66 – La feixoada

Não, essa palavra não existe, mas é como os espanhóis costumam pronunciar nossa feijoada.

 

É difícil comer uma feijoada legítima por essas bandas, porque não se encontra carne seca nem paio. Os outros ingredientes, como feijão preto e carnes de porco salgadas, são mais fáceis. Conheço gente que faz ao estilo ibérico, com os embutidos da região, o que quebra o galho, mas é outro prato, una fabada a la bestía! Fica tudo com gosto de páprika.

 

Bom, eu não sou uma pessoa se não comer feijão de vez em quando! Sem preconceito, preparo de todas as cores e sabores, com bastante alho e cebola. Agora, se tiver uma carninha seca e um paio… é correr para o abraço! Já estou ficando com fome!

 

Daí chego na Espanha e não encontro o raio da carne seca nem do paio, e agora? Converso com meus pais, porque claro, comida é assunto seríssimo na minha família e do outro lado do oceano meu pai fica indócil. Instaurada uma crise diplomática, assim não é possível! Como eu poderia so-bre-vi-ver sem esses ingredientes!

 

Poucos dias depois, bate o correio aqui em casa. Recebi na minha porta carne seca, embalada à vácuo, por sedex! Considerando que não devem ter pago menos de 40 euros pela entrega, acho que foi a carne seca mais cara do mundo! Quase Kobe. Ainda correram o risco de nunca chegar, porque é proibido enviar qualquer tipo de carne. Aceitei como uma declaração de amor, mas não me pareceu razoável que isso se tornasse frequente.

 

Buscamos e encontramos nossas alternativas, que um dia conto a história. Importa que nosso congelador vive com estoque para uma boa feijuca! Não dá para fazer sempre, vou controlando para não ficar sem nada, mas não passamos vontade.

 

Acontece que há um dia do ano que ela, a feijoada, ganhou status de estrela: o aniversário do meu digníssimo marido. Meio mundo sabe que ele não é chegado a comemorar nesse dia e levei anos para descobrir que substituindo uma palavrinha, ele era capaz de aceitar e se divertir. Então, não celebramos o aniversário do Luiz e sim, a feijoada do Luiz.

 

Portanto, em setembro, no sábado mais próximo do dia 6, realizamos a “Já Tradicional Feijoada do Luiz”. A data é ótima, porque há muita gente voltando de férias e é um bom momento para começar a nos reunir. Esse ano foi mais do que perfeito, porque dia 6 de setembro cai exatamente no sábado! Aviso divino!

 

Devido a disponibilidade de ingredientes e de espaço, infelizmente, não cabem todos que gostaríamos de convidar, o que é um pouco frustrante, mas por outro lado, não deixa de ser uma boa notícia. Chamamos sempre o máximo possível e a cada ano temos a sorte de poder incluir mais amigos. Aliás, de todas as tribos! Gosto de festa bem misturada. A maioria é de brasileiros, por uma questão de justiça, são os que mais sentem falta de um feijão caprichado, mas há muitos estrangeiros também.

 

Agora a parte prática, porque eu e uma sarna para se coçar somos eternos companheiros. Fui chamando deus e o mundo até que Luiz me perguntou algo como, você tem certeza que cabe esse povo todo que você está falando? E eu, claro… claro que não pensei nisso! Resolvi por a lista no papel e havia umas 50 pessoas! Ui! E quem vai cozinhar para cinquenta? Yo moi myself, quem mandou?

 

Não ligo para o trabalho, faço por etapas ao longo da semana, o problema é a responsabilidade! Nunca fiz feijoada para tanta gente! Bate um medo danado de não dar certo. Normalmente, sou mais tranquila com isso, porque com quem tenho intimidade para chamar em casa, também tenho para dizer, xi, queimou! Pedimos uma pizza? Entretanto, depois de toda essa expectativa, inclusive minha, para a bendita feijoada anual e a novela que é conseguir os ingredientes carinhosamente contrabandeados, como é que vou errar? Não dá, né? Os preparativos já começaram e estou tomando um cuidado do cão! Um pouco estressada pelas quantidades, mas no fundo, bem que gosto! E depois, ele merece.

 

Também é verdade que muitas amigas se ofereceram para ajudar, não aceitei porque não precisou, mas se precisar é bom saber que posso gritar. Conto com uma delas para algumas entradinhas e a sobremesa, menos detalhes para me preocupar.

 

Luiz buscou ontem as camisetas, porque desde o ano passado, fazemos o abadá. Não é que o negócio está ficando profissional?

 

Grandes possibilidades de rolar música ao vivo, a vantagem de ter amigos músicos. Fora o pessoal do coral e a mini escola de samba que temos na sala, o que me dá até medo do que pode acontecer. Por via das dúvidas, vizinhos convidados!

 

Bom, melhor Isaura voltar para a cozinha e se esmerar, que ainda falta muita coisa!

 

Lerê lerê lerê lerê lerê…

 

65 – Futebol totó

Não sei da onde saiu esse nome estranho, mas fui apresentada ao futebol de mesa como totó. Em São Paulo é pebolim, no sul do país é fla-flu e aqui na espanha é futbolín.

 

Quando éramos crianças, havia uma mesa dessas em casa. Acho que era do meu irmão, mas sempre gostei de jogar mais do que ele. Simplesmente era tarada pelo tal do futebol totó. Fazíamos campeonatos com os meninos da rua e modéstia às favas, era campeã. Na minha memória, era minha brincadeira favorita.

 

Para ser honesta, defesa nunca foi meu forte. Fazia se precisasse, sou jogadora de ataque e violenta.

 

Bom, o tempo passou e tive algumas poucas oportunidades de jogar. Mas a verdade é que logo depois das primeiras partidas, parecia que a mão voltava a funcionar, como andar de bicicleta. O que acho engraçado é que não sou uma pessoa de jogos, perco a atenção e a paciência com muita facilidade. Mas no totó, sei lá, me baixava um santo e para sair da mesa precisava ser arrastada! Absolutamente viciante.

 

Enfim, acredito que houvesse, pelo menos, uma dezena de anos que não encarava um futebol de mesa. Não me lembro porque o assunto começou, mas entre amigos, resolvemos buscar algum local onde pudéssemos jogar.

 

Através da internet, encontramos um lugar chamado Cervecería Salamanca e para lá fomos ontem, em cinco pessoas. Apesar de ser um bar, a frequência me parecia razoavelmente adolescente, muita fumaça de cigarro e uma música altíssima. Abstraí, queria mesmo era jogar.

 

Havia duas mesas. Uma delas a menina do balcão nos avisou que ficava a noite inteira ocupada. Aparentemente, estava o campeão europeu de futbolín. A outra, um grupo de garotos levou mais ou menos uma hora para liberar. Hora essa que esperei roendo as unhas. Chegou nossa vez, que suspense. Um dos amigos havia desistido e ficamos em dois casais.

 

A mesa era bem mais moderna da que jogava no meu tempo. Os bonecos de material plástico rígido, iluminação interna e um tipo de placa na altura dos olhos, na vertical do meio do campo, que não nos deixava ver o rosto dos adversários. Bom, vá lá, as coisas evoluem, teoricamente, deveria ser melhor para jogar.

 

Não era, pelo menos na minha opinião. Os anos foram implacáveis e não tive agilidade nem parecida aos bons tempos de jogadora. Frustrante, porque os bonecos nesse material travam um pouco a bola, você não conseguia dar tacadas muito fortes. Ainda por cima, um dos meninos que estava jogando antes, ficou sozinho no bar e pedia o tempo todo para jogar conosco ou dava palpites, obviamente não requisitados. Joguei contra ele um par de vezes, era um garoto, e provavelmente treinava com frequência. Deu um pouco de raiva porque pensava que já joguei muito melhor e que em outras ocasiões o teria posto para correr nos primeiros cinco minutos. Mas agora, era ele quem ganhava e era um chato!

 

Entretanto, um chato útil, porque também foi ele quem nos avisou que havia uma mesa “das antigas” em outro bar ali perto.

 

Decidimos ir embora, já meio cansados e porque não dizer, todos com cara de nádegas, meio frustrados por não conseguir jogar como se esperava. O desânimo coletivo paradoxalmente nos animou, o problema não era nosso, era da mesa, claro!

 

Na saída, resolvemos procurar o outro bar do totó antigo, ficava meio escondido, mas Luiz o encontrou. Um pub pequeno, com uma mesa no minúsculo andar de baixo, que não deveria ter mais do que 5 m2, e onde não havia ninguém. Ou seja, ficamos com nossa salinha privê e uma mesa good old fashion way, com jogadores de madeira. Para mim, o paraíso!

 

Suei como se estivesse praticando um esporte radical e bebi nada mais do que água, porque não queria me desconcentrar, além de uma sede mortal. Luiz, fiel com seu Jack Daniel’s, foi um cavalheiro e segurou a onda na defesa. Somos dois jogadores de ataque, mas ele quebra meu galho. O casal de amigos, se revezava entre ataque e defesa e foram partidas emocionantes e equilibradas. Bom assim, gosto de adversários que dão trabalho.

