Blue Eyed – O melhor documentário que já vi

Há cerca de uns 10 anos, morávamos ainda em São Paulo, vi um documentário que me pareceu, ao mesmo tempo, devastador e extraordinário. Devastador por tratar de um tema complicado, o racismo. Na verdade, por extensão, acaba tratando de diferenças, de preconceito de uma maneira geral, machismo, nazismo e outros “ismos”. E extraordinário, porque foi capaz de mudar minha percepção e atitude imediatamente.

 

Depois de tanto tempo, Luiz conseguiu o mesmo documentário através de um amigo. Ontem, o assisti mais uma vez e me chocou igualmente, ainda que soubesse o que seria dito. Agora, além de mais 10 anos de vivência, adicionei as lentes de imigrante, que mesmo não se chamando imigrantismo, traz também essa carga de preconceito e toda a maneira que a gente se comporta com ele. Não somos nada originais.

 

Difícil reproduzir seu conteúdo, reconheço minha incapacidade de passar os detalhes e me dá pena ver algo tão importante virar apenas um texto. Vou tentar, mas realmente recomendo quem possa buscar o documentário original e assistí-lo. No Brasil, sei que passou pela GNT, se chama Blue Eyed. No Youtube, se pode encontrar trechos e referências sobre a experiência de Jane Elliot.

 

Jane Elliot era professora da 3a. Série nos EUA quando Martin Luther King foi assassinado, ou seja, estamos falando de 1968. Muito bem, ela buscou uma maneira de explicar para as crianças brancas o que era racismo e chegou a conclusão que a melhor maneira seria que elas sentissem na pele a experiência. Desenvolveu um exercício que dividia a turma em “olhos azuis” e “olhos castanhos”. No primeiro dia, os “olhos azuis” eram melhores e tinham todo o tipo de benefícios; no dia seguinte se invertia. O resultado, melhor assistir.

É preciso muita coragem para expor as crianças a tamanha crueldade. Em um primeiro momento, imaginei se fosse uma mãe como reagiria. Ao mesmo tempo, pensei que era um exercício temporário e controlado, muito duro, mas algo a ser suportado por um único dia. Sorte a delas, porque as crianças negras suportariam (ou suportam) por anos. Há sensações que podemos ter alguma idéia, mas é impossível realmente entender até calçar seus sapatos.

 

Pois bem, imaginem essa experiência nos EUA dos anos 70, ainda por cima com crianças! A reação foi violenta. O louco e ao mesmo tempo previsível, é que a retaliação não era feita diretamente à Jane, e sim contra sua família. A propósito, ela é branca e de olhos azuis.

 

Ela não parou, felizmente, hoje realiza workshops com adultos e é quase engraçado como se comportam de maneira muito parecida às crianças. É impressionante como ela é capaz de arrasar com a auto estima de adultos barbados em alguns segundos. O assustador é que não é violenta, é uma senhora, simplesmente utiliza mensagens que soam bastante familiares, mas que provavelmente nunca paramos para pensar na avalanche de efeitos em outras pessoas.

 

Daí pensamos, mas eu não faço isso ou não penso assim. A questão é, ok, talvez não, mas o que fazemos a respeito? Um dos pontos que ela coloca é que basta a omissão dos bons para que o mal se perpetue. Uma verdade tremenda! Quantas pessoas que não se consideram preconceituosas sorriem diante a uma piada racista? Para não serem antipáticas? Quantas mulheres contam piadas de loira? Mesmo sabendo que no fundo estão se chamando de burras. Quantos absurdos a gente escuta e aceita com muito pouco ou nenhum questionamento, às vezes repete!

 

Olha que exemplo interessante, dessa vez em relação à imigração. Aqui, uma vez escutei que a reação espanhola aos imigrantes se devia ao fato de ser uma coisa nova, eles não estavam acostumados a conviver com gente de outra cor ou de outras culturas, e que esse processo de adaptação leva um tempo mesmo, é normal. Juro, a primeira vez que escutei isso achei muito razoável! Aceitei. Até que depois escutei mais meia dúzia repetir, e ouvi na televisão, e ouvi da boca de amigos brasileiros… Caraca! O mal já havia se propagado com uma rapidez impressionante, e o que é pior, através da boca de gente boa e que não era preconceituosa. Veja bem, o preconceito na Espanha contra os imigrantes não é ruim, é só porque não estamos acostumados! Ah, bom, então enquanto a gente se acostuma, eles que se mantenham em seu lugar. E assim, a gente se acostuma com eles, mas em outro lugar.

 

Um detalhe, se resolver entrar nessa discussão, pode esperar o chavão clássico seguinte: se não está satisfeito aqui, por que não volta para seu país? Esse para mim é especialmente interessante, porque saiu da minha boca algumas vezes quando decidimos morar fora do Brasil. Caramba, como já mudei a maneira de pensar!

 

Vamos combinar uma coisa, uma imensa maioria de imigrantes hoje legais na Espanha já estavam no país antes, simplesmente eram ilegais. A falta de direitos os deixava invisíveis? O espanhol só percebeu que eles estavam aqui depois da legalização? Eles trocaram a cor da pele ou mudaram o sotaque depois? Ui, tem um negro do meu lado! Como ele é diferente, não tinha notado… Ah, vá a merda, né? Não parece um pouquinho conveniente? O argumento sobre o processo de adaptação é verdadeiro? Claro que sim, em parte. O problema é que existe uma série de aberrações e mentiras pregadas com partes de verdade. Isso acontece só na Espanha? Claro que não, é só outro exemplo. Acontece em qualquer país, no trabalho, na sua casa e na minha também.

 

Não estou segura se sei o que fazer, mas não fazer nada parece ser uma péssima opção. Um outro questionamento que a Jane lança é sobre um pastor luterano que, na época do nazismo alemão, diz algo como “primeiro eles vieram atrás dos judeus, não fiz nada, não era judeu. Depois vieram atrás dos homossexuais, não fiz nada, não era homossexual. Depois vieram atrás dos ciganos, não fiz nada, não era cigano. Um dia vieram atrás de mim e não havia ninguém para me ajudar”.

 

O poder está nas mãos de muito poucos e é bem provável que não seja nas suas. Portanto, melhor pensar duas vezes com quem se aliar e no custo de nunca ajudar. E muito cuidado, ajudar não é infantilizar, não é fazer caridade. As pessoas respondem de acordo como são tratadas.

 

Um pouco de esperança também, porque havia um detalhe no documentário que me pareceu uma luz no fim do tunel. Um dos participantes se sente impotente e em dúvida sobre a possibilidade de se mudar uma realidade injusta. Bom, naquele dia as pessoas mudaram suas percepções, eu mudei, Luiz mudou, portanto é possível.

 

E olha que interessante, acredito que isso fosse por volta de 1996, porque se falava na candidatura do Colin Powell. A Jane questiona se os EUA estavam preparados para eleger um presidente negro e uma vice-presidente mulher, e parecia impossível!

 

Pois é, parecia.

PS: Esse é um pequeno trecho do documentário, quem se interessar, sugiro assistir até o final. As outras partes também se encontram no Youtube.

Mundo pequeno de encontros e desencontros

Tivemos hóspede nos últimos dois dias, um amigo francês que morou muitos anos no Brasil.

 

Nos conhecemos em Paris, depois de uma trajetória interessante. Quando morávamos em São Paulo, ele era amigo próximo da nossa família paulista, mas já havia se mudado de lá. Acontece que não havia um jantar (e olha que foram muitos!) que nós estivéssemos na casa desses amigos em comum que seu nome não fosse citado de alguma maneira.

 

Um dia, falei brincando, gente não é possível, essa pessoa existe mesmo? Porque ele parece uma entidade! Nunca está pessoalmente, mas sempre está entre nós! Estava começando a acreditar que ele era meu amigo também e nunca o havia visto!

 

Um belo dia, fomos de férias para a França, passar um mês rodando de carro pelo país. Levamos seu telefone para nos encontrar por lá. Não me lembro que raios aconteceu, mas a gente se desencontrou em Paris. Entretanto, nos falamos por toda a viagem por celular, com ele nos dando dicas ótimas de onde jantar, o que fazer etc. Ou seja, deixou de ser uma entidade para ser uma voz!

 

Trocamos e-mails, telefones, sempre sabíamos notícias uns dos outros através dos amigos paulistas. Mas pessoalmente que é bom, nada!

 

Finalmente, deve ter uns dois ou três anos, nos encontramos em Paris. Uma felicidade, porque estava começando a imaginar que ele era o Charlie das Panteras ou algum espião internacional! Brincadeiras a parte, nos demos bem, talvez porque já fôssemos amigos por osmose.

 

Muito bem, o mundo dá muitas voltas e a filha dele veio morar onde? Em Madri, é claro! Consequentemente, ele quis vir até aqui para encontrá-la e queria nos apresentar. Nós, que já gostamos de conhecer gente, topamos logo e oferecemos para ele ficar aqui em casa se quisesse.

 

Como não poderia deixar de ser, isso foi há meses! Toda vez havia algum imprevisto e a viagem era adiada. Quando estávamos viajando de férias agora para Andalucía, ele telefonou. Ai, meu deus, não estou acreditando que ele irá para Madri conosco viajando! Outra vez, isso parece piada! Mas não, era só para confirmar a data, que felizmente, já estaríamos de volta.

 

No final, deu certo e foi bastante divertido. Conhecemos sua filha, e acabou rolando a maior afinidade também, tudo indica que seguiremos a nos encontrar. Olha que engraçado, ela vai trabalhar literalmente atrás da rua onde moramos!

 

Pontos em comum? Um que, hoje em dia, é primordial para que uma amizade floreça: gostar de comer bem! Não preciso nem dizer que chutamos todos os baldes, né? Gastronômicos e etílicos!

 

Resultado, estou me programando para ir com Luiz até Paris em outubro, comer um prometidíssimo foie gras definitivo! Na verdade, tenho certeza que foram prometidas outras iguarias que adoro, mas depois da quinta garrafa de vinho, não consigo me lembrar mais quais eram!

Língua ferina e politicamente incorreta

Quem fala o que quer, ouve o que não quer, já diz o ditado. Um ditado bastante verdadeiro, no meu entender. Eu não gosto de ouvir qualquer coisa, e portanto, fui aprendendo a segurar um pouco a minha onda. Nem sempre consigo, pelo menos tento. Mas, às vezes, fico pensando onde está o limite entre o respeito e a omissão.

Sorte ter um blog, me dá a oportunidade de colocar quase tudo para fora sem grandes censuras, pelo menos que tenha consciência, porque nossas verdades podem ser bastante seletivas. Conto a verdade que lembro ou interpreto, mas sempre há muitos lados inaceitáveis em sã consciência.

Noto que cada vez mais penso duas vezes em escrever ou dizer alguma coisa e não tenho certeza se é por respeito ou por falta de vontade em comprar uma briga. Sou boa em brigas, ou acho que fui um dia, a raiva me deixa forte pacas, diferente do que se prega. Não me lembro em que momento cansei delas e me bate a dúvida se foi maturidade ou descrença que me levassem a algum lugar. Ou talvez duvide que seja mesmo tão forte assim. É mais agradável acreditar que foi sabedoria.

E por que tenho que dar minha opinião? Por que quero tanto entender gente? Por que vivo na eterna incoerência de saborear a ignorância, adorar o sabor que tem, e mesmo assim não conseguir provar o prato pela segunda vez.

No ano passado aconteceu algo incrível, tomei fôlego de otimismo, coragem e apostei no futuro e nas pessoas. Na verdade, foi ao contrário, tomei a decisão que apesar dos pesares, tentaria ser mãe. E acho que essa realidade só era aceitável em um mundo melhor. Portanto, resolvi ver o melhor do mundo.

