58 – Apareceram!

No terceiro dia, até que nem foi tanto, apareceu Luly com os três filhotes. Acabo de vê-los agorinha mesmo, mas estou sem bateria na máquina fotográfica.

 

Como de costume, escutei a senhora chamando a gatinha e fui na janela. Nada dos gatos. Por sorte, ela não desistiu, rodou o condomínio inteiro chamando a felina com rosto de preocupada.

 

Eu havia deixado a janela resignada, mas escutava a voz da senhora. Quando ela parou de chamar, fui olhar por desencargo. E lá estava toda a família comendo. A filhote tricolor já pede carinho, os outros ainda são bem desconfiados e mal saem do lado da mãe.

 

Aliás, a gata é boa mãe. Os filhotes estão grandinhos, mas ela ainda cuida deles. Na semana passada flagrei um mamando. Nesse tamanho, a gata costuma não aceitar mais, porque os dentes podem machucar. Mas ela parecia amarradona, até deitou de barriga para cima.

 

Enfim, tudo bem. Ufa!

 

57 – Por onde andará Luly?

A Espanha é muito conhecida por seu “cotilleo”, que poderíamos traduzir como fofoca. Um fofoqueiro é um cotilla. Aqui, todo mundo gosta de se meter na vida de todo mundo. Não é exatamente mal visto, é como um traço cultural.

 

Na época que encontraram aquele louco austríaco, que prendeu a filha no sótão por 24 anos, a piada de humor negro por essas bandas é que isso nunca aconteceria na Espanha. Porque todos seus vizinhos cotillas já teriam se interado na primeira semana.

 

Não sei se estou me tornando uma cotilla, mas a cada lugar que moro, reconheço rapidamente os animais daquela zona. Que cachorro pertence a quem, que gatos circulam pelas ruas ou aparecem nas janelas.

 

Logo que mudamos para esse último apartamento, percebi que havia uma gatinha cinzenta prenha que vivia no condomínio ao lado. Ai, meu deus! Essa gatinha vai parir já já e vou ficar agoniada com os filhotinhos na rua… E nem adianta me engraçar, porque tenho meu felino gordo que não gostará nada de ter companhia! Também havia um gato branco e amarelo que de vez em quando estava com ela.

 

Muito bem, não demorou muito, descobri que havia uma senhora, nesse mesmo condomínio que alimentava e cuidava da gatinha. Algumas vezes ao dia, ela aparecia pela área e chamava, Luuuuly! E lá vinha Luly ganhar água e comida. Que alívio me deu!

 

Pouco depois, descobri que Luly tinha família. Três filhotinhos muito fofos, um cinza, igual a ela, um rajado e uma branca, amarela e preta. Devido a coloração da última gata, deduzi que o pai era o tal gato amarelo e branco, pois nasceram três mesticinhos. E sei que o terceiro filhote é fêmea, porque só as fêmeas tem três cores.

 

Todos os dias é o mesmo ritual, desce a senhora algumas vezes e chama os gatinhos para comer. E a cotilla aqui, toma conta de tudo da janela!

 

Uma vez vi uma cena surrealista, duas senhoras apareceram, com aqueles carrinhos de compras na mão e começaram a alimentar esses gatos. Poucos minutos depois, apareceu a mesma senhora do condomínio e pagou um esporro daqueles para as duas, mandando elas irem embora ao som de: fuera!

 

As duas saíram praguejando, dizendo que ela estava maltratando os gatos, que elas a denunciariam e que ela teria que voltar para o país dela. Foi quando descobri que a senhora era estrangeira, é impressionante como sempre se usa o mesmo argumento patético do volte ao seu país! Mas enfim, ela nunca tratou mal aos gatos, sou testemunha, pelo contrário. Aliás, estava prontinha para descer, caso a polícia realmente aparecesse. Lá ia eu me meter! Não foi necessário, as duas coroas botaram os rabitos entre as pernas e foram embora. Nunca mais as vi.

 

Achei muito engraçado as pessoas disputarem quem alimentaria os gatos de rua, é muita falta do que fazer! Tem tanto animal solto precisando ser cuidado, para que essa bobagem competitiva?

 

Sei que dona leoa estrangeira continuou alimentando e cuidando de seus felinos. E eu, continuei tomando conta pela janela. Na verdade, adoro bichos e não deixavam de me fazer companhia quando apareciam pelo jardim. Um dia consegui fotografá-los, todos juntos.

 

 

 

Quando escuto a senhora chamando por Luly, vamos ela para comida e eu para janela. O problema é que ontem Luly não apareceu e fiquei angustiada. Sei que gatos às vezes passeiam ou se mudam, mas esses me pareciam bem satisfeitos ali. Por outro lado, acho que não aconteceu nada grave, porque se foram os quatro, a fêmea e os três filhotes.

 

O jeito é esperar. Por onde andará Luly?

 

56 – Cliente, esse ser inconveniente que vem aqui me atrapalhar!

Quem mora em Madri ou já esteve por essas bandas, sabe exatamente do que estou falando. Ainda que se note algumas melhorias, pequenas, mas se nota, o normal é que o cliente seja visto como o chato da história. Afinal de contas, quem precisa de cliente não é mesmo? Todo mundo está careca de saber que dinheiro cai do céu e que qualquer negociante só abre um comércio por falta do que fazer!

 

Na terça-feira, fomos a um jantar de aniversário no Gaudeamus Café. Sejamos justos, o lugar é uma graça! Fica em um edifício antigo em Lavapiés. O prédio é maravilhoso, foi restaurado e é ocupado por escolas. Na cobertura, fica o restaurante. Charmoso, gente bonita e com um grande espaço para mesinhas ao ar livre.

 

Pois muito bem, como de costume, fomos os primeiros a chegar e nos dirigimos para a mocinha que recepcionava as pessoas. Dissemos que tínhamos uma reserva no nome da aniversariante. Ela conferiu, encontrou a reserva e nos disse, mas é só para às 21:00hs! Respondemos, mas são 21:10hs. Ah, são? É mesmo! Sorrimos todos, natural, alguém se confundiu com a hora.

 

A conversa prosseguiu. Mas aqui diz que a reserva é para 12 pessoas. Então, eu prefiro que vocês esperem aqui até a maioria chegar. Porque senão, toda hora eu terei que levar alguém na mesa.

 

Hã? Ela repetiu.

 

Vamos traduzir, eu, a garçonete, prefiro (o verbo utilizado foi exatamente preferir) que vocês clientes fiquem aqui em pé, sem consumir nada, esperando os outros amigos de vocês que devem chegar em algum momento. Quando já tiver bastante gente, vocês me chamem outra vez, porque eu é que não vou ficar para lá e para cá levando vocês na mesa, né?

 

Convém explicar que isso não foi dito em tom de raiva, coisa que eventualmente pode acontecer. Foi dito assim com um sorriso, como se fosse muito natural. O cliente que espere! Claro!

 

Logo depois, chegou a aniversariante. Para ela, foi dado o número cabalístico de um mínimo de sete pessoas, ou seja, assim que conseguíssemos reunir sete amigos, ganharíamos o direito supremo de nos sentar à mesa.

 

Nesse dia, estava de bom humor, além de ser convidada. Ou seja, não estava para criar caso com ninguém. Além do mais, as pessoas eram ótimas! Então, a gente simplesmente tentou relaxar e aproveitar.

 

Na mesa, descobrimos o seguinte, para grupos havia um menu fixo com algumas opções compartilhadas. Isso significa que você não pode eleger todas as opções do cardápio, tem menos escolha. Ou seja, vamos facilitar também para o pessoal da cozinha, né? Vai ficar cada um pedindo uma coisa diferente? Tenha dó, vamos trazer um pouco de cada coisa e vocês dividam aí entre os convidados, pronto!

 

Bom, tudo bem, pessoalmente, até que gosto de provar de tudo. Então, podemos fazer o pedido?

 

É que tem mais um detalhe, já estão todos na mesa? Porque a comida precisa ser pedida toda de uma vez só.

 

Ai, cassete! Respira fundo, Bianca, a culpa não é desse ser que está parado na sua frente, ele é apenas o mensageiro. Não mate o mensageiro!

 

Finalmente, nosso garçon, que era gente boa, nos ofereceu uma saída. Vamos pedindo as entradas enquanto o último convidado não chega. Beleza! Minha paciência e meu estômago agradeceram.

 

A partir daí, melhorou bastante. A comida era gostosa, bem feita e o atendimento foi bom também. O garçon tirou até foto para a gente, com duas câmeras e sem fazer cara feia.

 

Em resumo, vamos fazer uma retrospectiva da noite. Foi uma delícia! Gente legal, conversa animada, garçon educado, boa comida e vista linda.

 

Agora, se me perguntam se quero voltar, a primeira coisa que me vem a cabeça é: hum… aquele lugar onde a recepcionista “prefere” que eu espere em pé, desconfortável e sem consumir, do que ter o trabalho horroroso de levar os clientes para a mesa. E se eu levar mais gente, o que significa uma conta mais alta, é pior e terei menos escolha.

 

É… acho que não.

 

55 – Aproveitando o verão em Madri

Quando entra agosto, Madri muda de cidade! Na Espanha, todo mundo adora tirar férias no mesmo mês, sempre é agosto e ponto final.

