Sobre generosidade e gratidão

Sinto que ando meio monotemática, né? Acho que todos estamos um pouco, faz parte do momento atual. Parece que tudo gira em torno do tal COVID-19. Difícil não pensar que estamos ainda no centro de uma pandemia e tentando entender como devemos nos posicionar.

Nos aproximamos de quase 50 dias em distanciamento social e, como escrevi anteriormente, no início foi bem mais difícil que agora. Meu tom era muito mais sério, acreditava e sigo acreditando que estamos em período de guerra. Mas como costumo pensar, uma guerra não se vence em um dia, são várias batalhas que devem ser celebradas. Perdemos algumas, mas estamos ganhando e realmente acredito nisso. Gosto de frisar esse fato, porque para quem começou depois de nós e possa estar numa fase depressiva, é sempre bom ouvir que as coisas podem melhorar.

Tenho observado uma coisa bacana que é o fato de muitas pessoas estarem compartilhando de tudo com os demais, desde habilidades e dicas a máscaras ou comida. Verdade, que há quem aproveite o momento como uma oportunidade de negócio, o que não vejo como nenhum problema, por que não? Para que julgar? As pessoas seguem precisando pagar suas contas. Mas também percebo, em grande parte, uma generosidade genuína.

Em contrapartida, me sinto muito grata por tudo que tenho conseguido aprender e receber nesse período. É um fôlego de esperança ver tanta gente se esforçando para dar o seu melhor, ou para si mesmo, ou para sua família ou para completos estranhos.

Isso me dá muita vontade de oferecer alguma coisa também, como uma vontade de não romper a corrente. Acho que no início, quando não estava tão bem, não enxergava o que poderia oferecer. Talvez fosse realmente um momento em que precisasse receber mais, pedir mais, o que para quem me conhece, sabe que me é muito mais difícil. Mas até essa lição de humildade me veio bem a calhar. Porque eu recebi bastante e sou grata.

Então, talvez tenha chegado minha vez. E antecipo que honestamente não tenho nada tão extraordinário para oferecer. Porém, me ocorreu que, quem sabe o que muita gente precise seja mesmo ouvir coisas simples, dicas rotineiras ou um mero reforço de outra pessoa que esteja fazendo coisas parecidas ou sentindo algo semelhante. É bom a gente se sentir parte de algo, saber que não somos os únicos a pensar de determinada forma.

Para algumas pessoas, foi importante criar rotinas em casa. Tanto em horários, maneira de se vestir etc. Acho super válido! No nosso caso, isso não foi tão impactante, porque as minhas principais atividades eram mesmo praticadas em casa; e Luiz, há quase um ano vinha trabalhando bastante em “home office“. Ou seja, acredito que seja um passo que ajude de modo geral, só que já havíamos dado.

Muita gente também aproveitou para arrumar casa, armários, fazer limpeza… Veja bem, acho que funciona para alguns, para mim, não. Sou minha própria faxineira há anos! Vida européia, lembra? Não me queixo em fazer, mas são atividades que não estavam atrasadas em casa e não me proporcionam nenhum prazer. Num momento de privação, fazer algo que sempre achei chato não me ajudou nada!

Daí busquei uma atividade que gosto de fazer: amo cozinhar! A comida na nossa casa sempre foi nosso maior luxo! Então, pronto, algo que me dava o maior pazer! Claro que o cardápio aqui ficou um escândalo! Bom por um lado, porque serviu de compensação; e mau por outro, exatamente porque também serviu de compensação. Não estamos passando nenhum tipo de privação na categoria gastronômica, e sou muito agradecida por conseguir fazer compras regularmente, de ingredientes importantes e frescos. Que nunca nos falte!

E se eu cozinhava bem, e modéstia às favas eu cozinho pacas, estou matando a pau! Isso sem falar dos vinhos, né? Que para mim entram na categoria alimentação da mesma maneira!

Entretanto, é verdade que, além da alimentação saudável, também estamos comendo todo tipo imaginável de besteiras: pizza (que eu nem gosto!), chocolates (adoro!), pão (gosto, mas não costumo comer), bebidas (antes só nos finais de semana), carboidratos à vontade (com tanta gente chata no mundo, vou cortar logo carboidrato da minha vida?), tira-gostos, bacon, embutidos etc. Deu vontade, a gente come!