Minhas opiniões não mudaram, continuei achando mulher grávida horrorosa. Essa sensação que a mulherada descreve de ter uma vida dentro e tal, para mim é como ter um alien que explodirá a qualquer momento. Acho parto natural uma selvageria, mil vezes as drogas fortes e uma cesariana. Amamentação me dá nervoso. Detesto quando minhas amigas resolvem amamentar muito à vontade na minha frente, preciso fixar meus olhos no horizonte! Acho que trocar fralda deve ser insuportável, nunca troquei nenhuma na vida! Não gosto de acordar cedo. Não quero perder a prioridade para sempre.

Seria capaz de passar por cima de tudo isso? Seria. E não acho que seria uma mãe ruim.

Mas quando não é para ser, não é e pronto. Não vou carregar mais comigo a culpa e a dúvida de nunca haver tentado. Isso é um alívio.

A questão é, que da mesma maneira que o mundo precisou ficar melhor antes, agora não precisa mais. O mundo é o que é, as pessoas são o que são. Eu também não sou toda boa e ando bastante amarga, mas não estou triste. Talvez tenha cansado de forjar minha natureza. Nesse momento, ser uma pessoa melhor não me leva a lugar nenhum.

Pode ser a crise dos 40, que não é exatamente uma crise, mas um momento, um marco. Você tem conhecimento e maturidade suficiente para arrancar, teoricamente ainda tem saúde e tempo, mas também tem a consciência que se não for agora, dificilmente será depois ou será bem mais difícil depois. E para que lado eu arranco?

Sei um monte de coisas, aprendi um monte de coisas, vivi um monte de coisas, o que faço com tudo isso agora? Eu sei que o importante do caminho é o trajeto, mas não compensa caminhar a esmo.

Tenho pensado seriamente em voltar para negócios. O foda é esse verbo, voltar. Tem um sabor estranho e contraditório, porque por um lado, me dá uma meta, alguma coisa que sei fazer, ou acho que sei. Por outro lado, é como se decidisse jogar a toalha, admitir que a vida é essa, não há outros caminhos, sonhos são bobos. E talvez sejam. Eu sei que se despertar a konga, mulher gorila, vai ser complicado controlá-la outra vez.

Posso tentar algo novo, sempre posso tentar, mas tudo tem seu preço e risco.

Posso continuar igualzinha, minha vida não é ruim. Não se pode dizer que não aproveito. Pois até nisso notei diferença. Ando mais seletiva, desconfiada. Não sou cega nem ingênua, sabia dos problemas antes, mas estava tão tranquila no meu escudo protetor que relevava. Repito sempre que o melhor amuleto que uma pessoa pode levar é a crença que nada de mau pode acontecer.

Meu círculo social está se alterando, levei um tempo para entender o que me incomodava. Existe um problema sério com grupos, um ciclo cruel e repetitivo. No primeiro momento, as pessoas se juntam por objetivos comuns, é aconchegante e divertido. Logo, sentem a necessidade de garantir seu status quo e se protegem. E aí é que mora o perigo, é muito comum que essa proteção seja feita por exclusão. Esse é o berço do preconceito. Não posso aceitar essa postura, é humana, mas não quero ser conivente. Se acho que as pessoas fazem isso em plena consciência? Nem sempre, mas não importa, o resultado é o mesmo, ainda que a intenção não seja.

E será que também não excluo? Será que também não sou preconceituosa? Eu sei que sou cruel, mas não sei qual é o meu limite. Sei que não sou psicopata porque sinto empatia, me arrependo. Perdôo, ainda que por egoísmo. O que me faz mais humana, errar ou acertar?

Por que insistimos em organizar um mundo que parece completamente fora de ordem?

Saúde em Madri (ou a falta dela)

Aprendi a não confundir longevidade com saúde pública. As pessoas aqui vivem mais porque ficam menos doentes e não porque os médicos sejam bons.

 

Há duas questões principais, uma é cultural, mas a outra, vai me desculpar, é falta de conhecimento mesmo.

 

A cultural eu tolero, porque não há outra maneira, mas não se justifica. Essa lógica literal e restrita, até aceito. Mas quando as pessoas se sentem o máximo em suas conclusões pequenas, realmente me irrita. E ainda te tratam como se fosse você que não tivesse entendido bem, sem perceber que você já seguiu a larga distância.

 

Se você se intimidou daí, se ferrou, mas se cutucar um pouco mais e começar a questionar, descobre que muitas vezes esse pseudo mau humor e firmeza escondem uma tremenda falta de visão. Não sabem a resposta? Falam bem alto e  firme o que sabem (ou acham que sabem), mesmo que seja o óbvio e não tenha a ver com o que você precise. O problema é que esse comportamento, que pode ser engraçadinho em um bar, se repete nos hospitais, e isso é inaceitável!

 

Já contei o absurdo que foi o atendimento ao meu pai em três hospitais madrileños diferentes e “bem conceituados” por essas bandas. Cheguei ao cúmulo de optar por levar um senhor de 70 anos, que acabou de ter um AVC e uma arritmia cardíaca, em um vôo de 10 horas para o Brasil. Sabe o que é pior? Provavelmente, foi o que salvou a vida dele.

 

Contei também sobre meus dois cistos que a médica sugeriu observar e esperar crescer. Que a propósito, eram cinco! Tive que extrair e fazer a biopsia no Rio.

 

Contei das minhas amigas que pariram? Porque sinto muito, dessa maneira medieval ninguém dá a luz, é parido mesmo. Depois das trinta horas em trabalho de parto, nenhuma recebeu uma gota de anestesia. Claro, quanto mais procedimentos, mais possibilidade de erro, a mãe que sinta dor, depois passa. A suturada foi a seco, afinal de contas, o parto era “natural”. A parte da sutura foi causada por rasgo e não por um corte. As mulheres morrem de parto? Não. Mas honestamente, precisam passar por esse sofrimento todo?

 

O filho de uma amiga, que deve ter por volta de uns 5 anos, quando foi internado tinha uma ou duas horas de visita ao dia. A mãe não podia ficar com ele. Você não pode ficar com o paciente, independente da idade que ele tenha. Melhor assim, menos gente testemunhando a quantidade de aberrações que devem acontecer lá dentro!

 

Dor aqui é frescura. Há uma forma de fazer as coisas, a de toda la vida! Se o mundo evoluiu e tem milhões de outras alternativas, francamente, vai dar muito mais trabalho!

 

Se gabam de tratar igual a todos. Eu acho esse negócio de igualdade uma bela porcaria que a gente traga há séculos. Nada é mais injusto e autoritário que tratar igualmente a pessoas diferentes. É tudo muito padronizado, só que por baixo.

 

Minha última experiência foi hoje mesmo, na ginecologista, a quinta médica que tento. O mau atendimento já não me atinge, não saio mais do consultório me sentindo uma idiota, mas também não escuto mais chorradas calada. Agora respondo cinicamente, e quanto mais ela completa a frase com um “vale? “, com aquele tom de pode-ir-logo-que-tenho-outras-pacientes, putz, aí é que me dá vontade de perguntar coisas. Se alguém tem que se irritar por aqui, então seremos as duas.

 

Para quem tem paciência, o diálogo foi mais ou menos assim:

 

_ Os exames estão todos bem.

 

Achei que fosse uma maneira positiva de começar a frase, legal. Mas não, era a conclusão. Tudo que ela tinha para me dizer de um hemograma completo (o qual fui eu que pedi e incluí um TSH), preventivo (com um mioma de 10mm), mamografia e ecografia (com cistos) foi… bem.

 

_ Vale? (me mandando embora, claro)

 

Não, não vale. Não estou esperando um mês essa bosta dessa consulta para alguém me dizer “bem”? Isso sei ler!

 

_ Então, não apareceu nenhum cisto? Perguntei.

_ Ah, um ou outro é normal.

_ …

 

Lendo a mamografia, constava que não havia alterações em relação à do ano anterior. Muito bem, alguém me explica como depois de tirar cinco quistos não havia nenhuma alteração?

 

Mas vamos seguir com a conversa que vai ficando cada vez mais divertida.

 

_ Parei de tomar anticoncepcionais porque pensava engravidar, mas estou na dúvida, e se quiser voltar a tomá-los, queria conhecer as opções.

_ Pílula, anel e parches. Vale?

_ Não passo bem com pílulas, o melhor para mim é a injeção depo provera, mas…

_ Isso aqui na Espanha não é assim!

 

Nossa, eu amo de paixão essa frase! Ela é sempre repetida em tom de orgulho, como alguém que está te ensinando alguma coisa. Você não sabe nada, aqui na Espanha ninguém faz assim! Nunca será possível novas invenções, evoluções, maneiras diferentes, a Espanha é diferente de todo o planeta!

 

Quer saber, vamos jogar um pouco?

 

_ … essa injeção mensal nós aqui não aplicamos.

_ É trimestral. Nos Estados Unidos e no Brasil é bem comum. Aqui na Espanha, uma médica espanhola me receitou, cheguei a comprá-la, só não continuei porque era complicada a aplicação.

_ Qual método afinal você quer?

_ Não sei, quero conhecer as opções.

_ Pílula, anel e parches. Vale? (vamos repetir essa frase com insistência, quem sabe funciona, né?)

_ Passo mal com a pílula, como disse. Aqui tentei a Cerazet porque era… (tentei dizer que era porque não tinha estrogêneo)

_ A Cerazet é para lactância…

_ Hein?

_ Aqui (na Espanha é claro) nós usamos para lactância…

_ Foi uma ginecologista espanhola quem me receitou.

_ Ah… bueno… pues… puede… mas não é boa no seu caso porque é só progesterona.

 

Pois é, cassilda! Isso que tentava explicar, é a merda do estrogêneo que me ferra! Mas enfim, também não queria continuar com a Cerazet mesmo, pelos meus próprios motivos, então, vamos continuar o jogo de quem se irrita primeiro.

 

_ E esse anel vaginal?

_ Um anel que se põe pela vagina. Vale? (me mandando embora outra vez)

 

Ah, bom! Agora ela tinha me explicado, porque pelo nome, anel vaginal, eu não tinha a menor idéia de em que orifício utilizá-lo! Puxa, que esclarecedor! Vai que confundo com um brinco?

 

Continuei impassível, juro. Mas também não me levantei nem fiz menção de quem ia embora. A atendente não se conteve e começou a me explicar, acho que ela não pensou, saiu pela boca. E verdade seja dita, era o que queria saber.

 

_ Se coloca como um tampão…

_ Tenho que tirar ou dissolve?

_ Não, você tira, dura 3 semanas…

_ É fácil para tirar?

_ É fácil…

 

De repente, a médica se interou que estava me consultando melhor com sua atendente. Só aí se deu ao trabalho de tirar um anel da gaveta e me mostrar.

 

_ Quer uma receita?

_ Não estou decidida se voltarei agora aos anticoncepcionais

_ A receita é válida por um ano, assim você não precisa voltar só para isso (olha o medo dela de me atender novamente! Mal sabia que já havia decidido há muito tempo que jamais seria minha médica! Mais fácil me consultar com a atendente!)

_ Então eu quero.

_ Vale?

 

Não, ainda não vale, você vai me aturar um pouco mais.

 

_ E se decidir engravidar?

_ Mas você não disse que desistiu?

_ Eu disse que tenho dúvidas.

 

Não tenho dúvidas. Daqui para frente era pirraça. Eu não disse a ela em nenhum momento que havia desistido e que eu saiba, qualquer médico na área de ginecologia e obstetrícia é, ou deveria ser, a favor que uma mulher engravidasse.

 

_ Na verdade, tenho um pouco de medo. Minha última médica me disse que simplesmente parasse com o anticoncepcional e ….

