pessoal. Depende do gosto de cada um e de quanto está disposto a investir em determinado momento.

No meu caso, que não me incomodo em cozinhar, inclusive gosto e levo jeito, a opção de sair para comer precisa ser boa. Ou melhor ficar em casa!

Acho que boa comida é obrigação em qualquer restaurante. O preço deve variar em função da complexidade do prato, tipo de ingredientes, ambiente em geral, serviço e por aí vai. Ou seja, barato ou caro, um restaurante precisa oferecer uma comida honesta e o preço precisa ser compatível com que se oferece.

Vou começar pelo que não gostei. Le Relais de l’Entrecôte, é uma cadeia de restaurantes, fui no de Montparnasse. Recebi uma boa indicação, vi filas e filas na porta e deduzi que só poderia ser um bom lugar. Fui com a expectativa alta e achei fraco. É assim, primeiro só existe uma opção que é uma saladinha verde meio safada de entrada, o tal do Entrecôte que chegou flutuando em molho e batata frita, que sim estava bem feita. Como sobremesa, a super especialidade da casa, um profiteroles que tinha o mesmo sabor de qualquer outro congelado. Tomei uma taça (não uma garrafa, uma tacinha) de vinho tinto e um café. Saiu por 40 euros! A comida estava ruim? Não, mas não valia esse valor mesmo. Será que dei azar no dia? Talvez, mas não tenho a intenção de voltar para confirmar. 

Então, vamos aos que recomendo, alguns já contei por aqui em algum momento. Pasco http://restaurantpasco.com/ , ótima comida, tradicional com certa criatividade, serviço simpático. Chez Andre, 12 rue Marbeuf, 0147205957, apertado como qualquer bistrot parisiense ainda que o local nem seja tão pequeno, melhor fazer reserva, a comida é ótima e bem servida. Chez Janou, http://www.chezjanou.com/, uma graça, público um pouco mais jovem, mas nada incômodo. Chez Marcel, 7 rue Stanislas, 0145482994, um bistrot mais típico seria impossível, pequenininho, é levado por um casal simpático de senhores, o preço é mais do que justo e a comida é ótima, achei romântico. Les Papilles, http://www.lespapillesparis.fr/, considerado um dos melhores bistros de Paris e acho que com justiça, mantém a informalidade, mas os pratos são mais complexos e muito bem elaborados. Vini Lounge, http://www.vinilounge.fr/, é um bar à vin, modernoso, sempre aberto, bom atendimento, pratos bem cuidados, ótimos vinhos e preço justo. New Jawad, http://www.newjawad.com/, comida da indiana e paquistanesa, para variar um pouco, né? La Place Royale, 2 bis. Place des Vosges, 0142785816, bom, só de ser na Place des Vosges já ganha pontos, mas ainda por cima, a comida é boa e o atendimento atencioso, é correr para o abraço!

Qualquer creperia da rue Monptparnasse, deve haver pelo menos uma meia dúzia. São simples, apertadinhas, baratas e legais. Aliás, qualquer creperia do meio da rua também serve. Aquele crepe quentinho, feito na hora, com o queijo derretendo e uma pimentinha do reino é o céu!

Também como maravilhosamente bem na casa do nosso amigo francês, mas esse, infelizmente não posso recomendar.

A Fábula da Torta de Chocolate

Tenho pensado muito na vida. Essa é minha última semana em Paris, pelo menos, nessa temporada, porque no futuro, nunca se sabe. Daqui levarei mais um idioma (ou uma porta para ele), receitas, sabores, diplomas e novos amigos. Acontece que outra vez, mais do que tudo, levo a experiência, e essa foi das extraordinárias, das que nos viram ao contrário.

Realmente, sinto muito que o mundo não seja justo e nem todos possam ter uma oportunidade como essa. Um pouco pior quem pode e não tem, mas esse não é o meu ponto agora. O fato é que toda pessoa deveria, uma ou algumas vezes, poder parar, sair do próprio corpo, da própria rotina e se olhar por outro ângulo. Não sou o umbigo do mundo, mas não sei compreendê-lo quando não me entendo. E eu vivo me perdendo. Mas sempre volto para casa,  porque lembro que gosto da minha vida. Tenho muito orgulho de conseguir ser feliz ao máximo possível, no limite da estupidez. Eu gosto de ser casada, amo Luiz, sou louca pelo meu gato, acho que meus pais fizeram o melhor que puderam, reclamo do meu irmão mas fico puta se alguém reclama, gosto de ser família, queria ter mais primos, adoro meus amigos e adoro alimentá-los a todos.

Sou do tipo que acha divertido as refeições de família em mesas barulhentas; entendo conversas estridentes a cinco vozes de uma só vez; gosto de imitar meus parentes pelas costas (pela  frente ainda melhor); gosto de crianças que se sujam; gosto de rir em fotografia; gosto de rir; acho gostoso sentir minhas bochechas esquentarem a cada taça de vinho; fico excitadíssima quando descubro um sabor novo e necessito dividí-lo; adoro dar festas em que os convidados se sintam reis. Não é que só goste de gente, preciso de gente! Me ocorreu, de repente, perguntar, mas será que eles precisam de mim? E se precisam, estou fazendo certo?

As coisas não acontecem por um motivo único, é sempre um conjunto de razões que deixa determinado momento mais ou menos propício. Justo ou não, saí de Madri magoada. No fundo sabia disso, mas era difícil admitir, até para mim. Questionei se era boa amiga, boa filha, boa mulher. O que pinto nesse quadro? Que falta faço? Que função tenho? Porque às vezes a gente pensa que está contribuindo e não está adicionando nada a ninguém. O papel de vítima nunca me coube, o mundo não fica inteiro contra você de repente e não estava contra mim, se comecei a vê-lo assim, o problema era meu. Beleza, mas e aí? Ataque de insegurança? Falta de confiança repentina? Crise dos quarenta? Tudo era possível e aos poucos a vida ia se acertando, mas faltava algo para resolver essa questão de uma vez. Ou pelo menos, até a próxima crise.

Quando surgiu a idéia de vir para Paris, mais do que a possibilidade de realizar alguns sonhos, também era uma oportunidade de sair da areia movediça. Não sabia que era movediça quando mergulhei, mas foi minha escolha pular e esse é o preço que a gente paga quando arrisca. Não era toda minha vida, apenas um momento dela, mas difícil, importante e bem mais longo do que imaginei.

E a propósito, se havia alguma insegurança da minha parte, não existe mais. Temporariamente, questionei se deveria acreditar nas pessoas, mas tenho a sensação que elas não deixaram de acreditar em mim e isso fez muita diferença. Às vezes, a gente precisa se ver no olhar do outro para se reconstruir.

Cada final de ano, elejo alguma característica ou objetivo que me guiará no próximo.  Por exemplo, tem ano que acho que preciso exercitar a generosidade, outro a paciência… Geralmente, procuro algo que acredito ter pouco, mas que considero fundamental para evoluir. Esse ano escolhi a coragem. A principal diferença é que pela primeira vez acho que é uma característica inerente à minha natureza, normalmente, nem percebo. Acontece que tudo que não se exercita, se enfraquece, e é de coragem que vou precisar.

Porque quero mergulhar muitas vezes mais e agora já sei que do outro lado pode ser areia movediça. Mesmo assim, vou pular e vou precisar de coragem. Está na hora de ser mais atrevida.

A primeira vez que me dei conta que possuía o tal do atrevimento, foi em uma bronca do meu pai, que nem me lembro mais porque, mas me lembro dele dizer entre outras coisas, que eu era atrevida, mas isso ele não ia tentar mudar, porque era meu. Fiquei meio na dúvida se isso era bom ou mau e por que mesmo eu era atrevida? Ficou registrado o comentário na minha cabeça.

Anos mais tarde, uma história bobinha fez cair uma ficha que me serviu bastante depois. Nessa época, trabalhava em consultoria e estava em um desses eventos enormes para empresas, realizados em hotéis. Na hora do almoço, havia aquelas filas para se servir no buffet, separado entre saladas, pratos quentes e sobremesas. Muito bem, ainda que estivesse concentrada, e como todos meus companheiros de mesa, tentando parecer inteligente e contribuir com alguma opinião profissional interessante, a verdade é que minha antena estava focalizada em uma torta de chocolate ma-ra-vi-lho-sa que havia no fim da mesa. O engraçado é que havia outras tortas ao redor, que me pareciam menos apetitosas, sendo consumidas e ninguém tocava na bendita torta de chocolate. Por mim, ótimo.

Finalmente, lá fui eu e um colega consultor para a fila das sobremesas. Íamos conversando sobre trabalho e tal, eu numa ansiedade infantil de chegar logo na torta, porque a fila era grande e ela podia acabar. Para minha agradável surpresa, ninguém havia ousado tocá-la. Quando chegou minha vez, vi que a torta não havia sido cortada, como as outras haviam, mas a espátula estava ao lado. Fiz o que me pareceu absolutamente óbvio, peguei a espátula, cortei um pedaço e me servi. Meu amigo consultor começou a rir e me disse: mas você é atrevida mesmo! Na sequência, se serviu da mesma torta e me disse que ainda bem que cortei porque ele ficaria sem graça em começar. Imediatamente, comecei a prestar atenção e percebi que não foi um esquecimento ou uma coincidência, era estratégia do buffet. Porque, após essa mesma torta ser cortada, por mim, evaporou e precisou ser reposta. As outras tortas, foram praticamente ignoradas. Ou seja, eles contam com a falta de iniciativa do grupo para equilibrar a saída das sobremesas. Se no primeiro momento a torta de chocolate estivesse cortada, as outras sobrariam muito mais.

Veja bem, o público era de adultos, executivos, de ótimo nível intelectual, os recursos estavam lá e disponíveis. Tudo bem, devia ter meia dúzia que amava torta de limão, outra meia dúzia que nem gostava de sobremesa, mas o fato da torta ter evaporado logo depois me fez pensar que não era por acaso. A maioria das pessoas, por motivos diferentes, não quer tomar a iniciativa. Toda iniciativa implica em um risco, de diferente importância, mas definitivamente um risco.

Moral da fábula: atrevidos eventuamente caem na areia movediça, mas sempre comem o melhor pedaço da melhor torta.

São opções, não há uma mais certa que outra, mas, simplesmente, gosto de torta de chocolate.

Esquentando o umbigo no fogão e ainda por cima gostando!

Engraçado como é diferente a gente fazer as coisas por opção ou por obrigação. O trabalho é absolutamente o mesmo, mas a relação com tempo, com cansaço, com prazer, é totalmente relativa.

Eu odeio acordar cedo com todas as minhas forças, sempre odiei. E cá estou eu, acordando no escuro! Tem gente que simplesmente não suporta cozinhar, erra a água do miojo e sofre quando se depara com essa obrigação. Pois eu escolhi acordar no escuro e sair para cozinhar de propósito!

O primeiro dia do curso na Le Cordon Bleu, amanheceu assim.

(PS: a foto foi tirada às 8:00hs, no caminho. Eu devo ter tacado pedra na cruz!)

Um pequeno detalhe fundamental: era sábado! Um ser humano precisa ter muita vontade para levantar da cama! Mas sim, eu tinha uma vontade danada.

Veja bem, isso está muito longe de ser uma lamentação e é exatamente esse meu ponto. Porque escolhi estar aqui, acho uma oportunidade do caramba e os inconvenientes parecem ridículos perto da recompensa em fazer alguma coisa na qual acreditamos. Qualquer coisa. Não tenho a menor idéia do que vou fazer com essa experiência no futuro, mas nesse momento, me dá absolutamente no mesmo. Em termos práticos, estou no mesmo lugar, sem grandes definições do que fazer da minha vida depois, mas ter essa sensação de motivação outra vez é de um poder gigantesco. Nada que me deixe tão feliz pode estar errado e talvez esse seja um sinal de que pelo menos estou na direção certa. Minha pele mudou, minha cara mudou e, como não poderia deixar de ser, cortei o cabelo. Mulheres que mudam por fora, já mudaram por dentro.

Mais cedo ou mais tarde, outras crises virão, porque a vida é assim. Mas isso não me interessa agora, porque tenho muita coisa para aprender.

