35 – Azofra a Santo Domingo de la Calzada, uma caminhada tranquila entre vinhedos e mudança de planos

 

Terça-feira, 13 de maio, acordei tranquila. Não era tão tarde assim, mas despertar-se por volta das 8:00hs em um hotel de charme é um total luxo durante o Caminho. Na verdade, ainda que estivesse bem, me sentia mais fazendo turismo que trilhando uma rota com determinado objetivo.

 

A mochila ainda me incomodava. Havia colocado parte de um compeed enorme destinado aos calcanhares para proteger os ombros, mas ao invés disso, me provocou uma assadura de igual tamanho. Não sei se foi algum tipo de reação alérgica, pois esse é um compeed de composição diferente dos demais que estou acostumada. Inclusive, me lembrava bastante quando machuquei os calcanhares nos Pirineus e foi utilizando o mesmo curativo. No dia anterior, havia me livrado dele e dormi com os ombros empapados de vaselina. Funcionou, de manhã estava bem melhor. Foi quando também resolvi examinar a mochila com mais cuidado e percebi que a regulagem não estava adequada. Estranhei porque só eu utilizava a tal mochila, mas me lembrei em seguida que havia emprestado a dita cuja e não conferi a regulagem na volta. Erro bobo, que me custou assaduras e desconforto nos primeiros dias. Mas tudo bem, foi corrigido e a partir disso, a mochila não me incomodou mais. Ela é pequena e não pesava mais do que 5 kg, excelente para o Caminho, não deve pesar mais de 10% do seu peso e faz toda a diferença do mundo para seus joelhos, costas e ombros.

 

Encontrei meu amigo para o café e partimos para nosso próximo destino, Santo Domingo de la Calzada. Cobrimos a distância de 15 km em mais ou menos umas três horas. A caminhada é razoavelmente fácil, mais uma vez nos livramos da chuva e andamos por entre os vinhedos de la Rioja.

 

 

Não pegamos tanto barro dessa vez. O único trecho que parecia realmente de lama, chegamos justo em tempo de um carro passar mudando a placa da sinalização para os peregrinos irem pela estrada de terra mais seca. Muita sorte, que nos acompanhou por todo Caminho. Meu amigo brincava dizendo que era coisa da sua falecida avó espanhola, e eu pensava, cada um com seu fantasma.

 

 

A temperatura para caminhar era boa, um pouco frio, creio que por volta dos 15 graus ou menos. Acontece que o corpo aquece rápido quando andamos e nosso ritmo era puxado. Mesmo que saísse com frio, menos de cinco minutos depois já estava suando. O engraçado é que a maioria dos europeus levava casacos, meu amigo e eu, os nórdicos, sempre estávamos de camiseta curta.

 

Pois mesmo dando tudo certo, continuava a me sentir incômoda. Fui um pouco mais calada nesse trecho, pensando que talvez fosse bom rever nosso planejamento. Teríamos em uns dois dias uma subida razoável, pela região de Rabanal e El Acebo. Meu amigo ganhou três bolhas, uma embaixo de cada unha do dedão do pé e outra pela lateral do calcanhar. Ainda que ele não desse um pio de reclamação e seguisse em passos rápidos sem demonstrar grande esforço, sabia que elas estavam lá e também sabia que ele não havia se preparado tanto fisicamente.

 

Honestamente, não tinha muita certeza do que estava errado, mas meu instinto dizia que por ali não era. E se tem uma coisa que aprendi a escutar e ler pelo Caminho, são os sinais. Não quero nem saber de onde eles aparecem, não vou entrar nessa discussão, mas se eles aparecem, eu sigo.

 

 

Mal entrava a tarde, avistamos Santo Domingo no horizonte. Havíamos abusado na hospedagem da noite anterior, mas tinha muita curiosidade em ficar no Parador, um antigo hospital de peregrinos que ouvi dizer ser mais antigo que o de Santiago. Deixei meu amigo à vontade para escolher onde dormir, mas ri como criança que faz arte dizendo que ia ficar no tal do Parador.

 

 

Entramos em uma cidade muito bonitinha e totalmente enfeitada. Descobrimos, logo depois, que chegamos por coincidência na semana de comemorações do Santo Domingo. Havia uma série de eventos planejados, isso incluía uma corrida de touros que francamente não fazia a menor questão em participar. Passamos ao lado do corredor cercado por tábuas, onde soltaríam os pobres animais poucas horas mais tarde. Ainda bem que chegamos cedo.