 

Diz a lenda que esse ano estão em crise, que os hotéis estão reclamando, que as pessoas estão viajando menos… pode ser, quem sou eu para duvidar, mas o fato é que as ruas madrileñas estão vazias e as praias lotadas. E faz um calor de cuernos!

 

Bom, não fui acostumada a viajar em agosto mesmo. Acho que só quando tinha férias escolares seguia algum padrão de viagem anual, ainda assim porque eram meus pais que decidiam. Depois que comecei a trabalhar, a verdade é que sempre procurei ir na contra-mão. É mais barato e os serviços são melhores. Para que vou me estapear por um filão de areia? Nem morta!

 

Honestamente, aprendi a gostar de Madri no verão também. Tudo fica mais tranquilo e gira em outra velocidade. É verdade que você tem menos opções de restaurantes e lojas, porque boa parte fecha durante todo mês, são férias coletivas. Mas pouco a pouco, noto que o comércio está tentando se administrar e aproveitar melhor esse período. Talvez a grande entrada de estrangeiros tenha favorecido essa situação.

 

O fato é que chegou outro agosto, o quarto que passo na cidade. Entretanto, o primeiro que tenho a mordomia da terraza. Por que não aproveitá-la? Às vezes, temos as coisas tão ao nosso alcance que deixamos para outro dia, ou para o fim de semana, ou para nunca.

 

Há umas duas semanas, montamos uma piscina de lona, que já havia no apartamento. Poderia ter sido montada antes, mas só fizemos sob o pretexto de ter crianças em casa.

 

Acontece que depois de montada, bem que gostei da brincadeira. Descobri que podia acordar um pouco mais cedo e pegar uma horinha de sol por dia. Melhor, se Luiz não chega tão tarde, ainda podemos aproveitar a luz que vai até depois das 22:00hs. O calor infernal tem suas vantagens, porque aumenta a temperatura da água, que parece ter sido aquecida mecanicamente. Fico a própria lagosta boiando na água morna e até peguei uma corzinha.

 

Na sexta-feira, Luiz conseguiu chegar cedo em casa. Quando me ligou do caminho avisando, já armei o circo lá em cima para não ter desculpa. Sei que deu preguiça de subir quando ele chegou, mas uma vez na terraza, aproveitamos o dia, a água e um churrasquinho básico no nosso clube privê.

 

De lá, seguimos para um aniversário duplo na Sala Caravan, foi show do Afonso, um brazuca que canta para burro e vive por essas bandas. Até pouco depois da uma da manhã, tempo que durou seu show, foi extremamente divertido. Depois entrou aquela música eletrônica espanhola de toda la vida que já não aguento, muito ruim. Quando você bebe um pouquinho, dá para suportar, mas nesse dia estava na base da água mineral. Por volta das 2:00hs, pedi arrego. As pessoas eram ótimas, mas não dava para conversar com aquela música péssima e altíssima. Na saída, paramos em um bar ao lado, com mais outro casal, para Luiz e eles tomarem a saideira. Que alívio ouvir as pessoas novamente!

 

No sábado, de dia fizemos algumas comprinhas básicas e à noite fomos jantar com amigos recém casados. Um apartamento ótimo, que por ser no andar térreo, ficou com direito a utilizar a área externa, ou seja, tem um ar de casa. Eles serviram o jantar nesse jardim, a luz de velas. Foi uma noite muito agradável.

 

Domingão, eu só queria piscina! Não acordamos tão tarde e de 13:00hs às 21:00hs fiquei sob o sol. Quase que o tempo inteiro dentro da água, do lado de fora não dava para aguentar o calor. Um casal de amigos nos fez companhia no nosso dia de morgação total. No início da noite, claro que eu era praticamente um salmão defumado. Não teve protetor solar que desse conta do recado. Mas tudo bem, estou parecendo mais saudável.

 

E assim passam os dias, com jeitão de férias, mesmo não sendo. Talvez a gente fuja em algum fim de semana para praia, não sei. Enquanto isso, que o Hawaii seja aqui!

 

54 – Um pouco sobre vinhos espanhóis

Vou deixar uma coisa bem clara logo no início, não sou sommelier nem especialista. Simplesmente, sou louca por vinhos. Adoro experimentá-los e combiná-los com pratos. É uma bebida que me deixa feliz, mexe com as emoções.

 

Outro dia, um amigo blogueiro me perguntou sobre os vinhos espanhóis e achei que era um bom tema para escrever. Sem pretenções de dar nenhuma aula, reuni algumas informações e gostos pessoais. Vou logo avisando que a melhor forma de confirmar se o que vou contar é verdade, é provar.

 

A Espanha é hoje o terceiro produtor de vinho em volume. Ainda que, durante muitos anos, foi pouco conhecida e valorizada no contexto internacional. Viveu à sombra de países como França, Itália e Alemanha.

 

Exceto pelos Rioja e Ribera del Duero, quase não se ouvia falar dos vinhos das outras regiões. No Brasil, até hoje, basicamente se vende os Rioja. Pouco se sabe sobre os Ribera, na minha opinião, entre os melhores vinhos que já experimentei por essas bandas. Mas isso é gosto pessoal.

 

Hoje, na Espanha, são mais de 50 denominações de origem reconhecidas e 2 denominações de origem qualificadas, Rioja e Priorato. São vinhos excelentes e capazes de competir com grandes vinhos internacionais.

 

A Espanha está submetida à legislação da União Européia, que define duas categorias de vinhos, os vinhos de mesa e os VCPRD (vinos de calidad producidos en regiones determinadas), equivalentes a DO (denominação de origem).

 

Além das classificações oficiais, Espanha conserva suas próprias denominações, algumas inspiradas pelo sistema francês. Podemos dividí-las em sete classificações principais.

 

Vinho de mesa, que é a categoria básica. Podem proceder de qualquer zona espanhola e não levar menção de origem geográfica nem safra. O termo “vino de mesa” pode vir seguido pelo nome de uma região, nesse caso, é um intermediário entre o “vino de mesa” e o “vino de la tierra”.

 

Vinho da terra, ou melhor “vino de la tierra”, procede de uma das 28 zonas delimitadas reconhecidas por seu caráter específico e que aspiram por um dia se tornarem DO.

 

Denominação de Origem (DO), é a categoria mais estendida entre os vinhos de qualidade. É concedida aos vinhos que respondem a certos componentes de cepas, um modo de cultivo e uma origem geográfica. O estatuto de DO é comparável ao da AOC francesa e ao da DOC italiana.

 

Denominação de origem qualificada (DOCa) – qualificada em espanhol se escreve calificada – é uma espécie de super DO, reservada aos vinhos que cumprem critérios muito precisos de qualidade e regularidade. Rioja obteve esse direito a partir da safra de 1991 e Priorato, em 2001.

 

Vinho “joven”, é engarrafado imediatamente após a colheita e também é conhecido como “vino del año”.

 

Vinho de “crianza”, atenção, crianza não quer dizer criança em português, e sim criação. Depende das regulamentações de cada DO. Geralmente, é um vinho que pode ser comercializado depois de haver envelhecido dois anos inteiros, dos quais entre seis e doze meses, em barrica de carvalho. Em algumas regiões, como Rioja e Ribera del Duero, é difícil encontrar vinhos de crianza com menos de 12 meses em barrica. Os crianzas brancos ou rosé devem envelhecer um ano em bodega, dos quais, seis meses em barrica.

 

Reserva, o vinho deve envelhecer três anos em bodega, sendo no mínimo um ano em barrica. Só é comercializado após seu quarto ano. Para os brancos e rosados, se espera dois anos, sendo seis meses em barrica, e podem ser comercializados no terceiro ano.

 

Gran Reserva, essa categoria só existe para algumas safras. Os tintos devem amadurecer durante cinco anos, dos quais, um mínimo de dois em madeira. Deve ser comercializado a partir do seu sexto ano. Os gran reserva brancos e rosés são muito raros. Devem ser criados durante quatro anos, no mínimo seis meses em barrica, e comercializados após seu quinto ano.

 

Muito bem, há um zilhão de detalhes técnicos acessíveis a qualquer um que tenha paciência de navegar pela internet. Mas como disse logo no início, não sou sommelier, sou apaixonada. Portanto, me dou ao luxo de sair um pouco para a prática, bem mais interessante, pelo menos para quem prova.

 

Meu interesse por vinhos surgiu há uns nove anos, creio. Ainda morava no Brasil. Imagina se queria admitir meu passado negro adolescente, onde tomávamos sangue de boi no copo de plástico! E como confessar que também tomei o tal docinho, com gosto de uva, da garrafa azul? Pior, quando morava no Rio, cometia a heresia de não gostar de chopp e uma das poucas alternativas era a tal da sangria… arg! Ok, mea culpa, mea culpa…

 

De maneira que, assim que começou a onda das degustações em São Paulo, lá estava eu tentando correr atrás do prejuízo. Descobri que o problema não é que eu não gostasse de vinho, não gostava era de vinho ruim!