E o que há de tão especial nos cursos que estou fazendo? Nada. Não há nada de fantástico ou excepcional, a única coisa é que eu quero muito. Às vezes, a gente se frustra porque tem expectativas surreais em um mundo que é comum. O que faz as coisas extraordinárias é a forma com que a gente olha e o quanto conseguimos experimentar e nos desenvolver com esse conhecimento.

Há algum tempo na minha vida, resolvi eliminar o: sempre quis fazer isso, mas… Nas coisas mais bestas, do tipo “sempre quis tocar percussão, mas meu pai não queria barulho em casa”. Quando me dei conta, havia uma lista enorme de coisas que não fiz por motivos que não existem mais. E não sei porque diabos a gente continua se prendendo durante anos, com pequenos sonhos guardados por impecílios abstratos. Depois é por falta de tempo, ou falta de dinheiro, ou preguiça, ou vergonha, ou um milhão de coisas que poderíamos administrar ou nos planejar. Pequenos sonhos são viáveis e quando alcançados podem trazer realização, confiança e motivação para outras grandes metas.

Nem tudo que queremos é possível, nossos gostos e prioridades também mudam. Mas acho que todo mundo que já quis muito alguma coisa um dia, deveria se perguntar de vez em quando, por que não tentar agora? Não sei para as outras pessoas, mas para mim, cada dia é mais difícil ter um sonho novo para realizar e viver sem planos não é uma boa idéia. Talvez seja um bom exercício começar pelos sonhos antigos.

Eu queria falar francês, queria saber como era morar em Paris e queria ter aulas na Le Cordon Bleu. Há algum tempo, isso seria impossível, ou pelo menos bastante difícil. Mas da última vez em que me perguntei, de repente, era acessível. Então, por que não?

Sobre o curso de francês, já contei um pouco e vai muito bem, obrigada. Hoje vou contar sobre a Le Cordon Bleu. Para início de conversa, e como boa parte das atrações por aqui, são muito mais famosas fora do que dentro da França. Muita gente nem sabe que é uma escola de gastronomia, porque em francês existe o termo “ele(a) é um(a)  Cordon Bleu“, usado para alguém bom em alguma coisa, como um “faixa preta“, usando um exemplo parecido em artes marciais. Mas fora da França, até onde sei, se não for a escola mais renomada, está entre elas.

É um prédio, não muito alto, com jeito de faculdade. A estrutura me pareceu ótima! E achei muito legal ver todos aqueles estudantes uniformizados como chefs, para lá e para cá, com apostilas, jogos de facas, pratos preparados dentro de algum compartimento transparente. De vez em quando, escutei português, os brazucas estão marcando presença. Mas esses são os estudantes dos cursos mais longos, o que infelizmente, ainda não é meu caso.

Nos cursos intensivos, nos pedem para ir de calças e mangas compridas e sapatos fechados. Recebemos um avental, um chapéu descartável e um pano com o logotipo da escola. Ao final do curso, recebemos um diploma.

Certamente, tenho alguma sósia, porque umas três pessoas diferentes me reconheceram de cursos que nunca fiz. Engraçado que no ano passado, no Lenôtre, me disseram a mesma coisa. Espero que minha gêmea perdida seja gente boa e cozinhe bem.

As aulas, pelo menos as que fiz, são dadas em francês e traduzidas em inglês. As turmas variam em uma média de dez pessoas, nem todas profissionais do ramo. Você pode fotografar, ainda que tenha gente que exagere e pareça tratar as aulas como uma atração turística. Uma ou outra foto de recordação, dos pratos que fez, do diploma, vá lá, mas um pouco de simancol ia bem. Não chegou a atrapalhar, mas achei o maior mico. Eu mesma tirei algumas fotos, mas poucas.

Bom, junto com os aventais, nós também recebemos apostilas com as receitas que serão tratadas no dia. O chef, que normalmente só fala francês, dá uma explicação rápida do que se trata, fala sobre os ingredientes e faz uma demonstração. Em seguida, cada um vai para seu posto de trabalho e manda ver! É tudo bem rápido e dá para ter um gostinho da pressão e velocidade de um restaurante. No final do dia, recebemos o diploma e levamos para casa o que preparamos durante as aulas.

O primeiro curso que fiz foi sobre pães. Trouxe para casa pães para um exército inteiro! Não sei como consegui carregar sozinha aquilo tudo. Meu plano inicial era dar algumas coisas para mendigos no caminho. 

Aliás, desculpa, esqueci, Paris não tem mendigo, tem SDF! Algo que traduzido seria como “sem domicílio fixo”. Gente chic é outra coisa, né? Cassilda, toda esquina de Paris tem um SDF, mas nesse dia não havia nenhumzinho de nada! Todos os mendigos da cidade se esconderam e fui toda desengonçada carregando sacola, caixa, bolsa e o escambau para casa.

Fiz um outro curso sobre croustillants salés, não sei muito bem como traduzir, mas são aquelas trouxinhas crocantes recheadas, no caso, com comida salgada. Meu forte costuma ser salgados, doces me aborrecem um pouco.

E na quarta-feira, terei um curso chamado Les Secrets du Chef, que imagino tratar mais sobre técnicas e dicas. Bom que no final há uma degustação, incluindo o vinho.

E agora vou dormir porque estou exausta e amanhã acordo de noite outra vez!

O primeiro dia de aula

Dia 4 de janeiro, segunda-feira, começaram as aulas. No website da Aliança Francesa, dizia que pessoalmente a inscrição poderia ser feita até um dia antes do início do curso. Chegamos em Paris uma semana antes e fomos até lá para fazer a tal inscrição. Para nossa surpresa, estava tudo fechado e, por sorte, consegui entrar no prédio por algum distraído que deixou o portão aberto. Encontramos o vigia, que nos falou que não havia problema, que a inscrição poderia ser feita no próprio dia 4, pois seria o primeiro dia útil do ano para eles.

Bom, essa informação não me deixou absolutamente tranquila, mas se não tinha outro jeito…

Na segunda-feira, acordei bem cedo, ainda estava escuro, me despedi do Luiz que pegaria a estrada de volta para casa pouco depois e pedi um taxi. Era muito cedo e muito frio para caminhar. Esperei pelo taxi poucos minutos na recepção do hotel.

Chega a taxista, uma mulher elegante, negra e toda de negro, com um casacão que ia até os pés e um tipo de turbante bem amarrado na cabeça. Pensei, legal, Madame Matrix vai me levar. Entramos no carro e ela parecia simpática, acho que se eu soubesse falar francês um pouco melhor, iríamos conversando. Ela ligou o rádio em uma estação animada e dava umas dançadinhas nas paradas dos sinais. No intervalo, o programa dava o horóscopo, ouvi o meu: scorpion, no trabalho, tudo se resolverá com bom humor. Então, tá, né? Bianca, positiva, qualquer encrenca na inscrição, bom humor!

Fui pelo caminho observando a cidade acordar e prestando atenção como poderia voltar à pé. E na rádio tocando The Locomotiondo it nice and easy now, don’t loose control… a little bit of rhythm and a lotta soul… so come on, come on, do the locomotion… come on, come on, do the locomotion… come on, come on, do the locomotion with me… Muito apropriado!

Muito bem, cheguei na escola cedo, com aquele friozinho na barriga gostoso e estranho de primeiro dia de aula. Já havia gente na fila, mas fui uma das primeiras a ser atendidas na recepção. Podia fazer minha inscrição na hora, mas antes precisava passar por um teste de nível. Subi rápido com um formulário para a biblioteca e comecei a fazer a prova. A parte de questões objetivas foi razoavelmente simples, mas havia também uma parte escrita. Pensei que poderia fazer melhor, mas ia me tomar muito tempo e já estava perdendo aula. Quer saber, deixei em branco e fui falar diretamente com a pessoa responsável em corrigir o teste e definir em que turma você entra. Para tudo isso você tem que entrar em filas diferentes, com um monte de gente perdida em uma babel de idiomas.

No fim das contas, achei que foi bom ter deixado a parte escrita em branco e ganhar tempo direto com a professora. Porque sou iniciante mesmo, no meu caso não ia fazer tanta diferença. Falando com ela, conseguia me expressar muito melhor. Bom, resumo da ópera, não havia mais vagas para o curso intensivo, que era de 4 horas por dia, todos os dias. Perguntei se havia alguma outra opção, porque gostaria de preencher toda a semana e ela me sugeriu o curso geral, três vezes por semana, 3 horas por dia e adicionalmente dois dias de atelier oral ou escrito. Preferi o atelier oral, duas vezes por semana, 3 horas por dia. Ela me encaixou em uma turma do curso básico, mas que já havia começado antes, ou seja, não era totalmente de iniciantes. Os cursos são dados por semana, começando sempre na segunda-feira. Tudo bem, tendo aula todos os dias, por mim está ótimo! E talvez se tivesse demorado mais na prova não houvesse mais vagas nem para esses cursos.

Com essa etapa terminada, fui para uma outra fila fazer o pagamento e preencher oficialmente a vaga.  E de lá, subi direto para a aula, que já estava na metade.

Entrei mais perdida que cego em tiroteio, mas não demorei muito a me encontrar. Já tentei participar logo de cara, antes que desse vergonha. E a verdade é que a turma era razoavelmente equilibrada. Descobri que tinha que comprar um livro e um caderno de exercícios, mas não foi um problema, fiz isso no intervalo de 10 minutos da aula. Uma aluna italiana, que regula idade comigo, se ofereceu para me mostrar onde comprá-lo. Fiquei feliz por ter alguém me dando alguma orientação e por saber que não seria a única adulta da sala.

Na volta do intervalo, com as coisas mais definidas, pude observar melhor quem eram meus companheiros de classe. As idades são diversas e as nacionalidades também, mas apenas um ou dois alunos pareciam ser menores de idade. Acho que a média está pelos seus 25 anos, com uma ou outra extremidade, como eu, fugindo para cima ou para baixo. A turma do atelier oral é outra, mas o perfil é parecido.

E tem de tudo! Meus colegas dos dois cursos são assim, um brasileiro de uns 16 anos muito bonitinho em férias escolares e que também quer estudar gastronomia; uma italiana simpática, talvez um pouco mais velha que eu, que veio morar em Paris; uma bailarina australiana altíssima, magra e linda de dar raiva que mora aqui há 4 anos e não fala chongas; outra bailarina etíope, que tem um jeito de brasileira e quando a professora disse a ela e a australiana que eram bailarinas, elas mal se olharam; um anão libanês que desce as escadas rápido como um foguete e não entendo como ele consegue; um indiano que não tem nem idéia do que a professora pede, mas seu amigo paquistanês traduz, ainda que ele também não entenda; um americano que vai se formar em comércio exterior, mas trabalha como garçon para pagar os estudos, adora fotografia e tem uma quedinha pela bailarina australiana; uma russa-americana (isso é que é globalização!) com jeito de filhinha de papai, que usa botas Prada, é um pouco fútil, mas de raciocínio rápido e prático;  uma japonesa simpática que mora em Paris há séculos, mas só agora que os filhos sairam de casa tomou coragem para estudar o idioma; uma japonesa modernosa, elegante e inteligente que vai, mais cedo ou mais tarde, conduzir os negócios da família; uma japonesa com voz de piada, maquiadérrima e assustadora; um vietnamita que a professora não entende absolutamente nada que ele fala, mas faz de conta que sim; uma missionária polonesa, estudando para ser freira, que no primeiro dia achei que fosse um rapaz gordinho, mas depois achei simpática e é uma das que fala melhor; uma acho-que-dinamarquesa estudante de MBA que quer trabalhar com moda; uma finlandesa que pinta o cabelo de negro e que usa uma trancinha lateral todos os dias; uma marroquina que não sei o que está fazendo lá, porque fala muito melhor que o resto da turma; uma saudita que vai de véu e tênis… e a cada segunda-feira, a turma dá uma ligeira mudada.