 

 

Enfim, mas o resto estava bastante animado, com bandas de música, show de fantoches e um palco improvisado para apresentações bem no centro da cidade.

 

 

No caminho checamos o preço de um hotel para o meu amigo, mas ele queria comparar com outras opções. Descobrimos que havia não apenas um, mas dois paradores. E que o segundo mais famoso deveria ter um preço mais razoável. Dito isso, ele me deixou em frente ao principal Parador e seguiu até o próximo. Combinamos de nos encontrar em uma hora.

 

Foi uma pena ele não ter ficado comigo até ouvir a tarifa, porque ao notar que eu era peregrina, a recepcionista me deu um excelente desconto e incluiu o café da manhã em minha diária. Isso reduziu o preço total em quase metade do cobrado aos clientes normais. Achei bacana eles oferecerem esse desconto aos peregrinos, principalmente porque o local nasceu com essa finalidade.

 

 

Não foi um problema. Em seguida, quando nos encontramos para almoçar, descobri que meu amigo se instalou no seguinte Parador e que também era excelente. Comemos mais do que bem e bem mais do que precisávamos. Ocorre que nosso caminho também não deixou de ser etílico e gastronômico. Claro que bateu uma lombeira daquelas e cada um foi para seu canto dar uma morgada. Ficamos de nos ver mais tarde, para o jantar.

 

Essa era uma das coisas que achava legal do meu amigo, era independente. Fazíamos o Caminho juntos, mas cada um tinha interesses específicos. Então, nossas refeições eram sempre juntas, mas o resto do dia, cada qual escolhia como utilizar. Caso nossos planos coincidissem, ótimo, caso contrário, um ia dormir, o outro ia passear e assim nos organizávamos. Quinze dias seguidos de convivência intensa podem aprofundar uma amizade ou destruí-la de vez. Pelo menos da minha parte, posso afirmar que sua companhia não me pesou em absoluto.

 

Nesse dia, descansei um pouco depois da comilança, mas não sou de dormir à tarde. Fui passear pela cidade. Aproveitei para descobrir como chegar a León, nossa próxima parada. Não caminharíamos, a opção era pegar um ônibus até Burgos e um trem até León, onde queria dormir, tinha muita curiosidade em conhecer a cidade. O plano A, era partir de León a Astorga de trem, e a partir daí, caminhar três dias até Ponferrada. Era o tal trecho onde havia uma subida que me preocupava um pouco. Além do mais, logo após Ponferrada, pegaríamos outro trem e picaríamos o trajeto outra vez. Isso não estava me agradando em nada.

 

Sería feriado na quinta-feira e havia a possibilidade do Luiz vir nos encontrar e caminhar uns dois dias conosco. Isso também pesava nos planos porque precisava de um trecho razoavelmente acessível em carro ou trem. Acontece que cada vez menos parecia que Luiz conseguiría se desvinciliar do trabalho e resolvi tirar essa variável da equação, coisa que ele já me havia pedido.

 

 

Chuviscava em Santo Domingo e fui caminhar com a capa de chuva do corcunda de Notre Dame. A rua não estava muito cheia, era hora da siesta e ainda por cima chovendo. Passei por uma calçada interessante, com árvores entrelaçadas. Fui procurando gente com cara de peregrino na rua, até que vi outro encapotado de papete vindo em minha direção, com o olhar parecido ao meu. Sorri e cumprimentei, no que ele correspondeu e perguntou o óbvio, peregrina?

 

 

Conversamos rapidamente, era outro veterano, mas que fazia o Caminho completo. Trocamos meia dúzia de amenidades, descobri que ele também havia dormido em Azofra, no albergue, aparentemente Nájera lotou cedo. Para mim e para ele, o Caminho parecia mais cheio que o habitual e lotado de alemães. Nos despedimos sabendo que já não nos encontraríamos, ele seguiría a pé e eu pipocaria até León.