_ Tomasse ácido fólico (falamos juntas)

_ Pois é, me pareceu uma solução muito simples para uma mulher de 39 anos. Há riscos e alternativas…

_ Não, é assim dessa maneira (só faltou me dizer outra vez que na Espanha é assim). Não se pode simplesmente te virar de cabeça para baixo e sair um filho…

_ Certo, e também não há maneiras de saber se estou ovulando? Ou incentivar ovulação? Verificar se não tenho endometriose? (vamos combinar que você não está falando com alguém desinformado? Não me trate como retardada!)

_ Ah, bem, mas aí você precisaria ir a um centro especializado em fertilização…

_ Como assim? Você pode me indicar a um centro de fertilização? Isso é fertilização artificial ou em geral?

_ E tem mais, o plano de saúde não cobre tudo, esses exames são muito caros… (se não tenho argumentos, vamos tentar assustar pelo preço)

_ Não é um problema para mim, posso pagar. (essa doeu, senti que incomodou e admito que gostei)

_ Mas isso só depois de você tentar um tempo, não é assim, você decide e engravida! (que bom que ela me explicou outra vez, outra coisa que nunca imaginaria)

_ Faz mais de um ano que parei o anticoncepcional, consta aí na minha ficha (que você não leu!).

_ Mas você precisa decidir se quer engravidar ou não. Você não sabe se quer engravidar, isso não é assim… (isso, vamos mudar de assunto e colocar a culpa em mim, porque você é uma incentivadora e tanto, né? Dá para responder o que estou perguntando?)

_ Há alguma maternidade com algum tipo de especialização em mulheres com mais idade que decidam ser mães?

 

Ah, agora era a hora dela ser irônica. Que resposta brilhante, a melhor de todas!

 

_ Claro que não existe um centro só para mulheres de 39 anos que querem engravidar!

 

Que coisa mais absurda eu estava falando! Porque lógico que tirei da minha cabeça, um setor  no hospital só para mim!

 

_ Não apenas as mulheres de 39 anos. Mas, por exemplo no Brasil, nos melhores hospitais (e você podia dormir sem essa!), há setores especializados no processo de fertilização de mulheres com mais de 40 anos ou nessa faixa etária.

 

Poderia entrar no discurso que as mulheres do planeta vem adiando a maternidade e, portanto, surgiu uma nova necessidade em atendê-las. Porque não, ser mãe aos 26 não é igual a ser aos 39! Existem alternativas diferentes à fórmula: ácido fólico e trepem! Mas claro, na Espanha não deve ser assim!

 

E no caso de não querer ser mãe, a hipótese de saber se sou fértil ou não, nem pensar! Muito caro! Na dúvida, melhor me entupir de hormônios à toa.

 

De qualquer maneira, essa conversa já tinha me cansado. Agora podia ir embora. Dei boa tarde e agradeci (à atendente).

 

Pelo caminho fui pensando que não quero aguentar esse tipo de atitude indeterminadamente. Sei que não se pode julgar toda uma população por uma pessoa, mas é que não é só uma pessoa. Reproduzi um diálogo que poderia ser no taxi, na loja de roupas, no restaurante…

 

Quando você está de férias é engraçadinho. Morando, por um tempo a gente entuba que é cultural, mas quando penso em conviver com essa atitude provinciana, me cansa muito. Tem outras vantagens? Claro que sim, vou tentar pensar um pouco nelas. Sei que em outro lugar existirão outros problemas, mas caramba, às vezes queria mudar um pouco de problemas.

 

Para amenizar, antes de chegar em casa, meus pensamentos foram interrompidos no sinal por um mendigo me pedindo alguma moeda. Respondi com educação, mas disse que não. Ele era magrelo, parecia um pouco maluquinho, dos mansos, e era menor que eu, não assustava. Insistiu, olha, ali na frente tem um bar, é que estou com fome, você me compraria um lanche?

 

Não nego e espero nunca negar comida para ninguém, isso já é uma questão de honra. Então tá, hombre, un bocadillo te lo compro. Ali na frente?

 

Fechou o sinal e ele me acompanhou, alertando que tomasse cuidado com os carros, que sempre há acidentes. Falava compulsivamente: nunca sofri um acidente de carro, meu pai nunca sofreu um acidente de carro, ele morreu em casa, mas não foi em um acidente de carro…

 

Ai, meu santo! Onde fui amarrar minha égua? Cadê o bar?

 

Na porta me perguntou, você pode me pagar também uma coca-cola? Respondi, posso.

 

Entramos, ele pegou uma coca e na hora de escolher o sanduíche, olhando para a oferta do balcão, relutou. Melhor não, vou ficar só com a coca, me alimento só de pão e de leite, esse aqui – apontando um tipo de croissant – tem muita manteiga, faz mal para sua saúde!

 

Para tudo! Deixa eu entender, um mendigo preocupado com o colesterol?

 

Continuou me apontando um donnut, você não deve comer esse, tem muito açucar, faz mal para você! Vou tomar só a coca-cola, muito obrigada, já vou. Olhou para a vendedora, me apontou: ela vai pagar. E sumiu. Foi muito educado e vou pensar duas vezes antes de querer abocanhar um donnut!

 

Mas, definitivamente, quando um mendigo maluquinho se preocupa mais com minha saúde do que uma médica, alguma coisa está fora da ordem.

 

Barata voa total!

As pessoas tem dons, é uma questão de fuçar até descobrir os seus. Tenho dom para atividades manuais. Há uma exceção para costura, na qual sou uma verdadeira retardada, mas tudo bem, disso eu já desisti. Agora, no resto, quase tudo posso olhar o resultado ou alguém fazendo, aprendo e aplico. Sou boa também em corrigir, desde a comida à uma escultura. Essa é uma vantagem, deu errado? Sem pânico, só corrigir.

 

Isso me faz uma excelente operária. Sério, sou uma pedreira de mão cheia e sou louca por uma obra. Aliás, acho que em qualquer trabalho mal remunerado e de baixo reconhecimento, sou craque! Uma especialista!

 

No Brasil, em todos, absolutamente todos os apartamentos que tivemos, fiz obra. E não eram aquelas obras em que você contrata um arquiteto e delega não, eu me meto no meio da poeira e discuto no dialeto apropriado (tauba, ademão, massiá…).

 

Mesmo quando trabalhava em consultoria, quantas vezes depois de ralar dez horas no escritório não varei madrugadas pintando paredes, só para relaxar. Quem não acredita que pergunte ao Luiz. Nos fins de semana, contava com sua ajuda para segurar o balde de massa enquanto me pendurava na escada. No que ele dizia debochado, tanto estudo para virar ajudante de pedreiro! Nem o mestre de obras eu sou…

 

Acontece que todas essas casas eram nossas e, desde que saímos do Brasil, moramos de aluguel. Sendo assim, tive que colocar minha violita no saco e me conformar com o que já estava. Menos mal que trouxemos nossos móveis, assim pelo menos havia algo de personalidade. Claro que não foram todos os móveis, no máximo 1/3 deles, porque sabia que não teríamos o mesmo padrão de espaço que em São Paulo. E o curioso, hoje quase todos eles tem rodas, temos uma casa literalmente móvel!

 

Resumindo, há quase cinco anos sou restrita a mudar coisas de lá para cá, não pintava nem uma paredinha de nada.

 

Até que nessa semana bati a cabeça no meu limite, chega, não aguento mais! A energia dessa casa está toda errada!

 

Comecei singelamente com as cortinas, logo inverti toda a sala. Comecei a olhar um canto, e se eu desse uma pintadinha só naquele cantinho… Pois é, começou assim, despertou o monstro! Já temos uma parede verde musgo e um quarto de hóspedes a la Mondrian.

 

E ainda não guardei as tintas…

Fim de férias

Aqui, no início de setembro, é muito comum as pessoas sofrerem de “stress pós férias”, cujo nome já define do que se trata. Pois é, doença de primeiro mundo. Sempre que escuto algo assim me dá vontade de dizer, deixa de frescura e vai lavar um tanque de roupa suja!

 

E o conselho serviu para mim. Cheguei de férias cheia de afazeres domésticos! Roupa para lavar, casa empoeirada, compras para fazer, ai que preguiça!

 

Tudo bem, também não me esquentei tanto e estou fazendo as coisas em ritmo andaluz. Aproveitei e comecei a tocar um barata voa em casa, mudando tudo de lugar. Nem estou falando só dos móveis, mas das funcionalidades, da iluminação, até do cheiro!

 

Essa semana vou limpar os armários e me desfazer de roupas e sapatos.

 

E no meio dessa onda de mudanças, não resisti. Estava louca para cortar o cabelo já faz um tempo, mas ficava nessa de qual corte, qual cabeleireira e tal. Quer saber, me bateu os cinco minutos, fui para o banheiro, forrei a pia e me transformei no Edward Mãos de Tesoura! Se ficasse bom, ótimo; se não ficasse, pretexto para cortar joãozinho. Cabelo cresce! Depois, todo mundo aqui gosta dos cortes, digamos, irregulares. Então, para cortar torto, faço eu mesma!

 

E fiz. Daqui a pouco chega o Luiz, não sei se torço para ele perceber ou não. Mas sabe que até que gostei.

 

PS: Ok, ok, vamos ao mico do dia… atendendo a pedidos, esse abaixo foi o corte de cabelo.

CIMG4548

CIMG4533

Granada e sua Alhambra

Nos dirigimos para Granada, com Jack protestando pela segunda viagem de carro. Fomos pela serra de Ronda, para evitar engarrafamentos. Uma boa idéia para a gente, mas que deixou o gato totalmente mareado, mal saiu do meu colo. Por outro lado, a viagem era bem menos longa, umas três horas mais ou menos.

 

O hotel que escolhi, o Navas, ficava bem no centro da cidade, em uma rua com o mesmo nome, que descobrimos pouco antes ser de pedestres. Tudo bem, depois de um ligeiro stress de onde parar… essa rua é proibida… porque a multa… blá, blá, blá… chegamos no hotel. Nada extraordinário, mas limpo, bem localizado e com muito boa vontade em receber animais. Em terra firme, Jack relaxou rápido e nós fomos buscar o resto da bagagem e descobrir um lugar para almoçar pelas 16:00hs.

Nem foi difícil. Na própria rua havia um monte de bares com a pouca pressa dos Andaluzes e seus visitantes com menos pressa ainda. E no calor de 37 graus, que pareciam mais, quem estaria com pressa para alguma coisa?

Nessa noite resolvemos pagar uma de turista e nos meter em um show flamenco. Compramos um pacote de 24 euros por pessoa, que consistia em alguém vir te buscar no hotel, te levar para o show, com direito a um drink e te trazer de volta. Se quem está na chuva é para se molhar, então vamos, né?

O que não tinha entendido é que, antes do show, faríamos uma caminhada de quase uma hora a pé por Albayzín, o antigo bairro árabe. E já que íamos e voltaríamos de condução, por que não aproveitar e colocar meu saltinho básico de 10 cm? Pois é, caminhar por ladeiras de paralelepípedos com esse sapato completamente inadequado foi uma verdadeira via sacra! Menos mal que fui agarrada no braço do Luiz, me equilibrando naquelas pernas de pau. Mas tudo bem, inacreditavelmente sã e salva consegui chegar em algum lugar plano e com cadeiras, onde seria a apresentação.

O lugar que fomos se chama Los Tarantos, uma das cuevas de Sacromonte. A vantagem era ser um local bastante intimista, cujo tablado era no centro da sala. Ou seja, vimos tudo bem de perto, como é bom se ver uma apresentação de flamenco, e a verdade é que foi excelente, a melhor que já vi.

CIMG4075

CIMG4133

CIMG4101

CIMG4087

 

A volta para o hotel foi bem mais simples, mas fiquei com vontade de conhecer melhor o bairro visitado. Obviamente, com sapatos adequados.