Mas vamos ao que realmente interessa, estou aprendendo. Consigo perceber melhora a cada semana, sinto que se pudesse ficar mais um mês, o progresso seria geométrico, mas acho que sempre é assim. Com dois meses, pensaria que se pudesse ficar três… E estou uma tremenda de uma CDF! Nem na escola fui assim, imagina! Faço os deveres, estudo em casa, participo na aula, tudo direitinho. É uma oportunidade difícil que não quero disperdiçar.

O duro é acordar! Sério, o despertador toca às 7:30hs, mas lá fora é escuro como a noite, não parece nem madrugadinha, é negro! Complicado abrir os olhos, sempre ponho o despertador para mais cinco minutos e acendo o abat-jour, para ir acostumando. Coloco a roupa de cebola, camadas em sua ordem monótona, tudo decidido na noite anterior, quando assisto a previsão do tempo. Quando você mora em países com estações definidas, assistir a previsão do tempo é importante e normal, você precisa decidir que sapatos e casacos usar ou terá problemas bastante desagradáveis.

Sair de casa é um exercício de diciplina, mas depois que clareia, melhora tudo. E foi bom escolher a aula tão cedo ou dormiria toda à manhã. Dessa maneira, posso aproveitar à tarde para aulas de gastronomia, mas essa já é outra história que contarei depois.

O Velho Galego

Da última vez que passei por Sarria, no Caminho de Santiago, chegamos muito cedo na cidade e paramos em uma cafeteria para fazer hora. Entra um senhor  distinto, pelos arredores dos 80 anos, de blazer e cachecol, uma boina bem arrumada e uma bengala conduzida com a naturalidade de quem substituiu o cajado. Viajei na cena lúdica, até que ele inicia a conversa com um conhecido que já estava no balcão, de uma maneira bastante singela. Em um gallego enrolado, disse com a voz rouca a pérola que soou assim: fáá un frii du caraio!

Quase engasguei com o café! Não sei o que esperava que ele fosse dizer, quem sabe um trecho de Cervantes? Mas ele tinha razão, fazia frio. Daí para frente, ele se posicionou ao lado desse conhecido e de tempos em tempos um falava alguma coisa, o outro demorava a responder e essa sequência se repetia alternadamente. A entonação era grosseira e seca, o que parecia uma discussão de gente muito aborrecida. Parei para prestar atenção no que diziam e era algo como: Fulano, pensei em passar na sua casa ontem… E por que não passou?  Você pode passar a hora que quiser, beltrano…

Eles eram amigos, era simplesmente uma conversa. Pela velocidade do diálogo e a quantidade de temas interessantes que diziam um para o outro, fiquei pensando porque se visitariam? O que raio eles iriam conversar? Devia ser a conversa mais monótona do planeta! E ainda por cima, salteada de eternos momentos de silêncio. Mas não demorei a mudar de idéia. É preciso ser muito amigo e ter muita intimidade para compartilhar o silêncio confortavelmente.

E por que contei toda essa história? Porque desde que começaram as aulas, não há um só dia em que não me lembre da sabedoria do velho galego. Primeiro, porque sinto saudade das pessoas que não me exigem explicações, certezas ou genialidade. Mas principalmente, porque a cada vez que coloco meu nariz na rua, que ainda está escura na hora que saio, penso meio desanimada, o que estou fazendo aqui? E a primeira frase que me vem à cabeça é: fáá un frii du caraio!

A lembrança da voz rouca e embolada de avô, me dá vontade de rir e me animo a encarar a neve e o vento congelante. Chego muito rápido no meu destino. Pouco depois clareia e meus dias tem sido muito bons e produtivos.

Tudo bem, fáá un frii du caraio, mas estou aqui, firme e forte.

Reveillon em Paris

No dia 27 de dezembro, logo após o café da manhã, tomamos o rumo para Paris. Precisávamos chegar na cidade até umas cinco da tarde, horário que os donos do apartamento que ficamos sairiam para sua viagem.

Engraçado como são as coisas, custamos a encontrar apartamento para ficar durante o reveillon, chegamos a fechar com dois imóveis, mas sempre acontecia algum problema e furava. Finalmente, um amigo do trabalho do Luiz, que mora em Paris, soube que estávamos procurando apartamento para alugar e ofereceu o dele, gratuitamente, pelo período em que estivesse viajando com a família. Maravilha! Um casal simpático com duas filhas lindinhas e uma gata que ficou em ambiente separado ao do Jack até eles partirem. Não sei se a Mia (sua gata) e o Jack se entrosariam, pareciam tranquilos, mas essas coisas é melhor não arriscar. Esse apartamento fica em Puteaux, a pronúncia para quem fala português não é convidativa (putô), mas a região é uma graça e fica a uma estação de Concorde, já dentro de Paris.

Uma vez instalados, começamos a fazer contatos para saber como encontrar com nosso sobrinho e os amigos. Primeiro encontramos nosso sobrinho, de sangue do Luiz, meu por afinidade. É muito curioso quando a gente conhece as pessoas enquanto são ainda crianças, porque a primeira imagem é sempre muito forte. Luiz, obviamente, o conheceu nenén e eu quando ele tinha por volta de seus 9 ou 10 anos, ou seja um menino. Só nos demos conta da sua idade real, quando ele nos disse que já tem 27 anos! Um homem!

Imagino que seja assim quando a gente tem filhos, não importa a idade que tenham, é muito difícil visualizá-los adultos. Eu já era casada com Luiz e me lembro de escutar meu pai avisar para minha mãe, falando sobre nós e meu irmão: vou descendo com as crianças! O pior é que não era pejorativo, foi absolutamente natural e na mesma entonação que ouvi minha vida inteira.

Mas enfim, achei muito divertido saber que sou tia de um marmanjo! Mas não achei tanta graça assim quando a faxineira que foi fazer a limpeza do apartamento nos perguntou se ele era nosso filho. Caraca, mãe de um cidadão de quase 30 anos, também não me sacaneia,né? Vaca míope!

Continuando, jantamos juntos no León de Bruxelles, conversamos um pouco, depois ele seguiu para balada com os amigos e Luiz e eu ficamos por Puteaux mesmo.

No dia 28, acordamos tarde e iniciamos uma mais ou menos rotina que durou até o reveillon. Os outros dois casais de amigos chegaram de procedências diferentes. Na verdade, um desses casais, ela está passando alguns meses em Paris e ele veio encontrá-la, nós saímos mais com eles. Durante o dia, cada um fazia seu próprio programa e à noite jantávamos juntos. Cada noite um casal deu uma sugestão. Fomos no “Pasco”, no “Chez André” e em um Café muito bonitinho que não lembro agora o nome, mas depois vou revirar meus cartões.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas não conseguíamos decidir onde ir na noite de reveillon. Só uma coisa era ponto em comum, ninguém queria passar na rua, porque na Champs-Elysées é uma roubadaça total! Começamos a ver os preços dos jantares e nada era menos que 160 euros, com direito a uma mera taça de champagne. Havia um par de festas que o preço era razoável, mas sem jantar nem bebida. Fizemos uma conta simples, estávamos em 7 pessoas, se considerássemos esse valor médio por pessoa, dava para tomar champagne até sair pela orelha! Disse que não me importava em cozinhar, a única coisa é que estávamos em Puteaux, um pouco longe. Eles toparam. O trato era jantar em Puteaux, romper o ano por lá mesmo e depois ir para Paris para alguma festa.

Sendo assim, no dia 30 fomos Luiz e eu para as compras e chutamos todos os baldes possíveis! Entre Moët Chandon, Veuve Cliquot, Taittinger e Jacquesson, foram umas quinze garrafas. De comidas, ingredientes para um salpicão de frutos do mar, salmão defumado com diversos molhinhos, salmão enrolado com creme azedo, caviar do enfurecido, folhados de foie gras e de queijo, torta de frango defumado, vários queijos,  pães, torradas e biscoitinhos. Velas para enfeitar, afinal um pouco de charme também conta. Considerando que éramos sete pessoas, pode-se dizer que estávamos mais do que bem servidos.

Dia 31, marcamos de nos encontrar cedo, por volta dàs 19:00hs, para aproveitar tudo com calma e a locomoção ser mais fácil.

A noite foi divertidíssima, pelo menos do meu ponto de vista. Aproveitei para burro! Para início de conversa, não sobrou nem uma garrafinha de champagne para contar história e nos acabamos em um banquete farto e com que havia de melhor. Por volta das duas ou três da matina, não sei exatamente, pois o teor alcóolico já fazia seu efeito, deixamos o apartamento e fomos para a estação de trem, direção Paris.

Acontece que não chegava nenhuma condução, ainda que tivesse sido anunciado que funcionaria por toda a noite. Resolvemos irresponsavelmente, ir de carro. Luiz nunca, jamais, em tempo algum, dirige quando bebe, mas nesse dia, não tínhamos muita escolha. Mais do que isso, precisavam caber sete pessoas dentro do carro! Foi mais ou menos no esquema da piada dos sete elefantes no fusca, três na frente e quatro atrás!

Muito bem, a essa altura, as bolhas da champagne começaram a subir rapidamente. Porque em casa, as pessoas (e eu) estávamos alegres, mas bem lúcidas. Quando a gente saiu, não sei o que raio aconteceu, que fiquei muito para lá de Marrakech! Só me lembro que no caminho fui com nosso sobrinho no colo – sim, havia um homem no meu colo, mas acho que na minha cabeça era o menino, porque nem achei pesado, só lembro que era impossível me mexer –  batendo o maior papo às gargalhadas, até porque ele não estava nem um pouco melhor que eu. No dia seguinte, Luiz me contou que falávamos dele como se houvesse um cone do silêncio à nossa volta e ele não pudesse escutar nada, sentado ao volante justo do lado! Ai, meu Deus, que exemplo!

Enfim, chegamos na tal festa e antes de entrar, um dos casais desistiu e resolveu pegar um taxi. Achei que seria muito improvável que eles conseguissem um taxi ali e àquela hora, mas não tinha muita condição de argumentar com ninguém. Depois, estava em meu planeta feliz e tudo bem! Entramos em cinco pessoas e começamos a dançar em um lugar grande e cheio, era uma festa brasileira.

Na minha cabeça, isso durou uns quinze minutos, mas na verdade, durou horas, porque já saímos com o lugar fechando de manhã. Avisamos ao nosso sobrinho que estávamos indo, ele nos disse que ia ficar com os amigos. É verdade que depois ele esqueceu e ficou nos procurando, mas isso só soubemos no dia seguinte. Realmente, acho que não tinha ninguém muito bem nem falando coisa com coisa.

Próximo passo: achar o carro. Cassilda, ninguém lembrava onde o carro estava estacionado!  Depois da primeira procurada em dois casais, ficamos as meninas na frente do local da festa e os meninos foram atrás do veículo perdido!

Um frio do cão, a gente tentando sentar em um parapeito alto de no máximo uns 10 cm. É lógico que quando conseguíamos subir, escorregávamos em seguida, mas acho que só desisti depois da quarta ou quinta tentativa. E os maridos passando para cima e para baixo e nada do carro! Eu deveria estar achando ruim, mas só conseguia rir da situação absurda. Até que, finalmente, o carro apareceu!

Demos uma carona para esse casal e seguimos para casa. Lembro de olhar o Arco do Triunfo e pensar, nossa, deve estar difícil passar por aí com tanta gente, mas estava absolutamente vazio. Foi quando olhei o relógio e me toquei que passava dàs 6:30hs! Foi só então que percebi o tamanho da noite.

No dia seguinte, ou melhor, pouco depois, uma ressaca daquelas! Além da quantidade de champagne, esqueci completamente de beber água, ponto fundamental para a recuperação. O dia primeiro foi inútil para todos nós!  Mas não me arrependi nem um pouquinho, bebi por mim e pelos meus. Que o ano seja farto, feliz, com a família e com os amigos. Sobretudo com saúde e bom humor para quando as coisas não forem tão bem quanto planejamos. Espero que Iemanjá tenha recebido meu recado e ainda tenha paciência em me esperar para alguma próxima noite de ano novo, em areias cariocas.