 

Foi como descobrir um novo universo, e por ser tradicionalmente compulsiva, entrei de cabeça. Resultado, fiquei uma chata de galocha! Exigente para cassilda! Acho que estava mais preocupada em perceber se tinha o tal do tanino ou frutas vermelhas, lágrimas, unha, bouquet etc etc. Perdi a capacidade de simplesmente parar e curtir o vinho. Aproveitar a emoção. Opa! Não gostei dessa brincadeira!

 

Hoje, mais do que prestar atenção em quantos segundos tenho de retro-gosto ao comparar vinhos, prefiro descobrir qual é o mais elegante. E como definir concretamente a elegância de um vinho? Mas quando a gente experimenta, a gente sabe, não? Então, só provando! E é esse meu ponto, se é que posso dar algum conselho é que se aproveite o momento e o vinho específico que está  na sua taça, melhor ou pior, ele é sempre único. Na minha experiência, foi quando mais aprendi.

 

Pois muito bem, morando em Madri, nos dispusemos a conhecer os vinhos espanhóis. Por que não? Honestamente, apenas conhecia e mal os Rioja, os únicos que tinha algum acesso no Brasil. Inclusive, gosto muito, continuo gostando. Os vinhos encorpados me interessam.

 

Mas aqui, logo na primeira semana, conheci os Ribera del Duero, e me encantei. São elegantes e potentes ao mesmo tempo.

 

Acho muito difícil eleger o melhor vinho, porque sempre implica em um infinito número de variáveis. Não tenho um favorito, vai depender do momento. Mas, correndo o risco de generalizar, posso dizer que o vinho considerado mais importante na Espanha é o Vega Sicilia, um Ribera. Toda vez que você pronuncia seu nome, algum espanhol suspira do outro lado. Seu preço, como de qualquer bom vinho, pode variar bastante de acordo com a safra, mas dificilmente será encontrado por menos de 80 euros a garrafa. Não sei a que preço chegaria no Brasil, pois as taxas de importação são selvagens, além da diferença do câmbio. Mas enfim, aqui também não é um vinho popular, poucas pessoas o experimentam e assim mesmo, em ocasiões especiais.

 

Sim, já tomei e sim, é alucinante! Só para constar, também suspirei agora e estou sorrindo ao lembrá-lo.

 

Bom, mas se você não quer gastar tanto assim, outra boa opção é o Aalto, um crianza de Ribera. A garrafa está por volta de 25 euros e acho um vinho fantástico. O que economizou no vinho, pode gastar em um jamón pata negra e correr para o abraço!

 

Ainda está caro? Um Matarromera sairá por uns 15 euros a garrafa e prometo que não faz feio. A propósito, não faz nada feio. O câmbio distorce muito os valores, entretanto, se você imaginar o euro a 1 para 1, é mais ou menos a escala de valor que seria aqui. Ou seja, por 15 reais, você compraria um ótimo vinho.

 

Nos bares, se vende normalmente os vinhos em taça. Custam entre 1,15  e 2,20 euros a taça. Para oferecer um parâmetro de comparação, a coca-cola fica em torno de 2 euros. Ou seja, é bem razoável e acessível. Juro que em sua imensa maioria, são vinhos corretos.

 

Ainda que prefira os Ribera, há um Rioja que quase posso dizer que é meu favorito. Estou meio na dúvida, preciso tomá-lo várias outras vezes para confirmar. É o Calvario! Apesar do nome, é o paraíso. Talvez a gente precise passar pelo calvário para chegar ao céu! A garrafa custa em torno de 65 euros. Nos restaurantes sai mais ou menos uns 75 e isso é outra coisa que gosto daqui, as margens de lucro sobre a bebida não são agressivas. Costumam ser, no máximo, de 20%. No Brasil, no mínimo, se dobra o valor.

 

Outro Rioja que gosto, esse encontrava no Brasil, é o Marqués de Riscal. Aqui ele sai por volta de uns 12 euros a garrafa. Também gosto do Marqués de Riscal branco, de Rueda. Os marqueses, de maneira geral, não decepcionam.

 

Aliás, acabei com meu preconceito em relação aos vinhos brancos. Continuo apreciando mais os tintos, mas um prazer não elimina o outro e há dias que quero algo mais fresco. Há um em especial, o Marqués de Alella, dica de outra amiga blogueira, que fiquei freguesa. Acredite se quiser, compro por menos de 5 euros a garrafa, e é honestíssimo. E se for para comer mariscos, adoro os Albariños, da Galícia. Outro dia, provei o Frore de Carme, Albariño de Rías Baixas, que me ganhou no primeiro minuto. E uma coisa interessante, a vinícola não trabalha com intermediários. A garrafa tem design inovador e rolha de vidro com fechamento hermético.

 

Quanto aos rosados… hummm… continuo preconceituosa, paciência! Não, obrigada!

 

Acho que os únicos rosados que não resisto são as champagnes rosés, mas daí já é outra coisa. Com comida japonesa e peixes defumados, me tiram do sério!

 

Falando em espumantes, o espumante espanhol é o Cava. Termina com “a”, mas é masculino, el cava. Não é igual a champagne, é outra bebida, não tem o mesmo sabor de pão torrado, mas quebra bem o galho e seu preço é acessível. No Brasil, pelo menos no meu tempo, só chegava a Freixenet, e era caro para burro! Aviso aos navegantes que aqui, já achei garrafa por menos de 4 euros. Particularmente, gosto muito da Anna de Codorníu Brut, uma excelente relação custo x benefício, cerca de 8 euros a garrafa.

 

Entre nós, se é para chutar o balde, chuto com champagne. Cava é dia-a-dia, e cumpre seu papel perfeitamente, mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

 

Vou terminando com a sobremesa. Aqui há um vinho fortificado muito famoso, o Pedro Ximénes, um Jerez. Até hoje, foi o único que tomei capaz de fazer frente a um tiramisú. Também é utilizado em reduções, como para um foie gras, por exemplo. Recomendo, principalmente para quem é apreciador de um Porto. Outra vez, não é a mesma coisa, só estou dando referências.

 

Enfim, aqui dei algumas opiniões e dicas. Mas se quer minha sugestão, acho que você deve duvidar. Só acredite vendo, ou melhor, experimentando!

 
 
 

 

 

 

53 – Blitz! Documentos… Ué, só temos instrumentos!

Tá bom, tá bem, admito, não tenho maturidade! O problema é que sou casada com outro louco que cataliza o efeito. Adultos que gostam de brincar são muito mais perigosos que crianças, porque a gente não precisa convencer os pais a nos dar os brinquedos.

 

Agora estou na fase totalmente percussão, Luiz também entrou na onda, ou seja, já viu, né?

 

O caso é que a cada aula que frequento, me apaixono por um instrumento diferente. O resultado? Uma imagem vale mais que mil palavras e essa mini escola de samba se encontra na nossa sala.

 

 

Sim, temos um djembe, que já tinha antes, e compramos um tamborim, um pandeiro, um ovo ganzá, um repinique e, por último, a maior aquisição, um tam tam.

 

O tam tam ainda foi negociado, porque no fundo o que queria mesmo era um surdo. Acontece que queria assim um surdinho, daqueles que até escutam um pouco, usam um aparelhinho para surdez… Mas na única loja onde encontramos instrumentos brasileiros aqui, só havia um surdão, daqueles obesos! Era realmente enorme! Tentei ser um pouquinho razoável e imaginei que se algum dia mudarmos desse apartamento, o tal do surdão ia virar minha mesa de jantar! Então, tá né? Tentei outro diferente e peguei um maluquinho, o tam tam. Digamos que tenha mais a ver com minha personalidade. Primeiro, não gostei tanto, porque originalmente ele deveria ser tocado de banda e com as mãos. Eu queria era aquele baquetão poderoso e batucar estilo Pelourinho.

 

O dono da loja, que não é bobo, percebeu o dilema e me mostrou que podia prender o instrumento na cintura e soltar o braço. Ah, bom, aí foi outra história. Senti logo a melanina circulando nas veias. Resolvi que se um dia eu ficar boa no tam tam, pensarei no surdo.

 

Em casa, improvisei uma baqueta com uma madeira que Luiz tirou de um guardador de vinhos desmontável e uma espuma de um rolo de pintar. Essa é a vantagem de ter um atelier, você sempre tem alguma coisa que pode ser transformada.

 

Estava simplesmente tarada para experimentar o tam tam. Aqui em casa não dá para praticar, o som reverbera demais e não quero problemas com vizinhos. Depois, não tem nenhuma graça tocar de leve, a gente quer mesmo é arrepiar.

 

E fomos nós para a aula, com nosso pequeno bloco mais ou menos portátil.

 

Meu novo maluquinho não decepcionou, soltei o braço e a franga, segundo minha professora, com valentia. Luiz, por sua vez, se empolgou no repinique e ficou um perigo! Ou seja, nos convertemos em dois monstrinhos batuqueiros! Os outros alunos também mandam ver. É claro que a gente atravessa para burro! Uns mais, outros menos, é mais difícil do que parece e há apenas um mês que nos reunimos, uma vez por semana. Mas boa vontade não falta e otimismo da nossa maestra vai nos levando para frente.