E assim foi. No dia seguinte, com minhas queridas botas de trekking, lá fomos nós explorar Albayzín e suas ladeiras. Muito melhor que na noite anterior. Honestamente, quando vi à luz do dia os lugares onde havíamos passado, me questionei como havia sido possível caminhar por ali de salto alto! Tudo bem, algum mico tinha que pagar.

CIMG4208

CIMG4217

CIMG4230

CIMG4224 

A vista de Alhambra inunda a cidade. Por onde você esteja, lá estão suas torres imponentes no alto. É hipnótico, você quer o tempo inteiro olhar para sua direção. Mas ainda não seria esse dia que a visitaríamos. Não sei desde quando, mas agora você precisa comprar os ingressos com antecedência, a maioria das pessoas compra por internet ou no próprio hotel onde estão hospedadas. É até possível conseguir entrar comprando ingressos na porta, mas só se houver ingressos sobrando, coisa que não é garantida.

CIMG4232

 

Muito bem, mas voltando a Albayzín, tinha um plano malévolo de almoçar em algum restaurante árabe. Eu gosto de comida espanhola, mas não consigo passar duas semanas seguidas comendo o mesmo tempero. Luiz e eu gostamos de variar um pouco. Encontramos um bem bonitinho, com decoração característica, onde comemos cuscus, kafta e salada de iogurt com pepino.

CIMG4237 

No jantar, Luiz conseguiu reservar no Las Tomasas, indicação do casal de amigos espanhóis que conhecemos na primeira parte da viagem. É engraçado porque não tem letreiro, é uma porta onde se toca a campanhia, alguém te responde por um interfone e você entra como se fosse uma casa normal. Só ao descer que você percebe que consiste em uma grande terraza, bem de frente para a Alhambra. Não é muito formal, acho difícil ser formal com tanto calor, mas a comida tem seu toque de sofisticação. E ali tomamos um Hacienda Monasterio, enquanto a iluminação da Alhambra ia se modificando de acordo com o anoitecer.

CIMG4292 

Voltamos caminhando para o hotel, providencial depois do exagero do jantar. Dessa vez, eu malandra, fui de sandalinha baixa e bem confortável.

De maneira geral, comemos muito bem. Meu restaurante favorito foi o Puerta del Carmen, na praça que leva o mesmo nome.

No domingo, achei que era boa idéia caminhar até a Alhambra, para conhecer o lugar, ver se era tão longe e se precisava mesmo ir de ônibus. Não precisava, poderíamos ir se quiséssemos, mas era razoável ir caminhando. Descobrimos também que não era totalmente fechada, havia lugares, como os jardins e o Palacio Carlos V, que podiam se conhecer de graça. Os ingressos comprados serviam para o Palacio Nazaries, Alcazaba e Generalife. Foi bom, porque adiantamos o passeio e ganhamos um pouco de tempo para o dia seguinte.

CIMG4311

CIMG4320

CIMG4331

CIMG4365 

Como ninguém é de ferro, resolvemos ir até os baños árabes, um Hamman, o mais antigo da Espanha. Não é o nosso primeiro, aqui mesmo em Madri tem um muito interessante. O lugar tem três piscinas, uma fria, uma quente e uma morna, além da sauna e um espaço para massagens. Foi muito bom, mas o de Madri é melhor, talvez não tenhamos dado muita sorte com o grupo que foi conosco, meio barulhentos. De qualquer forma, saímos de lá bem relaxados.

Nós dois gostamos da cidade. Achei bonita e misturada, eu adoro uma mistura. Achei divertido o sotaque, mudei um pouco a maneira de me vestir, acho que fui ficando um pouco moura. Luiz não aguentou o calor e praticamente raspou a cabeça. Sei lá, acho que fomos entrando no clima e nossa imagem foi acompanhando automaticamente.

CIMG4176

CIMG4197

CIMG4199 

CIMG4261

CIMG4277

CIMG4281

Chegou segunda-feira e finalmente, tcham, tcham, tcham, tcham, a tão esperada Alhambra! Vou ser sincera nunca havia ouvido falar em Alhambra antes de vir morar na Espanha. Um único amigo brasileiro, hóspede que tivemos, quis conhecê-la, ele é arquiteto e contou que era o sonho de quem cursava arquitetura conhecer o lugar. Foi ele quem me despertou essa curiosidade. Alguns meses depois, houve aquela história de votar nas 7 Maravilhas do mundo e os espanhóis ficaram ofendidíssimos porque ela não foi eleita, ainda que eles mesmos não tenham se preocupado em votar. Ficaram aborrecidos porque o resto do mundo, que mal sabia o que era Alhambra, não votou na dita maravilha.

Bom, não me importava muito a disputa de egos e de maravilhas, queria mesmo era conhecer a tal Alhambra. Não gosto de ficar comparando o que é mais bonito ou mais interessante, é comparar chocalho com banana, cada lugar tem seus próprios atrativos.

CIMG4378

CIMG4385

CIMG4399

CIMG4406

CIMG4422

CIMG4444

CIMG4416 

CIMG4472

CIMG4430

Achei interessantíssimo, mas não, não fiquei impressionada. Provavelmente, por tanta expectativa e propaganda a respeito. Essa é a grande desvantagem, por falta de palavra melhor, em viajar e ver muita coisa, é cada vez mais difícil me impressionar. Às vezes, sinto falta da emoção que me provocava encontrar uma muralha medieval ou constatar que um simples tapete tinha a idade do meu país.

 

Enfim, ainda assim, achei que valeu totalmente à pena. É uma riqueza de detalhes fascinante, e tantos detalhes em algo tão gigantesco é realmente admirável. Foi bom ter conhecido uma parte no dia anterior, porque mesmo dessa maneira acabamos o dia mortos de cansados. É verdade que o calor não estava contribuindo em nada.

CIMG4469 

Vou contar um segredo de liquidificador, nessa noite jantamos em um japonês, que nosso amigo de Granada não nos escute. Estava desesperada por um arrozinho e algo fresco e leve. Para nossa surpresa, o restaurante lotou, em sua maioria estrangeiros.

Na terça-feira, acordamos com calma, tomamos um bom café e partimos para a estrada rumo à casa. Jack deu menos trabalho, só de não ser serra ele relaxou um pouquinho, expliquei para ele que estávamos voltando para a casa e ele pareceu entender. Umas três horas e alguma coisa de viagem, chegamos em Madri, com um felino aliviado e exultante em reconhecer seus cheiros.

Luiz ainda tinha férias até o fim da semana, tempo que aproveitamos de maneira mais caseira. Pas mal, pas mal du tout!

CIMG4510

Pueblos Blancos

 

E aqui estamos novamente, em Madri. Novas idéias, mais relaxada, mais descansada e um pouco mais malvada. Outro ciclo terminado e prestes a começar o próximo, afinal de contas, é assim que levo a vida, de ciclo em ciclo. Hora de reinvenção. Logo chegará o outono, momento de se livrar das folhas secas, mas ainda é verão.

 

Aliás, um verão quentíssimo! O primeiro agosto que saímos de férias, porque sempre tentamos nos programar para ir na contramão da muvuca (contramão tem hífen? Ando meio confusa com as regras novas). Dessa vez não houve maneira, ou Luiz tirava férias agora ou perdia. Sendo assim, vamos nessa, mas precisava ser algo fácil porque também é complicado encontrar com quem deixar o gato nessa época. Ou seja, nosso peludo integrante da família acabou sendo o fator decisivo na escolha de onde ir.

 

Conhecíamos muito pouco o sul da Espanha, de Madri para baixo, só Sevilla e Córdoba. Em princípio, queríamos praia, tentei Tarifa e algumas outras, mas tudo lotado! Quando encontrava algum lugar razoável que tinha disponibilidade, não aceitava animais. Quer saber, a gente faz mesmo questão de praia? Dá para parar em Granada? Faz tempo queria conhecer Alhambra. Beleza, então vamos facilitar nossa vida.

 

Encontrei um hotel charmoso meio perdido nas montanhas, próximo a um pueblo minúsculo chamado Gaucín. Luiz conseguiu fazer a reserva no último bangalô, porque mesmo assim escondido, o lugar também estava cheio. Para ser sincera, não tinha entendido direito onde era, nem fiz questão.

CIMG3602 

Resolvi que dessa vez iria sem expectativas. Essa foi uma resolução que tomei para quase tudo na minha vida nesse momento, não quero esperar nada, ou pelo menos, o mínimo possível. O que não quer dizer que não possa aproveitar o que é bom, continuo com fome, só que sem sede.

 

Fiz uma mala que para os padrões femininos era pequena, mas para meu padrão peregrino era grande, estava com vontade de me arrumar. Escolhi três livros bem diferentes entre si e pensei que se tudo desse errado, com o ar condicionado ligado e uma taça de vinho eu poderia ser uma mulher feliz.

 

Acontece que não deu nada errado.

 

Chegamos em um lugar ótimo, chamado Hacienda la Herriza. Como curiosidade, o significado da palavra “herriza” é: terreno pedregoso, por lo general en la cumbre de un cerro, que permanece inculto por su resistencia a la reja y escasa productividad. A definição descreve o lugar e sua geografia.

CIMG3784 

Essa região é de uma beleza diferente a que estou acostumada, é árida, seca, pedregosa. Tem outras cores. As árvores são pequenas e tortas, muitas depiladas pela metade, provavelmente atrás de cortiça. Fica a uns 70 km de Marbella e a 35km do mar, na serra de Ronda. Passamos por uma série de moinhos de vento modernos e no alto da montanha verde escuro, identificávamos alguns pequenos aglomerados brancos. Bem de cima da montanha, onde se localizava o hotel, se via a rocha de Gibraltar, o que nesse momento, apesar de reconhecer a silueta como familiar, não tínhamos certeza absoluta se era mesmo.

CIMG3718

CIMG3611 

CIMG3930

Acomodamos o Jack, que sempre se comporta muito bem nas viagens, ainda que fique meio tonto na serra, igual a dona. Fizemos reserva para jantar no restaurante do próprio hotel, para o qual me arrumei como se fôssemos ao melhor restaurante da cidade, ritual cumprido em todas as noites. Comer um churrasco em roupa de banho descalça é uma delícia, mas para tomar um bom vinho, gosto de me arrumar, sei lá, estava com vontade. Aliás, de modo geral era assim com os outros hóspedes também, durante o dia, todos descontraídos, e no jantar, ainda que sem excessos, arrumados. A maioria de estrangeiros, alemães, ingleses, o que nos deixou pensando como haviam ido parar ali.

CIMG3633 

CIMG3634

Bom, os ingleses até acho razoável. Tenho a impressão que eles perceberam que invadir países custava muito, além de pegar meio mal esse negócio de guerra, politicamente incorreto. Então, resolveram comprar toda a costa ibérica, pronto! Invasão pacífica!

 

Importa que jantamos tranquilos, mesmo com o atendimento confuso do primeiro dia, depois melhorou bastante.

 

A rotina da primeira semana se resumiu em acordar perto das 10 da manhã, tomar um bom café e circular pela região de carro. Depois fazer a siesta, ler, ir para a piscina e morgar até a hora do jantar.

 

Nada me parecia melhor no mundo do que deitar com um livro nas mãos, um gato preguiçoso nos pés, Luiz com seu próprio planeta literário do lado, janela aberta ou ar condicionado ligado. Acho que essa será minha descrição do paraíso.

CIMG3944 

Muito bem, mas antes de chegar ao paraíso, circulávamos de carro pelas redondezas.

 

A civilização mais próxima era Gaucín, a 6 km, em um estrada vertiginosa, que não me animava nem um pouco a frequentá-la de noite. Mas de dia a cidadezinha era charmosa, toda branca, como todos os pueblos ao redor. Como curiosidade, havia centenas de esculturas de salamancas espalhadas por suas paredes. Tentei comprar alguma para trazer conosco, mas só encontrei uma dourada que não me interessou. Talvez faça eu mesma alguma no futuro próximo, ou simplesmente guarde na lembrança.