Dia 2, limpeza do apartamento, afinal queríamos entregar tudo impecável. Cuido muito bem do que é meu e melhor ainda do que é emprestado, principalmente com tanta gentileza. Deixamos tudo nos trinques e fomos de mala e cuia para um hotel pequeno que gosto muito, o Etats-Unis Opéra, é um três estrelas simples, limpo e bem localizado. Fiquei nesse hotel até o dia 5 de janeiro, quando liberou o apartamento que alugamos por um mês.

No dia 3, foi a primeira leva embora, um casal e o marido da menina que está morando aqui por um período. Pelo menos mais alguém ficou, que bom! Em um futuro próximo nos encontraríamos.

No dia 4, acordei bem cedo, era meu primeiro dia de aula. Despedi do Luiz, porque na volta já não encontraria nem ele nem meu sobrinho que aproveitou a carona para Madri e fez companhia em uma viagem longa de carro. Daí para frente, era Jack, eu e a casa nas costas.

Senti saudade antecipada, não solidão porque sei que Luiz me apoia no máximo que pode. E juntos a gente sempre pode muito mais, talvez seja esse o motivo principal de sermos um casal. Mas era algo que precisava fazer. Às vezes, tenho a sensação que Madri é aquele apartamento bem decorado, confortável, mas com o teto muito baixo. De tempos em tempos, fico claustrofóbica e preciso sair, me alongar, ou começarei a pensar pequeno. Preciso por a cabeça para fora d’água ou me afogo, mas posso chegar longe com um pouco de fôlego.

É bom começar o ano aprendendo e cheia de planos. Alguns deles podem não dar certo, mas não importa, porque é sempre o caminho que interessa e hoje, mais do que nunca, sei disso.

Natal em Grenade sur l’Adour

Dia 24, logo pela manhã, pegamos a estrada Luiz, eu e nosso felino. A previsão era de 6 horas de viagem, que se transformaram em 7, porque um dos pneus furou. Ainda assim, foi uma boa viagem. Jack se comportou melhor do que nunca, quer dizer, ele sempre se comporta, mas dessa vez além disso estava surpreendentemente relaxado, até dormiu.

Nos hospedamos em um hotelzinho que para mim é um oásis gastronômico no meio do nada, chamado Pain, Adour et Fantaisie. O lugar tem mais cara de casa do que de hotel, os quartos são grandes e com vista para o rio Adour. O preço é mais do que razoável, porque o carro chefe mesmo é o restaurante. O cardápio é  baseado em três opções que levam o nome do local, ou seja, há o menú “pain”, o “adour” e o “fantaisie”, que variam em relação ao tipo e número de pratos.

Sempre sento à mesa jurando que vou pedir o menú “adour”, que é o menor deles, ou seja, entrada, prato principal e sobremesa. Mas é sempre mentira. Era Natal e acabei não resistindo, caí na tentação do “fantaisie”, que nesse dia foi o amuse bouche, carpacio de vieiras como entrada, seguido por uma lagosta divina, uma ave de caça como prato principal, queijos, sobremesa, que era um tipo de suspiro em forma de bola recheada com sorvete, café e macarons. Claro, tudo acompanhado dos respectivos vinhos, que vão mudando ao longo do jantar. Isso quer dizer que além da orgia gastronômica de seis etapas mais o café, tomei sozinha o equivalente a uma garrafa de vinho. Arrependimento? Nenhum. E também imagino que nem precisasse dizer que Luiz consumiu exatamente o mesmo.

Achei que fosse difícil pegar no sono depois, mas nada, dormi que foi uma beleza! Verdade que era difícil virar de lado e impossível de bruços, mas tudo bem.

Dia seguinte, café da manhã na cama. Essa é a vantagem de ficar em hotel pequeno, para eles é muito mais fácil levar seu café que montar toda a estrutura no restaurante, portanto, o café no quarto é exatamente o mesmo preço. E vamos combinar, existe luxo maior no mundo do que café da manhã na cama?

Fomos dar uma caminhada pela cidadezinha, simplesmente para ter alguma fome na hora do almoço, porque a essa altura eu era pura gula. E para quem espera algo diferente de comida desse texto, pode esquecer, esse lugar é absoluta e unicamente gastronômico.

Dia 25 de dezembro, o restaurante estava cheio para o almoço. Em princípio, eles não abririam, mas imagino que com a procura eles resolveram mudar de idéia. E mais uma vez, me acabei! Destaco um tipo de maki de homard, ele fez assim, desfiou toda a lagosta, enrolou com uma lâmina de polvo cozida quase transparente e em volta a alga japonesa, o molho levava algo de leite de côco, mas muito suave. Um escândalo! E felizmente, um prato leve. Notei esse ano que ele está com uma tendência oriental, uma cozinha mais fusion. Também comi uma pintade, que parece uma galinha d’angola, recheada de foie gras. Aliás, Luiz pediu a picata de foie gras, o prato pelo qual ele é famoso. Trata-se de 4 escalopes de foie fresco, o básico, mas feito à perfeição. Só porque sou muito legal e para ajudar meu marido que já não tinha mais fome, comi um dos seus escalopes.

Muito bem, o restaurante do hotel fechava nessa noite e eles mesmo reservaram para a gente na cidade vizinha, que é outra chutação de balde gastronômica que estou até com preguiça de explicar. Mas para quem quiser pesquisar, só digo que é em Eugénie Les Bains, e o responsável é o Michel Guerard, papa da nouvelle cousine.

O engraçado é o seguinte, só a gente estava hospedado em Grenade nesse dia, as outras pessoas foram só para o almoço. Simplesmente, quando acabou a função do restaurante, todos os empregados foram embora e ficamos com a chave da porta do hotel! Se soubesse, tinha organizado uma festa e ninguém ia notar! Enfim, foi bizarro e divertido saber que éramos as únicas almas viventes por ali, me deu a maior vontade de ir fuçar na cozinha, mas me comportei como uma mocinha.

Mas voltando ao jantar, na cidade vizinha, o local se chama Les prés de Eugénie e, apesar de tudo pertencer ao Guerard e sua esposa, não é um único hotel. Há a opção de três tipos de hospedagem diferentes e dois restaurantes. lkmjn09———————————————nb                         hjuuuuuuuuu (e esse foi o Jack passeando no teclado, ele também quer participar) Continuando…

Há o restaurante mais tradicional, muito elegante, de comida e atendimento perfeitos! É normal que o próprio Guerard venha à sua mesa durante o jantar. É formal, e ainda que eles não cometam a indelicadeza de exigir, todos ou quase todos os homens estarão de blazer ou paletó. É bastante caro, dificilmente sairá a menos de duzentos euros por pessoa, mas vale cada centavo.

A segunda opção é mais despojada e informal, sem perder uma gota de charme. Se chama La Ferme aux Grives e tem o ambiente de cozinha de fazenda do sudoeste francês. Foi nesse que jantamos no dia 25.  Quando eu disser pelo que sou completamente louca, tarada de pedra nesse restaurante, vai parecer deboche, mas juro que não é. Eles fazem o melhor purê de batata do universo! O simples também pode ser um luxo. Mas vamos do começo, um caldinho de amuse bouche, seguidos por um souflé pequeno com sabor de pão-de-queijo e um embutido fatiado. Na sequência, Luiz tomou uma sopa com vieiras, com base em leite de côco (olha o oriental aí outra vez!), comi um carpaccio de salmão com um molho divino. De prato principal, a tal da pintade temperada com hervinhas frescas e o ma-ra-vi-lho-so purê de batata! O prato do Luiz não ficava atrás, uma carne grelhada com pasta ao queijo gratinada, outra delícia que belisquei. Luiz abriu mão da sobremesa, mas eu não desisto nunca, jamais! Tortinha de maçã quentinha e café.

Voltamos para nosso hotel-fantasma, em comum acordo que no dia seguinte não almoçaríamos nem em Grenade, nem em Eugénie! Não há dieta (nem bolso) que resista!

Muito bem, no dia 26 de dezembro, acordamos e fomos passear em uma cidade próxima, Mont-de-Marsan. Bem bonitinha, pequena, mas com uma estrutura mais que razoável.  Ali realmente só passeamos, almoçamos sem abusar. Compramos uma champagne para os amigos onde ficaríamos hospedados, o dono da loja nos recomendou a Jacquesson, dizendo que não era tão comercial e tinha muita personalidade. Aceitamos a dica, e no futuro próximo, não nos arrependeríamos.

Bom, mas já que não abusamos no almoço… era o último jantar antes de seguirmos viagem, então, dava para fazer mais um sacrifíciozinho, né? Comemos novamente no Philippe Garret, mas dessa vez mantivemos a palavra de seguir o menu “Adour”, com um número de pratos na escala humana. O engraçado é que nesse dia o cardápio estava inspirado na Espanha, é possível que tenha sido por nossa causa, porque viemos de Madri.

Dia 27, pela manhã, deixamos Grenade um pouquinho mais pesados e bem mais felizes.

Direção: Paris!

E lá vamos nós!

Eu e a torcida do flamengo andamos na correria de fim de ano! Não é que me faltassem inspiração e histórias para escrever, faltava era vontade de sentar e me concentrar nisso.

Procurei pensar menos no Natal e todas as suas conotações, algumas que gosto, outras que me irritam. Gosto do pretexto para procurar a família e os amigos, da decoração das ruas e das casas, das luzes e das comidas. Não gosto da saudade. Odeio a culpa e as obrigações.

Às vezes, a gente pensa que está imune, mas uma frase ou um momento podem nos derrubar. Faz umas duas semanas, li um comentário que não era para mim: fulana, vamos fazer as compras hoje à tarde?

Bobagem, né? Mas não faço compras de Natal há anos. Muito menos divido esse momento com alguém. Foi quando me dei conta que há seis anos não passo um Natal em família no Brasil e, portanto, não se justificam as compras. Luiz e eu não temos datas para nos presentear, adultos sem filhos se compram brinquedos durante todo ano. Não vou negar que no início foi um alívio poder estar fora dessa muvuca e exploração que é comprar em dezembro. Mas não sei porque, esse ano me deu saudade de parar e pensar no que dar para as pessoas queridas, o que elas iriam gostar de ganhar?

Não quis fazer festa, não quis cozinhar e não quis chamar ninguém. Acho que foi uma pirraça pessoal, do tipo, se não pode ser perfeito, não quero mais ou menos. Quem sabe estando bem longe, a gente se esquecia um pouco de que dia é. Tenho a tendência a fugir das pessoas na proporção direta de quanta ajuda preciso. Cada um com sua loucura.

A árvore de Natal ficou desmontada sobre a mesa por bem uma semana, toda hora passava por ela e falava sozinha. Para que vou te montar? Nem vou estar aqui mesmo… não tem presentes para colocar embaixo… ninguém vai ver… hsasssgross$%^&… mas anima a casa… Luiz e Jack também são família… tá bom, vai, montei! E gostei, ficou bonita.

Tenho a sorte e a vocação para ser feliz. Ou talvez, seja uma opção.

Amanhã cedo, dia 24, pegaremos a estrada Luiz, Jack e eu. Vamos para Grenade sur l’Adour, em um hotelzinho charmoso e que abrirá no Natal por nossa causa, fica meio escondido na margem de um rio e tem uma das melhores cozinhas do planeta! Sabe o que quero fazer lá? Na-da! Nada de várias maneiras!

Na sequência, Paris. No final das contas, depois do cancela daqui e se enrola dali, um amigo do trabalho do Luiz, que mora na cidade e vai viajar nas festas, nos cedeu seu próprio apartamento no mesmo período. Ou seja, ainda vai sair  “de grátis”!

Bom, nada na vida é tão simples, entre esse apartamento e o seguinte que aluguei para janeiro, há uma diferença de uns 3 dias, onde ficaremos em um hotel. A parte chata é que Jack não vai gostar nada de tanta mudança para lá e para cá, sendo que a última delas, precisarei fazer sozinha, já que Luiz precisa voltar para Madri. Afinal, alguém tem que trabalhar nessa casa, né? Mas tudo bem, também não é nenhuma sangria desatada, só vou parecer uma retirante pelas ruas com gato, mala, caixa de areia etc.