 

Fazemos rodízio de instrumentos, somos muito iniciantes e é importante entender um pouco de todos, depois optar pelo que se sente mais confortável. O meu problema é que gosto de tudo! O tamborim é show, te dá mobilidade e enfeita… tá tá-tá-tá-tá tá tá tá-tá tá tá tá… O pandeiro é bem legal, mas exige certa concentração. Minha mão começa a suar e ele escorrega, mas acho que é uma questão de treino. Gosto de tocá-lo no partido alto… tum tum tá tá tum tá tum tá… O ganzá é pequeñito pero cumplidor… chch chch chch… Mas sinto que o meu negócio mesmo é a marcação, muito bom! Encarno a personagem total, perco a vergonha.

 

É um pouco constrangedor contar, mas me pego algumas vezes ao dia pagando flexões de braço para ficar mais forte. Queria dar conta de puxar a marcação, não é mole, geralmente é função masculina. Tudo bem, ando meio abusada, vamos ver o que acontece.

 

Infelizmente, nosso curso intensivo acabou ontem. Entretanto, acredito que em setembro a gente continue. Bom, eu com certeza vou continuar, mas acho que o legal é ser com esse mesmo grupo.

 

Enfim, que nos aguardem! Os tímpanos madrileños jamais serão os mesmos!

 

52 – Agora sou batuqueira

Sempre fui alucinada com percussão, idéia vetada na minha casa desde o início. Tudo bem, realmente ter uma filha tocando bateria não deve ser a coisa mais legal do mundo, mas acho que levava jeito para a coisa.

 

Minha tia, por parte de pai, foi baterista e tocava abrindo os shows do Mario Mascarenhas, irmão do meu avô. Imagino que seus ensaios devam ter contribuído para o não rotundo em relação ao meu intresse pelo assunto.

 

Meu pai tocava com os amigos no fim de semana no clube, honestamente, era minha visão de inferno. Mas por outro lado, tinha disponível em casa alguns intrumentos, como tambora e tamborim, e de vez em quando dava uma arriscada.

 

O mais próximo que cheguei foi tocar caixa na banda do colégio, que não é lá nenhuma Brastemp e me fazia usar aquela roupinha ridícula com penacho na cabeça. Mas vai, pelo menos, rolava uma batucadinha no final dos ensaios, que era divertido.

 

Levo um tempo com vontade de estudar percussão. Dessa vez, sem grandes ambições de ser baterista, mas por aprender uma língua nova. Sinto que já fui melhor em ritmo e acho que essas coisas a gente não pode deixar de praticar, porque perde. Ainda tenho condições de aprender e resolvi arriscar.

 

Quando a gente quer algo, parece que tudo se encaminha para isso e assim foi. Nosso grupo do coral entrou de férias no fim de junho. Entretanto, havia muita gente que não ia viajar em julho, incluindo nossa professora. Começamos a botar pilha para continuar as aulas mais um mês. Daí surgiu a proposta de fazer julho dedicado à percussão. Perfeito!

 

Não dá para em um mês você sair mestre de escola de samba, é simplesmente para pegar um gosto, ver o básico. Pois como se podia imaginar, peguei muito mais que gosto. Luiz também se animou.

 

Resultado, já temos um repinique, um tamborim e um chocalho. Encomendamos um pandeiro e estou doida por um surdão! Sim, me amarrei no surdão. Aula passada tivemos um pouco de samba reagge e me senti negão do Candeal. Tu-gu-du-gu-dum tum tum tum… Dá a maior sensação de poder! O problema é que tinha que tocar em um Djembe meio grande e pesado, no final, minha perna já estava trêmula. É um exercício e tanto! Mas acho que se tocar naquele que tem um pé apoiando, dou conta. No braço, tenho quase certeza que me garanto.

 

Resumindo, óbvio que não podia me apaixonar apenas pelo tamborim, né? Tinha que ser pela marcação do surdo!

 

Ainda tenho bastante dificuldade e acho que precisarei treinar muito. Acho complicado cantar e batucar ao mesmo tempo, quase sempre ou faço um, ou faço outro. Talvez com os ensaios eu vá melhorando. Não sei, mas vou tentar. Até porque é viciante, toda hora me pego batucando na perna o que a gente aprende na aula, para ficar automático.

 

Eu já não ando pela rua muito normal. Vivo caminhando rápido com minhas botas de trekking e uma mochila laranja. Depois, passei a cantarolar sozinha. Agora, ainda por cima, fico batucando nos meus instrumentos imaginários! Qualquer dia me internam!

 

Go Forrest, go!

 

 

 

51 – Taking a walk on the wild side

Na quarta-feira, recebemos visitas. Um casal de amigos franceses que adoramos. Não me lembro mais se já contei essa história, mas nos conhecemos de maneira curiosa. Luiz foi fazer um treinamento na Inglaterra, em uma cidadezinha meio afastada de Londres. Morávamos no Brasil nessa época e acabei indo com ele.

 

Na minha memória, levava quase duas horas para que conseguisse chegar em algum lugar razoável em Londres, de maneira que no terceiro dia da viagem, estava cortando os pulsos de tédio. Nosso vôo fazia escala em Paris, portanto decidi voltar para França mais cedo, mesmo sozinha, e aproveitar o resto do tempo por lá.

 

Nisso, Luiz fez amizade com um francês no seu curso e contando essa história para ele, o outro respondeu que sua esposa estava em Paris, um pouco entediada também, porque acabavam de voltar a morar por lá e ela ainda não estava trabalhando. Ele deu o telefone da esposa e Luiz me repassou, pedindo que ligasse para ela.

 

Liguei por educação, imaginei que uma francesa que nunca tinha me visto na vida não ia querer sair comigo. Aquilo era armação de marido. Mas o fato é que nos encontramos e foi amizade instantânea. Chegamos inclusive a frequentar uma aula de desenho com modelo vivo, o que considerando que ela é veterinária, foi bastante inesperado.

 

Luiz se tornou grande amigo do marido e eu grande amiga da esposa, mas não nos encontramos os dois casais juntos. Levou quase um ano para que nos encontrássemos todos de uma vez, em Paris. Daí por diante, sempre mantivemos contato, ficamos duas vezes hospedados com eles.

 

Já os havia convidado antes, mas ao longo do tempo, eles tiveram dois filhos e até então, complicava um pouco para viajar. Agora é menos complicado, pois o mais velho tem quase 6 anos e a mais nova uns 3. O menino, cheguei a conhecer por volta dos 3 anos e era um docinho. De maneira, que ao saber que estariam pela Espanha no fim de julho, pensei, por que não convidá-los? O apartamento comporta, a gente gosta deles, que tal dar uma voltinha no lado selvagem da vida?

 

Eles toparam. Quando avisei ao Luiz que teríamos duas crianças em casa, senti um suspiro contido de medo, mas logo se dispersou. A verdade é que ele, como eu, acreditamos que não há criança mal educada, e sim pais mal educados. Pelo que conhecíamos do casal e do menininho mais novo, achamos que valia o risco.

 

E valeu. As crianças não atrapalharam absolutamente nada, no fundo, até achei bem legal.

 

É uma rotina diferente, a cada saída de casa há um milhão de detalhes, entre carrinhos, brinquedos, água, chapéus… Conheci Madri por outro ângulo, o de quem tem filhos.

 

Fomos caminhar no centro da cidade na quinta-feira pela manhã e é um local meio difícil para ir de carro, portanto fomos de metrô. Muda o tempo para chegar até a estação, porque as crianças tem o passo menor. Ali precisava descobrir por onde passava o carrinho e a partir de que idade se pagava passagem. A propósito, se paga passagem a partir dos 4 anos, mas eles são razoavelmente tolerantes em relação a isso. Se a criança tiver tamanho para passar com você na roleta, eles fazem vista grossa. O carrinho passa por um portão lateral. Mas não é só isso, tem uma escadaria danada dentro da estação, coisa que nunca tinha prestado muita atenção até esse momento. Num instante você trata de descobrir onde raios é o elevador, se é que há algum, coisa que nem sempre acontece. Quando não tem, um pega o carrinho pela parte de cima e outro pela parte de baixo. Às vezes a mãe está sozinha e alguma voluntária, que normalmente é mulher, se oferece para ajudar.

 

Isso tenho que reconhecer, as pessoas me pareceram solidárias com quem tem filhos. Vou dar outro exemplo, temos só uma vaga na garagem. Luiz cedeu essa vaga para nossos amigos, até porque o carro precisa ser grande e sempre vai carregado de coisas. Nossa vizinha, reparou que o carro era diferente e certamente viu o carrinho de criança que ficou do lado de fora, no corredor do elevador, coisa que ela também faz de vez em quando. No dia seguinte, pela manhã, havia um bilhete embaixo da nossa porta avisando que eles saíram de férias e que se quiséssemos, podíamos usar a vaga deles na garagem. Achei muito gentil e tenho certeza que boa parte dessa amabilidade foi por empatia. Eles tem duas meninas e devem saber a complicação que é sair com crianças.

 

Mas se por um lado é complicado o transporte, durante o passeio é bem normal, só muda mesmo os tempos.

 

Na quinta-feira à noite, tínhamos aula de percussão e não queríamos faltar. É um curso intensivo que estamos fazendo durante o mês de julho. Talvez a gente continue depois, espero que sim porque estou adorando, mas voltando ao assunto, levamos o casal e as crianças conosco para assistir. Apesar do nosso mico, acho que eles gostaram.