 

De qualquer maneira, a conversa foi providencial, era o que faltava para a decisão de mudar o roteiro de uma vez. Troquei uma idéia com Luiz pelo celular e disse que conversaría com meu amigo para mudarmos os planos. Achei que deveríamos fazer os 100 km finais, desde Sarria, direto caminhando até Santiago. Era o correto para pedir a Compostelana, importante para meu amigo, e mesmo que eu repetisse alguns trechos, nunca é a mesma coisa. Preferia repetí-los e entrar no clima do Caminho, do que continuar na nossa programação quase turística.

 

Logo depois, quando encontrei meu amigo, percebi que ele estava exatamente com a mesma sensação e não demorou três segundos para aceitar a mudança de planos. Ainda teríamos uns dois dias de pipoca para acertar o novo roteiro, era um pouco quebra-cabeças de onde parar e dormir, mas mesmo assim, caminharíamos bem mais do que o planejamento inicial (140 Km) e nos acertaríamos depois de Sarria. Foi uma boa decisão, me senti mais leve, o que me levou a crer que era o caminho correto. O fato dele pensar da mesma forma, só reforçou esse sentimento.

 

Dormi bem, sem grandes preocupações com curativos. Não caminharíamos no dia seguinte e aproveitaría para descansar os músculos. Sabia que em León havia um albergue grande e comecei a ter vontade de fazer minha Credencial Peregrina. Essa Credencial é como um passaporte, que você vai carimbando nas cidades por onde passa e dorme. No final, ela é apresentada para provar que você caminhou, pelo menos, os últimos 100 km a pé ou os últimos 200 km de bicicleta ou a cavalo.

 

Da primeira vez que fiz o Caminho, levei uma credencial desde Madri. Na segunda e na terceira, achei que não era necessário. Meu amigo levou a sua, queria fazer tudo que tinha direito. Até aquele momento, não havia me importado tanto, mas ali foi me dando vontade. Tudo bem, em León decidiría isso, uma coisa de cada vez. 

 

34 – Puente de La Reina, Estella, Logroño, Nájera, Azofra… ufa!

Segunda-feira, 12 de maio, acordamos cedo. Com a mochila já organizada, às 7:45 hs, nos encontramos para o café da manhã. Esse se tornou mais ou menos nosso horário padrão da viagem.

 

De Puente de La Reina, seguimos a pé até Estella. Não é um trecho exatamente difícil, boa parte é plana e as inclinações não são radicais. Honestamente, às vezes é até um pouco monótono. Mas bem antes de começar a me entediar, uma quantidade enorme de barro grudento outra vez nos lembrou que o Caminho não é para turistas. Ainda que eu xingasse de vez em quando, hoje me lembro com carinho dessa etapa e a verdade é que no fundo me diverti um bocado com aquele lamaçal.

 

 

Passamos por pueblos bonitinhos, mas não havia muita estrutura para paradas. Após caminhar pouco mais de 22 km, chegamos com botas enlameadas em Estella. Duas pessoas haviam me falado mal da cidade, opinião da qual não compartilhei. Achei a cidade simpática.

 

 

 

Entretanto, não tínhamos muito tempo para gastar ali. Pretendíamos ir de taxi até Nájera. Isso foi antes de descobrir que a distância de carro era praticamente o dobro da percorrida a pé, o que deixaria o preço do taxi entre 80 e 100 euros. O engraçado é que quem decidiu que o preço era muito alto foi o próprio taxista que nos indicava a rodoviária logo em frente. Realmente, era caro e concordamos em buscar outra alternativa.

 

Descobrimos que havia um ônibus até Logroño saindo em mais ou menos uma hora e meia. De lá, poderíamos tomar outro ônibus até Nájera. O preço era bastante razoável, o que nos animou. Parecia até melhor, pois teríamos um tempinho para conhecer a cidade.

 

Fomos para praça principal, onde me plantei em um bar e, com a falta de pudor dos veteranos, me apoderei de uma segunda cadeira para os pés. Fiquei tomando um vinhozinho geladinho, enquanto ligava para Luiz e meu amigo passeava um pouco pelo centro. Quando me encontrou, ficou rindo da minha falta de cerimônia e tirou uma foto.

 

 

Muito bem, finalmente pegamos o ônibus, que levou pouco menos de duas horas para chegar a Logroño. Aproveitamos o caminho para descançar as pernas, mas não quis tirar os sapatos em respeito aos outros passageiros. Já não devia estar muito cheirosa depois da caminhada.