Lógico que engordamos! Estou me sentindo uma cadela Shar-pei, cheia de dobrinhas! E o que ainda não sei se é bom ou mau, não estou infeliz com meu corpo.

Mas sei que não é legal seguir assim. Funcionou bem para trazer alegria, e trouxe, porém tudo que sai do equilíbrio não é bacana. Sinto que é hora de, não digo cortar de uma vez, mas entrar no eixo. Paciência! Esse setor da vida ainda está em fase de aprimoramento!

Exercício físico: putz, que dificuldade! Estou tentando, mas tá foda! Não vou desistir, mas estou longe do ideal, sei que é algo que ajuda muito em todos os sentidos e preciso dar um jeito de recriar o hábito. Fico me iludindo que quando as “fronteiras” se abrirem novamente será uma ótima motivação, mas no fundo, sei que esse chip precisa ser instalado na minha cabeça antes.

E por falar em hábitos, o que tem me ajudado EXTREMAMENTE (com letras garrafais) é fazer meditação. Sério, está mudando minha vida! E foi uma das coisas que precisei de ajuda. Não costumo citar nomes no blog, mas faço algumas exceções quando acho que pode ajudar tanto quem oferece, quanto quem procura, então citarei alguns, vamos lá.

Fazer meditação é algo presente desde a adolescência, quando fiz um curso chamado “Silva Mind Control“. Foi a primeira vez que ouvi falar a respeito e achei muito bom aprender algumas metodologias. Mas não vou mentir, não são práticas que usei continuamente, é algo que esquecia por anos… depois fazia por um tempo… depois esquecia… e por aí vai!

Acho que pelo meio do ano passado, senti a necessidade de voltar a meditar. Comecei a desenvolver esse hábito ao acordar, antes de me levantar. Era um pouco complicado, porque com Luiz trabalhando de casa, era difícil não me desconcentrar com sua voz nas suas reuniões, ele não fala muito baixinho. Fora o fato dele resolver entrar no quarto pela manhã para me dar bom dia e me interromper diversas vezes no meio da história! Tive a feliz ideia de começar a ouvir música relaxante durante a meditação. Foi ótimo! Primeiro, porque se tem música no quarto, ele não entra para me interromper, ou pelo menos, não fala comigo. Mas, principalmente, porque descobri que alavancava minha capacidade de concentração. E, mesmo quando não estava meditando, colocava a mesma lista de músicas no fundo e isso me tranquilizava instantaneamente. Não era perfeito, afinal, tudo na vida é prática e força de vontade, mas funcionava relativamente.

Quando estourou a pandemia e tivemos que ficar em casa, a depressão me bateu. Eu precisei muito, primeiro, reclamar. Acho que precisava colocar a pressão para fora! Cada vez que ouvia que eu era uma privilegiada por estar na situação que estávamos, por saber que havia gente bem pior e blá, blá, blá… me irritava mais! Era como se eu não tivesse o direito de me aborrecer por nada, afinal, sempre haveria gente pior!

O que eu precisava era ter o direito de estar triste, de estar aborrecida, frustrada, irritada, com medo, preocupada… enfim, aceitar que eu tinha problemas ou como costumo dizer, chamar meus demônios pelos seus nomes!

Pois reclamei, escrevi, coloquei para fora! E foi ótimo! Porque no minuto seguinte em que parei de precisar negar o que me perturbava ou minhas “fraquezas”, estava pronta para fazer algo mais profundo a respeito.

Agora vamos falar das maluquices! Tenho consciência do quanto pareço séria, mas de perto, sou doida de pedra! Então, eu sempre me regulo pelos extremos. Não tenho um pingo de juízo, portanto, preciso ser super responsável, ou me mato em algum exagero. Sou completamente distraída, mas muito mesmo, por isso, preciso de foco absoluto para cumprir tarefas. E ainda por cima, completamente controladora, o que me fez desenvolver uma disciplina tibetana ou me perco!