CIMG3623

CIMG4007 

Também fomos até Marbella, um tipo de Miami espanhola, não consegui definir bem, muitas informações. De qualquer maneira, almoçamos um Bogavante fenomenal, é um tipo de lagosta enorme e deliciosa. Não tomei nada além de água, sacanagem com Luiz que estava dirigindo.

CIMG3724

CIMG3763 

De lá, seguimos para La Línea de la Concepción, de onde se sai para Gibraltar. Primeiro queria cortar meus pulsos por não ter levado meu passaporte, coisa que em seguida, nem foi tão ruim assim. Quando a gente vai chegando e vê de longe a rocha de Gibraltar, dá uma emoção diferente, nem tanto por ela, mas por poder avistar a África logo em frente. Pode parecer bobagem, talvez seja, mas para mim, conseguir avistar o encontro de dois continentes foi muito emocionante. Fiquei igual a criança quando sabe que vai ao parque.

Na mão direita, Gibraltar; na esquerda, África. Não sobrou nenhuma para tirar o cabelo do rosto!
Na mão direita, Gibraltar; na esquerda, África. Não sobrou nenhuma para tirar o cabelo do rosto!

 

Há alguns anos atrás, combinamos com meu sobrinho, que na época devia ter pelos seus 5 anos, de ir ao parque. No dia de sairmos, ele estava tão excitado que não conseguia andar direito, caminhava pulando e rindo. É a imagem que registrei para quando uma coisa me empolga muito. Não posso andar pulando porque seria ridículo, mas bem que eu gostaria.

 

No entanto, preciso dizer que a cidade em si é horrivel. Não tem graça nenhuma. Muito melhor vista de longe, com todas as fantasias de uma ponte Rio-Niterói que unisse dois mundos. Não une dois mundos e nunca unirá. Não em um tempo que eu seja capaz de testemunhar.

 

Nas redondezas de onde estávamos, conhecemos Casares, um pueblo que de longe é bem mais charmoso que de perto. A vida nos dá metáforas bastante interessantes.

CIMG3935 

Mas também conhecemos Ronda, uma cidade impressionante, construída sobre um penhasco. É cortada por um precipício, ligado por uma ponte do século XVIII, com uma altura de mais ou menos 130 metros.

CIMG3897

CIMG3838

CIMG3905

Fuçamos até encontrar uma trilha por baixo da cidade. Um calor senegalês! Luiz me desafiou, não quer ver onde dá? Onde está seu espírito aventureiro? Ok, ok, desafiada, lá fui eu, sozinha é claro, porque ele ficou esperando no carro, ver onde dava a tal trilha. Quando cheguei no topo, vi que ainda faltava muito. Quer saber, meu espírito aventureiro está com um calor danado! Para mim já é o suficiente o que vi daqui!

CIMG3923 

Um pueblo que me chamou a atenção foi Genalguacil, nome para mim quase impronunciável em espanhol. Mas importa que é uma cidadezinha de artistas e por onde todas as ruas há obras de arte espalhadas, como se a cidade fosse a sala da sua casa. Nesse micro povoado escondido há um museo de arte contemporânea onde vi obras muito melhores que vejo em grandes exposições por essas bandas.

CIMG4014

 CIMG4029

CIMG4031

Nem tudo foram rosas, ainda me preocupo bastante com o que passa com a família pelo Brasil. Preciso aprender a relaxar um pouco mais, acho que todos nós precisamos, mas tudo ainda é muito recente. Meu meio de comunicação com o planeta é a internet, e claro que estar escondida no meio do nada tinha suas vantagens, mas a conexão era péssima. Minha mãe, sabendo que estava viajando, parou de enviar mensagens. E eu, paranóica, encuquei que podia ser algum problema.

 

Uma vez, quando minha avó paterna era viva, mas começou a apresentar alguns problemas de saúde, dormi com ela uns dias no hospital. Ela roncava para burro e pela manhã, meio constrangida me perguntou se eu consegui dormir com o ronco. No que respondi com toda franqueza que estava achando ótimo! Quando ela roncava, sabia que estava respirando, ou seja, estava viva,  e conseguia cochilar também! Sim, é um comentário bastante inoportuno, mas somos assim, fazemos humor negro entre nós mesmos e nos divertimos com isso, mesmo nos piores momentos.

 

É basicamente o mesmo conceito, mãe, pode encher minha caixa postal, porque assim sei que você tem tempo e humor, logo, está tudo sob controle! Ela entendeu a mensagem e passou a me mandar alguma coisa todos os dias, mesmo que eu não pudesse ler.

 

A falta de conexão tinha suas vantagens. Luiz também não conseguia utilizar seu celular. Vamos combinar que é muito melhor jantar sem ele neurótico checando aquela porcaria a cada 15 segundos. Podia até ir ao banheiro tranquila que quando voltasse ele não estava enganchado no Sudoku e nas posições que acabou de galgar. Mal sabe ele que se aquela bosta de aparelho não fosse do trabalho, já teria atirado longe!

 

No hotel, conhecemos dois casais. Um de Madri, cujo marido serviu no Afeganistão durante quatro meses. Um milico que resitiu a granadas, mas se derreteu todo com meu gato.  E falando em granadas, o outro casal era de Granada, nosso próximo destino, e nos deu excelentes dicas de restaurantes, onde ir etc. Na nossa última noite no local, jantamos todos juntos e tomamos um Marques de Griñon 1986.

CIMG4049 

Abrir qualquer vinho com mais de dois dígitos de idade me deixa exultante! Lá vou eu passear no parque novamente! Nessa mesma tarde, havíamos iniciado uma degustação às 19:00hs, da qual emendamos com o jantar, ou seja, estava meio elevada, mas feliz da vida.

 

E o vinho? Redondinho! Acho que eles acharam normal, mas eu viajei na minha taça, peguei carona na cauda do cometa, vi a via láctea, estrada tão bonita, brinquei de esconde esconde numa nebulosa… tudo de direito!

 

Com 2 kg a mais e 7 garrafas de vinho na bagagem, partimos para o próximo destino: Granada.

Férias

E falando no Pequeno Príncipe, me lembrei da raposa, a que dizia, tu es responsável pelo que cativas. Será?

 

Talvez, o problema é que não estou afim de ser responsável por ninguém, todos adultos, maiores e vacinados. É possível que a culpa tenha sido minha, por não me importar em ser assim naturalmente, posso ter esquecido das expectativas que levantamos nas pessoas. Mas acabei de me lembrar. Não tenho saco para grãos de areia que viram praias inteiras e não vou resolver problema nenhum. Raposas que se danem! O único que cuido é do meu gato.

 

Às vezes, perco completamente a vontade de ser uma pessoa melhor, férias ao meu ascendente canceriano. Conto mais com a lua e o sol em escorpião. Cinco segundos para apertar o botão “F”: cinco… quatro… três… dois… um… foda-se! Pronto, melhorei.

 

E falando em férias, amanhã viajamos por duas semanas. Vamos para algum lugar perto de Marbella e Málaga. Na volta, paramos por Granada, todo mundo diz que é maravilhoso. Deve ser. Em princípio íamos para as ilhas baleares, mas ficava complicado com o Jack, mudamos os planos. Como não estou afim de fazer porcaria nenhuma além de morgar no sol, para mim está bom.

 

Não sei se escreverei nesse período, espero que sim. Mas acho que estou mais para ler que escrever. Alguns livros na fila dos empacados na estante esperando seu momento. Engraçado como a gente precisa ir longe para não fazer nada.

É contracultura ou contra a cultura?

Para mim não importa o artigo, sou do contra mesmo.

 

Há dois dias navego pela internet hipnotizada com alguns vídeos no Youtube. Meus amigos de bom gosto musical podem se segurar na cadeira, são vídeos de funk com frevo e afins.

 

Faz algum tempo vi um vídeo do meu baile de debutantes. Pois é, para a felicidade geral da nação, tive que debutar. Menos mal que foi em um grupo de meninas, o mico é compartilhado. Tem um momento que você desfila e um narrador vai falando um pouco sobre você: onde nasceu, preferências literárias e musicais. Quase todas as meninas citam O Pequeno Príncipe como livro favorito e gênero musical como música suave.

 

Dava vontade de perguntar, mas O Pequeno Príncipe ainda é o livro favorito aos 15 anos? Vocês são retardadas? Nem sei exatamente o que queria dizer música suave, que raio de gênero é esse? O meu livro era O Louco, do Gibran, e meu estilo de música era o funk, na época me referia a James Brown. Perdeu 90% da ironia quando falado em tom formal pelo locutor, mas fazer o que, fiz a minha parte. E elas não eram retardadas, eram só meninas, eu também era.

 

Anos depois veio o funk carioca e relutei frente as baixarias que saiam dali, que música ruim, cassilda!

 

Muito bem, sou mestre em ter nuvens de pensamento que acredito ter uma conexão, mas fica faltando uma frase, ou imagem, ou situação, algo que conecte as idéias e me faça conseguir traçar uma analogia. Com o funk tinha algo assim, como alguma coisa tão ruim podia mobilizar tanta gente? Quando começo a achar que em volta tenho um número enorme de idiotas, me policio, porque provavelmente quem não entendeu o espírito da coisa fui eu.

 

Então um dia estava em Atlanta assistindo uma entrevista sobre Hip Hop e toda a polêmica sobre as letras, me chamou atenção especial uma resposta em relação ao machismo dessas letras. O cidadão respondeu algo mais ou menos assim, se alguém na prática fala alguma coisa dessas para uma mulher branca americana de classe média ou alta, ela perde o ar e quase desmaia. As mulheres de quem estamos falando passam por isso todo dia, não se intimidam, levantam a cabeça e respondem na mesma moeda: faço mesmo e daí? Eu gosto.

 

Não, não passo por isso todos os dias e se passar provavelmente darei uma resposta feroz, mas o ponto é que não sou e não fui criada nos mesmos valores. Acho minha vida melhor, mas às vezes me pergunto quem é mais livre nesse aspecto. Não dá para comparar chocalho com banana, na melhor das hipóteses, posso abrir um pouco a cabeça e entender a experiência.

 

Foi o que fiz e digo que hoje gosto de funk e me interessa muitíssimo esses movimentos absolutamente democráticos e subversivos. Continuo achando a batida maçante e tenho vergonha de cantar a maioria das letras, mas cheguei a conclusão que isso é só a ponta do iceberg. Gosto do que está embaixo da água. É som de preto, de favelado, mas quando toca, ninguém fica parado.

 

Se a gente para e pensa, quem nunca cantou uma musiquinha sacana ou falou meia dúzia de baixarias? A diferença é que ficava entre quatro paredes. No morro as paredes são muito finas e o prazer sexual é praticamente o único gratuito. A música pôs isso para fora, liberou o que todo mundo já sabia.

 

Ouvidos mais sensíveis ou puritanos, nem percam o tempo abrindo o vídeo. Vai Varéria, bate palma aí… eu num disse… vai dá meeerrda…

Fiquei fã dos Malvados! E aê, tá gravano? Se liga mulé, se liga novinha… sempre fui vadião… eles sempre foram safadinho… agora vai ficá interessante, sá purque, vem cum nóis… tão nervosão… O Siri e o Maikinho dançam bem, mas o bombom manda melhor.

Muito bem, mas também há famílias. E as crianças, como ficam? Até onde entendi, foi como surgiu o frevo com funk (motivo pelo qual iniciei essa viagem) uma mistura dos dois ritmos, com letras menos pesadas, voltada para o público mais novo, ou como se diz, “os menó”. Virou uma febre e se alastrou com passos impossíveis, inclusive entre os adultos. Fiquei encantada com os meninos dançando! Bailarinos perfeitos!