 

Não jogo mais um terço do que pude um dia, acho que nunca jogarei, mas aos poucos fui recuperando a mão. E aquele barulho da bola batendo na madeira, para mim é música. Não conheço uma maneira mais elegante de falar que a porrada que a gente dá na bola e o tá-tá que ela faz quando bate no gol adversário é algo que me tira do sério, no bom sentido, adrenalina na veia.

 

Foram mais de vinte partidas e quando Luiz parecia que ia derreter e o casal de amigos insinuou achar que era hora de ir, resolvi ser razoável e aceitar. Fomos felizes pela rua, apesar de reclamar de dor no pulso, no joelho, nas costas, doía tudo! Foi quando descobri que passava das 2:30hs da matina e que estávamos jogando a, pelo menos, umas quatro horas seguidas! Como assim? Já?

 

Hoje acordamos como um casal de velhinhos. Luiz colocando compressa de água quente no braço e eu me sentindo como se tivesse dançado a noite toda. Uma dor nas costas humilhante!

 

E o pior é que estou louca para voltar. Junkie total!

 

64 – O tenor da Renault

Algumas vezes, escuto da minha janela uma voz de tenor, cantando em italiano. Voz de ópera mesmo, o indivíduo canta bem. Sabia da onde vinha, de um prédio comercial baixo, que fica logo em frente do nosso edifício, e todos os dias solta cheiro de pintura automotiva.

 

Gosto de escutá-lo cantando, mas nunca o havia visto. Ele canta e eu continuo martelando o teclado, às vezes diminuo o ritmo para ouvir melhor. Em agosto, não o escutei mais. Fiquei na dúvida se ele estava de férias ou havia mudado de emprego.

 

Sou uma pessoa muito visual, portanto, escutava a voz e imaginava o cidadão. Forte, mais para barrigudo, por que toda vez que escutamos uma voz potente, imaginamos uma pessoa grande ou gorda? Alto, pele clara, deveria ser italiano, espanhol não canta em outro idioma normalmente, talvez meio calvo. Devia ser bem humorado, porque trabalhava cantando.

 

Bom, hoje a voz voltou e não aguentei a curiosidade, tô dizendo que ando uma cotilla. Uma janela do outro lado aberta, só podia ser de lá. Era. Óbvio que o cantor era totalmente diferente do que imaginei, alto, corpo normal, não era nem gordinho, moreno claro com bastante cabelo, razoavelmente jovem, uns 40 anos, pele mal tratada e de óculos. Não sei se o óculos era só para proteger enquanto ele fazia a lanternagem do carro. Usava um macacão da Renault, mas de paletó preto, diria que era o contador da empresa.

 

Deu uma vontade de brincar e começar a aplaudir. Mas fiquei com vergonha e com medo de ser mal interpretada, sei lá. Quando vi que ele iria virar, saí logo da varanda, acho que ele não me viu, mas provavelmente percebeu meu vulto, ou seja, que tinha público. Aí é que se empolgou!

 

Já inventei a história toda, é um imigrande italiano. Seus pais eram apaixonados por ópera e ele escutava desde criancinha. Entretanto, não teve condições econômicas de se dedicar a essa paixão pela música. Casou-se com uma espanhola e quando a primeira filha nasceu, foi trabalhar em oficinas mecânicas. Seu sonho é que um dia um produtor musical passe pela rua e descubra seu talento. Pronto!

 

Eu me divirto!

 

63 – Só eu não sabia!

Alguém já encheu o saco da Carla Bruni? Pois é, eu sim. Juro que não foi por despeito, realmente é uma mulher muito bonita, mas simplesmente não aguentava mais que a notícia política francesa se resumisse às carinhas e biquinhos infantis da mocinha em questão. Aquela cabecinha virada para o lado, tão frágil, me deu nos nervos!

 

Até que na semana passada, descobri o que o planeta já devia saber, ela canta uma música que adoro, Quelqu’Un M’A Dit. Não é que ache uma canção de outro mundo, mas é muito bonitinha, me lembra café-da-manhã ensolarado e com preguiça.

 

Pronto, já mudou minha impressão! Vai ver aquele pescoço pendendo eternamente é porque a coitada está com torcicolo. Depois, assim ela fica da altura do marido.

 

Enfim, brincadeiras à parte, ela ganhou vários pontos no meu conceito. Inclusive, ela deveria estar preocupadíssima com isso, né?

 

Só sei que a música não sai da minha cabeça e ando ouvindo cordas imaginárias, de preferência em violoncelo.

 

62 – O acidente

Já faz alguns dias, aqui só se fala no acidente do avião da Spanair. Não conhecia ninguém, o que em princípio me tirou a atenção do caso.

 

Entretanto, algumas mortes parecem comover mais que outras e isso não é uma crítica, é um fato. O país parou, todos os noticiários só falavam nisso e veja bem, estávamos em época de olimpíadas.

 

Vários amigos de outros países nos procuraram para saber se estávamos bem. E a verdade é que chegamos a pensar em viajar para o mesmo lugar, mas não fomos. Acredito que esse é o ponto, estávamos bem, não fomos, mas poderíamos ter ido. Talvez seja o que mobilize tanto as pessoas nesse tipo de acidente. Poderia ter sido conosco, poderíamos conhecer alguém, a empatia é imediata. O mundo é globalizado, todos viajamos para algum lugar ou conhecemos alguém que viaja.

 

A demanda por informações sobre esse caso era absurda. Teve rádio ligando para uma amiga ler o jornal daqui no ar no Brasil. Quer dizer, nenhuma novidade, simplesmente repetir o que já se sabia. E quando jornalista não tem novidades para contar, enrola com as mesmas bobagens horas seguidas. Até o vizinho do piloto que morava em outra cidade foi entrevistado, como se isso pudesse agregar algum fato relevante. Fora a exploração do sofrimento alheio, quanto mais se pudesse cutucar um parente desesperado, melhor o ângulo do choro para a câmera. Tenha santa paciência! Mas que falta de respeito.

 

Encarei três encrencas aéreas, um CB (cumulus nimbus ou algo assim), um urubu na turbina com pouso forçado e um pouso em final de furacão. Alguns podem dizer, caramba, mas que uruca! Na verdade, acho o contrário, continuo aqui, então devo ser vaso ruim. Não vou negar, me deu um medo danado de viajar de avião. Até que há uns dois anos, aproximadamente, meu medo acabou, como veio se foi, o que para um ser expatriado como eu, foi um tremendo alívio. Por isso, honestamente, quando escuto sobre acidentes aéreos reais ou em filme, troco de canal, não quero saber, não quero voltar a ter medo.

 

Sinto muito pelas pessoas que se foram, como sentiria por qualquer desconhecido que passou um mau pedaço. Não tenho nenhuma curiosidade pelos detalhes mórbidos, só presto atenção nas notícias dos sobreviventes, que felizmente houveram.

 

Acho importante se apurar os reais motivos e aprender com isso, diminuir a possibilidade que aconteça novamente. Ainda que às vezes, por mais duro que seja admitir, shit happens!

 

 

 

 

61 – Calmaria

Agosto tem sido um mês bastante calmo, sem grandes novidades nem muito o que contar. Aproveitei para descansar o máximo que pude, pois sabemos o que sempre costuma chegar após as calmarias. Tudo bem, nem toda tempestade é má, algumas nos divertem, outras nos distraem e há ainda as que nos afundam. Em todas, precisamos nos molhar. Tudo bem também, meu elemento sempre foi a água.

 

Algumas decisões tomadas. Falta uma certa coragem, mas um passo de cada vez e por enquanto vou caminhando mesmo sem grande valentia. Um pouco de solidão, pois há decisões que são só nossas e não se pode controlar todas as variáveis. Não controlo nem minhas vontades, que às vezes parecem vicerais, uma compulsão em tentar. O subjuntivo é bom para aguçar, mas preciso viver de indicativo, de pretéritos perfeitamente deixados para trás e de presente. Mas é o futuro que agora me chacoalha e não sei conviver muito tempo com o se. Nem quero aprender.

 

Setembro promete. Que venha o caos! Já ando mesmo com saudades.

 

“Ando tão à flor da pele, qualquer beijo de novela me faz chorar. Ando tão à flor da pele, que teu olhar “flor na janela” me faz morrer. Ando tão à flor da pele, que meu desejo se confunde com a vontade de não ser. Ando tão à flor da pele, que a minha pele tem fogo do juízo final…”

 

61 – La Virgen de la Paloma

Na sexta-feira, foi feriado, dia da Virgen de la Paloma. E quem é la Paloma? Bom, esse negócio de explicar santo é muito complicado. Teoricamente, a padroeira de Madri é Almudena, inclusive, é o nome que leva a catedral em frente ao Palácio Real. Mas também se venera São Isidro. Até aí, mais fácil, porque se diz que a padroeira é Almudena e o padroeiro é Isidro. E a Paloma, onde entra? Aparentemente, é a padroeira do coração.