No meu dia-a-dia normal, trabalho com duas ou três telas de computador abertas. Provavelmente, haverá uma onde estarei escrevendo textos para o blog ou potenciais livros, outra com jornais, índices das bolsas de valores e “trocentas” planilhas abertas sobre nossa vida financeira em três países, outra com whatsapp e mensagens que vão desde fofocas da família a resolver pepinos de obras e inquilinos (claro, nunca no país em que estou), o celular na frente com o Instagram… tudo junto ao mesmo tempo, em idiomas diferentes e com o fone de ouvido escutando música barroca (geralmente, Mozart, que é muito produtivo!). Eventualmente, interrompida pelo meu gato, que quer deitar no lugar do teclado, ou pelo Luiz que quer fazer um intervalo do trabalho dele. Entre uma coisa e outra, faço a comida e arrumo a casa. Arrumar a casa… é meio nas coxas. Fazer a comida é meu momento de lazer, de certa forma, não deixa de ser um tipo de meditação.

Não contei isso para me exibir, mas para ilustrar o quanto sou control freak! Então, imagina essa pessoa que controla tudo, de repente entender que o mundo mudou e eu não sei mais se meus planos cabem no que vem pela frente. Tipo, para tudo! Fodeu!

Meu nível de ansiedade foi na estratosfera! Eu não tinha vontade de levantar da cama! Bianquita, esquece o futuro, esquece o passado, porque não há nada, absolutamente nada que você possa fazer agora a esse respeito. Ou eu aprendia a viver no presente, ou enlouquecia de vez!

Primeiro passo, voltar ao meu centro de equilíbrio! Como faço isso? Não sei, então, deixa eu olhar para dentro… ah, meditação é isso, não? Olhar para dentro! Beleza, decidi, entre outras coisas, focar na meditação. Acontece que tinha poucas ferramentas, uma ou outra técnica aprendida há anos ou coisas que eu lia… Ok, sozinha não vou muito longe, deixa procurar em volta.

Tenho uma grande amiga que é terapeuta transpessoal, tipo assim, na minha cara, né? E eu ralando sozinha por que mesmo? É a Katia Pattaro, que tem um canal no Youtube, chamado Círculo Consciente. Quem quiser saber mais a respeito, passa por lá, mas o que me chamou a atenção foi uma quarentena de exercícios diários para ajudar a desenvolver a atenção plena, Mindfulness Dia a Dia. Comecei a seguir e me ajudou bastante, porque tem me dado uma série de ferramentas para lidar com ansiedade, frustrações, enfim, situações presentes na vida de todo mundo, mas que ficam superdimensionadas em momentos como esse. E por isso, sou grata!

Segui com minhas meditações, todos os dias pela manhã, agora, com mais possibilidades.

Mas, ainda não era o suficiente, estava precisando de drogas mais duras, porque não queria apenas voltar ao eixo, queria ir mais além. A meditação tem uma dificuldade extra para mim, me distraio com muita facilidade e meus pensamentos são muito intensos, aliás, acho que tudo meu é intenso, né? Arrego! Sou dos extremos: ou hiper concentrada ou lararí larará! Estou me esforçando, melhorando essa capacidade, mas faltava algo.

Talvez o universo conspire, ou talvez estivesse prestando mais atenção… mas nesse ínterim, estou eu olhando o Instagram e vejo um aviso que meu ex-mestre do surdo estava entrando com vídeo ao vivo. Achei que seria algo relacionado à percussão e entrei, mas nada a ver! Na verdade, era uma vigília de mantras.

Oi? Vigília de mantras, o que é isso? Bom, não cabe a mim contar essa história, porque não é minha, mas resumidamente ele enveredou há alguns anos para o estudo de mantras, entre outras coisas, e nesse mesmo período também iniciou uma quarentena, onde todos os dias, às 18h30 do Brasil, passa alguma orientação sobre o assunto e canta determinados mantras em sânscrito.

Fiquei curiosa e, por instinto, achei que poderia ser bom para mim. Afinal, o que teria a perder em ouvir? Comecei a escutar bem quieta no meu canto, sem me pronunciar, tentando captar os mantras de ouvido e seguir. Obviamente, conhecimentos de sânscrito não são, digamos, exatamente meu forte, mas tudo bem, decidi não me cobrar, nem julgar, só segui o som e a energia. Por minha conta, fui buscar no google as letras, fiz uma “colinha” com fonte grande para eu enxergar sem óculos, coloquei meu despertador para o horário de início e comecei a frequentar todas as noites, completamente aberta a receber.