Recomendo prestar atenção no número de visitantes, na linguagem e nos comentários. É difícil olhar alguma coisa que não seja os meninos dançando, mas vale à pena uma análise. Se isso não for inclusão digital, não sei o que é.

 

Gostei dessa idéia de duelo, uma disputa pacífica de habilidades. O difícil deve ser escolher o melhor. Deve ser bom fazer tão bem alguma coisa.

A propósito, voto no flamenguista!

Ainda por cima tem passinhos: jacaré, relógio, pika, foda… Favor reparar no rapaz de blusa preta, que faz descalço o que a bailarina faz com sapatilha de ponta e depois de muito treino!

A dança das crianças se espalhou para os maiores e achei verdadeiras pérolas! Há algo de trash, de produções improvisadas, de gente passando com sacolas no meio do clipe, da irmã olhando do canto da laje, de uma língua própria, gírias, estilo de vestir. Sem nenhum deboche, achei muito bom!

No próximo, meu favorito é o rapazinho de camisinha na cabeça! A concordância na dança é um pouco melhor que no nome do grupo.

E olha Os Malvados aí outra vez! Seguindo a tendência, com figurino e tudo!

Acho que alguém teve que tomar conta da irmã mais nova enquanto a mãe trabalhava. O resultado não foi nada mal, rola edição e tudo.

Não é que já me peguei pela casa cantando, essa é a dancinha do frevo com funk…

O bom e velho Jack Daniel’s

Para quem ainda não foi apresentado, Jack Daniel’s é o nosso gato. Um felino gordo, lindo e incrivelmente feliz. Todo gato tem uma personalidade complexa e intrigante, cada um te conquista exatamente por sua individualidade. Jack é o gato mais feliz que conheci.

 

Digamos que esperteza e agilidade nunca foram seus pontos mais fortes, essas características herdou a Buchannan’s, sua irmã da mesma ninhada. Aliás, a única fase em que o Jack não foi feliz, foi em seu luto pela Buchannan’s. Respeitei, ele é feliz,  não idiota. O tempo curou.

Jack e Buchannan com 3 semanas
Jack e Buchannan com 3 semanas

 

Buchannan é a cheia de personalidade, Jack nem se deu conta do que ocorria em volta, estava ocupado brincando
Buchannan cheia de personalidade, Jack nem se deu conta do que ocorria em volta, estava ocupado brincando

A Buchannan fui eu que escolhi, a mais arisca, mais independente e mais vermelha. Ali fizemos um acordo, ela me deixou escolhê-la e deixei que ela mandasse na casa, absolutamente soberana. Quando ela parou de crescer, adulta era menor que metade do Jack, soube que seu tempo seria limitado, mas essa decisão também era dela. Tomou conta de todos nós por cinco anos.

Jack e Buchannan adultos, a diferença de tamanho!
Jack e Buchannan adultos, a diferença de tamanho!

 

Jack me escolheu, não queria dois gatos. Foi ele quem escalou o meu colo e me deixou irresistível a opção de levá-lo. O interessante é que ele nem gosta de colo, simplesmente queria vir comigo. Um persa vive em média uns 15 anos. Gordinho assim como ele, acaba vivendo menos. Pois também fizemos um acordo, você vai ser o que quiser, comer o que quiser e ser feliz à vontade. Mas em troca, me deve um mínimo de 10 anos, morrerá de velhice no meu colo, você é meu.

 

Ele é meu. É louco pelo Luiz, mas sempre foi o meu gato.

DSC02253 

Em outubro ele completará 10 anos, cumpriu nosso acordo como um cavalheiro. Não é mais tão bobão, parece que a idade lhe trouxe algo de sabedoria, como se fosse humano. Ainda brinca e corre pela casa como um filhote, faz perseguições imaginárias a ratinhos de brinquedo. Mas para quem o conhece desde antes de desmamar, sabe que ele envelheceu. Seria um jovem senhor de 70 anos. Anda mais devagar, resmunga, não consegue pular mais alto que o sofá, precisa de mais atenção, é mais caprichoso com a comida, tem verrugas.

 

Ainda está bastante saudável, mas já começo a pensar que um dia se vai. Não sei como será andar sem ele se embolando nos meus pés, como será o som da casa sem seu ronronado, como será fazer a cama sem ele pular no meio dos lençóis, como será tomar café sozinha.

 

Acho que vou refazer nosso acordo.

blogjack

blogjack1 

O estilo e elegância...
O estilo e elegância...
... ok, ok... nem tanto!
... ok, ok... nem tanto!

Domingo visual

Uma amiga me disse uma vez que as pessoas sempre tem algum sentido mais aguçado e quando vivemos com outra pessoa, conhecer esse sentido ajuda muito na convivência. Por exemplo, para alguém que é mais sonoro e tem o ouvido apurado, é difícil estar com outro barulhento. Ou se o sentido for o tato, é gente que gosta de ser tocada, sente mais falta de carinho. E por aí vai. Não sei se é comprovada cientificamente, mas me pareceu uma teoria razoável.

 

Sou visual ao extremo, olho querendo ver e vejo bem. Em contrapartida, tenho dificuldade em entender o que não vejo. Antes de entender uma história, entendo a imagem, depois traduzo em linguagem. Normalmente é um processo inconsciente, mas quando presto atenção, sinto que é assim que funciona a ordem na minha cabeça. A vantagem é me dar uma perspectiva extra de pensamento, posso entender o vermelho, não a palavra, a cor. A desvantagem é ser uma cética absoluta. Love me or leave me, não há concessão nem que quisesse. Vejo, logo existo. E talvez nem faça diferença para ninguém, mas faz para mim saber disso.

 

Ontem fomos ao show do Gilberto Gil. Nunca havia ido a nenhum, foi uma amiga quem me avisou. Fiquei com vontade, tem gente que precisa ser assistida pessoalmente. Quase todo mundo que gosto de ouvir, também gosto de ver, não consigo me lembrar de assistir a um show decepcionante de alguém que eu realmente gostasse de ouvir. Mas tem uma coisa que acho interessante, tem gente que eu nem ligo muito para a voz ou o repertório e de repente me animo a ver um show e gosto. É mais do que talento, é o tal do carisma. E nesse caso, só vendo.

 

Adorei o show, de verdade, acho que ontem finalmente entendi o Gil e seu carisma. Falando ele é mais ou menos, acho que chega uma hora em que você já disse tudo, não sobra muito. Além do mais, deve ser um saco cada vez que você abre a boca alguém esperar que saia algo genial. Houve um momento que achei engraçado, quando ele vira super casualmente e fala com o “Pedro”, na platéia. O Almodovar, é claro! Acho engraçado essa necessidade dos artistas contarem de quem eles são amigos, se fulano veio ao meu show, sou muito legal, se beltrano foi a minha exposição, sou bom para burro! Tudo bem, vai, é o jogo, acho que é isso que se espera mesmo e talvez também tenha que fazê-lo, pode ser que o que tenha me faltado seja passar um pouco de fome. De qualquer forma, vendo essa insegurança de a essa altura ainda sentir que precisa se afirmar, achei humano. Ele tinha dúvidas se o público o receberia bem e se estava gostando e entendendo o que ouvia, entendi isso como respeito. E vou deixar uma coisa clara, cantando essa insegurança não existia, ele sabia o que estava fazendo.

 

Gostei das suas dancinhas, algo entre o afro-indígena-espontâneo e o debochado. Óbvio que prefiro o debochado, ele pode dizer que não é, mas é sim. Uma hora não resisti e cantei no ouvido do casal de amigos da frente: vai lacraia, vai lacraia! Bad Bianca, bad girl…

 

Achei uma coisa bacana, o repertório do Gil é extenso e variado, ele pode cantar qualquer coisa e não parece artificial, sai naturalmente. Eu sei que o naturalmente costuma custar muito trabalho e esforço, mesmo assim, não é qualquer um que pode. Ele sim e faz bem, ao vivo, melhor ainda. Não notei muita mescla de elementos, muitos ritmos, mas entre si não se misturavam, achei até bem purista. E vamos combinar, o preparo físico e a leveza do cidadão não é brincadeira!

 

Como preciso de uma imagem, fico com o começo do anoitecer, à esquerda de longe o Palácio Real e a Almudena se iluminaram, à direita Luiz, na frente um casal de amigos e a uns três metros do meu nariz, Gil cantando Super Homem com um arranjo diferente. Fiquei com a impressão que era o arranjo de Só Tinha de Ser Com Você, sei lá, tinha algo de Jobim por ali. Ficou bonito. Esse conjunto de imagens me fez pensar que estava em Madri, acolhida, segura, ouvindo Gil em português. Quantas coisas tenho a oportunidade de ver e experimentar, quantas coisas ainda quero.

 

Devo admitir que tem algo que sinto muita falta dos shows no Brasil. Gosto de pista, gosto de estar de pé, sentada fico meio presa. Música tem um movimento natural, usar só o ouvido é pouco, preciso do resto do corpo. As pessoas aqui são muito educadas e assistem a tudo sentadas, até gol em estádio de futebol! Lá na galera do fundão, a brasileirada já havia começado a levantar, mas onde estava, nas cadeiras, nada, todos tão educadíssimos e eu me segurando. De vez em quando um ou outro dava aquela olhadinha para trás, acho que para ver se tinham apoio, só podia ser brasileiro. Tudo bem, me segurei o que pude, mas quase no final o Gil vem para o nosso lado e faz o gesto com os braços de levanta. Olha, podia ser que ele estivesse só chamando o pessoal para cantar, mas preferi interpretar que era para levantar e subi junto. Dane-se! E uma ova que eu ia sentar outra vez!

 

Não foi preciso, o povo se animou e começou a dançar, adorei!

 

Quando acabou, ganhamos uma carona providencial e voltamos direto para casa, afinal se aproximava a segunda-feira.

 

Antes de dormir, resolvi dar aquela última checadinha nas mensagens. Dois álbuns de fotografias do casamento de uma amiga, havia sido no fim do ano passado e não pudemos ir porque foi em São Paulo. Faz algum tempo, mas ela só me enviou as fotos ontem, essas coisas que a gente acha que fez ou deixa para outro dia e vai passando.

 

Não é que as fotos estivessem boas, é que estavam perfeitas! Lindas! Nossos amigos queridos felizes da vida. Sabia que havia sido assim, imaginei que haveria sido assim, mas ontem eu vi.

 

Toda, ou quase toda, a Diretoria presente em uma alegria contagiante. A família cresceu, a vida continuou e evoluiu como deve ser.

 

Fiquei feliz demais, juro, mas também foi me dando vontade de chorar e nem sei dizer o motivo, acho que foi saudade. Há mais ou menos um ano depois que estava em Madri, não sei, talvez dois anos, me desfiz de um mural de fotografias de praticamente todos nossos amigos; antes carrevaga ele comigo para cima e para baixo. Havia se transformado em um mural de saudades. Ontem foram as fotos que mexeram comigo novamente, dessa vez eram as que não estávamos. Deveríamos estar.

 

Eu sempre quero estar, sempre quero ver, mas às vezes não posso. Ontem deu para ver o show do Gil.

Bizarro e divertido

Eu boto fogo mesmo! Gosto de festa e de comemorações, o planeta inteirinho sabe disso. Portanto, se me avisou que é aniversário, a não ser que a pessoa diga explicitamente que não quer comemorar, boto a maior pilha.

 

Foi a vez da outra imparável aniversariante ter o momento não-sei-desanimei-será? Como assim, não me sacaneia! Claro que sim, óbvio que sim, sim, né? Então tá, marcado para sábado em um bar-que-ninguém-sabe-qual-é.

 

Luiz viajou na sexta para Suíça e acabou emendando no sábado, porque temos amigos por lá. Para mim não deu, porque não tinha com quem deixar o Jack e levá-lo era muita complicação para pouco tempo.