 

Que me perdoem os devotos, mas não sou lá muito católica, muito menos politicamente correta. Portanto, imagino que seja algo como torcer para escola de samba, a gente torce pela nossa, mas sempre há algumas escolas a quem somos simpatizantes.

 

O que importa nesse momento é que espanhol adora uma festa de rua, e em função da Paloma, são três dias de comemoração no bairro de La Latina, um dos mais castiços da cidade. Parece uma super quermese, onde não se entende bem onde para a fé e começa a farra. Apesar de que esse conceito de mesclar o sagrado e o profano não é coisa só de espanhol.

 

No sábado bateu curiosidade de ver como estava a festa. Também já estava meio cansada de ficar em casa, queria passear e ver gente. A temperatura não podia estar melhor e fico louca para estar ao ar livre.

 

Começa com uma procissão, que não fomos, da imagem da santa, tudo com muito respeito. Essa imagem vai para a Plaza de la Paja e fica lá iluminada. A propósito, é onde fica a igreja de San Isidro. Acontece que, nessa mesma praça e seus arredores, rola a maior festança! Tem apresentações de Zarzuela, bancas de comidas e bebidas, pessoas em trajes típicos, enfim, tudo muito animado e que não lembra exatamente uma festa religiosa.

 

 

 

 

O público é bem diversificado. A maioria é gente jovem, mas se encontra com facilidade de todas as tribos, famílias, crianças, espanhóis, estrangeiros, turistas, idosos, mendigos, alternativos, todos na rua convivendo tranquilamente. Logo que chegamos, vimos algum movimento de carros de polícia, mas verdade seja dita, me pareceu tudo muito pacífico. Apesar das pessoas estarem bebendo, dançando e caminhando pela rua, não vi nada nem próximo a confusão.

 

 

Os trajes típicos são interessantes. Você encontra vários casais pela rua, o homem com um terninho e chapéu, a mulher com vestido e flor na cabeça. Estava louca para fotografá-los, mas não queria incomodar ninguém. Até que passou um casal de senhores guapísimos! Não resisti, tentando disfarçar, tirei uma foto meio de lado, meio de costas. Mas a senhora me viu e olhou para trás sorrindo. Bom, foi minha deixa para sorrir também e pedir com a cabeça se podia tirar outra foto. Ela rapidamente se ofereceu me chamando, venga a por una foto con los abuelitos, que así llevarás  una buena recordación de La Paloma! Pode haver algo mais simpático que isso? Pois tiramos fotos, Luiz e eu, de braços dados com eles.

 

 

 

Todos os bares da redondeza colocam balcões e mesinhas do lado de fora. Cada um tenta chamar mais atenção que o outro, com decorações diversas, envolvendo bandeirinhas, bolhas de sabão, luzes e música alta. 

 

 

 

A música é bem variada, desde tradicionais espanholas à eletrônica, tem de tudo e ao mesmo tempo. É um pouco de poluição sonora, os vizinhos não devem ficar muito felizes, mas convenhamos, uma vez ou outra não mata ninguém e é divertido.

 

Não é incomum ver sobre os bares lotados de gente bebendo álcool, a imagem da santa iluminada ou em destaque. Pode parecer contraditório, mas ainda que ache curioso, não me choca. Acho até que fala muito sobre a cultura local.

 

Paramos no Txakolí, uma taberna de pintxos vascos de nome para mim quase impronunciável. Pinchos são um tipo de aperitivo pequeno e individual, como torradas, sanduichinhos, coisas assim. Em euskera, língua falada no país vasco, se escreve pintxos. Essa taberna fica na Cava Baja e na minha opinião serve os melhores pintxos da cidade. O problema é que muitas outras pessoas sabem disso e você precisa praticamente se estapear no balcão para conseguir ser atendido. Entretanto, ontem, acredito que pela quantidade de opções, estava cheio mas não impossível. Justo em frente, havia na rua um DJ bastante jovem tocando música eletrônica. Acho que era onde havia a maior concentração de pessoas dançando.

 

Resolvemos voltar caminhando, o que adorei, ando sentindo muita falta das caminhadas, mas no verão complica um pouco. Em plena Puerta del Sol, descobrimos que era noite de eclipse. Minha digitalzinha não dá conta do recado, mas pelo menos consegui registrar o momento.

 

 

 

Boa parte do caminho, vim tomando um sorvete incomensurável e prestando atenção na evolução do eclipse. O sorvete, Luiz precisou terminar e o eclipse, precisei abandonar porque, vou logo entregando, ele pediu arrego da caminhada e me convenceu a pegar o metrô.

 

Chegamos em casa com a lua quase cheia novamente. O eclipse, ou quem sabe La Paloma, amenizaram seus efeitos. Passamos na frente dos bombeiros, que se encontravam todos do lado de fora batendo um papo animado. Aparentemente, foi uma noite calma.

 

 

60 – Quando pensamos que terça é sexta…

Plena terça-feira, aniversário de um amigo do clã dos imparáveis. Festa, claro! Mas na terça?

 

Bom, tudo bem que ando com uma preguiça daquelas, mas minha natureza sempre fala mais alto. Então vamos. Até porque, me disseram que era uma festinha super familiar.

 

O causo é que é uma família de porra-loucas animadésimos! Aí, já viu, né? Além do mais, sou uma pessoa muito educada e detesto recusar o que as pessoas me oferecem. Sou solidária, gosto de acompanhar. Acompanhei com cava, com cachaça, com whisky… Putz! Enfim, ainda bem que sou dura na queda e garanto que não paguei mico, pelo menos, não que me lembre. Melhor não pensar muito no assunto.

 

Um dos convidados é músico profissional e acabou rolando um violão com música ao vivo. E não, não estamos falando de te-amo-espanhola, foi mais para rock & roll mesmo. Daí, lá fui eu outra vez acompanhar, pura educação! Apareceu um livrinho com as músicas, não sei da onde, e lá íamos nós tentando cantar junto, naquela afinação clássica. Outros instrumentos foram se agregando, um ganzá e o cajón flamenco que levamos de presente de aniversário. Definitivamente, o vizinho dos nossos amigos é surdo ou muito gente boa.

 

Em resumo, divertidíssimo! Apenas um ligeiro probleminha básico, era terça-feira e não sexta! Ou seja, no dia seguinte, mais fácil perguntar quem não estava de ressaca. Acho que só Luiz, que bebeu refrigerante porque ia dirigir. É verdade que mal não acordei, entretanto, devo ter tomado uns cinco litros de água, sem parar. Já certos participantes do evento, que não conto nem que me cortem a cabeça, enfrentaram algumas dificuldades para trabalhar.

 

Consequentemente, todos vão descansar bastante o resto da semana, certo?

 

Mais ou menos, porque nessa sexta aqui é feriado. Logo, a quinta-feira equivale à sexta! Cassilda, essa semana os dias estão meio confusos! Enfim, lógico que vamos nos encontrar daqui a pouco. Minha dúvida é se levo meu tam tam. Será?

 

59 – A preguiça de verão

Sabe o que ando morrendo de vontade de fazer?

 

Nada.

 

Mas na-da, nadinha! Uma preguiça crônica. Acho que estou ganhando do Jack, ele se espalha para um lado e eu suspiro para o outro. Tudo que pude enrolar, enrolei, assumo.

 

E não é só para trabalho não, me chamam para coisas que gosto de fazer, do tipo, vamos para uma terraza em Lavapiés, e eu penso, para que? Vamos dançar não-sei-aonde? E eu, outra vez?

 

Só pode ser o calor infernal, devo estar com ensolação! Cada vez que ameaço por o nariz na rua, repenso se é realmente necessário. Bom, a não ser que seja para ir à piscina. Isso sim, fiz agosto inteiro. Estou neguinha, juro, como há muitos anos não fico. Não me lembro mais quando pude tomar sol tantos dias seguidos.

 

Vou passar o outono inteiro a base de creminhos tira manchas e sardas, paciência. Uma coisa de cada vez e estou adorando ser bronzeada. Quase esqueço como sou branquela de verdade.

 

Pelo menos, sinto menos fome, e consequentemente, a menor vontade de cozinhar.

 

Sinceramente, acho que é o calor. Ainda que ame o verão. Digo porque foi só a temperatura começar a cair, discretamente, mas está mais ameno de uns dias para cá, que instantaneamente, foi me dando mais vontade de fazer as coisas. Talvez deva seguir a filosofia do Garfield e ficar bem quetinha esperando essa vontade absurda passar.

 

58 – Apareceram!

No terceiro dia, até que nem foi tanto, apareceu Luly com os três filhotes. Acabo de vê-los agorinha mesmo, mas estou sem bateria na máquina fotográfica.

 

Como de costume, escutei a senhora chamando a gatinha e fui na janela. Nada dos gatos. Por sorte, ela não desistiu, rodou o condomínio inteiro chamando a felina com rosto de preocupada.