Quando me dei conta, estava eu, cantando em sânscrito, absolutamente concentrada. Na verdade, foi muito mais fácil para conseguir me concentrar. Em parte, porque estava mais preparada, talvez pelas ferramentas extras que estou aprendendo; em parte, porque queria de verdade e precisava; mas definitivamente, porque a vibração funciona para mim. E, hoje em dia, na minha vida, se algo funciona, nem quero me preocupar em buscar explicações complicadas, eu vou!

Ah, mas você não é ateísta? Sou. Ah, mas então, como você está cantando para deuses indianos? Com a boca. Ah, mas como alguém que não tem fé pode sentir a energia? Com o corpo, sinto fisicamente. Talvez seja mais difícil para mim do que para outras pessoas mais evoluídas, honestamente, nem me importa. Foi algo que me trouxe paz, pôs meus pés no chão. Melhorou minha capacidade de meditação, me tranquilizou não só durante a vigília, mas durante o dia, quando me pego várias vezes entoando mantras e, inclusive, me ajudou bastante a dormir, coisa que é muito difícil para mim. Por tudo isso, sou grata.

Pois muito bem, acho que acompanhava os mantras há um par de semanas e meu ex-mestre (aparentemente, atual também, né?) pediu um retorno das pessoas, o que estavam achando e tal. Imaginei que seria difícil você estar falando ao vivo com pouco retorno, no sentido que as pessoas te veem, mas você não sabe se elas estão conseguindo acompanhar, se tem dúvidas, enfim, até aquele momento, não havia pensado nessa possibilidade e ainda estava calada. Resolvi escrever para ele e contar mais ou menos essa história e dizer o quanto estava me ajudando.

Aliás, faço aqui um parênteses, isso está entre as coisas que estou tentando exercitar: dizer para as pessoas o que de bom elas me trazem. Muitas vezes, para não “incomodar”, a gente se omite. Talvez pelo medo da rejeição, ou de interromper, ou de ser mal interpretado, ou vergonha… Mas, na prática, todo mundo gosta de saber que ajuda, que faz algo bem, que importa para alguém… Eu também gosto, então, por que não compartilhar?

Voltando à história, resolvi escrever para ele e contar como estava me ajudando e o retorno foi muito bacana! Recebi mais orientações importantes, descobri que nem precisava ter feito minha “colinha”, porque ele já havia disponibilizado o material todo, enfim, foi muito bom! Foi legal também me sentir bem recebida no grupo, é importante a gente se sentir parte de coletividades, principalmente nesse momento de distância física entre as pessoas. Acabou que a esposa dele orienta meditação pela manhã, comecei a tentar seguir também, é um horário não muito fácil para mim, mas tento e igualmente está me ajudando. Fico mais atenta com alguém orientando. Outra vez, sou grata.

Para quem ficou curioso, a vigília de mantras está sendo feita no Instagram, diariamente às 18h30 do Brasil, o perfil é @mariomouraom. E a meditação matinal é feita pela esposa dele, às 6h30 do Brasil, no perfil @nandajank. Ambos os perfis são abertos à participação, claro, com o devido respeito a um trabalho sério.

Muito bem, já falei bastante desse lado meditativo, mas é porque realmente foi o que me deu a base para as mudanças pessoais que estou enfrentando, e acho que enfrentar é a palavra certa. Não tem sido fácil, é algo que tenho que me dobrar, mas cada dia é melhor. E acho que pode ajudar outras pessoas também.

Quando esse processo de mudança se iniciou, eu precisava de um ritual de passagem. Aliás, não só por isso, acho que nunca é uma coisa só. É sempre uma cadeia de fatos que leva aos inícios e finais de ciclos. No meu caso, foi no início da quarentena, quando raspei minha cabeça, escrevi um pouco sobre isso antes. Acho que marcos desse tipo nos ajudam a entrar no clima. Ninguém precisa sair por aí raspando a cabeça, é só um exemplo e que tenho observado se passar com outras pessoas. Cada um é capaz de encontrar seu próprio marco pessoal, mas com certeza é uma coisa que ajuda. É o índio que pinta o rosto de vermelho antes de ir para a guerra. Pode ser um batom vermelho também e tá beleza! O que importa é o que simbolize para você. É o seu ritual.