 

Em casa, também foi bem tranquilo e muitas vezes engraçado. A menina ficou enlouquecida com meu gato, que como um típico felino, não gostou tanto assim do interesse. Mas ao mesmo tempo, ela era bastante doce e não o assustava. Ela  ia atrás dele incansável bem devagar e ele fugia na mesma velocidade, uma perseguição em loop e câmera lenta.

 

O menino, já maiorzinho, se encantou com o Wii, que é realmente hipnótico. Mas ao mesmo tempo, também não ficava obcecado, ponto para os pais. Ele adora ler, o que achei o máximo. Muito bonitinho quando ele lê para a irmã, que presta a maior atenção.

 

Na sexta-feira, aproveitamos o pretexto e montamos a piscina no terraço. A proprietária do apartamento deixou uma piscina, dessas de lona para crianças. Finalmente, tínhamos a perfeita desculpa para montá-la. Até que é bem grandinha, melhor do que as que existiam no meu tempo. As crianças adoraram e, admito, que nós adultos também. Foi legal aproveitar o ar livre e jantávamos lá por cima mesmo. Fizemos churrasco, logo após às 20:00 horas, quando a temperatura fica mais amena.

 

No sábado à tarde, fomos almoçar em Patones de Arriba. Um vilarejo de pedra com uma história bem interessante, que já contei por aqui. Na época da invasão francesa, foi o único povoado espanhol que não se rendeu. O motivo foi o mais curioso, as tropas de Napoleão nunca sequer encontraram o vilarejo escondido nas montanhas. Mas enfim, hoje em dia é um lugar gostoso para ir almoçar. Gosto muito de um restaurante chamado El Poleo, para onde levamos nossos amigos.

 

A idéia inicial era de lá passear em Pedraza, outra cidadezinha, mas o calor não estava cooperando muito. Achamos melhor voltar para casa, fazer uma siesta básica e depois ir para piscina. Acabamos fazendo outro churrasco, o que não foi nada mal.

 

No domingo, pela manhã, eles se foram. Passou voando. Acredite se quiser, mas na segunda-feira, bem que senti falta dos passinhos pequenos e risadinhas entrando no meu quarto devagar para ver se tinha acordado, e da gargalhada dupla quando abria um olho só e dizia, cuco! Bonjour!

 

50 – Lulus Fitness

Juro que não recebo um tostão do fabricante do Wii, mas acho que já estava na hora de cobrar, porque não paro de fazer propaganda. É que gostei tanto que dá vontade que outras pessoas aproveitem também.

 

Pois bem, na terça-feira, teve encontro de Lulus. Somos um grupo de amigas, a irmandade das perucas coloridas, e nos encontramos regularmente. Na verdade, frequentamos o mesmo grupo de amigos, mas de tempos em tempos, fazemos uma reunião só com as meninas. É um momento para rir, reclamar, fofocar, confessar, o que quiser ou precisar.

 

Como estou nessa fase de organização física, por falta de uma definição melhor, sugeri que nosso encontro fosse aqui em casa, com o Wii Fit de pano de fundo. Comidinhas bem leves, cava e suco de frutas. As meninas entraram na brincadeira e foi bastante divertido. Uma delas também trouxe Runas e ganhamos consultas entre uma coisa e outra.

 

Luiz ficou proíbido de chegar cedo em casa e ficou fazendo hora com um amigo em um bar aqui perto. Mas em algum momento ele precisava voltar e quando nos olhou da porta, com cabelos coloridos, como bruxas felizes, acho que teve vontade de dormir fora mesmo.

 

No Wii, você pode montar seu Mii, que é um bonequinho com a sua cara. Não fica idêntico, é óbvio, mas dá para buscar alguns traços semelhantes ou caricatos e fica muito mais divertido você jogar ou malhar com um boneco que pareça com você. Daí, antes das Lulus chegarem, fiz umas bonequinhas com as carinhas delas. Ficaram engraçadas e o legal é que depois disso elas passam a fazer parte do universo do jogo, o que quer dizer que todos os dias, acabo fazendo ginástica com elas.

 

Bom, lógico que todas escolheram malhar com Apolo e ignoraram a vaca da Cassandra, bem feito para aquela metida toda definida! Honestamente, achei Apolo meio galinha, dando mole para todas, mas tudo bem, com aquele abdomen perfeito, sem nem um pneuzinho, simpático, inteligente… deve ser gay. O importante é que ele continue dizendo que minha postura está fantástica e com aquele sotaque anglo-sexônico.

 

A noite não durou muito mais do que a Cinderela poderia aguentar, mas bem que deu para dar uma transpirada e, o mais importante, boas gargalhadas. Não foi só por causa do Wii, foi porque é sempre assim e espero que continue sendo. Lulus tem efeito terapêutico! E com uma malhadinha de quebra, perfeito!

 

 

 

 

 

49 – Um jantar, três aniversários e o show do Toquinho

Esse foi meu fim de semana, ou melhor, um pouco esticado, pois o jantar foi na quinta-feira, aniversário duplo na sexta, outro aniversário no sábado e show do Toquinho com Maria Creuza no domingo. De tédio é que não posso reclamar!

 

O jantar foi bem legal, na casa de uma espanhola colombiana, onde finalmente, só se falava espanhol. Digo isso, porque ultimamente só falo português. É cômodo, acontece que comecei a pensar que meu castellano havia embarcado para as cucuias. Mas a verdade é que  nesse dia me virei muito bem, ou eles foram gentis. É que faz muita diferença quando falo só em espanhol. Esse negócio de eventos multilinguísticos é interessante, mas no fim da noite é o samba do criolo doido! A gente não sabe mais o que está falando e fica aquele esperanto confuso.

 

Na sexta, foi aniversário de duas amigas que comemoraram juntas no El Junco, meu lugar favorito para dançar em Madri. Juro que até esse momento, vinha disciplinadíssima na minha dieta e bebendo nada ou quase nada. Mas puxa vida, logo no El Junco, com todo mundo que gosto, aquele cheiro de cigarro encanado, show da Lenna Pablo, uma brazuca que canta soul, funk e afins… como é que ia resistir? Não dava, né? Fui praticamente obrigada a tomar diversas doses de whisky, responsavelmente acompanhadas de litros de água. Nos acabamos de dançar, estava feliz, meus amigos também, acho que foi uma noite de bom astral. No fim da madrugada, ainda viemos aqui para casa devorar cachorros-quentes e almôndegas do Ikea. Às seis da matina, horário que volta a funcionar o metrô, se foram nossos amigos.

 

No dia seguinte, ressaca não tinha, mas ao me pesar descobri que o whisky tinha feito seu estrago. Não seja por isso, com ou sem vontade, fui para o Wii fit malhar e correr atrás do prejuízo. Logo agora que estava indo tão bem!

 

Pois fechei a boca e me comportei direitinho, como uma mocinha! Fomos a outro aniversário no sábado, ainda que estivesse meio morta. Mas sabe como é, uma vez na rua a gente se anima. Nos encontramos em um bar e de lá seguimos para uma boite, haja boa vontade para a porcaria da dieta!

 

Domingo, acha que acabou? Nada, teve show do Toquinho e da Maria Creuza em homenagem a Vinícius. Dá para perder? Nunquinha! Ingressos comprados com antecedência, graças a uma amiga precavida. Foi novamente em Conde Duque, no mesmo local do show do Djavan. Fui com o clã dos imparáveis e o que posso dizer, foi bárbaro! Um privilégio! Voltamos para casa cansados, mas leves.

 

Talvez o espaço do evento fosse um oásis de boa energia, porque fora dele, o mar não estava para peixes, era dia de bruxa solta. Já na saída não gostei muito e oferecemos carona para a amiga que estava a pé, sei lá, a intuição estava avisando que era melhor ter cuidado. No caminho, vi dois acidentes, uma briga de socos e um menino armado com uma metralhadora que deveria ser de brinquedo, mas ficava feio. Foi um alívio chegar em casa. É esse verão maluco que também enlouquece as pessoas. Dormimos mal, como todo mundo que conversei no dia seguinte.

 

Na segunda-feira tinha outro show para ir, mas não dei conta. A semana ainda prometia. Mas essa é outra história que depois eu conto.

 

48 – Brincar

Quase fui a Florença no fim de semana, mas furou, historinha digna do sefodeaí.com, aliás, está lá. Mas enfim, com a viagem indo pelas cucuias, resolvi aproveitar para descansar um pouco. Temos saído de segunda a segunda e, por mais divertida que seja a programação, tem horas que a gente precisa dar um basta. Uma questão de prioridades.

 

Não ficamos enfurnados em casa, mas fizemos uma programação bem light. Na sexta, fomos a uma taberna encontrar uns amigos, mesmo assim, só porque uma das amigas está de volta para o Brasil e fico com saudades dela. Juro, tomei uma única tacinha de vinho e voltamos pouco depois da Cinderela.