 

Eu havia deixado a janela resignada, mas escutava a voz da senhora. Quando ela parou de chamar, fui olhar por desencargo. E lá estava toda a família comendo. A filhote tricolor já pede carinho, os outros ainda são bem desconfiados e mal saem do lado da mãe.

 

Aliás, a gata é boa mãe. Os filhotes estão grandinhos, mas ela ainda cuida deles. Na semana passada flagrei um mamando. Nesse tamanho, a gata costuma não aceitar mais, porque os dentes podem machucar. Mas ela parecia amarradona, até deitou de barriga para cima.

 

Enfim, tudo bem. Ufa!

 

57 – Por onde andará Luly?

A Espanha é muito conhecida por seu “cotilleo”, que poderíamos traduzir como fofoca. Um fofoqueiro é um cotilla. Aqui, todo mundo gosta de se meter na vida de todo mundo. Não é exatamente mal visto, é como um traço cultural.

 

Na época que encontraram aquele louco austríaco, que prendeu a filha no sótão por 24 anos, a piada de humor negro por essas bandas é que isso nunca aconteceria na Espanha. Porque todos seus vizinhos cotillas já teriam se interado na primeira semana.

 

Não sei se estou me tornando uma cotilla, mas a cada lugar que moro, reconheço rapidamente os animais daquela zona. Que cachorro pertence a quem, que gatos circulam pelas ruas ou aparecem nas janelas.

 

Logo que mudamos para esse último apartamento, percebi que havia uma gatinha cinzenta prenha que vivia no condomínio ao lado. Ai, meu deus! Essa gatinha vai parir já já e vou ficar agoniada com os filhotinhos na rua… E nem adianta me engraçar, porque tenho meu felino gordo que não gostará nada de ter companhia! Também havia um gato branco e amarelo que de vez em quando estava com ela.

 

Muito bem, não demorou muito, descobri que havia uma senhora, nesse mesmo condomínio que alimentava e cuidava da gatinha. Algumas vezes ao dia, ela aparecia pela área e chamava, Luuuuly! E lá vinha Luly ganhar água e comida. Que alívio me deu!

 

Pouco depois, descobri que Luly tinha família. Três filhotinhos muito fofos, um cinza, igual a ela, um rajado e uma branca, amarela e preta. Devido a coloração da última gata, deduzi que o pai era o tal gato amarelo e branco, pois nasceram três mesticinhos. E sei que o terceiro filhote é fêmea, porque só as fêmeas tem três cores.

 

Todos os dias é o mesmo ritual, desce a senhora algumas vezes e chama os gatinhos para comer. E a cotilla aqui, toma conta de tudo da janela!

 

Uma vez vi uma cena surrealista, duas senhoras apareceram, com aqueles carrinhos de compras na mão e começaram a alimentar esses gatos. Poucos minutos depois, apareceu a mesma senhora do condomínio e pagou um esporro daqueles para as duas, mandando elas irem embora ao som de: fuera!

 

As duas saíram praguejando, dizendo que ela estava maltratando os gatos, que elas a denunciariam e que ela teria que voltar para o país dela. Foi quando descobri que a senhora era estrangeira, é impressionante como sempre se usa o mesmo argumento patético do volte ao seu país! Mas enfim, ela nunca tratou mal aos gatos, sou testemunha, pelo contrário. Aliás, estava prontinha para descer, caso a polícia realmente aparecesse. Lá ia eu me meter! Não foi necessário, as duas coroas botaram os rabitos entre as pernas e foram embora. Nunca mais as vi.

 

Achei muito engraçado as pessoas disputarem quem alimentaria os gatos de rua, é muita falta do que fazer! Tem tanto animal solto precisando ser cuidado, para que essa bobagem competitiva?

 

Sei que dona leoa estrangeira continuou alimentando e cuidando de seus felinos. E eu, continuei tomando conta pela janela. Na verdade, adoro bichos e não deixavam de me fazer companhia quando apareciam pelo jardim. Um dia consegui fotografá-los, todos juntos.

 

 

 

Quando escuto a senhora chamando por Luly, vamos ela para comida e eu para janela. O problema é que ontem Luly não apareceu e fiquei angustiada. Sei que gatos às vezes passeiam ou se mudam, mas esses me pareciam bem satisfeitos ali. Por outro lado, acho que não aconteceu nada grave, porque se foram os quatro, a fêmea e os três filhotes.

 

O jeito é esperar. Por onde andará Luly?

 

56 – Cliente, esse ser inconveniente que vem aqui me atrapalhar!

Quem mora em Madri ou já esteve por essas bandas, sabe exatamente do que estou falando. Ainda que se note algumas melhorias, pequenas, mas se nota, o normal é que o cliente seja visto como o chato da história. Afinal de contas, quem precisa de cliente não é mesmo? Todo mundo está careca de saber que dinheiro cai do céu e que qualquer negociante só abre um comércio por falta do que fazer!

 

Na terça-feira, fomos a um jantar de aniversário no Gaudeamus Café. Sejamos justos, o lugar é uma graça! Fica em um edifício antigo em Lavapiés. O prédio é maravilhoso, foi restaurado e é ocupado por escolas. Na cobertura, fica o restaurante. Charmoso, gente bonita e com um grande espaço para mesinhas ao ar livre.

 

Pois muito bem, como de costume, fomos os primeiros a chegar e nos dirigimos para a mocinha que recepcionava as pessoas. Dissemos que tínhamos uma reserva no nome da aniversariante. Ela conferiu, encontrou a reserva e nos disse, mas é só para às 21:00hs! Respondemos, mas são 21:10hs. Ah, são? É mesmo! Sorrimos todos, natural, alguém se confundiu com a hora.

 

A conversa prosseguiu. Mas aqui diz que a reserva é para 12 pessoas. Então, eu prefiro que vocês esperem aqui até a maioria chegar. Porque senão, toda hora eu terei que levar alguém na mesa.

 

Hã? Ela repetiu.

 

Vamos traduzir, eu, a garçonete, prefiro (o verbo utilizado foi exatamente preferir) que vocês clientes fiquem aqui em pé, sem consumir nada, esperando os outros amigos de vocês que devem chegar em algum momento. Quando já tiver bastante gente, vocês me chamem outra vez, porque eu é que não vou ficar para lá e para cá levando vocês na mesa, né?

 

Convém explicar que isso não foi dito em tom de raiva, coisa que eventualmente pode acontecer. Foi dito assim com um sorriso, como se fosse muito natural. O cliente que espere! Claro!

 

Logo depois, chegou a aniversariante. Para ela, foi dado o número cabalístico de um mínimo de sete pessoas, ou seja, assim que conseguíssemos reunir sete amigos, ganharíamos o direito supremo de nos sentar à mesa.

 

Nesse dia, estava de bom humor, além de ser convidada. Ou seja, não estava para criar caso com ninguém. Além do mais, as pessoas eram ótimas! Então, a gente simplesmente tentou relaxar e aproveitar.

 

Na mesa, descobrimos o seguinte, para grupos havia um menu fixo com algumas opções compartilhadas. Isso significa que você não pode eleger todas as opções do cardápio, tem menos escolha. Ou seja, vamos facilitar também para o pessoal da cozinha, né? Vai ficar cada um pedindo uma coisa diferente? Tenha dó, vamos trazer um pouco de cada coisa e vocês dividam aí entre os convidados, pronto!

 

Bom, tudo bem, pessoalmente, até que gosto de provar de tudo. Então, podemos fazer o pedido?

 

É que tem mais um detalhe, já estão todos na mesa? Porque a comida precisa ser pedida toda de uma vez só.

 

Ai, cassete! Respira fundo, Bianca, a culpa não é desse ser que está parado na sua frente, ele é apenas o mensageiro. Não mate o mensageiro!

 

Finalmente, nosso garçon, que era gente boa, nos ofereceu uma saída. Vamos pedindo as entradas enquanto o último convidado não chega. Beleza! Minha paciência e meu estômago agradeceram.

 

A partir daí, melhorou bastante. A comida era gostosa, bem feita e o atendimento foi bom também. O garçon tirou até foto para a gente, com duas câmeras e sem fazer cara feia.

 

Em resumo, vamos fazer uma retrospectiva da noite. Foi uma delícia! Gente legal, conversa animada, garçon educado, boa comida e vista linda.

 

Agora, se me perguntam se quero voltar, a primeira coisa que me vem a cabeça é: hum… aquele lugar onde a recepcionista “prefere” que eu espere em pé, desconfortável e sem consumir, do que ter o trabalho horroroso de levar os clientes para a mesa. E se eu levar mais gente, o que significa uma conta mais alta, é pior e terei menos escolha.

 

É… acho que não.

 

55 – Aproveitando o verão em Madri

Quando entra agosto, Madri muda de cidade! Na Espanha, todo mundo adora tirar férias no mesmo mês, sempre é agosto e ponto final.

 

Diz a lenda que esse ano estão em crise, que os hotéis estão reclamando, que as pessoas estão viajando menos… pode ser, quem sou eu para duvidar, mas o fato é que as ruas madrileñas estão vazias e as praias lotadas. E faz um calor de cuernos!