 

Sendo assim, para não chegar sozinha ao bar, fui com a aniversariante, que passou de carro aqui em casa mais cedo. Fomos buscar seu marido que é músico e estava tocando em um restaurante, para de lá ir tocar nesse bar.

 

Beleza. No carro, que dava a maior fome porque cheirava a pão de queijo e coxinha, ai que delícia, toca o celular. O show era somente de três, mas apareceu um quarto músico, convidado pela dona do recinto. Confusão armada e a gente nem tinha chegado. Momento no qual pensei como é bom não saber sobre os bastidores.

 

Entramos na rua, na nossa frente atravessam três mocinhas com aquela pinta para lá de suspeita, os meninos falam qualquer besteira e passamos. Quando paramos na porta para eles saltarem com instrumentos e salgadinhos, quem entra no bar? As três, lógico! Falei para minha amiga, tranquilo, aqui não dá problema, elas vieram a lazer e não a trabalho. E o pior, ou melhor, é que foi. As meninas ficaram na delas e não encheram o saco de ninguém, depois fiquei até com a consciência pesada da minha maldade, mas só um pouquinho.

 

Fomos estacionar o carro. Na volta, entrando no bar, pegamos no flagra a gerente no celular com a dona contando a confusão de que músico-toca-que-músico-não-toca, passei batido. Tocaram os quatro, não sei o que ficou resolvido em relação a pagamento.

 

Entrei, alguns amigos, legal. Duas com o bico na lua, não entendi muito bem, mas achei melhor ser educada. Às vezes, agradeço meu lado sangue ruim, porque na mesma hora liguei minha redoma que me torna imune e ignorei. Acho que ainda é resquício do fim dos imparáveis, mas juro que não tenho mais saco para essa história. Minha amiga eternamente preocupada, relaxa, relaxa! E eu, mas estou relaxada, e estava, aliás, se relaxasse mais dormia! O resto, animado, alguns ainda chegando. Aniversariante distribuindo copas, então tá, só por isso vou tomar uma caipirinha. Sem açucar, por favor!

 

Uma pena todos não poderem estar presentes, principalmente Luiz e minha dupla dinâmica etílica, mas tudo bem. Chegando o verão é mais difícil encontrar o povo mesmo. Até que, considerando a época, foi bastante gente. E me diverti.

 

Os salgadinhos foram devidamente atacados e estavam ótimos. Claro que de vez em quando chegava um bicão desconhecido e se engraçava com as coxinhas. Lá ia eu cutucá-los e dizer, pode comer, mas tem que dar parabéns à aniversariante que é ela! Apontando para minha amiga que só não ficava mais sem graça que os bicões, que davam parabéns e saíam de fininho.

 

Dali a pouco surge um dos amigos que, antes de falar direito conosco, entrou feito um torpedo procurando o “André”! Ninguém tinha a menor idéia de quem era o indivíduo e muito menos entendemos o que tinha acontecido. Foi um para cada lado, acho que se informar, sei lá. E eu pensando, o povo está meio bizarro hoje.

 

Olho para frente e vejo uma das amigas dançando sozinha animadíssima em seu planeta feliz, sem se dar conta de absolutamente nada que acontecia em volta. Putz, pensei, é para lá que vou. Oi, seu universo paralelo está mais divertido! Ali fiquei dançando no meu mundo feliz também.

 

Quer dizer, por um tempo, porque como já sei que vou para o inferno, não demora muito para começar a observar as pessoas e pipocarem apelidos na minha cabeça. Tinha o Bill Gates, uma barreira quase intransponível até o bar; a Poderosa Ísis, com aquele vestido branco e uns brilhinhos; o Homem-Nariz, vilão que rouba nosso oxigênio; a mocinha com vestido vermelho estampado anos sessenta e… acho que conheço aquele rosto. Será do orkut?

 

Meu amigo, que acabo de descobrir que é outro cáustico, inclusive ganhou muitos pontos comigo agora, pergunta, aquele não é o fulano do orkut? O antropóooooologo! Sim, porque a cada observação feita na comunidade, ele sempre faz um discurso e avisa que faz doutorado em antropologia. Parece advogado!

 

Ah, só pode ser, porque se eu achei e você achou… Não levou nem 5 minutos, chega a aniversariante, escuta, aquele ali não é o fulano do orkut? E nós três em coro, o antropóooooologo! Putz, vamos puxar conversa com ele? Pedir um autógrafo? Já sei, vou me apresentar como socióloga!

 

Até aí, estávamos nós três de farra. Acontece que não lembro mais porque, acabamos por chamá-lo de verdade e puxamos conversa. Minha amiga mais do que depressa, aponta para mim – só pode ser vingança porque fiquei mandando os bicões lhe darem parabéns – ela é socióloga! O cidadão se interessa, ah, é? Onde você se formou? Bianca, pensa rápido um lugar bem improvável: UnB, Brasília. Qual era a chance dele me responder eu também? Para quem conhece a Lei de Murphy = 100%. Começou a rolar as perguntas do tipo, lembra disso? E eu para minha amiga: me salva!

 

Ouvi a tese de doutorado que tinha algo a ver com antropologia, nutrição e hare krishna. Caraca, será que tomei muita caipirinha? Bianca, se concentra, você agora é so-ci-ó-lo-ga, lembra? Acabei prestando atenção e acho que fazia algum sentido, ou seria a caipirinha?

 

Acho que está na hora de ir embora.

 

Ganhei mais uma caronita da aniversariante e tive a mordomia de ser deixada na porta de casa, pelas 5 da matina. Para quem tinha se programado para um possível sabadozinho monótono, sozinha em casa… nada mal, né?

O prazer de comer em Madri

Eu amo comer bem. Isso não é tão óbvio quanto parece, conheço um monte de gente que come para matar a fome, ou por culpa, ou por ansiedade. Eu como com prazer. Fico aborrecida se preciso comer mal ou correndo. Bom, e se estou faminta sou insuportável, praticamente perigosa.

 

Quando digo séria ao Luiz, estou com fome, ele começa a se virar como quem pertencesse a um esquadrão antibombas. Eu já disse que felizmente não nasci mendiga, porque na hora que a fome batesse seria capaz de qualquer coisa. Tenho certeza que seria uma assassina!

 

É claro que não estou falando só de comida e acho que essa é a grande sacada da mesa que o povo, por impossibilidade ou distração, passa batido. Comer é todo um momento.

 

Sabe onde gosto mais dos espanhóis? Nos restaurantes, comendo. É quando adoro ouvir o sotaque e a conversa alheia. A mesa espanhola é conservadora, mas informal, generosa e farta. 

 

O espanhol é bruto e imperativo, assusta um ouvido destreinado. Até que você entende que maneira certa e errada depende do ângulo em que se observe. Reclamo um monte do atendimento por essas bandas, até que há pouco tempo entendi que bom atendimento para um espanhol é ser atendido rápido.

 

Você ainda não sentou direito na mesa e o garçon já está te perguntando o que quer beber. Juro, às vezes você literalmente não terminou de sentar. Levei quase cinco anos para entender que ele não faz isso só porque está com pressa para resolver a vida dele; ele faz isso porque é o que o cliente (espanhol) quer. E pensando bem, quando recebo alguém na minha casa, uma das primeiras perguntas que faço, antes de iniciar a conversa, é exatamente o que quer beber.

 

Boa parte nem vai te dar o cardápio e pergunta o que quer comer. Como assim, como vou advinhar o que tem no restaurante? Bom, primeiro porque os restaurantes tem o cardápio muito parecido, mas principalmente, porque quem é “de casa” está pouco se lixando para o que está escrito. Muito mais fácil perguntar diretamente o que está mais fresco, ele te pergunta, carne ou pescado. Pronto, para que drama?

 

Quando você elogia a comida, ficam orgulhosos; se sobrar ficam ofendidos. Com alguma intimidade, colocam o resto no seu prato e reclamam que você não comeu tudo. E você trate de comer!

 

Uma vez dissemos no Taberna La Daniela que tinham a melhor tortilha de batatas de Madri, absoluta verdade. A garçonete gritou – sim gritou mesmo – do salão para o balcão do bar, Jositoooo, que han dicho que tu tortilla es la mejor de Madrid! E nós vimos o Jose, sempre seríssimo e de poucos sorrisos, ficar vermelho como uma beterraba, só faltou chorar de emoção!

 

No Trifón, onde nossa falta de cerimônia nos livra da reserva, o diálogo pelas 22:00hs é mais ou menos assim, Mike hay sitio? Luisitoooo, macho, que estamos a tope! Vale, vente pa cá que te hago un rincón! Ressalto que ele não diz “te acho” um lugar, ele diz “te faço” um. A propósito, deve ter bem uns dois anos que a gente não escolhe o vinho que vai tomar ali. Na melhor das hipóteses, quando estamos acompanhados, ele faz sinal com a mão para o Luiz para saber a faixa de preço.

 

Às vezes, queria ter um gravador, porque só escrevendo acho que não consigo repetir o conteúdo das situações. Porque conta a entonação, a ironia e a velocidade que vem os diálogos. Para mim, há dois que são os campeões:

 

O primeiro no próprio Trifón. Estava com um amigo que pediu uma cerveja sem álcool. Ricky responde na lata, no hombre, que aquí no hay esas mariconadas! Caraca, foi genial! Lógico que ele estava brincando, mas adorei o humor atrevido.

 

O segundo no El Rincón de Jaén, restaurante saindo gente pela janela de tão cheio. O corredor lotado do povo esperando a vez para mesa. Grita alguém do balcão: mesa para cinco de Juan! Imagino que o Juan e seus quatro acompanhantes começaram a se dirigir para as mesas. Grita respondendo rápido o garçon que a mesa ainda não estava pronta. O cidadão do balcão emenda na hora, Juaaan tomate más una caña y no te vayaaas! Ficou claro que Juan é o cliente, né? Pô Juan, a mesa não tá pronta, toma aí mais uma cerveja!

Pokito a poko

Vale, venga, vou fazer as pazes com as palavras. Palavras me trazem de volta às pessoas, mas às vezes preciso voltar mais devagar.

 

Como foi por esses dias? De tudo um pouco. Passei um suspense paterno, melhorou. Passei pelas minhas crises, vai, melhorou também. E que bom que é verão e os dias são claríssimos e ensolarados.

 

Tomei um Vega Sicilia, que abuso. Descobri que também vai muito bem com galinha. Não uma qualquer, uma marinada e assada, feita bem devagar. E naquele momento, que vinho abrimos? Foda-se, que seja um Vega! Sou mais feliz porque tenho bom paladar, saúde para desfrutá-lo e companhia para compartilhar.

 

Inauguramos a piscina. Não estou nêga, mas já tenho uma cor mais saudável. Não chamei trezentos amigos, não estou pronta ainda, mas quero estar. Não gosto de coração pequeno.

 

Por esses dias já contei que trabalhei numa exposição de um amigo. É fogo como a arte ainda mexe comigo. Eu nego, renego, mas ela me pega de jeito.

 

A comunidade imparável acabou. Não sei se a culpa foi minha, não sei se alguém teve culpa. Sei que me aborreci, tive coisas mais importantes para resolver e deixei para lá. No dia em que recebi a mensagem que havia acabado, fiquei triste e nem fazia parte mais. A vida é assim, tem ciclos. E não fiz nada.

 

Na sexta-feira cheguei em casa meio cansada. Na verdade, cheguei cansada para burro! Mas era aniversário da outra imparável e tinha certeza que estava atrasada para a super-mega-festa-animadíssima dos nossos três milhões de amigos. Abri meus e-mails correndo para saber onde ir e recebi a mensagem que ela desanimou, não ia mais comemorar.

 

Hein? O que raios está acontecendo com o mundo? Todo mundo cansou?