Estou me preparando psicologicamente para frequentar uma classe de francês com uma turma de adolescentes pelas manhãs. Felizmente, imagino que as tardes serão um pouco mais adultas, já que serão preenchidas por aulas de gastronomia. As noites durante a semana serão provavelmente monótonas, mas posso aproveitar para escrever e cuidar do Jack. Vou levar um laptop, mas ainda não sei como funcionará a internet por lá, é sempre um suspense.

E, pasmem, até um telefone celular novo eu ganhei! Quem me conhece sabe que sou um desastre com telefones e que celular para mim funciona como despertador. Há cinco anos uso um pré-pago do tempo das cavernas, com duas teclas, do jeito que gosto, uma vermelha e uma verde, o suficiente. Agora tenho um N97, com tantas funções que imagino que ele seja capaz de passar roupa e dirigir! Mas sabe de uma coisa, bem que estou gostando.

Saber que vou aprender e receber tanta informação nova é muito estimulante. Acho que será bom também um pouco de distância física de Madri, olhar de fora ajuda a por as coisas sob perspectiva. E como digo de brincadeira para “picar” os espanhóis, será bom sair do “pueblo” e morar um tempinho na Europa.

E é isso, povo pelo mundo afora, as próximas notícias serão dadas em solo francês.

Por agora, quem tem família por perto, aproveite a sorte! Quem não tem, amigos também são família. Comam o que é gostoso sem culpa e bebam no limite de não perturbar os outros e sem dirigir.

Feliz Natal!

Tudo certo e nada resolvido, enquanto isso, vamos cantar

Dormimos com tudo reservado, redondinho, acordamos com a resposta do hotel do Natal nos avisando que iam fechar e não entenderam como conseguimos reservar por e-mail; os amigos de Bordeaux resolveram viajar e perguntaram se podíamos ir um pouco depois; e o apartamento do reveillon não aceitava animais. Como assim? Tudo de uma vez!

Felizmente, o apartamento de janeiro, o mais importante e complicado para mim, continua reservado direitinho (isola!).

Achei chato, porque procurar tudo outra vez é um porre, mas não cheguei a me aborrecer. Sei que tem momentos que tudo parece meio esfumaçado e confuso, mas logo o caos vai se organizando e damos um jeito.

Bom, encurtando o suspense, nesse momento, temos hotel novamente para o Natal e o estudio que vou morar em janeiro. Falta achar um lugar para ficar em Paris no reveillon.

O hotel do Natal é em uma cidade pequena no sul da França, em uma região que adoramos e que se engorda um quilo por dia. O plano inicial era de esquiar nesses dias, mas o joelho do Luiz não concordou muito com essa idéia. Portanto, ao invés de queimar calorias, vamos ganhá-las! Na verdade, esse era o problema da reserva, o carro chefe do hotel é seu restaurante, que estaria fechado no dia de Natal. Mas Luiz negociou com eles que podemos comer em outro lugar nesse dia, além de não ser nossa primeira vez no lugar, então, eles abriram uma exceção e dormiremos por lá mesmo.

Quanto a Bordeaux, também sem problemas, vamos direto para Paris. Uma pena não encontrar nossos amigos, mas para o Jack é até melhor ter menos uma parada no caminho. Por mais bonzinho que ele seja e acostumado a viajar, sempre tem um período de adaptação ao lugar que dormimos.

E o reveillon… não sei, mas já veremos.

Enquanto isso, na sala de justiça, ou melhor, na Sala Clamores, na quinta-feira um amigo fez seu show em homenagem a Raul Seixas. Depois do coral, passamos por lá para dar uma prestigiada. Após sua apresentação, abriu-se para uma jam session. Estávamos com uma amiga cantora que me perguntou se topava ir com ela dar uma canja. Eu com uma tosse do caramba, mas pensando bem, por que não? Ainda mais que o microfone principal era dela! E lá fomos Luiz e eu dar uma palhinha.

No sábado, um brunch de aniversário e na sequência a despedida de uma amiga querida, que está voltando para o Brasil depois de amanhã.

A esposa do aniversariante tem uma farmácia e pedi a ela alguma medicação para minha tosse persistente. Ela me deu um xarope daqueles! Bom, tenho uma estranha e divertida reação a xaropes, fico como se estivesse meio bêbada. Não é que potencialize se eu beber, só o xarope me deixa mais alta que algumas doses de whisky. Portanto, em um brunch onde o líquido mais forte que tomei foi um suco, estava larari larará!

A despedida da nossa amiga foi em um bar, o Kabocla. E o pessoal do coral, do qual ela faz parte,  também foi dar uma palhinha antes do show oficial. Cantamos cinco músicas, duas delas, uma surpresa para a amiga que se vai.

Sabendo que ia cantar, queria amenizar a tosse e tomei mais uma dose do xarope. Com a cigarrada que rola nos bares madrileños, é impossível aguentar sem beber e, afinal de contas, caipirinha leva limão, fonte de vitamina C. Ou seja, passei uma noite bastante divertida.

Não sei como raios saiu minha voz no microfone e pode ser que isso seja bom. Mas o importante e que não tossi enquanto cantava. Também batucamos nossos tamborins em duas músicas. Demos umas escorregadas, mas os amigos da platéia, talvez por gentileza, disseram que ficou legal.

Porque estava divertido, ou quem sabe pelo efeito do xarope, a noite passou rápido.

Na saída, nos despedindo do amigo músico, acho que devíamos fazer nosso Natal antecipado, afinal vamos nos desencontrar. Um churrasco de inverno? Talvez. Que dia? Esse não dá… nem esse… nem esse… E amanhã? Amanhã dá!

No taxi para casa, pensei que não tinha carne para churrasco, mas tinha ingredientes para uma feijoada pequena. No mesmo minuto, me deu um desejo incontrolável de comer uma feijuca e assim, acabei a madrugada, dessalgando as carnes.

Domingo, acordei sem um pingo de ressaca, afinal de contas, bebendo muito menos estava completamente alucinada. Econômico esse negócio de xarope! Fui direto para cozinha iniciar os trabalhos.

Estávamos em três casais e uma criança e demos conta de quase uma panela de feijoada. Excelente para o dia seguinte a uma chutada de balde.

Hoje minhas amigas lulus-bruxas vem aqui em casa, é dia de reunião da nossa irmandade das perucas coloridas. O grupo já não é o mesmo, pessoas vão e vem, ainda que todas sejam lembradas nos nossos encontros. Agora mais uma volta para o Brasil e vou sentir saudade, mas não estou triste, porque todo mundo tem seu caminho a seguir.

Ai, chega de 2009 já! Agora quero mais é começar o próximo!

E o fim do ano chegou!

É muito engraçada essa relação que temos com o tempo, às vezes a gente sente a passagem de cada minuto e outras ele voa sem a gente se dar conta. De vez em quando, me atrapalho nos dias da semana, outras fico um pouco perdida entre passado e futuro.

Sei que tudo depende do que estamos passando e isso é relativo entre as pessoas. Uma coisa é fato, não sei que raios acontece, mas da segunda quinzena de novembro até o fim do ano, o tempo dispara para quase todo ser humano.

A noite de reveillon é o fechamento de um ciclo mundial, não há como não nos influenciar, conscientes ou não, existe um grande poder no conhecimento de um fim seguido por um recomeço.

Não sei quantos anos se passaram dentro de 2009, mas sei que fui extremamente feliz e profundamente triste. Saí do olho do furacão, celebrei com a família, cheguei a Santiago caminhando pela terceira vez, fiz 15 anos de casada, tomei sol, organizei churrascos, cozinhei, meu pai teve câncer, me preocupei com minha mãe, senti a probabilidade genética do meu futuro, tive muita raiva, ajudei a ganhar batalhas, não engravidei, me senti sozinha, fui enganada, fui invejada, ganhei amigos, perdi amigos, cortei o cabelo, perdi a paciência, meu gato chegou aos 10 anos, perdoei, fui perdoada, ganhei coragem, fui protegida, esqueci e lembrei de quem sou algumas vezes, bebi mais do que devia, falei mais do que devia, calei o suficiente, comi o que tive vontade, fiz menos sexo do que deveria, tomei vinhos fantásticos, trocamos de carro, quis sair correndo um monte de vezes, quis matar algumas pessoas, senti saudade de muita gente, provei sabores, me entristeci por problemas de amigos, chorei sozinha, comemorei vitórias de amigos, chorei acompanhada, chutei o balde, me acalmei, fiz 40 anos, me fantasiei, viajei, pisei na África pela primeira vez, andei pouco, tive muita preguiça de acordar pelas manhãs, agarrei meu gato, dormi abraçada com Luiz, voltei a ter carteira de motorista, cantei, toquei tambores, fiquei doente de cama, lembrei que tinha um sonho, fiquei eufórica por saber que tinha um plano, corri atrás, fui apoiada… e escrevi tudo para um dia lembrar quem fui. Se der sorte, chegará o momento em que não lembrarei muito bem.

Enfim, chegou dezembro e sobrevivi, se me falta algum pedaço, não faz falta, tenho mais do que preciso. Verdade que menos do que queria, mas isso é sempre assim e talvez seja o que nos mova.

Queria passar esse fim de ano no Brasil, e não porque tivesse presentimentos, culpas ou obrigações, é só porque estava com saudade mesmo. Mas não deu.

Vou ser sincera, não estava no clima de fazer festa em casa, aqui em Madri. Talvez seja porque acabei de fazer uma grande, ou porque gente que gosto não estará, ou só porque é inverno. Meio que deixei o caos se encarregar.

Um amigo entra no MSN, vamos passar o reveillon em Paris, se animam? Vamos traduzir para a língua da Bianca: macaca, quer banana?

Fui conversar com Luiz, com meus 35 argumentos do porquê seria uma boa idéia. Não foram necessários, ele topou de cara. E ainda sugeriu que fôssemos de carro, ficava mais fácil levar o Jack.

Levou meio segundo para pensar, espera aí, quero estudar em Paris no ano que vem, estava na dúvida se janeiro ou fevereiro. Nesse caso, janeiro seria perfeito, porque já estaria lá e ficava de uma vez! Por que não?

Começou a maratona para achar onde ficar, conciliar os cursos… e ainda estou um pouco nisso, toma um tempo danado! Fico vesga de tanto navegar na internet! De qualquer maneira, não tem preço acabar um ano com planos para o próximo.

E o plano A é sair de Madri no dia 24 de dezembro, Luiz, eu e Jack. A noite de Natal será entre nossa pequena família em algum lugar na fronteira com a França. De lá, devemos dormir uma ou duas noites em Bordeaux, na casa de amigos, e seguir para Paris.

O interessante é que depois disso, minha cunhada também se animou a nos encontrar, junto com seu namorado e nosso sobrinho (que falando assim parece um menininho, bom, eu olho para ele e vejo um menino, mas já é um homem). Um outro casal de amigos que mora em Londres também está pensando no assunto. Ou seja, Ano Novo em Paris promete ser bem mais movimentado do que havíamos imaginado e estou achando ótimo.

Pelo dia 28, a gente deve chegar em Paris. Luiz fica até passarmos o reveillon e eu sigo até o fim de janeiro, com o gato a tiracolo. Imagina se ia deixar meu felino! Depois, a idéia é Luiz me visitar nos fins de semana, fora suas viagens a trabalho, seria complicado arrumar um esquema para alguém tomar conta do Jack toda hora.

Dia 4, começo um curso de francês, farei um intensivo de 20 horas semanais. As aulas são diárias, de 9 às 13hs. Putz! Lá vou eu voltar a acordar cedo, mas tudo bem, estou bem animada. E na parte da tarde, cursos de gastronomia. Não tenho tudo fechado, mas já fiz mais ou menos um cronograma do que me interessa mais e em que escolas.

Minha mãe ficou louca para passar uma semana lá comigo. Mas tudo vai depender de como esteja meu pai. Por lá a situação não está ruim, mas difícil. Meu pai agora está fazendo tratamento com Mitocin, ao invés de BCG, vamos ver se reage melhor e não volta a ter novos tumores. Em princípio, isso seria até meados de janeiro. O problema é que a porcaria da bactéria – klebsiella Pneumoniae chama a infeliz – não tem deixado ele em paz e isso está complicando um pouco a situação. Como nada chega sozinho, ontem soube que minha mãe pode ter que operar o menisco, que não é uma cirurgia grave, mas dentro desse quadro é outro complicador. E para ferrar de vez, minha tia, irmã dele, que quebra um galho do tamanho de um bonde, também está com problema nos rins. É um problema antigo, mas agora se aproxima de uma situação limite e talvez precise entrar na diálise. Pausa para um palavrão, puta que pariu três vezes! Já fiquei triste, já fiquei chateada, mas como diria a mãe do Bambi, a vida é assim.