 

Bom, não fui acostumada a viajar em agosto mesmo. Acho que só quando tinha férias escolares seguia algum padrão de viagem anual, ainda assim porque eram meus pais que decidiam. Depois que comecei a trabalhar, a verdade é que sempre procurei ir na contra-mão. É mais barato e os serviços são melhores. Para que vou me estapear por um filão de areia? Nem morta!

 

Honestamente, aprendi a gostar de Madri no verão também. Tudo fica mais tranquilo e gira em outra velocidade. É verdade que você tem menos opções de restaurantes e lojas, porque boa parte fecha durante todo mês, são férias coletivas. Mas pouco a pouco, noto que o comércio está tentando se administrar e aproveitar melhor esse período. Talvez a grande entrada de estrangeiros tenha favorecido essa situação.

 

O fato é que chegou outro agosto, o quarto que passo na cidade. Entretanto, o primeiro que tenho a mordomia da terraza. Por que não aproveitá-la? Às vezes, temos as coisas tão ao nosso alcance que deixamos para outro dia, ou para o fim de semana, ou para nunca.

 

Há umas duas semanas, montamos uma piscina de lona, que já havia no apartamento. Poderia ter sido montada antes, mas só fizemos sob o pretexto de ter crianças em casa.

 

Acontece que depois de montada, bem que gostei da brincadeira. Descobri que podia acordar um pouco mais cedo e pegar uma horinha de sol por dia. Melhor, se Luiz não chega tão tarde, ainda podemos aproveitar a luz que vai até depois das 22:00hs. O calor infernal tem suas vantagens, porque aumenta a temperatura da água, que parece ter sido aquecida mecanicamente. Fico a própria lagosta boiando na água morna e até peguei uma corzinha.

 

Na sexta-feira, Luiz conseguiu chegar cedo em casa. Quando me ligou do caminho avisando, já armei o circo lá em cima para não ter desculpa. Sei que deu preguiça de subir quando ele chegou, mas uma vez na terraza, aproveitamos o dia, a água e um churrasquinho básico no nosso clube privê.

 

De lá, seguimos para um aniversário duplo na Sala Caravan, foi show do Afonso, um brazuca que canta para burro e vive por essas bandas. Até pouco depois da uma da manhã, tempo que durou seu show, foi extremamente divertido. Depois entrou aquela música eletrônica espanhola de toda la vida que já não aguento, muito ruim. Quando você bebe um pouquinho, dá para suportar, mas nesse dia estava na base da água mineral. Por volta das 2:00hs, pedi arrego. As pessoas eram ótimas, mas não dava para conversar com aquela música péssima e altíssima. Na saída, paramos em um bar ao lado, com mais outro casal, para Luiz e eles tomarem a saideira. Que alívio ouvir as pessoas novamente!

 

No sábado, de dia fizemos algumas comprinhas básicas e à noite fomos jantar com amigos recém casados. Um apartamento ótimo, que por ser no andar térreo, ficou com direito a utilizar a área externa, ou seja, tem um ar de casa. Eles serviram o jantar nesse jardim, a luz de velas. Foi uma noite muito agradável.

 

Domingão, eu só queria piscina! Não acordamos tão tarde e de 13:00hs às 21:00hs fiquei sob o sol. Quase que o tempo inteiro dentro da água, do lado de fora não dava para aguentar o calor. Um casal de amigos nos fez companhia no nosso dia de morgação total. No início da noite, claro que eu era praticamente um salmão defumado. Não teve protetor solar que desse conta do recado. Mas tudo bem, estou parecendo mais saudável.

 

E assim passam os dias, com jeitão de férias, mesmo não sendo. Talvez a gente fuja em algum fim de semana para praia, não sei. Enquanto isso, que o Hawaii seja aqui!

 

Arroz de mentirinha (couve-flor)

Da série, parece mais não é!

 

O verão chegou tinindo em Madri, com ele, a época das dietas. Não acho que a gente precise sofrer para comer melhor e mais leve, mas infelizmente, dá um pouco de trabalho. Para mim, o grande problema em melhorar minha dieta alimentar é a variedade de opções que exige. Leva mais tempo, você precisa fazer compras com maior frequência, deve evitar os restaurantes e haja criatividade!

 

Ultimamente, a onda é cortar carboidrados, coisa que para quem mora no Brasil e cresceu comendo arroz com feijão é uma tarefa árdua. Portanto, darei uma dica que igual igualzinho não é, mas ajuda muito.

 

Ingredientes: couve-flor, alho, cebola, sal e azeite.

 

É bastante simples e rápido de fazer. Pegue a couve-flor e pique em pedaços bem pequenininhos, de maneira que tenha a aparência de arroz branco.

 

Em uma panela, coloque um jorro de azeite e faça um refogado de alho e cebola. Coloque o alho antes da cebola e deixe ele dourar e dar gosto no azeite. A cebola só precisa de alguns segundos. Em seguida, adicione a couve-flor picadinha. Mexa bem, coloque sal a gosto e pronto. A couve-flor não precisa de muito tempo na panela para cozinhar, se ela ficar molenga, ficará meio sem-graça e perde muito dos seus nutrientes. O bom é que esteja ao dente, outra vez, com a consistência de um arroz branco. O sabor lembrará bastante e a aparência semelhante ajuda muito.

 

Aproveitando, dou uma outra dica que aprendi na última consulta que fiz com minha endocrinologista. O feijão não é considerado um alimento exatamente leve para quem está de dieta, entretanto, o caldo do feijão é liberado. Ou seja, se você dispensar os grãos, pode tomar seu caldinho tranquila que, além de não te engordar, aportará os nutrientes, como se fosse o caldo de uma sopa de legumes. É claro que não estou falando do caldo de uma feijoada, né? Nem tampouco de bater o feijão no liquidificador. Veja bem, você não vai enganar o estômago esmagando bem as calorias, ok? O feijão é aquele refogadinho normal, com alho e cebola. Deixar o caldo um pouco mais ralo e coar.

 

Pois bem, para quem sofre com a abstinência do feijão com arroz, vale tentar o arroz de couve-flor com caldinho de feijão. Com quantidade, aparência e sabor bem parecidos, você pode reduzir um caminhão de calorias.

 

54 – Um pouco sobre vinhos espanhóis

Vou deixar uma coisa bem clara logo no início, não sou sommelier nem especialista. Simplesmente, sou louca por vinhos. Adoro experimentá-los e combiná-los com pratos. É uma bebida que me deixa feliz, mexe com as emoções.

 

Outro dia, um amigo blogueiro me perguntou sobre os vinhos espanhóis e achei que era um bom tema para escrever. Sem pretenções de dar nenhuma aula, reuni algumas informações e gostos pessoais. Vou logo avisando que a melhor forma de confirmar se o que vou contar é verdade, é provar.

 

A Espanha é hoje o terceiro produtor de vinho em volume. Ainda que, durante muitos anos, foi pouco conhecida e valorizada no contexto internacional. Viveu à sombra de países como França, Itália e Alemanha.

 

Exceto pelos Rioja e Ribera del Duero, quase não se ouvia falar dos vinhos das outras regiões. No Brasil, até hoje, basicamente se vende os Rioja. Pouco se sabe sobre os Ribera, na minha opinião, entre os melhores vinhos que já experimentei por essas bandas. Mas isso é gosto pessoal.

 

Hoje, na Espanha, são mais de 50 denominações de origem reconhecidas e 2 denominações de origem qualificadas, Rioja e Priorato. São vinhos excelentes e capazes de competir com grandes vinhos internacionais.

 

A Espanha está submetida à legislação da União Européia, que define duas categorias de vinhos, os vinhos de mesa e os VCPRD (vinos de calidad producidos en regiones determinadas), equivalentes a DO (denominação de origem).

 

Além das classificações oficiais, Espanha conserva suas próprias denominações, algumas inspiradas pelo sistema francês. Podemos dividí-las em sete classificações principais.

 

Vinho de mesa, que é a categoria básica. Podem proceder de qualquer zona espanhola e não levar menção de origem geográfica nem safra. O termo “vino de mesa” pode vir seguido pelo nome de uma região, nesse caso, é um intermediário entre o “vino de mesa” e o “vino de la tierra”.

 

Vinho da terra, ou melhor “vino de la tierra”, procede de uma das 28 zonas delimitadas reconhecidas por seu caráter específico e que aspiram por um dia se tornarem DO.

 

Denominação de Origem (DO), é a categoria mais estendida entre os vinhos de qualidade. É concedida aos vinhos que respondem a certos componentes de cepas, um modo de cultivo e uma origem geográfica. O estatuto de DO é comparável ao da AOC francesa e ao da DOC italiana.

 

Denominação de origem qualificada (DOCa) – qualificada em espanhol se escreve calificada – é uma espécie de super DO, reservada aos vinhos que cumprem critérios muito precisos de qualidade e regularidade. Rioja obteve esse direito a partir da safra de 1991 e Priorato, em 2001.