 

Eu pensei em não fazer nada. Não era meu aniversário, vai que ela nem queria comemorar. Luiz estava chegando de Barcelona exausto, talvez fosse melhor deixar para lá. Mas de repente, a idéia de deixar para lá me deixou puta! Não posso esperar cada porre para dizer às pessoas que elas são importantes e já estava de saco cheio de não fazer nada.

 

Catei o telefone e liguei para minha amiga aniversariante, sem chance! A outra doida, que já estava deitada, não levou nem duas frases para ser convencida e em alguns minutos a confusão estava armada.

 

Nós e a Cinderela nos encontramos no Moulin Rose, quase meia noite, de lá seguimos para a famosa Sala Sol, onde outra amiga negociou a entrada, paga meia dúzia e não enfrentamos fila. A noite foi ótima! Chegamos em casa pelas 6 da matina, ainda com fome. Fui fazer entraña, que é um corte de churrasco. Sim, nosso café da manhã foi churrasco! Ainda bem, porque depois só consegui dar o ar da graça pelas 19:00hs.

 

Levantamos, sem muito pique para grandes farras, mas com fome. Fomos à uma churrascaria, a Brasa y Leña,  ver um amigo tocar, tudo bem light, pode acreditar.

 

Ainda na sexta, combinamos um churrasco no domingo. Mas como ninguém estava muito confiável, não sabíamos se ia rolar. Trocamos alguns telefonemas. Por que não? Mas só se acabarmos cedo porque segunda-feira todo mundo está ocupado. Beleza.

 

Domingo, acordamos bem, sábado foi tranquilo. E vou logo avisando que a culpa foi toda do Luiz, porque eu havia separado minha garrafinha de vinho para o churrasco. Afinal de contas, não tomo cerveja. Ele me pergunta, você vai tomar vinho? Estou levando cachaça. Ah, bom, então tá, tomo a cachaça…

 

Pois é, não preciso contar muito mais, né? Foram duas garrafas grandes e uma pequena de cachaça. E isso porque acabou cedo! Não vou contar tudo que aconteceu, até porque boa parte nem lembro! Melhor assim.

 

Na segunda-feira, eu, caxias como sempre, acordo preocupada para ir terminar a montagem da exposição. Felizmente, liga meu amigo antes, nem precisa, estamos quase no final, pode ficar tranquila. Diferente do pobre do Luiz que teve que ir para o tronco.

 

Na terça-feira, morgamos, dormimos cedinho.

 

Na quarta, fui caminhar com uma amiga no parque do Retiro. Ela está treinando para o Caminho de Santiago. Eu sempre estou treinando, porque nunca se sabe. Tenho planos malévolos de ir em setembro, mas vai depender de como as coisas caminhem pelo Brasil.

 

Na volta, Luiz e eu resolvemos jantar fora e conhecer um assador perto da onde moramos, a Casa José María. Fica na Calle Alejandro González, 8. Um show! Recomendo. Comi uma merluza recheada com gambas, setas e gulas. Atendimento educadíssimo e comida excelente!

 

Claro que com essas atividades já ganhei um quilo extra e estou pouco me lixando! Não aguento mais ouvir a mulherada falar em dietas! Meninas, a não ser que vocês realmente estejam uma vacas, eles não ligam para uma barriguinha! Eles também tem!

 

Hoje foi o vernissage da exposição que ajudei. Foi ótimo também! Não ficamos muito porque me deu fome, para variar um pouco. Daí fazer o que? Ligar para o Trifón, tem lugar? Vem que a gente dá um jeito. Aí vamos, né?

 

… andaba perdia de camino pa la casa, cavilando en lo que soy y en lo que siento, pokito a poko entendiendo, que no vale la pena andar por andar, que’s mejor caminá pa ir creciendo… volvere a encontrarme con vosotros, volvere a sonreir en la mañana, volvere con lagrima en los ojo, mirar al cielo y dar las gracias…

Ok, o clipe é brega, mas a música é boa 🙂

Exposição de um amigo em Madri

Andei meio sumida. Em parte, por uma preguiça danada em escrever, mas também porque andei trabalhando! Yes!

 

Tenho um amigo artista plástico que mora aqui há mais ou menos o mesmo tempo que a gente. Gosto muito do trabalho dele e olha que anda difícil pacas me agradar. Fiquei muito cética em relação à arte contemporânea por essas bandas, mas às vezes bate um ar fresco e é bom ver uma luz no fim do túnel.

 

Muito bem, esse amigo chama Marlon de Azambuja e foi convidado a fazer uma exposição no Matadero de Madrid. Como o próprio nome indica, o lugar é um antigo matadouro que foi renovado e se transformou em um imenso espaço cultural.

 

O projeto do Marlon é uma instalação gigantesca, que imagino ocupar bem uns 300 m2. Logo, ele precisou de ajuda para executá-la e fui dar uma força com outros amigos dele.

 

Montagem de exposição costuma ser um trabalho bem peão de obra, muito diferente do glamour do vernissage. Mas eu adoro! O pior é que adoro até quando a exposição não é minha! Bom, a não ser quando o artista é pentelho, e quanto mais inseguro, mais pentelho, aí ninguém merece. Felizmente, não é o caso e sempre que posso, topo ajudá-lo.

 

Enfim, importa que ficou bem bacana e recomendo a visita. A inauguração é dia 23 de julho, às 21:00hs, no Matadero de Madrid, Paseo de la Chopera 14. Fica aberta até dia 20 de setembro. É uma intervenção que pertence à série Potencial Escultórico e é realizada com fita adesiva sobre a estrutura arquitetônica do espaço Abierto x Obras.

foto5 

E para quem, como eu, gosta de uns bastidores…

Trabalho em execução
Trabalho em execução

 

Oli, o cãozinho zumbi colaborando
Oli, o cãozinho zumbi colaborando

 

Essa é a fitinha que a gente passou nesse espaço minúsculo!
Essa é a fitinha que a gente passou nesse espaço minúsculo!

 

Queria malhar braço? Vai construir uma parede!
Queria malhar braço? Vai construir uma parede!

 

No andaime, o Marlon, embaixo a Amanda, minha companheira de passar a fita
No andaime, o Marlon, embaixo a Amanda, minha companheira de passar a fita

Uma rapidinha

Aqui no wordpress há uma opção que te dá uma série de estatísticas, entre elas há uma chamada termos de motor de busca, que consiste em expressões que as pessoas pesquisam, no google por exemplo, e que fazem encontrar seu blog. Termos que constam em algum conteúdo publicado.

Muito bem, de vez em quando dou uma lidinha nessa lista para saber o que faz pessoas que não conheço chegarem aqui no buraco da fechadura.

É divertido, mas hoje encontrei o melhor termo de todos: whisky queima gorduras?

Alguém efetivamente acreditou nisso e resolveu pesquisar! Pior, chegou no meu blog assim! Por favor, se você está me lendo agora, precisamos ser amigas!

Brunch em Madri

Uma pausa para assuntos mais amenos, sou louca por brunch. Acho um luxo acordar tarde no fim de semana e fazer essa refeição que é metade almoço, metade café da manhã.

 

Mas não faz parte da cultura espanhola, pelo menos por enquanto. Como as tradições européias custam a se modificar, acho difícil que caia no gosto popular. Ainda assim, há público para isso, como se diz por aqui, gente com mais mundo. O problema é achar um lugar que se atreva a atender esse público.

 

Pois achei. Na verdade, uma amiga me disse, fomos comprovar e valeu à pena. Un brunch como dios manda! Servido nos sábados e domingos até às 16:00hs, coisa que achei fundamental, quem quer acordar correndo no fim de semana? Custa $19, tudo incluído e é bem farto, nesse dia nem jantei.

 

E como o que é bom, a gente recomenda, é a La Tapería da Calle San Bernardo.

 

Essa mesma amiga me falou de outro lugar, que em breve vou experimentar e se for bom, conto aqui também.

De trás para frente

Ok, escrever em parte é disciplina, então deixa eu montar nessa bicicleta e logo lembrarei. Porque vontade, vontade mesmo, está me custando a entrar. Não será por falta de assunto e acho melhor começar a registrar antes que se perca no tempo ou eu perca a coragem. Já nem sei o que quero escrever primeiro.

 

Vou começar pelo que é mais difícil de lidar, porém mais fácil de escrever, porque racionalizando fica mais simples. Meu pai está internado outra vez, evitando o suspense que já ficou para trás, está bem. É uma infecção urinária persistente, que precisa ser curada antes de continuar o tratamento com BCG, para a bexiga. O problema é que no início, havia a suspeita de ter infiltrado pelos rins, seja lá o que isso signifique. Sei que ele foi para o CTI, o que me parecia despropositado para uma infecção urinária. Ou era excesso de cuidado, ou eu é que não tinha todas as informações. Agora acho que foi um misto dessas duas coisas. Importa que ontem ele foi liberado do CTI e estava indo para o quarto. É possível que tenha alta em uns três ou quatro dias, a previsão inicial era de uns dez dias, ou seja, melhorou.

 

Sim, me assustou, fiquei na dúvida se tinha que ir para o Brasil outra vez, não queria sair de casa para esperar as notícias, toda aquela história. Enfim, consegui manter a calma até ter uma definição melhor do quadro, não aprendi, mas estou aprendendo. Estou aprendendo que agora é assim, dias bons e outros nem tanto, mas exagerando um pouco, não posso sair correndo a cada espirro. Eu, que sou de extremos, talvez seja obrigada a aprender a dosar.

 

Voltando o filme, nesse domingo, antes de saber dessa história, montamos a piscina aqui em casa. Verão passado aproveitei um monte e fiquei nêga, por improvável que pareça. Esse ano quase não tive vontade de montá-la, praticamente me forcei porque o curso das coisas deve continuar. Agora estou sem ânimo de aproveitá-la, ainda não entrei nem uma vez, mas vou entrar com ou sem vontade.

 

No sábado, fomos ao Kabocla ver nosso amigo tocar. Foi divertido e surreal, estava bom, mas diferente. No fundo, acho que para mim foi uma tentativa de voltar e às vezes me esqueço que os caminhos de volta também mudam, porque não sou o umbigo do mundo, portanto não sou a única a mudar, todos tem seu curso. De alguns amigos me aproximei, de outros perdi a confiança, soube que tinha razão e de maneira incoerente, quis não tê-la. Depois não me importou mais. Agora sim se tratava do meu umbigo e por alguns instantes tive o gosto da sensação de poder tudo outra vez, se faltava confiança era em mim, esse era um problema meu, e não falta mais.

 

Anteriormente, na quinta-feira, fomos à despedida de uma amiga, onde conheci outras pessoas. Ando com vontade de conhecer outras pessoas, preciso aumentar um pouco o mundo. Uma delas começou a me perguntar coisas bastante íntimas e não me incomodou. Sabia que me perguntava por seus próprios motivos, tem decisões a tomar. Conversávamos sobre visto de trabalho, como foi para eu vir só com o visto de residência e tal. Até que chegou na pergunta principal, se você soubesse que era assim, você viria?

 

Sim, viria. Mas viria sabendo do que se tratava. O fato seria o mesmo, mas mudaria a atitude. Expectativas são quase inevitáveis, mas são uma merda! Sou perfeitamente capaz de abrir mão da vida profissional formal por algum tempo, talvez até muito tempo. Mas é insuportável que fique implícito que, se não a tenho, é porque no fundo, eu é que não me esforcei o suficiente. Isso é uma tremenda injustiça, e o mais injusto é que acreditei nela. Não acredito mais. Não posso mudar o passado, mas posso mudar a atitude.

 

Não faço arte por hobby, não escrevo para ocupar o tempo, não preciso de um subemprego ilegal para pagar contas, não volto para o mundo de negócios porque não quero e não trabalho porque não posso. Ponto final.

 

Próxima página? Nem idéia. Talvez pegar uma piscina.