 

No sábado, a programação não foi exatamente caseira, mas foi totalmente voltada para casa. O que acontece é que, logo depois que a gente muda, algumas das soluções provisórias tendem a se tornar definitivas. Tem mais ou menos três meses que mudamos, com algumas viagens no caminho. De maneira que estava exatamente naquele ponto em que, se não fizéssemos nada para consertar, ia ficar daquele jeito, com soluções capengas. Odeio isso! Portanto, na semana passada me deu os cinco minutos e resolvi botar a casa nos trinques. Aliás, a casa, a cabeça e o corpo! Tudo ao mesmo tempo.

 

Fiz minha listinha mental do que precisávamos e saímos na caçada: Ikea, Leroy Merlin, Media Market, Carrefour, Loja de instrumentos… o que mais falta? Deu tudo certo, achamos tudo.

 

Entre as compras, meu novo brinquedinho, um Wii Fit. Isso mesmo, me rendi ao Wii! Sou pré-Atari, o que hoje poderia ser traduzido como pré-histórica! O primeiro joguinho que apareceu lá em casa, quando éramos crianças, era em preto e branco, um tipo de jogo de tênis ou futebol. Haja imaginação para visualizar isso, porque se resumia a um palito de cada lado. O nível de dificuldade era alcançado aumentado-se a velocidade da bola e diminuindo o tal do palito. Nesse tempo, eu gostava, depois fui perdendo o interesse. Ainda mais com aquela quantidade de botões que tínhamos que apertar a cada movimento. Virou trabalho. Não tinha paciência.

 

Luiz ainda se empolgou com o Playstation e eu me conformava em dar palpites no jogo da Tomb Raider e do Resident Evil. Mesmo assim, com o tempo e a melhora de definição, as imagens foram me mareando e enchi o saco.

 

Muito bem, a primeira vez que vi alguém jogando Wii, me interessou pelo fato de ser físico. A informação ficou registrada, mas ainda não tinha me animado. Até que agora, no Brasil, encontrei uma amiga que fazia ginástica com o Wii Fit. Aí já me animou.

 

Tentei fazer matrícula em uma academia de ginástica aqui perto. Quer dizer, tentar nesse caso foi passar pela porta para pedir informação, fora do horário de atendimento. Mas a verdade é que acho academia um porre! Daí veio essa idéia de fazer em casa. Por que não? Juntava duas coisas, o Luiz podia aproveitar os joguinhos e eu os exercícios. Não é muito barato, coisa que me fez pensar se realmente utilizaria. Mas se eu não usasse, certamente, Luiz o faria. Então pronto!

 

Os joguinhos até parecem interessantes, entretanto, honestamente só gostei mesmo do boxe. Agora, o tal do Fit é uma maravilha! Hoje será meu quarto dia de exercícios, ou seja, cedo para conclusões tão definitivas, mas sinto uma forte probabilidade que dê certo.

 

Você pode escolher entre dois personal trainers. Escolhi o gatinho sarado para dizer que estou indo muito bem. Não deixa de ser uma motivação virtual. Imagina se ia escolher aquela vaca toda definida para me chamar de gorda? Nem morta! Enfim, entrei totalmente no espírito da coisa e tenho acordado com a musculatura dolorida, acredite se quiser.

 

Mas contei toda essa história para dizer, que malhar e cuidar do corpo faz muito bem e esse era o objetivo principal, mas o que gosto mesmo é da brincadeira. A idade e as responsabilidades que chegam com ela, fazem com que a gente vá perdendo a capacidade de brincar e, consequentemente, nosso bom humor. Talvez essa capacidade seja recuperada na velhice, mas por que esperar?

 

Brincar torna a vida mais leve, salva casamentos, ajuda a ganhar amigos, torna o trabalho menos chato, faz até você voltar à ginástica!

 

Aliás, meu personal sarado deve estar me esperando! Lá vou eu.

 

 

 

 

 

 

 

47 – Deus deu uma passadinha por Madri

Muita calma nesse momento! Não é uma crônica religiosa, prometo. Mas é que tem um certo baixinho, magrinho e rasta, que quando abre a boca vira um gigante. E quando sobe em um palco, vira deus! Que posso fazer, sou louca pelo Djavan e ontem ele fez show em Madri.

 

É outro que, felizmente, quase não muda. E se muda, é sempre para melhor. Ainda por cima ele é flamengo.

 

… é surpresa demais que trazes, ainda bem que eu sou flamengo… mesmo quando ele não vai bem, algo me diz em rubro-negro, que o sofrimento leva além, não existe amor sem medo… quem não tem pra quem se dar, o dia é igual a noite…

 

Graças aos amigos, que compraram os ingressos enquanto estava no Brasil, lá fomos nós! Bom, nós e toda a colônia brasileira. Encontramos um monte de gente conhecida. Se bem, que havia bastante espanhóis também.

 

Sou tão tiete do Djavan que digo não ter maturidade em conhecê-lo pessoalmente, tenho certeza que vou pagar o maior mico. Vai parecer aquela conversa de bêbado: pô cara, gosto de você pra caramba! Sei lá, ele tem o dom de me deixar feliz através das músicas.

 

… sei lá, o que te dá, não quer meu calor…

 

Acho as letras complexas, inteligentes e ao mesmo tempo acessíveis. São geniais sem serem pretenciosas.  Ele combina palavras de maneira inusitada, traduz cores, cria verbos, ele pode, né?

 

E quem consegue cantar o que canta Djavan? Caraca, olha que já melhorei bastante, tudo bem que não sou cantora, mas nunca consigo encontrar o tom para cantar suas músicas. Ele tem o seu próprio, particular, praticamente impossível para os seres humanos normais. E mesmo assim, a gente canta com ele porque não dá para segurar.

 

Tá bom, tá bom, chega de tietagem, acho que já ficou claro o suficiente. Vamos ao show. Aconteceu em Conde Duque, em um pátio interno, totalmente ao ar livre, muito bonito e agradável. Tem uma boa estrutura, com banheiros razoáveis e um bar que não vende só cerveja.

 

Ainda que a bebida não tenha sido um problema, pois um amigo levou um presentinho para mim, uma garrafinha com doses generosas de whisky, que compartilhei. Mais tarde, descobrimos que no bar também vendia. Ponto para eles!

 

Resumindo, assistir Djavan, bem acompanhada, com amigos, boa estrutura, comida, bebida… do que vou reclamar? Não quero outra vida.

 

… tudo que Deus criou pensando em você, fez a via-láctea, fez os dinossauros. Sem pensar em nada fez a minha vida e te deu. Sem contar os dias que me faz morrer, sem saber de ti, jogado à solidão. Mas se quer saber se eu quero outra vida… não… não…

 

A propósito, como curiosidade, o primeiro show que assisti com Luiz, ainda namorados, foi Djavan. Lembrei disso ontem.

 

O único defeito do show foi que ele só voltou uma vez depois do final. A brasileirada, que não desiste nunca, bem que ficou aplaudindo e tentando fazê-lo voltar, mas nada. Para mim e minha amiga, que também morou em Brasília, ficou faltando uma música, a mesma que escolhi para Madri.

 

Não tem problema, se não cantou ele, cantamos nós e resolvemos o assunto.

 

… passa mais além do Céu de Brasília, traço do arquiteto, gosto tanto dela assim… gosto de filha, música de preto, gosto tanto dela assim… mas é doce morrer nesse mar de lembrar e nunca esquecer… se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria, isso para mim é viver…

  

 

 

46 – A gentileza é patrimônio universal

  

Ontem fui ao lançamento do livro de um amigo sobre o Rio de Janeiro. Na verdade, ele é o editor e coordenador, porque além da sua, há outras participações nesse projeto. Enfim, vamos ao que interessa, esse amigo é de Canárias, ou seja espanhol, e o curioso é que ele é totalmente apaixonado pelo Brasil, mais especificamente pelo Rio.

 

Não basta ser apaixonado por um lugar e não conhecê-lo realmente, o que não é o caso. Atrevo-me a afirmar que ele conhece o Rio como um carioca. Entende suas diferenças e o milagre de dar um jeito em congregá-las numa harmonia insana, tudo ao mesmo tempo e no mesmo lugar. E o que para mim é fundamental, não o faz de maneira condescendente.

 

Mas enfim, não cabe agora minha declaração de amor pela cidade, tampouco as velhas críticas conhecidas. Quero me centrar é no fato de que às vezes a gente precisa que alguém de fora nos mostre, ou pelo menos, nos lembre o que é a nossa essência.

 

Desde domingo, quando conversei com esse amigo, sinto um orgulho danado por ser brasileira. Fiquei feliz em ter ido ao Brasil há pouco tempo e de ter desfrutado essa experiência de reconhecer o que nunca quis perder, mas fui deixando para trás.

 

Transcrevo um trecho do livro que me fez finalmente cair uma ficha importante: “En general, puedo afirmar que la experiencia estética carioca mejora al ser humano, le fortalece ante las adversidades y fomenta el espíritu de colaboración, la pertenencia a un grupo. Es una solución para la soledad y la apatía, pero exige un espíritu abierto y la ausencia de prejuicios. Así se podrá ser carioca.” (Carlos Javier Castro Brunetto)

 

É notório que nos últimos meses venho perdendo a capacidade de me adaptar. De certa maneira, a má vontade que percebi ao redor em relação a tudo que vinha de fora me influenciou. Fiquei parecida, preconceituosa. E o que menos gosto de admitir, fiquei magoada. É como se de repente, sentisse vontade de responder na mesma moeda, você não quer saber o que posso agregar, você me generaliza, então também não me interesso por você.