 

Vinho “joven”, é engarrafado imediatamente após a colheita e também é conhecido como “vino del año”.

 

Vinho de “crianza”, atenção, crianza não quer dizer criança em português, e sim criação. Depende das regulamentações de cada DO. Geralmente, é um vinho que pode ser comercializado depois de haver envelhecido dois anos inteiros, dos quais entre seis e doze meses, em barrica de carvalho. Em algumas regiões, como Rioja e Ribera del Duero, é difícil encontrar vinhos de crianza com menos de 12 meses em barrica. Os crianzas brancos ou rosé devem envelhecer um ano em bodega, dos quais, seis meses em barrica.

 

Reserva, o vinho deve envelhecer três anos em bodega, sendo no mínimo um ano em barrica. Só é comercializado após seu quarto ano. Para os brancos e rosados, se espera dois anos, sendo seis meses em barrica, e podem ser comercializados no terceiro ano.

 

Gran Reserva, essa categoria só existe para algumas safras. Os tintos devem amadurecer durante cinco anos, dos quais, um mínimo de dois em madeira. Deve ser comercializado a partir do seu sexto ano. Os gran reserva brancos e rosés são muito raros. Devem ser criados durante quatro anos, no mínimo seis meses em barrica, e comercializados após seu quinto ano.

 

Muito bem, há um zilhão de detalhes técnicos acessíveis a qualquer um que tenha paciência de navegar pela internet. Mas como disse logo no início, não sou sommelier, sou apaixonada. Portanto, me dou ao luxo de sair um pouco para a prática, bem mais interessante, pelo menos para quem prova.

 

Meu interesse por vinhos surgiu há uns nove anos, creio. Ainda morava no Brasil. Imagina se queria admitir meu passado negro adolescente, onde tomávamos sangue de boi no copo de plástico! E como confessar que também tomei o tal docinho, com gosto de uva, da garrafa azul? Pior, quando morava no Rio, cometia a heresia de não gostar de chopp e uma das poucas alternativas era a tal da sangria… arg! Ok, mea culpa, mea culpa…

 

De maneira que, assim que começou a onda das degustações em São Paulo, lá estava eu tentando correr atrás do prejuízo. Descobri que o problema não é que eu não gostasse de vinho, não gostava era de vinho ruim!

 

Foi como descobrir um novo universo, e por ser tradicionalmente compulsiva, entrei de cabeça. Resultado, fiquei uma chata de galocha! Exigente para cassilda! Acho que estava mais preocupada em perceber se tinha o tal do tanino ou frutas vermelhas, lágrimas, unha, bouquet etc etc. Perdi a capacidade de simplesmente parar e curtir o vinho. Aproveitar a emoção. Opa! Não gostei dessa brincadeira!

 

Hoje, mais do que prestar atenção em quantos segundos tenho de retro-gosto ao comparar vinhos, prefiro descobrir qual é o mais elegante. E como definir concretamente a elegância de um vinho? Mas quando a gente experimenta, a gente sabe, não? Então, só provando! E é esse meu ponto, se é que posso dar algum conselho é que se aproveite o momento e o vinho específico que está  na sua taça, melhor ou pior, ele é sempre único. Na minha experiência, foi quando mais aprendi.

 

Pois muito bem, morando em Madri, nos dispusemos a conhecer os vinhos espanhóis. Por que não? Honestamente, apenas conhecia e mal os Rioja, os únicos que tinha algum acesso no Brasil. Inclusive, gosto muito, continuo gostando. Os vinhos encorpados me interessam.

 

Mas aqui, logo na primeira semana, conheci os Ribera del Duero, e me encantei. São elegantes e potentes ao mesmo tempo.

 

Acho muito difícil eleger o melhor vinho, porque sempre implica em um infinito número de variáveis. Não tenho um favorito, vai depender do momento. Mas, correndo o risco de generalizar, posso dizer que o vinho considerado mais importante na Espanha é o Vega Sicilia, um Ribera. Toda vez que você pronuncia seu nome, algum espanhol suspira do outro lado. Seu preço, como de qualquer bom vinho, pode variar bastante de acordo com a safra, mas dificilmente será encontrado por menos de 80 euros a garrafa. Não sei a que preço chegaria no Brasil, pois as taxas de importação são selvagens, além da diferença do câmbio. Mas enfim, aqui também não é um vinho popular, poucas pessoas o experimentam e assim mesmo, em ocasiões especiais.

 

Sim, já tomei e sim, é alucinante! Só para constar, também suspirei agora e estou sorrindo ao lembrá-lo.

 

Bom, mas se você não quer gastar tanto assim, outra boa opção é o Aalto, um crianza de Ribera. A garrafa está por volta de 25 euros e acho um vinho fantástico. O que economizou no vinho, pode gastar em um jamón pata negra e correr para o abraço!

 

Ainda está caro? Um Matarromera sairá por uns 15 euros a garrafa e prometo que não faz feio. A propósito, não faz nada feio. O câmbio distorce muito os valores, entretanto, se você imaginar o euro a 1 para 1, é mais ou menos a escala de valor que seria aqui. Ou seja, por 15 reais, você compraria um ótimo vinho.

 

Nos bares, se vende normalmente os vinhos em taça. Custam entre 1,15  e 2,20 euros a taça. Para oferecer um parâmetro de comparação, a coca-cola fica em torno de 2 euros. Ou seja, é bem razoável e acessível. Juro que em sua imensa maioria, são vinhos corretos.

 

Ainda que prefira os Ribera, há um Rioja que quase posso dizer que é meu favorito. Estou meio na dúvida, preciso tomá-lo várias outras vezes para confirmar. É o Calvario! Apesar do nome, é o paraíso. Talvez a gente precise passar pelo calvário para chegar ao céu! A garrafa custa em torno de 65 euros. Nos restaurantes sai mais ou menos uns 75 e isso é outra coisa que gosto daqui, as margens de lucro sobre a bebida não são agressivas. Costumam ser, no máximo, de 20%. No Brasil, no mínimo, se dobra o valor.

 

Outro Rioja que gosto, esse encontrava no Brasil, é o Marqués de Riscal. Aqui ele sai por volta de uns 12 euros a garrafa. Também gosto do Marqués de Riscal branco, de Rueda. Os marqueses, de maneira geral, não decepcionam.

 

Aliás, acabei com meu preconceito em relação aos vinhos brancos. Continuo apreciando mais os tintos, mas um prazer não elimina o outro e há dias que quero algo mais fresco. Há um em especial, o Marqués de Alella, dica de outra amiga blogueira, que fiquei freguesa. Acredite se quiser, compro por menos de 5 euros a garrafa, e é honestíssimo. E se for para comer mariscos, adoro os Albariños, da Galícia. Outro dia, provei o Frore de Carme, Albariño de Rías Baixas, que me ganhou no primeiro minuto. E uma coisa interessante, a vinícola não trabalha com intermediários. A garrafa tem design inovador e rolha de vidro com fechamento hermético.

 

Quanto aos rosados… hummm… continuo preconceituosa, paciência! Não, obrigada!

 

Acho que os únicos rosados que não resisto são as champagnes rosés, mas daí já é outra coisa. Com comida japonesa e peixes defumados, me tiram do sério!

 

Falando em espumantes, o espumante espanhol é o Cava. Termina com “a”, mas é masculino, el cava. Não é igual a champagne, é outra bebida, não tem o mesmo sabor de pão torrado, mas quebra bem o galho e seu preço é acessível. No Brasil, pelo menos no meu tempo, só chegava a Freixenet, e era caro para burro! Aviso aos navegantes que aqui, já achei garrafa por menos de 4 euros. Particularmente, gosto muito da Anna de Codorníu Brut, uma excelente relação custo x benefício, cerca de 8 euros a garrafa.

 

Entre nós, se é para chutar o balde, chuto com champagne. Cava é dia-a-dia, e cumpre seu papel perfeitamente, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

 

Vou terminando com a sobremesa. Aqui há um vinho fortificado muito famoso, o Pedro Ximénes, um Jerez. Até hoje, foi o único que tomei capaz de fazer frente a um tiramisú. Também é utilizado em reduções, como para um foie gras, por exemplo. Recomendo, principalmente para quem é apreciador de um Porto. Outra vez, não é a mesma coisa, só estou dando referências.

 

Enfim, aqui dei algumas opiniões e dicas. Mas se quer minha sugestão, acho que você deve duvidar. Só acredite vendo, ou melhor, experimentando!

 
 
 

 

 

 

53 – Blitz! Documentos… Ué, só temos instrumentos!

Tá bom, tá bem, admito, não tenho maturidade! O problema é que sou casada com outro louco que cataliza o efeito. Adultos que gostam de brincar são muito mais perigosos que crianças, porque a gente não precisa convencer os pais a nos dar os brinquedos.

 

Agora estou na fase totalmente percussão, Luiz também entrou na onda, ou seja, já viu, né?