Pausa para gaiatice! Meio careca e meditando direto, tô uma monja budista, né? Nem vou falar que também meio gordinha dos excessos gastronômicos… porque aí é o cão chupando manga, mas tudo bem, seguimos!

A partir de todas essas iniciativas juntas, comecei a notar que minha vida melhorou, mas melhorou muito! Não tenho hora exata para levantar da cama, mas quando levanto é com vontade, é pronta para o dia. Ainda me distraio, às vezes, mas tenho mais ferramentas agora para me trazer de volta e faço um esforço contínuo para buscar a tal atenção plena. E quando vou dormir, estou em paz. De repente, me dei conta que consegui mudar mais de um hábito, numa tacada só. Não é fácil, ainda não é totalmente automático, mas tudo bem. E sou grata por haver me permitido tentar.

Tenho produzido bastante, mudei minha mesa do escritório, que dividia com Luiz para a sala, estou escrevendo com ritmo parecido a quando morava em Madri. Era o fato de caminhar nas suas ruas que me inspirava a contar histórias. Curiosamente, é justo quando menos ando agora que me bate onda similar de inspiração.

Ao ficar mais produtiva, meu humor melhorou horrores! O que imagino estar fazendo a vida do Luiz melhor. Achei que ele também ficou mais leve, pelos próprios motivos, mas talvez por um respiro do meu lado. Acho que uma coisa vai influenciando a outra.

Algo que também me ajudou bastante foi mudar a atitude de me ver presa. Comecei a notar que boa parte dos meus dias, estaria realmente em casa de qualquer maneira, independente de quarentena ou vírus. Então, por que esse momento deveria me incomodar tanto? Sei que não é a mesma coisa estar em casa porque quer e não porque precisa, mas ainda assim, se você pensar, por exemplo, durante à noite, você estaria dormindo na sua mesma cama de todo jeito. Se você dorme, sei lá, 8h por dia, mais uma ou duas horas para se arrumar e sair para o trabalho, ao invés de imaginar que está há 24h presa, você estaria apenas 14h, as outras 10h faziam parte da sua rotina. É psicológico, eu sei, mas para mim fez diferença. Eu tinha menos horas do meu dia para achar ruim estar em casa… e, de repente, tinha menos horas na semana para achar ruim estar em casa. Porque minha cabeça estava livre, minhas ideias estavam fluindo.

Se você não pensa assim, não tem problema nenhum! A gente não precisa concordar nem ser igual, só estou falando que quando não tem jeito, é possível buscar alternativas. E se não houver alguma opção, tudo bem se aborrecer e reclamar. Solta o ar, alivia a pressão e… calma, vai passar.

Outra coisa muito bacana! Estou retomando ou fazendo contato com gente que não teria possibilidade de encontrar pessoalmente com a mesma frequência. Levo vida de expatriada há muitos anos, lido bem com a saudade e as ausências, acredito que isso até me deu uma vantagem e estou sabendo aproveitar. Eu acho o máximo os encontros virtuais, adorei usar o tal Zoom! O Youtube faz parte importante da minha vida agora! Viva a tecnologia!

Todo sábado, assisto um concerto de um amigo músico de Madri. Já sou figurinha carimbada, não perco um! Acho uma delícia encontrar pelo chat os amigos de tantos anos ou gente que não conheço, mas aprendi os nomes que usam virtualmente. Aliás, faço a propaganda porque é ótimo! Informações no website dele, www.pitumusica.com.br. Sempre aos sábados, às 20h de Madri, a gente paga 3 euros pelo link de acesso e assiste mais de 2 horas de música boa ao vivo pelo Youtube, muitas vezes damos pitaco no repertório, não me sinto distante. Na verdade, lembra que não bato muito bem, né? Nesse dia, eu me maquio e me arrumo toda, coloco brinco, perfume, tudo de direito! Como se fosse realmente sair para o show! Preparo os aperitivos, escolho um vinho bom, canto junto… eu realmente curto o programa! E sou grata por isso.