De positivo, acho que a ficha do meu irmão caiu e ele tem apoiado bastante. Tem mais gente na família também que dá uma força e eles tem muitos amigos presentes. Não resolve, mas ameniza.

Quem sabe até janeiro possa dar a notícia que o tratamento do meu pai resolveu, minha tia conseguiu se controlar com alimentação e adiar um pouco mais a diálise, minha mãe descobriu que era só uma inflamação no joelho e todos seremos felizes para sempre!

E a festa de aniversário?

Foi ótima! Começamos encarando logo a sexta-feira 13. Entre estigmas e bruxas, recebemos os amigos.

Confesso que estava um pouco apreensiva, morrendo de medo que desse algum problema com meus pais no Brasil, coisa que  não aconteceu. Gostaria que tivessem vindo e eles também, mas nem sempre a vida é perfeita. Pelo menos, veio meu irmão. E tudo estava dando tão certo, que nem seria justo reclamar.

Com a festa em si, estou acostumada e facilitei minha vida servindo tudo que já podia estar na mesa e tivesse pouca necessidade de manutenção e reposição. Queijos, azeitonas, canapés, caviar, pastinhas, frutos secos… nada que precisasse de pratos, porque não gosto de descartáveis, só uso quando realmente é necessário. Mas nos quarenta, queria um mínimo de glamour, né? Mesmo assim, até o momento do pessoal chegar, fiquei bastante ocupada. De bebida, só servi champagne e cerveja, por mim, só serviria champagne, mas quebrei o galho dos amigos. Luiz e meu irmão, me ajudavam na reposição das garrafas durante a festa. Nesse caso, além das minhas taças de cristal, precisei completar com descartáveis mesmo, paciência. Metade das taças se quebraram durante a festa, mas tudo bem, precisava de mais espaço nos armários e os próprios convidados iam se encarregando de solucionar os cacos de vidro.

Menos mal que dessa vez, liberei os sapatos. Além de frio do lado de fora, única possibilidade para os amigos fumantes, o pessoal vinha fantasiado e sei que às vezes os sapatos também fazem parte do disfarce. Portanto, meu gato ficou preso no quarto até de manhã.

Na decoração, fui ajudada por uma amiga, que também fez o bolo. Tenho vergonha da hora do parabéns, é comum nas festas de aniversário me fazer de morta e não cantar. Mas dessa vez, queria tudo que tivesse direito!

 

Eu queria porque queria me fantasiar de loba! Ao mesmo tempo, não queria usar uma máscara ou um macacão horroroso de pelo, afinal, precisava cumprimentar as pessoas e sair bem nas fotografias. Puxa, queria ficar mais bonita, né? Ninguém merece passar o aniversário fantasiada de saco! Então, acabei improvisando alguma coisa que gostei do resultado.

 

Meu irmão se inspirou na grama artificial usada na sala e se fantasiou de juiz de futebol, dava cartão vermelho para quem não estivesse bebendo.

 

Luiz… bom, Luiz se fantasiou de alguma coisa esquisita, mistura de exorcista, monstro do pântano e um cruz credo! Estava realmente assustador.

 

E assim recebemos as pessoas, que diga-se de passagem, também capricharam nas suas fantasias. Bruxas, elfas, magos, monstros, sol, noite, Fantasma da ópera, Umpa Lumpa, Elvira, hippie, árabes, gnomo, She-ra, borboletas, anjos, vampiros, anos 70, andróide blade runner, cortesã medieval, bobo da corte… teve de tudo!

Convidei deus e o mundo e o destino que se encarregasse de fazer caber em casa. No final, algumas baixas no próprio dia da festa pela gripe que se espalhou pela cidade, uma pena. Vieram por volta de umas 50 pessoas, ando mais seletiva.

A música foi ao vivo, com a Lenna Pablo, que é uma fera! Tocou com o Tinho e o Thiago. Também eram convidados da festa e isso garantiu um som de qualidade excelente e um repertório black que adoro. Tenho outros amigos músicos que gostaria que cantassem também, mas dessa vez não deu.

 

Bom, com esse arsenal, me preocupava um pouco a reação dos vizinhos e tentei amenizar a situação. As janelas foram bem fechadas e o chão todo forrado com a grama artificial da varanda, com borracha embaixo. Pedi para o pessoal fumar e conversar na varanda de cima, que é mais isolada; na da sala, onde ficou a cerveja, o som vai para o quarto da vizinha ao lado. Não sei o quanto isso abafou o barulho, mas o importante é que ninguém reclamou. Provavelmente, além dessas providências, os vizinhos foram tolerantes.

Para mim, a noite sempre passa muito rápido, mas passou e me diverti para burro! Por volta das cinco da matina, uma boa parte dos convidados havia partido, ficou a diretoria. É a hora que me lembro que praticamente não comi durante à noite e, com menos gente para alimentar, lá fui eu para cozinha fazer huevos rotos e calabreza. Sentados no chão, parecíamos em um acampamento, tomamos nosso café da manhã e fofocamos um pouco.

Às seis da manhã, quarenta garrafas de champagne e cento e alguma coisa latinhas de cerveja depois, os últimos convidados partiram.

Luiz e eu fomos limpar o chão de casa e arrumar um pouco a confusão, para poder soltar o Jack. Por volta dàs sete, fomos dormir. Eu já nem conseguia mais pronunciar as palavras direito.

Ao meio dia tocou o interfone. Pulamos da cama de golpe com o coração disparado! Tinha certeza que seria algum tipo de intimação do condomínio para deixar o edifício! Mas eram só flores, um casal que não pode comparecer. Respirei aliviada, ainda que o mundo parecesse do avesso.

Sei que quando fiz 30 anos, contratei um DJ. Quando fiz 40, uma banda. Desconfio que nos 50, melhor contratar uma equipe médica e deixar de plantão!

…e foi mais ou menos assim

Alguém alugando apartamento em Paris?

Queridos leitores,

Estou atrás de um apartamento em Paris para o período de 29 de dezembro de 2009 a 30 de janeiro de 2010. Vocês conhecem alguém que alugue?

Pode ser bem pequenininho, mas precisa ser dentro de Paris, preferência pelas zonas 6 e 14. Também precisa aceitar animais, porque vou levar o Jack, meu educadíssimo gato, com excelentes referências!

Quem puder me ajudar, agradeço muito!

… Marrocos, uma viagem diferente (final)

Chegou domingo, 9 de novembro, meu aniversário! Finalmente, faria os esperados 40 anos! Agora sim, era uma bauzaca que se preze!

Inevitavelmente, às cinco da matina acordamos com a oração, que nesse dia foi especialmente longa, ou assim pareceu.

Nos levantamos por volta das dez da manhã e tomamos um café sem pressa e sem grandes planos. Decidimos caminhar pelas ruas de Marrakech por nossa conta e risco.

A cidade já não me parecia perigosa, havia me acostumado. Mas podia ser bem confusa e não era muito difícil se perder nos becos e vielas, que mais pareciam labirintos sem nomes ou indicações. Nós não tínhamos mapa da Medina, havia um pregado na parede do Riad, o qual demos uma olhada para nos localizarmos melhor. Diferente do que falsamente se prega das mulheres, tenho um excelente senso de direção e detesto perguntar o caminho.

Pois saímos nós três, a pé, em direção à praça Jemaa el fna, principal da cidade. O início do trajeto era fácil, tinha memorizado. Até que chegamos a uma trifurcação. Sabia que o da direita era o caminho do carro, mas pela direção, seria o do meio ou o da esquerda. Começamos no do meio, mas Luiz achou que estava errado, voltou e pegou o da esquerda. Algumas pessoas nos olharam e um rapaz de bicicleta parou e perguntou onde estávamos indo. Nos avisou que aquele era o caminho para o curtume, se quiséssemos ir a praça, deveríamos seguir pelo meio.

O engraçado é que ele olhava para o Luiz com o olhar meio confuso, até que não aguentou e perguntou de onde ele era. Luiz respondeu, brasileiro. Ele sorriu, como quem finalmente entende a charada, dizendo que parecia um marroquino. Claro! Todo mundo achava que Luiz era árabe ou algo do gênero!

Depois desse episódio, acertamos todo o caminho, com meu irmão duvidando um pouco se sabíamos o que estávamos fazendo ou se deveríamos parar e perguntar. Mas Luiz e eu já estamos acostumados a sensação de descobrir trajetos e lugares, o que me parece bem mais divertido que perguntar.

 

É bem provável que a aparência do Luiz tenha nos livrado de um certo assédio. Muita gente reclama de ser abordada ao incômodo pelas ruas e mercados, mas nós passávamos bem tranquilos. Facilitou também estar de óculos escuros. Ao não saberem para onde olhava, não sabiam qual era meu interesse. O que me liberou para observar tudo em volta. Não quer dizer que ninguém falasse conosco, mas nada que fosse realmente desagradável.

Cada vez me sentia mais à vontade na cidade. Gosto de caminhar pelas ruas, e os “souks”, ou mercados, são um capítulo à parte. Visualmente é muito familiar à Andaluzia, sendo que na Espanha as coisas estão mais conservadas. Mas se nota claramente a influência cultural no sul espanhol.

A maioria das tendas é de roupas e objetos de decoração e são muito parecidas entre si. Pelo menos para mim, chamavam mais atenção as lojas de temperos e o aroma que exalam pelas ruas, tudo tem um pouco de cheiro de comida. Há muitos lugares para comer também e estão sempre movimentados, mas não nos atrevemos. Os açougues não tem refrigeração para as carnes, é tudo exposto nos balcões. Passamos por uma loja cheia de pequenos botijões de gás, o que me fez apressar o passo com medo daquilo explodir.

Os gatos passeiam livremente, parecem ser bem vindos. Vi gente alimentando e deixando água disponível. Já os cachoros se vê pouco. Na cultura muçulmana o cão é considerado sujo. O gato pode entrar em casa, o cachorro não.

Finalmente, vi uma roupa que me interessou. Luiz topou negociar para mim, porque eu não tenho o menor saco. Comprei uma túnica branca e prata comprida para usar na mesma noite e uma azul turquesa mais informal. Meu irmão também se animou para comprar para minha mãe e a namorada dele. Servi de modelo para todas as roupas e já não aguentava mais colocar tanta túnica!

É engraçado como prestam atenção em quem está passando pela rua. No meio de tanta gente, tentam identificar quem é da onde e se é um possível comprador. Passamos por um senhor sentado em frente a uma loja, no que ele nos diz em português arrastado: obrigada! Não sei como ouviu nossa conversa, já que nem falamos tão alto assim, mas puxou papo, perguntou da onde éramos e disse que tinha família em São Paulo. Conversamos um pouquinho, ele convidou para ver seus tapetes, agradecemos e nos despedimos.

Uma das coisas que os vendedores tentam fazer é apertar sua mão enquanto você passa na frente da loja. As pessoas ficam sem graça em não retribuir o aperto de mãos e quando você vê, já se envolveu em uma negociação chata. Um único vendedor tentou fazer isso comigo, mas ignorei. Depois, sei que na cultura muçulmana, um homem nunca deve estender a mão primeiro a uma mulher. Logo, também poderia usar a mesma prerrogativa. Luiz vinha logo atrás negando e ninguém me perturbou mais.

Afinal de contas, estava acompanhada do meu marido saudita e era uma moça de família, porque também nos seguia meu irmão. Fiquei de onda com Luiz, dizendo que os “brimos” estavam invejosos porque ele faturou a francesinha, nacionalidade que sempre me atribuem.