 

O caso é que a cada aula que frequento, me apaixono por um instrumento diferente. O resultado? Uma imagem vale mais que mil palavras e essa mini escola de samba se encontra na nossa sala.

 

 

Sim, temos um djembe, que já tinha antes, e compramos um tamborim, um pandeiro, um ovo ganzá, um repinique e, por último, a maior aquisição, um tam tam.

 

O tam tam ainda foi negociado, porque no fundo o que queria mesmo era um surdo. Acontece que queria assim um surdinho, daqueles que até escutam um pouco, usam um aparelhinho para surdez… Mas na única loja onde encontramos instrumentos brasileiros aqui, só havia um surdão, daqueles obesos! Era realmente enorme! Tentei ser um pouquinho razoável e imaginei que se algum dia mudarmos desse apartamento, o tal do surdão ia virar minha mesa de jantar! Então, tá né? Tentei outro diferente e peguei um maluquinho, o tam tam. Digamos que tenha mais a ver com minha personalidade. Primeiro, não gostei tanto, porque originalmente ele deveria ser tocado de banda e com as mãos. Eu queria era aquele baquetão poderoso e batucar estilo Pelourinho.

 

O dono da loja, que não é bobo, percebeu o dilema e me mostrou que podia prender o instrumento na cintura e soltar o braço. Ah, bom, aí foi outra história. Senti logo a melanina circulando nas veias. Resolvi que se um dia eu ficar boa no tam tam, pensarei no surdo.

 

Em casa, improvisei uma baqueta com uma madeira que Luiz tirou de um guardador de vinhos desmontável e uma espuma de um rolo de pintar. Essa é a vantagem de ter um atelier, você sempre tem alguma coisa que pode ser transformada.

 

Estava simplesmente tarada para experimentar o tam tam. Aqui em casa não dá para praticar, o som reverbera demais e não quero problemas com vizinhos. Depois, não tem nenhuma graça tocar de leve, a gente quer mesmo é arrepiar.

 

E fomos nós para a aula, com nosso pequeno bloco mais ou menos portátil.

 

Meu novo maluquinho não decepcionou, soltei o braço e a franga, segundo minha professora, com valentia. Luiz, por sua vez, se empolgou no repinique e ficou um perigo! Ou seja, nos convertemos em dois monstrinhos batuqueiros! Os outros alunos também mandam ver. É claro que a gente atravessa para burro! Uns mais, outros menos, é mais difícil do que parece e há apenas um mês que nos reunimos, uma vez por semana. Mas boa vontade não falta e otimismo da nossa maestra vai nos levando para frente.

 

Fazemos rodízio de instrumentos, somos muito iniciantes e é importante entender um pouco de todos, depois optar pelo que se sente mais confortável. O meu problema é que gosto de tudo! O tamborim é show, te dá mobilidade e enfeita… tá tá-tá-tá-tá tá tá tá-tá tá tá tá… O pandeiro é bem legal, mas exige certa concentração. Minha mão começa a suar e ele escorrega, mas acho que é uma questão de treino. Gosto de tocá-lo no partido alto… tum tum tá tá tum tá tum tá… O ganzá é pequeñito pero cumplidor… chch chch chch… Mas sinto que o meu negócio mesmo é a marcação, muito bom! Encarno a personagem total, perco a vergonha.

 

É um pouco constrangedor contar, mas me pego algumas vezes ao dia pagando flexões de braço para ficar mais forte. Queria dar conta de puxar a marcação, não é mole, geralmente é função masculina. Tudo bem, ando meio abusada, vamos ver o que acontece.

 

Infelizmente, nosso curso intensivo acabou ontem. Entretanto, acredito que em setembro a gente continue. Bom, eu com certeza vou continuar, mas acho que o legal é ser com esse mesmo grupo.

 

Enfim, que nos aguardem! Os tímpanos madrileños jamais serão os mesmos!

 

Limbo

Entre o segundo e o terceiro ano vivendo em Madri, houve um precipício que não sei muito bem como definir. Na verdade, só percebi algum tempo depois que, logo após voltar do Caminho de Santiago, alguma coisa aconteceu.

 

O engraçado é que damos todos os sinais, mesmo sem a consciência deles. O exercício de registrar meus dias fez com que  não parasse de escrever, entretanto, parei de numerar as crônicas. Elas já não faziam parte daquele ciclo de vida, porque eu havia mudado.

 

Ao mesmo tempo, não me via em um novo ciclo. Não me via em canto nenhum, estava no limbo.

 

Entre dias melhores e piores, a vida me aborreceu. Pouco a pouco a pressão foi aumentando na panela, até uma explosão que me fez querer ir embora daqui. Mas daqui para onde? Onde afinal era minha casa?

 

Os textos estão postados na ordem em que foram escritos, mas não são numerados por não fazer a menor diferença. Pelo menos, na época, não fazia. Não são sequência de nada, porque não havia um objetivo claro.

 

Gradualmente, a nuvem de fumaça foi se dispersando e achei meu caminho de volta. E a partir daí, pude me reinventar, recomeçar. Não é incomum que, sem perceber, nos resgatamos ou somos resgatados. Eu já fui resgatada várias vezes, por pessoas e por situações. Quem sabe, talvez até tenha tido o privilégio de salvar alguém.

 

Mas nesse momento, importa saber que, mesmo a renegando por sete vezes, a arte salvou minha vida pela segunda vez. Um dia, quem sabe, possa parar de fugir dela.

 

De volta na ilha

Cheguei em Santiago dia 06 de junho, e em Madri, dia 08, pouco antes do previsto.

 

Como foi o Caminho? A pergunta que não quer calar e que ainda tenho extrema dificuldade em responder, pois como poderia resumir uma experiência de vida em dois minutos? Foi bom e ruim, fácil e difícil… foi um pouco de tudo.

 

E a grande conclusão? Não encontrei quem queria ser, mas quem sou de verdade e isso pode até soar poético, mas é foda. Outra vez, não é bom nem mau, só difícil de entender. É o que ando fazendo por esses dias, tentando absorver todas essas informações e, principalmente, o que fazer com elas.

 

Tenho escrito sobre isso, já escrevi bastante e ainda falta muito. A medida que vou colocando as idéias em palavras, vou me sentindo melhor. Mas resolvi que aqui não é o espaço para elas, é uma quebra forte, um mundo à parte, pelo menos foi para mim. Portanto, vou abrir outro blog para contar toda a história, o que exige algumas questões técnicas e tempo. (Desvios do Caminho)

 

Adianto que estou bem fisicamente, os pés ainda incham um pouco, mas as bolhas curaram. Continuo caminhando todo dia, uma distância mais razoável, claro, entretanto, é a única maneira de melhorar de vez. Meu corpo mudou, não só pelos dias no Caminho, acredito que por todo treinamento também. Estou bem forte, a postura das costas está mais ereta, e tenho músculos novos. Não emagreci, a dieta de Santiago não foi eficiente nesse sentido, mas não tive vontade de emagrecer, era como se precisasse de toda energia. E sim, a bunda fica mais dura, alguma coisa de bom precisava levar, né?

 

A chegada em Santiago e a volta para casa foram o mais difícil, fiquei confusa. Luiz foi me buscar, felizmente, e aturou meu silêncio inevitável pelo caminho. Quando cheguei, vi que meus gerânios não só estavam vivos, mas haviam explodido em flores. Meu gato estava numa carência só, não fez o doce que imaginei que faria. E havia um montão de mensagens bonitinhas no blog, nos e-mails e por telefone, de gente torcendo pela viagem ou curiosos com o que havia acontecido. Tudo isso junto ajudou muito a voltar para casa e por os pés no chão, a retornar ao mundo real.

 

No mesmo dia em que cheguei, saímos para jantar com uma grande amiga e outro casal de novos amigos. Estava cansada, mas também já era hora de fazer minha parte e seguir adiante. Fomos ao Trifón, precisava de algo familiar. É comum quando a gente chega de alguma viagem passar lá para ver se o mundo ainda está no mesmo lugar. Era um dia de casa lotada, final de touradas, que detesto, mas enfim, onde os restaurantes e bares nos arredores ficam impraticáveis. De alguma coisa serve o prestígio, pois por frequentar tão regularmente o local, nos arranjaram lugar em cima da hora, no meio do olho do furacão.

 

Foi ótimo e o papo esticou até nossa casa. Até teria me distraído da história do Caminho, caso meus pés não parecessem duas bolas de futebol! Tomar vinho não deve ter ajudado muito, paciência, incha mais os pés, mas distrai. Aliás, me senti na própria expressão “pé inchado”!

 

No dia seguinte, churrasco na casa de outro casal de amigos que gostamos muito. Ficavam de farra comigo, me chamando de iluminada ou santa Bianca. Sei, sei… só se for la santa del palo vacío, vulgo, a santa do pau oco!

 

A parte boa é que Luiz, com toda essa história e apesar dela, se animou a fazer caminhadas. E a próxima faremos juntos. Claro que haverá próxima, devo ser masoquista! Dalí saímos para tentar comprar uns sapatos de caminhada para ele também. Ainda não achamos o mais adequado. Na minha opinião, o equipamento mais importante de todos são os sapatos.