Luiz, nem sempre assiste o concerto todo comigo, porque também é um dia que se reúne pelo Zoom com amigos do tempo de colégio (ou de algum outro grupo, ele tem mais de um, posso estar fazendo confusão). De toda maneira, fico eu na sala num concerto em Madrid e ele no quarto, com amigos de adolescência espalhados pelo mundo! De vez em quando, ele vem dar um oi na sala e no final da música, vou eu lá bater papo no grupo dele!

Domingo passado, toca o celular, uma amiga aqui de Londres, que normalmente me enviaria uma mensagem, me ligou com imagem pelo whatsapp, e aí, pode falar? Como não? Peraí que vou pegar meu vinho!

Não há o que substitua os abraços, não há comparações aqui! Mas a possibilidade de ver as pessoas e saber que estão bem, que estão lá e que parte do seu tempo gastam comigo é um privilégio! E sou grata por isso.

Ao meu redor, vejo frequentemente atitudes de generosidade. Médicos aposentados retornando como voluntários aos hospitais para atender; aluguéis não cobrados a comerciantes fechados; gente postando e compartilhando o que sabe fazer pelas redes sociais; ou compartilhando compras, máscaras, luvas; horários especiais nos supermercados para pessoas idosas ou que trabalhem no sistema de saúde; amigos que perguntam como você está sem ser de maneira retórica; gente que envia Reiki a completos desconhecidos diariamente; mães que apesar de preocupadas ou enlouquecidas inventam brincadeiras para os filhos com paciência de Jó; a alegria que é parar às 20h e ir aplaudir da janela… a lista é extensa! E talvez ande meio sensível, mas me dá vontade de chorar cada vez que penso nesses atos de tanto que acho bonito!

Como adiantei lá no início do texto, acho que nada do que contei é extraordinário ou novidade para a maioria das pessoas que está passando pela mesma ou similar situação. Mas, às vezes, é só uma questão do prisma em que se olhe, ou do momento em que se encontre.

Espero, de coração, que você esteja bem, ou esteja o melhor possível! E, se ainda não vê a luz no fim do túnel, calma, o pior pode até já ter passado.

E, por tudo isso, pela parte boa e pela ruim, posso finalmente dizer sem demagogia e em paz, que hoje sou grata!

40 dias de cativeiro

Hoje completo 40 dias em distanciamento social por conta do COVID-19, a palavra quarentena já não é apenas uma maneira de falar.

Muita gente fez diários desses momentos, talvez eu devesse ter feito para me lembrar de maiores detalhes no futuro, mas para ser sincera, até perdi um pouco a noção do tempo durante esse período. O que nem foi de todo mau, porque se logo no início alguém me contasse que eu ficaria mais de 40 dias nessa situação, sem uma previsão definida de saída, provavelmente eu tivesse surtado de cara!

Admito que não dei importância quando tudo começou na China, me parecia distante e exagerado. E, de repente, o que deveria ser uma marola entrou como um Tsunami, devagar e constante.

No início de março, fui a Madri e não a turismo. Fui para resolver alguns problemas pendentes que tinham certa urgência. Eu não tinha um pingo de medo do vírus, sigo não tendo medo de ficar doente, mas essa é uma outra história que não vem ao caso agora. O fato é que não estava levando a sério e não tinha ideia que tudo escalaria tão rápido. E, sem querer tirar minha responsabilidade, acho que a maioria das pessoas também não imaginava que se tomaria essa proporção.

Portanto, me expus bastante. Estive em dois aeroportos de alto tráfego, Heathrow e Barajas, peguei dois voos, andei de metrô, ônibus, a pé, fui a restaurantes e bares, dividi comida, abracei amigos, estive em pelo menos três ou quatro estabelecimentos públicos para resolver os assuntos que precisava… e voltei para Londres.

Na ida, estava tão centrada no meu próprio umbigo e com as complicações que tinha que resolver, que nem tive tempo de pensar em vírus. Mas ao longo da viagem, comecei a notar que algo estava diferente, meio que fora de ordem. Os aeroportos estavam bem vazios, assim como os voos, as próprias ruas de Madri, apesar do comércio todo aberto, não tinham o movimento habitual. Não consegui comprar álcool gel em nenhuma farmácia (eu usava com frequência mesmo antes da pandêmia, para mim era uma compra que fazia parte da minha rotina).