 

É razoável, é justo, mas não fez minha vida melhor. Pelo contrário, diminuiu meu mundo. E não o fez pelo fato de parar de me interessar, mas porque me afastou da minha própria essência, tão brasileira e tão carioca. Quando cheguei aqui, no fundo, tentei me adaptar não porque era eu a estrangeira; a verdade é que eu já era assim. Independente do país em que estivesse morando, já fazia isso antes. Estar aberta ao que observo ao redor não era uma concessão, era minha natureza. Ao deixar de fazê-lo, me afastei de mim.

 

Pois da mesma maneira que um subjetivo rechaço espanhol me contagiou, a generosidade espanhola me trouxe de volta. Porque bem e mal há em todo lugar, cabe decidir que lado alimentamos.

 

Portanto, hoje faço de verdade as pazes com a cultura local, por que não? Tomar essa decisão me trouxe o alívio de não ter culpa nem rancores por adorar essa cidade e admirar o lado bom das pessoas outra vez. O paradoxal é que o simples fato de querer me reaproximar da Espanha, reforçou minha identidade brasileira.

 

Talvez porque tenha reconhecido que gentileza é um patrimônio universal, ou quem sabe, tenha lembrado como é ser carioca.

 

 

 

 

 

 

  
 
 

 

 

 

 

 

 

45 – Rock in Rio Madrid 2008 – Eu fui!

A idade vai chegando para todo mundo, paciência. Já não tenho mais a mesma energia para ir a grandes shows, me preocupa logo se vai ter banheiro limpo, se a bebida é boa, se tem o que comer, enfim, claro que não, né? Quem quer tanta comodidade que assista DVD na sua sala.

 

Mas daí veio o Rock in Rio, o que me remete aos primeiros, quando não me importava nem um pouco esse conforto, queria mais era me acabar vendo ao vivo e a cores nossos ídolos inalcançáveis. Ainda por cima tinha na programação The Police! Putz! Aí é até maldade, como é que ia resistir? Impossível, tinha que ir. E fui!

 

Fui com Luiz e um grupo de amigos, estávamos em oito pessoas, além dos que encontramos na cidade do rock. Marcamos aqui em casa às 17:00hs para o aquecimento.

 

Confesso que o ar condicionado e a bebida boa me faziam pensar se era mesmo uma boa idéia me despencar até Arganda del Rey com sol na cuca. Montamos nossa estratégia de “coroas”, vamos depois das 19:00hs, quando o sol estiver mais baixo, e assim também não enfrentamos muita fila. Não me importava tanto chegar um pouco depois dos shows iniciados, afinal de contas, pessoalmente admito a tietagem, ia por causa do The Police.

 

Por volta das 20:00hs, chegamos ao Estádio Santiago Bernabeu, de onde a organização do evento providenciou ônibus gratuíto até a cidade do rock. Diga-se de passagem, super bem organizado e não enfrentamos fila nenhuma, talvez pela hora.

 

Bom, começamos nossa farra no ônibus. Acho que voltei aos dezoito anos e nem foi tão difícil. Levamos uma garrafinha de cachaça, meio na dúvida se poderia entrar no show. Problema esse resolvido no ônibus mesmo, na metade do caminho a pobre havia evaporado.

 

 

 

 

A entrada no local também foi bastante tranquila, outra vez, muito bem organizado. Logo após passar pelas primeira tendas, havia algumas fontes de água. Não pensamos duas vezes e entramos no jogo, já diz o ditado, quem entra na chuva…

 

 

Foi um impulso que se provou sábio em seguida. Com as roupas úmidas, não sofremos com o sol, que só baixou quase às 22:00hs. E depois disso, estávamos confortáveis com a temperatura. Ou seja, o calor não atrapalhou em nada.

 

Chegamos ao palco principal, onde o Estopa estava tocando. Gostei, achei divertido e foi bom para animar a nossa chegada.

 

 

 

 

No chão, colocaram uma grama artificial que achei ótima idéia. Manteve o aspecto de limpo e era agradável deitar ou sentar no solo. Uma as primeiras providências foi arrancar os sapatos, coisa que só coloquei novamente bem mais tarde no show dos meus heróis.

 

Era possível comprar o que beber e comer, ainda que as filas fossem bastante longas, mas pelo menos havia a possibilidade. A única bebida alcoólica era cerveja, muito razoável, porém não tomo.

 

Começou o show do Alejandro Sanz. Bom, não gosto de falar mal de artistas, porque gosto não se discute. A espanholada estava amarradona, cantando todas. Eu achei chato pacas! Pronto, falei. Tudo bem, aproveitamos para dar uma relaxadinha na grama e tentei me concentrar no meu mundo feliz. Ficava repetindo mentalmente um único mantra-refrão: message in a bottle

 

 

Passou, ufa!

 

De repente, não mais que de repente, começou. Advinha com que música The Police abriu o show? Só pode ter sido transmissão de pensamento! Tentei gravar para dar uma palhinha e só depois percebi que a câmera chacoalha o tempo todo. Óbvio, né? Eu não parava de pular! Quem disse que consegui segurar a onda? Exercitei toda a tietagem que tinha direito! Mais tarde, um pouco mais controlada, dei outra gravadinha que saiu melhor.

 

 

 

Infelizmente, não deu para gravar muita coisa do show, estava com pouca bateria, que foi detonada por uma amiga com uma música inteirinha do Alejandro Sanz! Só não quis matá-la porque gosto muito dela, da amiga.

 

Tudo bem, porque o importante era estar ali, e estava. Cantei todas que sabia e embromei com umas duas que não conhecia. Eles tocaram todas as clássicas, não faltou nenhuma, viajei na maionese completamente. Adorei!

 

 

 

Agora, meninos, incluindo meu marido, saiam da sala um minutinho ou não se aborreçam. Meninas, sim, o Sting é aquilo tudo! Saradésimo! Não é efeito especial. O canalha ainda foi com uma blusa de malha bem justinha transparente e o indivíduo é totalmente definido, sem bombar. Não sobra nada, não falta nada, é até inibidor! O baterista também vai muito bem obrigada, já o guitarrista, está parecendo um pouco uma tia velha papuda, mas continua tocando muito.

 

 

Havia gente de todas as idades, de criança de colo aos vovôs do rock, como ouvi chamarem The Police. Que importa? Ter história, fazer parte dela, é muito bom. Na verdade, me sentia bastante à vontade, cúmplice. O tempo nos tocou a todos, mas ainda estamos lá, resistindo bravamente. Meu corpo não sentiu os mais de vinte anos que se passaram, pelo menos não naquele momento.

 

Enfim, resumindo, para mim, achei 10, nota 10!

 

The Police, após terminar, voltou ao palco duas vezes. No meio da última música, fomos nos posicionando no fundo e tomando o rumo da saída. Foi bom, porque deu para curtir o finalzinho, mas nos livramos da muvuca.

 

Voltar para casa também não foi complicado, havia várias filas para ônibus e pegamos logo o segundo da nossa fila. Voltei ainda em transe pelo caminho, Luiz e os amigos cochilando. Chegamos pelas três e meia da matina.

 

Eu ainda estava bem acordada. Vamos combinar que não é todo dia que tenho 18 anos novamente e não foi nada mal.

 

 

 

44 – Apresentação do coral

Sabe que foi muito legal?

 

Engraçado porque, de certa maneira, a cumplicidade e integração que rolou com o grupo tem atrapalhado um pouco os ensaios. É uma delícia quando a gente sai e se diverte, só que estamos levando esse mesmo clima para a aula. Já dizia o filósofo, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Acho que a gente acaba conversando demais, às vezes perdemos muito tempo, e não me tiro dessa berlinda. Tenho um problema sério de concentração e se não sou estimulada o tempo inteiro, viajo na maionese. O que quer dizer que na primeira piadinha ou no ligeiro cochicho… putz! Já fui!

 

Quase todo extremo é desequilibrado, e não acho que deveríamos ser tão sérios. Mas o outro lado da moeda também é complicado. Isso tem me irritado porque vejo o quanto já melhoramos. Não me importa chegar a um limite, nem errar, mas me incomoda ter a sensação de parar de desenvolver por displicência. Enfim, tenho prestado mais atenção e tentado fazer minha parte.

 

Entretanto, não sei o que acontece, que na hora das apresentações todo mundo se concentra. Há uma energia diferente, bem humorada e com vontade de acertar, de fazer bem feito. Honestamente, me emociona. Acredito que de alguma maneira isso passe para quem está assistindo. Funciona.

 

A gente erra também, mas no conjunto não aparece ou é menos importante. Fica sempre uma coisa gostosa, um orgulho de fazer parte desse grupo, de conhecer essas pessoas e de poder dividir esse momento.

 

 

Sou o pontinho vermelho bem à esquerda, faço segunda voz.

 

43 – Festa junina y otras cosillas

A vida social anda mais ativa do que dou conta. Não reclamo, adoro uma bagunça, melhor assim.

 

A semana da chegada em Madri foi meio corrida, porque viajei muitos dias, e até colocar tudo em ordem toma tempo. Luiz não parou em cidade nenhuma e chegou em casa quase meia noite da sexta-feira.