 

No domingo, ele já foi caminhar comigo no Retiro, tem bom ritmo, vai ser legal fazer trilha com ele. Eu mesma, estava um pouco lenta, ainda me recuperava de uma bolha chatinha no pé esquerdo. E não me sinto mais um bicho raro vestida de andarilha, na verdade, fico até bem confortável.

 

Aliás, na segunda, fui encontrar uns amigos em um bar e lá fui com a tal bota de trekking. Não tinha muita escolha, preciso continuar andando para desinchar e o único sapato que entra são as botas! E que engraçado como as distâncias agora são tão pequenas.

 

Na terça, almocei com outra amiga no centro da cidade. Claro, fui caminhando e com as botas outra vez. Ou seja, fui de Lara Croft a Forrest Gump. ¡Joder!

 

… sim, eu estou tão cansado, mas não pra dizer, que não acredito mais em você. As minhas calças vermelhas, meu casaco de general, cheio de anéis… eu vou descendo por todas as ruas… eu vou tomar aquele velho navio, vou tomar aquele velho navio, aquele velho navio…eu não preciso de muito dinheiro, graças a Deus, e não me importa…

E la nave va

… os pés, continuam inchados… mas os meus cabelos… quanta diferença!

 

Passada uma semana que voltei de viagem, finalmente, a vida parece prosseguir. A gente se prepara muito para a ida, e não pensa que a volta também exige preparação, ou pelo menos, uma maneira de lidar com a situação. É como uma volta de férias, por exemplo, é normal bater um pouco de depressão, cansaço, aquela sensação de mas já acabou? Ou quando a gente muda de casa, que não consegue achar nada em lugar nenhum e tudo parece meio sujo. Enfim, multiplique por algumas centenas e é como a gente volta do Caminho de Santiago. Não dá para aterrizar de uma vez só. Falo por mim, deve ter gente que consegue fazer isso com maior naturalidade, para mim foi complicado. Intenso.

 

Mas uma hora seu pé entra em algum sapato que não sejam as botas de trekking e você lembra que existe outra vida. É como se o corpo também se adaptasse junto com a cabeça. Tudo volta devagar. Tenho um dedinho do pé que ainda está meio bobo, chegou mortinho. As bolhas curaram e, pela primeira vez, tenho calos nos pés. O curioso é que não achei ruim, pior, gostei. Meu pé sempre foi muito frágil e sensível, mesmo quando criança que andava descalça, sempre foi um ponto fraco. Agora é um ponto de atenção, mas não me sinto fraca em canto nenhum e gosto dessa sensação.

 

Já consigo contar algumas histórias para os amigos que me perguntam. Não que seja nada excepcional, é só porque é difícil passar pelo filtro da boca. O que foi importante não foram os fatos em si, mas as sensações, as experiências que eles proporcionaram em determinado momento. E traduzir isso em palavras tem me custado, parece diminuir o volume.

 

Felizmente, tenho andado com a agenda cheia. Apareceu um monte de gente legal me chamando para encontrar. Para falar a verdade, me dava vontade de ficar escondida embaixo da mesa. Mas não deixei nenhum compromisso de lado, fui a todos. Sabia que depois que saísse de casa me sentiria melhor. E assim foi. O papo animava, boas risadas e pouco a pouco vou recuperando a capacidade de ser irônica comigo mesma. Que bom ter amigos!

 

Um amigo me sinalizou uma possibilidade de exposição, muito precoce, nada garantido. Mas me animou. Senti vontade de correr atrás e ouvir isso agora, me soou como bom presságio. Automaticamente, algumas idéias começaram a navegar pela cabeça, me fez bem.

 

Fui a um encontro de brasileiras muito divertidas, não é a primeira vez que nos reunimos. Sempre achei que esse negócio de fazer um grupo só de brasileiros não era boa idéia. Não pela nacionalidade, não preciso negar nada a essa altura do campeonato, era porque pareceria que nos juntávamos num gueto ou algo assim. Mas por algum motivo, esse grupo não me parece isso, até porque não é. Muitas são casadas com espanhóis ou tem filhos que nasceram aqui, não nos reunimos para nos isolar ou reclamar da vida, é mais leve. Às vezes é muito bom contar uma piada que sabemos que será entendida, porque compartilhamos o mesmo senso de humor. É bom falar besteira para alguém que não precisa ficar relativizando para respeitar diferenças culturais. Também é bom conversar sobre temas mais sérios, sem ter que refazer toda a frase na sua cabeça, porque o idioma tem outra lógica. E o melhor, quando encontro com elas, não penso nisso tudo, acontece naturalmente.

 

Falei com amigas por telefone. Sou ruim de telefonar, sempre prefiro escrever. Mas elas me ligaram e foi bom conversar. Tudo ao redor parecia me chamar para voltar à casa, me sacodia dizendo, acorda! Tem muita coisa para fazer!

 

Então tá, fizemos o que somos especialistas, uma festa. Festa é exagero, foi uma reunião de casais que são amigos entre si. Tudo começou quando passamos na semana anterior na casa de um desses casais, ela havia me ensinado a receita para fazer kibe e me deu o tal do trigo que é muito difícil achar em Madri. Pois bem, mais do que justo, combinei com eles de fazer o kibe no fim de semana e eles provariam se havia aprendido direito. Mas uma coisa puxa a outra, tem outro casal de amigos que mora perto deles, trabalham juntos. Outro casal que conheceu esse segundo casal há anos atrás, ainda no Brasil, e descobrimos que, por absoluta coincidência, éramos todos amigos aqui. E mais um casal que sempre saímos juntos e também conhecia esse grupo. Muito bem, chega, né? A vontade era de convidar mais gente, tenho essa dificuldade, a escolha de Sofia, sempre quero chamar todo mundo, mas nesse dia queria fazer algo onde as pessoas pudessem sentar e estava no limite de cadeiras. No fim das contas, cada um trouxe alguma coisa e foi bem divertido.

 

Luiz havia ido a Israel essa semana e lá comprou um par de botas de trekking enfurecidas para ele também. Está decidido a fazer as caminhadas comigo, acho que dessa vez é sério. Na festa, outro amigo queria fazer as trilhas do Mont Blanc e do Aconcagua. Não é que me animei? Acho que andei perdendo alguns parafusos pelo caminho… Mas uma coisa de cada vez e nós começaremos menos ambiciosos, depois, quem sabe. O plano A é fazer uma caminhada mais larga em setembro, uns dez dias.

 

Sexta-feira que vem, viajaremos a Valencia para assistir ao America’s Cup. Não entendo nada a respeito, mas a idéia de estar próxima ao mar me empolgou. Vamos com um casal de amigos e ainda não sei se levamos ou não o Jack.

 

A semana promete ser corrida, do jeitinho que gosto!

… e deu Real Madrid

Ontem foi final de campeonato e venceu o Real Madrid.

 

Que não me peçam detalhes futebolísticos, afinal de contas, continuo o esteriótipo de mulher acompanhando esportes. Só para dar uma idéia, achei que a competição que assistiremos em Valencia,  America’s Cup, deveria ser alguma partida de futebol ou, no máximo, tênis! De mais a mais, que raios o America’s está fazendo na Europa? Esse povo fica me confundindo! Que mania de invadir todo mundo!

 

Mas voltando ao assunto, tem uma coisa que adoro em futebol, é a torcida. Acho o máximo aquela bagunça de comemorações. Sem violência, claro. Gosto dos gritos de guerra, das coreografias, das fantasias… todo mundo solta a franga! É libertador!

 

Ontem, Madri me lembrou o Rio de Janeiro. São Paulo é assim em alguns bairros, mas é mais espalhado e nunca assistia a mesma farra dos jogos de futebol que participava no Rio. Leia-se, os jogos que envolviam o Flamengo, ou teria alguma outra hipótese de time carioca?

 

O goooooool, ecoava pela rua, você não precisava ligar a televisão para saber o placar. Todo mundo ia comemorar na janela e gritava ao mesmo tempo. Pois ontem, no bairro onde moro, estava assim. E a cada grito na janela, lá ia o Luiz desesperado trocar de canal para saber a quantas andava, a propósito, ele é Barça.

 

Para falar a verdade, apesar de ter escolhido o Real Madrid como segundo time, só para ficar de farra, não estava ligando muito para aquela história, nem tinha paciência de assistir a partida. Mas quando começou aquela gritaria, buzinas, ruídos, sei lá, me soou familiar e fui para janela.

 

Uma galera caminhando na rua em direção à Plaza Cibeles, é lá que eles comemoram. Bom, eles vão para Cibeles porque não tem o Clipper, né? Fazer o que? Até que me deu vontade de participar, mas fui devidamente ignorada em casa. Tudo bem, não é o Flamengo mesmo.

 

Posso dizer o seguinte, torcedores, pelo menos os latinos, são todos iguais!