No voo da volta, a passageira indiana que vinha do meu lado higienizou o banco, a janela e a bandeja em frente. Confesso que achei engraçado. Acabou que ela mudou de lugar para ir sozinha e eu vim deitada nos três bancos, incluindo o dela, higienizado. Para ver o quanto eu estava preocupada!

Mal cheguei em casa, tentei revisar minhas compras pela internet que chegariam no dia seguinte (como também sempre fazia por costume) e não consegui, o website completamente colapsado! A pulga bateu na orelha, será que eu era a única boba sem me preocupar? Porque quando só você está tranquila… talvez não estivesse vendo o tamanho real da encrenca! Quer saber, e se rolar um isolamento, como já havia iniciado na Itália? Ou mesmo se não rolar quarentena, se as pessoas surtarem e começarem a comprar por pânico, vai faltar mercadoria… Nós somos estrangeiros aqui, não estamos acostumados com país que viveu guerra, eles reagem muito mais rápido que a gente! Pensei, acho melhor eu ficar mais esperta! Saímos no mesmo dia para ir ao supermercado.

Prateleiras vazias… papel higiênico esgotado… tudo meio estranho. Resolvi fazer um pequeno estoque de alimentos não perecíveis, até porque nem cabe grandes estoques em casa mesmo. Consegui comprar papel higiênico, Luiz havia encomendado máscaras e álcool gel com antecedência, afinal, meu marido é virginiano e, pelo sim, pelo não…

Também pelo sim, pelo não, iniciamos uma quarentena voluntária. A ideia foi dele, eu achava um exagero sem tamanho. Acontece que, assim que deixei Madri a cidade fechou as fronteiras, de certa forma, dei uma sorte tremenda de sair nos 45 minutos do segundo tempo. De toda maneira, como coloquei antes, havia me exposto bastante e, no fundo, na dúvida, não queria colocar outras pessoas em risco. Pensei, vá lá, um par de semanas não vai me matar de tédio, seguro a onda e depois reclamo bastante com Luiz, pronto!

Eu não sabia ainda, mas estava em fase de negação.

Essas duas primeiras semanas foram as piores de toda quarentena, pelo menos até agora. Nós tínhamos férias marcadas, meu irmão vinha do Brasil, celebraríamos nosso aniversário de casamento, estávamos preparando a casa para receber meus primos no início de abril… enfim, tínhamos uma série de planos bacanas que foram adiados, na minha cabeça, por uma porcaria de uma gripe!

E mesmo não levando nada disso tão a sério, mesmo estando absolutamente frustrada e me sentindo confinada, mesmo num mau humor do cão… fiquei em casa.

O par de semanas culminou com nosso aniversário de casamento. Acabei tendo a ideia de fazer uma festa virtual, como contei há alguns posts e, apesar dos pesares, foi bem legal.

Mas quando a festa acabou, segui bebendo um pouco mais, a ficha me caiu finalmente que o bicho tinha pegado e que não era uma onda rápida, não seriam apenas duas semanas e não seguiríamos iguais. Londres decretou quarentena oficial, não era mais uma opção nossa.

Acordei séria e com a sensação de perda. Acho que foi meu fundo do poço, não sei se estava deprimida, talvez, para mim é um pouco difícil reconhecer. Mas o golpe foi duro, passei alguns dias triste e observando bastante.

Ok, não me restava nada além de absorver o golpe, respirar fundo, tocar o chão e impulsionar para cima. Não tinha jeito, precisávamos passar por isso e nos preparar para o que vem pela frente. Não era mais o que eu queria fazer, mas o que poderia fazer.

O que de bom eu poderia e posso tirar dessa experiência e como me preparo para o pior que possa acontecer?

E, a partir desse momento, sem chavões ou clichês, comecei a melhorar. Porque passei a atuar no pouco que podia efetivamente controlar, ou seja, minha própria cabeça. Adianto que ainda passo por altos e baixos, mas sem sofrer ou me sentir presa.

Seria muito difícil eu ter outra oportunidade como essa para realmente parar tudo que estava fazendo e me observar, pensar e legitimamente mudar. Eu resolvi aproveitar essa chance, foi minha opção. E isso, eu podia controlar.