Passeamos pela caótica Jemaa el fna, que nesse momento estava até relativamente tranquila. Decidimos comer alguma coisa por ali. No primeiro dia, a guia nos indicou um restaurante na praça, dizendo que era confiável. Sabe-se lá o que isso significaria, mas Luiz achou o restaurante ao lado mais bonitinho. Realmente, parecia melhor, ainda que estivesse um pouco desconfiada. Arriscamos. Meu irmão e eu comemos um macarrão  meio sem graça, mas também sem maiores consequências. Verdade que já não aguentava mais tomar água com gás! Luiz se atreveu em um omelete, possível causador de uma dor de barriga por uma semana. Sobrevivemos, e a vista era ótima.

 

Na saída ainda fomos negociar uma mala para meu irmão, que agora com menos limite de peso por bagagem, precisava distribuir melhor suas coisas. Até que conseguiram bom preço, mais o Luiz, porque meu irmão também não tinha muita paciência para negociar. Eu saía de perto, demonstrando a maior indiferença possível, além de conveniente para mim, poderia servir na negociação.

Tivemos que voltar para o Riad de taxi, meu irmão se recusou a voltar arrastando a mala. Pois lá fomos nós na aventura de nos meter em um taxi, sem taxímetro é óbvio. Até que nem fomos muito roubados, só um pouquinho.

Quase chegando ao Riad, encontramos o gerente saindo, ia buscar as duas espanholas na praça. Perguntou se queríamos ir junto e topamos. Achava divertido andar de carro no meio daquela confusão, principalmente porque não era eu quem dirigia. Antes de chegar em Marrakech, cogitamos alugar um carro, coisa que nesse momento nos parecia a pior decisão do mundo!

Passeamos um pouquinho até encontrar as meninas. O gerente era divertido. Um marroquino muito sorridente, solteiro convicto e de aparente mentalidade aberta. Às vezes me parecia que queria ser amigo, mas tinha um pouco de receio de misturar a relação de trabalho. A simpatia em Marrakech sempre vem acompanhada de uma etiqueta com preço. A dele era natural, mas sabia deixar claro que estava trabalhando.

 

Chegamos todos ao Riad no fim da tarde. Eu me sentia como se morasse ali há algum tempo, havíamos visto tanta coisa. Tomamos mais chá, fumamos a shisha, eu pouco, com medo da alergia ao tabaco.

 

Chegou a hora do jantar e da nossa pequena comemoração familiar. Havia dito ao gerente que era meu aniversário e se ele poderia nos sugerir um lugar especial. Ele nos reservou no “Dar Dif”, não tenho certeza se escreve assim, pois não encontrei referências, mas em árabe “dar” significa “casa” e “dif”, hóspedes.

Vesti minha túnica branca comprida e me senti feliz por estar em um traje marroquino autêntico, quem sabe pareceria um pouco mais local. Na saída do Riad, pela primeira vez me senti observada. Luiz comentou, você está chamando atenção. E eu, mas não faz sentido, justo no dia que me vesti de marroquina? Será que estou vestida de noiva e não sei? Perguntamos ao guia e ele disse que não, era uma roupa de festa normal, bonita.

Bom, não entendemos bem. Talvez fosse o fato dele parecer árabe, comigo vestida com um traje marroquino, é possível que as pessoas esperassem que também usasse um véu. Ou simplesmente tivessem achado a roupa bonita.

Enfim, chegamos ao restaurante e era um lugar bem elegante, um enorme pátio interno coberto e de pé direito muito alto, azulejos em tons predominantemente azuis, chão de mármore, mesas grandes e bem espaçadas umas das outras, o que garantia privacidade nas conversas.

E sim, a recepcionista e todas as garçonetes tentavam falar com Luiz em árabe.

Duas mesas enormes, com mais de dez homens cada uma, parecia jantar de empresa. Fizeram um papel um pouco ridículo durante a dança do ventre. Fiquei na dúvida se estava mais interessados na moça ou nisso demonstrar uns para os outros. Homem é muito bobo! Mas a menina dançava muito bem.

A música era ao vivo e os músicos passearam um pouco pelo salão. O cantor parecia em transe eufórico, o sorriso mais intenso que vi e o olhar de quem estava em outro lugar. Tive vontade de entender o que ele estava cantando.

O jantar foi bem farto e a comida muito boa. Não há muita variação de cardápio, mas o tempero me agrada.

Um pouco depois de terminar, vejo uma mocinha saindo da porta da cozinha com uma torta de aniversário. Frio na espinha, isso só pode ser para mim! Pois é, o gerente do Riad me dedurou e vieram as garçonetes e os músicos cantar parabéns em alguns idiomas. Talvez em outra época tivesse morrido de vergonha, mas a verdade é que curti e aproveitei.

 

Telefonamos para meus pais, que estavam com vontade de estar lá também. Ligamos para uma amiga para acordá-la, ela tem mania de fazer isso com a gente e foi nossa revanche. No mais, curtimos a noite e tomamos champagne.

Pedimos uma champagne árabe, que me pareceu excelente. Na hora de pagar a conta, descobrimos porque. Haviam “substituído” por Dom Pérignon, cujo preço era ligeiramente diferente. Nem quis saber, estava acompanhada de dois cavalheiros e não ia estragar meu aniversário justo no final, que resolvessem enquanto fui ao toilet. Estavam com cara meio aborrecida quando voltei, mas não tive vontade de perguntar.

Em Marrakech, não importa o nível do lugar onde você esteja, é preciso prestar atenção.

Na saída, o gerente do Riad nos esperava. Meu irmão, para variar, queria esticar a noite, mas todos estávamos um pouco cansados e decidimos encerrar por ali mesmo.

Nosso vôo de volta sairía no fim da manhã seguinte. Fui embora com gosto de quero mais, me sentia diferente de quando cheguei ali, literalmente mais velha, mas em um bom sentido.

Os 40 que esperei tanto chegaram, tão longe e tão perto de casa. Da maneira que mereci, sem fantasias, de verdade, com o que é melhor e o que é pior, humano. Ninguém pisa na África e volta indiferente. Mas cada um com sua própria experiência.

Tenho avaliado muito as relações de confiança. Passei os últimos anos forjando minha natureza em confiar nas pessoas e parar de ser tão autosuficiente. Eu realmente me esforcei. Agora já não sei. Sinto falta da sensação de imunidade que dava minha segurança em contar comigo.

Aprendi em Marrakech que tudo é relativo e tem um preço, até os sorrisos tem um preço. Às vezes, é mais honesto que seja em dinheiro.

Gosto das casas com pátio interno, dos riads, de construir meu próprio mundo protegido. Mas sinto muito falta das janelas abertas, caminhar na rua e observar as pessoas. Gosto de gente e que gostem de mim, mas essa recíproca nem sempre é verdadeira. E às vezes detesto gente e as coisas que são capazes de fazer, outras faço pior.

Como diria meu sábio e escatológico amigo, merdas cagadas não voltam ao cú. O jeito é seguir adiante, da melhor maneira possível.

Aprendi também que boa parte das minhas eternas angústias vem da consciência do fato de ter escolha. Eu tenho escolha e isso é muita coisa. Acabei de ver um monte de gente que não tem. Conheço um monte de gente que não tem.

Chegamos em Madrid no dia 10 de novembro, finalzinho da tarde. Cansada, mas feliz. Não deu muito tempo para descansar, nem para absorver tudo que tinha visto e aprendido. Na sexta-feira 13 estava marcada um festão em casa e ainda havia muito que organizar.

… Marrocos, uma viagem diferente (parte III)

No terceiro dia da viagem estava me transformando em uma terrorista! Às cinco da matina queria explodir a torre de onde saía aquela oração infernal! Porra, tem que rezar às cinco da manhã? Não dá para ter fé um pouquinho mais tarde? Calma Bianca, passa a merda do óleo de laranjeira nas têmporas e dorme outra vez!

Na segunda vez que acordei, meu humor estava bem melhor. Já tomamos café com as duas espanholas e assim fomos nos entrosando para seguir o dia. Combinamos com o gerente do Riad, que nesse dia seria nosso guia. Saímos de carro para tentar conhecer o restante dos lugares considerados mais importantes.

Primeiro fomos a zona do curtume. É um lugar grande com vários tanques a céu aberto, onde tratam e tingem couro e tecidos. O aroma é de sangue seco e bosta de pombo, e não é uma maneira figurativa de falar, ambos componentes estão presentes no processo. O que eles fazem é te dar um raminho de hortelã na porta, para você cheirar enquanto está lá dentro. Uma das meninas mal aguentava o cheiro, o restante de nós, ainda que não achando nada agradável, tolerava bem. Na saída, é claro que você é obrigada a visitar a loja de produtos de couro e tapetes. E começa todo aquele lenga lenga de demonstrações e negociação de preço.

 

Seguimos para o Jardim de Agdal. Não se deve esperar vegetação exuberante, nada além de oliveiras e terra seca. Há um palácio, acho que do século XII, não muito bem conservado e um gigantesco piscinão, onde nadam peixes alimentados pelos visitantes. Ainda assim tem uma beleza exótica, muito ajudada pela cor do céu e do reflexo do sol na água. Também se pode ver a cidade de Marrakech de outra perspectiva.

 

De lá, uma das meninas pediu para parar em algum lugar com banheiro e o guia parou em um bar. Obviamente, só havia homens e ela disse que não saltaria sozinha nem morta, no que eu estava de acordo. Paramos todos então para tomar um café. Resolvi aproveitar a oportunidade e ir ao banheiro também. Isso antes de descobrir que se tratava de um buraco no chão, o que me fez desistir no mesmo momento. Na mesa, a gente morria de rir do episódio.

Fomos conhecer o bairro de palmeraie, ou palmeiral. Como o nome indica, é uma zona repleta de palmeiras, ainda que hoje só comporte 1/3 do que costumava ser, a seca foi cruel. Nessa área se encontram uma série de mansões e condomínios de luxo. É ultrajante. Passar por um imenso campo de golf com grama verdinha me deu raiva.

 

Seguimos para o Jardim Majorelle, conhecido como o jardim de Yves Saint Laurent. O lugar é um charme e muito bem conservado, elegante mesmo. E, felizmente, o banheiro era normal. Ali também funciona uma cafeteria/restaurante bem charmoso. Luiz queria almoçar por lá, o que teria sido uma boa opção. Mas havíamos combinado com o guia que nos esperava na porta.

 

Almoçamos dentro da Medina, em um restaurante que combinava comida árabe com italiana. Uma fome de leão!

 

O trajeto feito de carro era uma emoção à parte. Parece incrível ver aquele tumulto de gente, animais, bicicletas, motos, carros, todos ao mesmo tempo e se entendendo com uma naturalidade impressionante. Os espelhos retrovisores são ignorados ou dobrados para dentro, só servem para atrapalhar a passagem e machucar alguém. Sua função é olhar para frente. Ninguém para, um chega para cá, outro para lá e funciona! Não vi um único acidente! Meu irmão e Luiz iam se contorcendo no banco incrédulos, até que resolveram gravar em vídeo a experiência. Não foi das vezes mais confusas, mas dá para ter uma idéia do que se trata.

Pensando que acabou? Nada, nos dirigimos ao Palais Bahia e para as Tumbas. E a essa altura já não aguentava conhecer mais nada!

Mas antes de voltar para o Riad, ainda tínhamos que parar em uma última loja. Não tem como fugir. Essa pelo menos, como era uma loja muito grande, você não era tão assediado. O curioso é que nós três entramos na loja separados das meninas, que pularam conhecer as tumbas. Mas lá dentro, o vendedor vendo que elas estavam procurando alguém, sinalizou que seus amigos, nós, estávamos no andar de cima. Não me pergunte como, mas todo mundo na loja sabia com quem estávamos e onde estávamos hospedados.

Voltamos para o Riad, meio mortos, mas com programação para o jantar. Tomamos chá no pátio para relaxar um pouco e subi para o quarto antes do Luiz.

 

Havia retornado a sensação de incômodo, tinha muitas informações ambíguas de coisas que gostava e outras que detestava. Fiquei viajando com o reflexo da luz fraquíssima de uma enorme lanterna de metal pendurada no teto. O som das orações outra vez invadindo o quarto como um lamento. Cheiro de ervas. Quarto vermelho. Cidade vermelha. Cama gigante. Som dos burros gritando. Rostos cobertos. Sede. Campo de golf verde. Terra seca. Meninos jogando futebol na rua. Cheiro de curtume. Cheiro de hortelã. Tudo muito desigual.