 

Mas fazer o que? Festa junina, como diz o nome, é em junho. E já tínhamos uma planejada para o último sábado do mês. Só não contava com o calor sahárico que chegou de uma vez, sem preparar ninguém. Em princípio, começaríamos a festa às 17:00hs, para aproveitar melhor o dia. Mas ao arrumar as bandeirinhas e o restante da decoração, me dei conta de que ninguém aguentaria o sol na cuca nesse horário. Adiamos para às 19:00hs, afim de esperar o sol baixar um pouco.

 

A festa foi uma delícia e bem típica. Decoração trazida do Brasil, bem como as paçoquinhas, geléias, pés-de-moleque, balas 7belo etc. Além do que fizemos por aqui, com ajuda dos amigos que trouxeram várias coisas, bolo de milho, pão-de-queijo, esfirra de carne, cachorro-quente, churrasquinho, salsichão, queijo coalho, milho cozido… uma infinidade de comidinhas para sustentar as caipirinhas, cervejas e cachacinhas.

 

Achei que estava vestida de caipira, entretanto como bem reconheceu uma amiga, estava mesmo era a cara da Dorothy do Mágico de Oz! Luiz pegou o primeiro chapéu que viu pela frente e também estava mais para um expedicionário do exército. Tudo bem, o que vale é a brincadeira. E estavam todos meio engraçados, ou como gosta de dizer uma amiga minha, meio gozados.

 

 

Acredito que o ponto alto tenha sido a quadrilha. Difícil  encontrar algo mais desorganizado na face da terra. Primeiro ninguém sabia narrar o que fazer, e quando uma amiga finalmente tomou as rédeas e sabia o que estava dizendo, ninguém conseguia seguir. Mas acho que é assim que eu gosto. As quadrilhas ensaiadas nos colégios, tão certinhas, eram muito monótonas.

 

Os últimos convidados se foram às 4:30hs da matina, com aquela sensação de que ainda era cedo.

 

No domingo, estava feliz, mas podre! Luiz igual. Não pusemos o nariz na rua! Tínhamos o convite para assistir o jogo final da Eurocopa na casa de uma amiga, mas paciência, a gente precisava descansar. Luiz assistiu o jogo de casa mesmo e eu só vi os minutos finais.

 

Pouco depois vimos um turbilhão de gente passando pela nossa janela, comemorando. Foi uma verdadeira comoção nacional! No dia seguinte, na segunda-feira, os jogadores foram recepcionados como heróis na Plaza de Colón. Há 44 anos não ganhavam uma Eurocopa, e foi o suficiente para berrarem aos quatro cantos que são os melhores do mundo, mesmo que o mundo inteiro não se resuma à Europa. Tudo bem vai, a gente entende a felicidade. Quando o Brasil ganha copa do mundo também é uma festa interminável. Deixa eles curtirem o gostinho da vitória, afinal, segundo ouvi, realmente jogaram muito bem.

 

Mas também não nos animamos a por o nariz na rua. Até pensei em ir a Colón dar uma espiada no povo, mas Luiz não se manifestou. Como também não estava com essa vontade toda de sair do ar condicionado, resolvi ver pela televisão mesmo. Um mar de gente empolgada!

 

E hoje, terça-feira, tem apresentação do nosso coral na Casa do Brasil. Peguei um pouco o bonde andando, pois faltei alguns ensaios por causa das viagens, mas fui aos dois últimos e estou treinando aqui de casa. Acho que vai ser legal, será nossa segunda apresentação como grupo. Demos várias palhinhas nas apresentações da nossa maestra, mas dessa vez o show é nosso. Ai, que responsabilidade!

Fotos da série: Jack me ajudando a escrever

Jack é um felino muito participativo. Quando escrevo, ele está sempre do meu lado, digamos, dando uma força. Ao olhar para ele, tenho certeza que está em momentos muito reflexivos, pensando nos problemas existenciais da humanidade. E, sobretudo, me parece extremamente preocupado.

Enfim, enquanto escrevo e quebro a cabeça tentando entender a mim mesma e o planeta, é essa a visão que tenho.

Emagreceu, né?

 

42 – De volta a Madri

Chegamos a Madri após uma viagem que parecia interminável, onze horas até Paris, três horas de espera para conexão e mais duas até aqui.

 

A entrada em Paris foi bem tranquila, sem o menor terrorismo da imigração. Chegar a Madri foi mais tranquilo ainda, pois afinal é um vôo dentro da comunidade européia. As malas entraram sem problemas e dentro delas uma festa junina e duas feijoadas. A festa já estava marcada para o último fim de semana de junho, as feijoadas vão esperar o outono.

 

Vim pelo caminho desde o aeroporto doida para agarrar meu felino gordo, que nos recebeu na porta como se fosse um cachorrinho. Estava bem e afoito por atenção, ainda não largou do meu pé. Sou muito desapegada às casas e ele tem me ensinado o prazer em voltar.

 

Apesar do cansaço, Luiz ainda tinha que trabalhar de casa e também aproveitei para começar a por ordem na vida. Seguramos o máximo possível para dormir à noite e nos encaixarmos no fuso de uma vez.

 

Ele mal baixou as malas e já viajou no dia seguinte para Dublin. E eu, que até acordei cedo, resolvi dar uma cochiladinha de nada, da qual só acordei às cinco da tarde. Sempre acompanhada pelo Jack, que estava tão feliz que nem teve o trabalho de tentar me despertar antes, estava largado na lateral da minha barriga.

 

Tinha ensaio do coral, essa semana houve duas vezes, e tratei de entrar logo no esquema. Resolvi ir a pé, para não perder o hábito. Um calor do cão! Esse ano praticamente não houve primavera, a mudança da temperatura não foi gradual, saiu do frio para o calorão. O verão aterrizou junto conosco na Espanha.

 

Após descobrir o verdadeiro culpado pela minhas bolhas na caminhada dos Pirineus, resolvi aproveitar e resgatar do armário minhas antigas botas de trekking. Minha companheira estava ali fechada há tanto tempo tadinha, fui dar uma volta com ela.

 

O ensaio foi até mais tarde e já eram umas 23:00hs quando voltei para casa, também a pé, acompanhada apenas pelas minhas velhas botas. Vim fazendo as pazes com a cidade que ainda me permite caminhar sozinha pela noite sem medo. Na cabeça vinha enumerando as cidades que conheço e pensando em qual delas seria minha favorita, coisa que não gosto de fazer, mas me dei ao direito naquela noite. Não encontrei nenhuma perfeita, porque não existe ou não conheço. Ainda não há nenhuma onde tenha vontade de construir minha casa dos sonhos. Talvez a casa dos sonhos deva permanecer aí mesmo e nunca se concretizar.

 

Bom momento para um faxinão! Coisa que fiz no dia seguinte. Limpar a casa, zerar outro ciclo e recomeçar outro dia. Também o primeiro dia que liguei o ar condicionado. Foi mal aquecimento global, mas termperatura artificial é fundamental. Até rimou!

 

Na quinta, Luiz, que ainda estava viajando, faria uma pequena pausa em Madri e tornava a embarcar em direção à Florença. Saiu de Dublin, conexão em Paris, Madri e Roma, até finalmente chegar em Florença, seu destino. Fiquei com pena e como era a única alternativa para ver meu marido durante a semana, lá fui eu encontrá-lo no aeroporto, entre uma conexão e outra. Vaya mundo globalizado!

 

Não dá para ir a pé ao aeroporto, daí lá fui eu de tatu e me enfiei no metrô. Até aí, normal, mas ao assistir os noticiários que ficam passando nas estações, lá estava outra vez, só notícia de quadrilha de imigrantes. Que saco!

 

Semana passada, entraram no Kabocla, um bar brasileiro, para uma batida atrás de imigrantes, pode? Segundo a dona, foram uns 20 policiais para pedir identificação às pessoas, pergunta se fariam isso em uma taberna local? O resultado, se deram mal, era uma festa espanhola e acabaram enchendo o saco dos seus próprios conterrâneos, o dia da caça.

 

O que ganham com isso, vai se saber. A curto prazo, votos e uma cortina de fumaça para problemas mais sérios, estratégia bem conhecida não só por aqui. A médio e longo prazo, separação, discriminação, criminalidade e estagnação de desenvolvimento. Sei que uma cultura a qual era extrema simpatizante no início, hoje vejo com certo deboche e má vontade. Ainda gosto daqui, mas perdi a admiração, me pego sem raiva, mas indiferente, o que talvez seja pior. Ao mesmo tempo, não será sempre assim? Se não fossem esses problemas, seriam outros. Não gostaria de inverter a história e me tornar uma grande preconceituosa, também não tenho paciência para ficar dando murro em ponta de faca. Enfim, o mundo anda muito complicado para minha cabeça.

 

Mas ainda faço parte desse mundo, então melhor também me divertir um pouco e fazer minha parte.

 

Sábado, faremos uma festinha junina improvisada. Assim celebramos a entrada do verão. É quente para burro, como diria minha avó, um calor de rachar o quengo! Mas a luz é linda, deixa todo mundo com energia boa e vontade de sair logo da cama, da inércia. Será que me animo a pegar uma corzinha?