Como também foi minha opção não entrar na paranóia de falar ou ter contato com outras pessoas. Cumpro o distanciamento, cumpro as regras de segurança e os protocolos por respeito e disciplina, mas o medo não entrou na minha rotina.

Acredito que não seja só eu, imagino que outras pessoas devam ter experiências parecidas, ou pelo menos, parecidas em algum momento. Afinal, os seres humanos não são tão originais como imaginam. Temos a tendência a repetir determinados comportamentos. E hoje essa é uma das razões pela qual compartilho essa vivência, porque talvez alguém que leia possa estar passando agora pelo pior do confinamento e, quem sabe, seja bom saber que pode melhorar.

Passado o tédio profundo, as fases de negação e depressão, comecei a ter vontade de fazer meditação, de cortar o cabelo, de comer o que tivesse vontade, de tomar vinho durante a semana… a gente começa a prestar mais atenção em atividades rotineiras, resgata prazeres em pequenas coisas, o bom humor começa a voltar… até que entende, de verdade, que a liberdade está muito mais dentro de nós mesmos.

Não estou dourando a pílula, sei que tenho uma posição cômoda para pensar assim, é verdade. Mas isso não tira a dificuldade da equação. E não estou dizendo que fica tudo uma maravilha, não fica, mas melhora. Estou aprendendo a viver sinceramente o meu presente. Tenho me esforçado bastante nesse sentido e isso fez minha vida melhor.

Ainda assim, penso no futuro, porque acho importante a gente se preparar para todas as mudanças que virão e, nesse sentido, minha maior preocupação é ao inevitável período de recessão que enfrentaremos. Isso sim me tira um pouco o sono, acho que virá por aí uma fase pós-guerra onde a atitude consciliatória e solidária será fator crítico de sucesso. Vejo essa atitude na Europa, não vejo ainda nas Américas. Como a onda começou mais tarde por lá, espero que isso mude, por bem ou por mal.

Atualmente, busco mais notícias sobre economia do que sobre o vírus. Na verdade, sobre o COVID-19 tenho até evitado ler a respeito, infelizmente acho que a imprensa mundial tem feito um imenso desserviço tratando o tema como uma notícia que vende. Acho que é uma ala que ainda não entendeu que o mundo mudou. A sensação que tenho é que, por não saber exatamente o que mais dizer sobre o vírus, afinal é tudo novo em muitos sentidos, a mídia tem sempre tido a tendência a voltar a divulgar o que sabe como funciona com seu público. Uma pena, estão perdendo um bonde gigantesco e uma grande janela para ajudar!

Termino por aqui, dizendo que estou cautelosamente otimista em relação à Europa e Inglaterra, acho que passaremos ainda por alguma turbulência forte, mas aterrissaremos em razoável segurança.

O que tenho visto à minha volta tem me surpreendido positivamente em relação às pessoas, até me emocionado muitas vezes. Por incrível que pareça, o bem dá sinais que está ganhando. Não podemos nos iludir, talvez seja porque não atingimos um ponto tão drástico. Mas também talvez seja porque, no fundo, haja mais pessoas boas do que ruins. É nisso que decidi acreditar, esse é o cão que alimentarei, porque quero ser boa também.

Sigo preocupada em relação ao Brasil, acho que as pessoas estão confusas e desgovernadas por que caminho seguir e é muito complicado só contar com a sorte. Mas sobre isso, não temos controle.

Portanto, foco nas decisões em que cada um pode controlar. Se o que está fora está difícil de enxergar, olhe para dentro. Se não sabe em quem acreditar, acredite nos seus instintos e ponha os mais frágeis em primeiro plano. Se pode ficar em casa, fique. Não saia por capricho nem por ansiedade, o preço é alto. Você estará arriscando a saúde de quem não tem essa opção. Pense duas, três, dez vezes se realmente é necessário. E se não tiver outra maneira, saia com cautela, cumpra os protocolos, use a máscara, se cuide e cuide de quem está ao seu lado.

Não há outra maneira de sair dessa que não seja coletivamente. Não é hora de dividir, se você ainda não entendeu que nessa partida não há ganhadores, está jogando errado.