Chegou a hora do jantar e fomos ao Le Tobsil, recomendação de uma amiga. Uma das espanholas foi jantar conosco, a outra preferiu passear sozinha pela praça Jemaa el Fna. Não nos pareceu prudente, mas cada um sabe de si. O gerente do hotel nos acercou ao restaurante. Você não consegue parar na porta, mas quando faz a reserva, uma pessoa vem te buscar no horário combinado.

Então, no horário combinado, lá estava um homem com um manto marrom, que parecia saído de algum filme e nos levaria à sede de uma sociedade secreta. Nos embrenhamos com ele em becos escuros e ruelas suspeitas, até parar em uma porta que se abre ao paraíso. O contraste maluco dos diversos mundos paralelos de Marrakech.

Jantamos em uma mesa coberta por pétalas de rosa e ao som de música ao vivo. Uma voz exótica, que parecia ter duas pessoas cantando na mesma garganta. A saída do restaurante, ajudada pelo vinho, ainda parecia mais mágica que a entrada. O mesmo homem do manto marrom nos levou de volta ao nosso guia. Tudo parecia ir se encaixando.

 

A espanhola havia combinado de encontrar não sei quem em outro lugar, meu irmão ainda seguia animado querendo continuar a noite, o guia, que era o gerente do Riad, topou nos acompanhar, então lá fomos nós para o Le Comptoir Darna.

O lugar fica em um bairro bem diferente de tudo que havíamos visto. Mais moderno, parecia outro país. No andar de baixo, um restaurante elegante, e no de cima um lounge. O gerente do Riad cumprimentou as meninas da recepção e subimos diretamente. Ele parecia conhecer toda a cidade, o que provavelmente era verdade.

A frequência era de estrangeiros curiosos, árabes ricos e suas prostitutas de olhar indiferente. A música altíssima era boa, tocada ao vivo por músicos que passeavam pelo local. Minha garganta ardeu pelo fumo e achei bizarro estar tão menos à vontade ali do que nas ruas misturadas da Medina.

A espanhola foi encontrar seu amigo e ficamos eu, Luiz, meu irmão e o gerente do Riad. Curioso estar acompanhada de três cavalheiros em um local onde os solteiros eram discretamente caçados. Mas ninguém me ameaçou.

Conseguimos uma mesa. Conversar era impossível pela altura da música, a poltrona tremia junto com a batida dos tambores. Em pouco tempo a batida do meu coração acompanhava a percussão e fui ficando claustrofóbica. Luiz e o gerente pareciam cansados, mas quietos, meu irmão em transe absoluto no seu planeta feliz. Impressionado com a música e com a bailarina de dança do ventre, nem notou que havia vários bilhetes de moedas diferentes presos na sua roupa.

Embarco profundamente nos mundos que conheço, e pular de um universo para outro em tão pouco tempo, me deixava confusa. Respirei aliviada quando decidiram ir embora, no mesmo momento que chegava a amiga espanhola, também um pouco aborrecida.

Gostei de haver conhecido o lugar, e todos os outros lugares desse dia. Mas já me fazia falta um pouco de sossego. No dia seguinte, era meu aniversário e o único plano que queria era acordar com calma, ter um dia normal e um bom jantar.

… continua

Essa música tocou no Le Comptoir Darna e meu irmão passou TODO o resto da viagem cantando!

… Marrocos, uma viagem diferente (parte II)

No segundo dia da viagem, acordamos por volta das 9 da manhã. Na verdade, às cinco já havia escutado a primeira oração berrada, mas estava tão cansada que pareceu um sonho.

Contratamos um tipo de mini excursão, uma van nos levou às montanhas para conhecer as cascatas de Ourika. Seguimos em direção ao Atlas, quando descobri que inclusive há uma estação de esqui na montanha mais alta. Pensei que talvez devêssemos ter levado casacos, não havia pensado na mudança de clima pela altitude, mas o guia nos tranquilizou dizendo que a temperatura estaria amena. E estava.

Diferente do que me preocupava, meu irmão estava bem empolgado, feliz por pisar na África. Para mim também era importante, foi minha primeira vez em solo africano e isso me parecia emocionante. Havia a possibilidade de dormir uma noite no Sahara, idéia que não fez grandes ilusões nem no Luiz, nem no meu irmão. Em outras ocasiões, nem cogitaria nada parecido, mas ali fiquei com vontade.

Bom, você contrata só passeios, mas sempre te empurram alguma loja no caminho e você descobre quando já está dentro dela. Isso é um pouco chato, mas você vai aprendendo a se defender. Depois, estava acompanhada não de um, mas de dois cavalheiros, portanto resolvi assumir que estava em uma cultura machista em que ninguém ia me dar pelota mesmo, então relaxei e encarnei a donzela protegida, pronto.

Aliás, isso foi engraçado, tive a sensação de proteção por toda a viagem. Aquele sentimento de que nada de mal pode te acontecer. Meu alerta instintivo para perigos não se disparou uma só vez. Ainda que também não tenha me distraído dos riscos, porque nunca se sabe.

Mas voltando ao passeio, essas montanhas são o território do povo Berbere, cujo nome sempre me soa como uma ilha paradisíaca: Beri Beri, Bora Bora… Enfim, é uma zona pobre, onde as casas parecem camaleões camuflados de terra. A paisagem é bonita e mais verde. Não que seja tão exuberante, mas no contraste chama muito a atenção.

 

Paramos em alguns pontos do caminho. Meu irmão se animou a tirar foto em um camelo, achei divertido, mas não tive vontade de montar em outro.

Também atravessamos uma ponte que devia estar presa com orações, mas a paisagem valia à pena.

Visitamos uma cooperativa de mulheres que produzem produtos de argan, um tipo de amêndoa que só existe no Marrocos e possui várias propriedades medicinais, estéticas etc.

 

Finalmente, paramos para almoçar, em um restaurante recomendado pelo guia. O lugar era simples, mas limpo e a comida gostosa. Não há muita variedade de cardápios, mas de maneira geral, a comida nos pareceu saudável e equilibrada. Comemos ao ar livre e sem pressa.

 

O que não sabíamos é que logo na sequência de um farto almoço, subiríamos a montanha a pé, para ver as cascatas. É tudo assim, você vai descobrindo as coisas no meio do caminho, não é nada muito explicado ou determinado.

Um segundo guia nos foi apresentado, um rapazinho berbere que subia rápido na nossa frente. Bastante simpático e solícito, o que me fez pensar que ao final aquele sorriso nos custaria alguma coisa.

 

Subimos de golpe até as primeiras cascatas, a comida entalada na goela. A quantidade de água não é impressionante, a paisagem é mais bacana. Quando vi a segunda subida cheia de gente se amontoando pelas pedras, resolvi empacar e esperar por eles de onde estava. Eles seguiram e sentei em uma rocha com vista privilegiada. Pelos meus pés passava água da cascata seguindo seu curso para baixo, na lateral algumas árvores e para cima o restante da montanha em pedra cinza, uma árvore enorme chorona bem centralizada e uma vegetação esporádica verde musgo. Não tinha uma máquina fotográfica comigo e a paisagem mais bonita da viagem, talvez de muitas viagens, só existe na minha memória.

Perto de mim, notei uma senhora com a cabeça coberta por véu me olhando de vez em quando, doida para conversar. E eu, que já não gosto de falar com estranhos, sorri. Trocamos meia dúzia de frases em francês, para passar o tempo, e logo avistei o guia com meu irmão e Luiz descendo de volta. Nos despedimos e fui encontrá-los para terminar a descida.

Havíamos decidido dar uma gorjeta ao rapaz no final do trajeto, afinal de contas, nosso passeio já estava pago com tudo incluído, era uma gentileza. Mas pouco antes de encontrarmos nosso guia oficial, ele nos parou e cobrou uma quantidade absurda. Luiz não teve dúvida, ligou para o Riad, conversou com o gerente, que pelo telefone mesmo resolveu o assunto com os guias.

E para quem pensa que depois disso nosso guia oficial se aborreceu, se engana. Foi como se nada tivesse acontecido. Mais tarde, descobrimos que ele e o gerente do Riad eram irmãos. No caminho veio conversando com Luiz em uma língua que misturava francês, espanhol e ruídos, mas se entendiam. Ele (e a torcida do flamengo) achava que Luiz parecia árabe, o que era visto como algo positivo. Vinham os dois no banco da frente cumprimentando o pessoal pela rua.

As montanhas estavam bem movimentadas, durante a semana é parado, eles sobrevivem do turismo nos fins de semana. Passamos por vários quiosques e restaurantes onde só haviam pessoas que pareciam locais. O guia nos disse que eles comem ali  normalmente e não tem nenhum problema. Um turista come e logo passa mal.

 

Na volta ao Riad, ainda paramos rapidamente pela praça Jemaa el Fna para meu irmão conhecer. Mas não demoramos, porque tínhamos planos para o jantar.

 

Foi só o tempo de tomar um banho e descansar um pouco e nos encontramos na recepção. Juntaram-se a nós duas meninas espanholas que já havíamos visto pelo Riad. Simpáticas, logo nos tornamos um só grupo e fomos todos juntos ao Chez Ali.

 

O Chez Ali é um tipo de casa de show que eles chamam de Fantasia. É um complexo que gira em torno de um local onde há apresentações com cavalos e homens armados. Eles recriam um treinamento militar onde os cavalos chegam correndo a determinado ponto e todos os homens devem atirar ao mesmo tempo. Como é um espetáculo, eles também fazem exibições de equilíbrio sobre os cavalos, uma parada com tribos diferentes, cada qual com seus trajes e costumes, e, pasmem, o show culmina com um tapete voador! É um pouco cafonão, mas acho que há coisas que precisam ser vistas pelo menos uma vez. Sabendo abstrair o fato que turista tem que pagar alguns micos, a gente consegue ter uma idéia do que é a vida nas tribos e de como é dura.

 

Meu irmão ainda estava animado para seguir na noite, mas o restante de nós estávamos todos podres. Decidimos voltar para o Riad, tomar chá e fumar a shisha junto com o gerente, que a essa altura, era meio que parte do grupo.

O chá foi comprado por uma das meninas espanholas, com a promessa de ter efeitos especiais, digamos assim. A gente não acreditou muito, mas valia pela gaiatice. O gerente foi buscar sua shisha e fomos nós seis para o pátio interno do Riad. Não demorou muito para nos acabarmos de rir com qualquer bobagem, desde o ronco escutado de um dos hóspedes, afinal, estávamos em uma casa, até as posições engraçadas do gerente fumando, que passou a ser apelidado de homem tartaruga.

Preocupados em estar incomodando os outros hóspedes, perguntamos ao gerente se havia algum problema estarmos ali aquela hora, no que ele, que bem estava se divertindo, respondeu de ombros rindo: náa… estão dormindo! Motivo para rirmos mais meia hora. Pensando bem, acho que o tal chá devia ter algum efeito.

O astral não podia ser melhor, mas o sono estava batendo. Combinamos de sair todos juntos no dia seguinte, não tão cedinho.

Fui dormir exausta, lembrando do primeiro dia, que nem queria sair do quarto. Agora queria que o dia seguinte chegasse logo, ainda tinha muito o que fazer.

… continua

Telaraña no Teatro Lara

Sei que estou devendo alguns textos, é que mal tenho parado em casa, mas pode deixar que já coloco tudo em dia… um dia! 🙂

Porque hoje dei uma passada rápida no blog para fazer a propaganda do show da Vanessa Borhagian. O musical infantil chama-se “Telaraña“, mesmo nome do CD lançado inclusive no Brasil. Será no sábado, 21 de novembro, às 12:00hs. O Teatro Lara fica na Corredera Baja de San Pablo, 15.

Para quem estiver por Madri, recomendo! Além de um programa familiar bem divertido, há várias participações especiais, entre elas a de alguns integrantes do nosso coral, o Dumbaiê.

 

Esperamos vocês por lá!