 

Ao chegar a Logroño, outra vez pretendíamos pegar um taxi. Mas justo ao saltar, descobrimos que o outro ônibus para Nájera saíria em dois minutos. Corremos meio mancantes, porque a musculatura havia esfriado, e conseguimos embarcar no tal ônibus com ele quase saindo da estação.

 

Baratíssimo também e ficamos nos vangloriando da nossa barganha do dia!

 

Exaustos, chegamos a Nájera à tardinha, quase início de noite. E eu, babaca, esqueci de uma das principais lições da viagem: quem chega tarde na cidade, tem grandes chances de não encontrar lugar para dormir. Claro, não deu outra! Rodamos entre hotéis e hostáis e nada. Encontramos um único quarto que teríamos que dividir e ainda por cima, compartilhar o banheiro com outros hóspedes. E nem era tão barato assim!

 

Tentando um pouco de boa vontade, subi para ver o quarto, que não era mau dadas as circunstâncias. Acontece, que àquela altura, o banheiro já estava cheio de roupa lavada das outras pessoas e até tomar um banho seria complicado. Aí também já era demais!

 

Agradeci muito ao dono do hostal, mas perguntei se não haveria nenhuma outra possibilidade na cidade. Ele nos indicou um outro hotel, que talvez fosse possível, por ser mais caro. Não falei, mas pensei, é esse mesmo que eu quero!

 

Resumo da ópera, o tal do hotel caro estava completo, não tinha mais nadinha! Nem para dividir! Aproveitando a cara de desespero e o aroma de quem já havia se esforçado o suficiente ao longo do dia, insisti se ela não poderia ajudar a encontrar algum lugar.

 

A recepcionista nos falou de um hotel de charme, que ficava na próxima cidade, Azofra, a uns 6 ou 7 km dali. E o principal, não nos tirava da rota. Nos ajudou a conseguir o telefone de lá, para  não perdermos a viagem. Telefonamos e reservamos dois quartos. A 120 euros a diária por cabeça, não havia problema de lotação. Isso para o Caminho é um preço exorbitante, mas honestamente, a essa altura e desesperada por um banho, eu nem queria saber.

 

Nos olhamos, na dúvida se íamos caminhando ou não, o que não foi um enorme dilema. Por aquele dia bastava. Fomos atrás de um taxi, coisa que não existia no único ponto do centro da cidade. Nesses casos, dou uma dica, é comum eles colarem cartões com telefone no próprio ponto, o que felizmente havia. Liguei para uns dois números até que alguém me atendeu e disse que passaría para nos pegar em dez minutos. Combinei o preço, bem razoável, não foi explorador.

 

Em seguida, chega um rapazinho com piercings em todos os lugares visíveis, com sua namorada, igualmente furada, com penteado e maquiagem de egípicia, no banco do carona. Aparentemente, os dez minutos que me pediu foi para buscar a namorada para passear com ele em Azofra. Detalhe, o carro era um jaguar, informação que obviamente não reparei, mas meu amigo sim. Um super carro decorado com adesivos cafonérrimos. Enfim, a cena era totalmente surrealista e entramos no taxi gótico, que devia ser do pai dele, com aquela cara de meio desconfiados.

 

Queimei minha língua mais uma vez, o rapaz era educadíssimo, dirigia direitinho e nos levou sem o menor problema. Cobrou o combinado e sorriu de orelha a orelha com uma gorjeta de um euro arredondado. Saltou do taxi e foi nos ajudar com as mochilas, gentileza que não é de todo comum.

 

O hotel era realmente muito charmoso. Na minha opinião, valeu totalmente a pena. Só senti não estar com Luiz porque havia um toque romântico, isso só me deixou com uma tremenda dor de cotovelo. Talvez também pelo cansaço, foi a primeira vez que me deu vontade de voltar para casa.

 

Passeamos pela cidade, o que deve ter levado uns oito minutos, no máximo. Não tinha nada e resolvemos comer no hotel mesmo. Comida boa e vinho melhor ainda! Estávamos em plena Rioja, como não aproveitar?

 

O fato de ir para Azofra, nos adiantou pouco mais de uma hora de caminhada no dia seguinte. Resolvemos acordar mais tarde e tomar o café da manhã com  calma. Para mim, todo sono a mais é bem vindo e adorei a suposta folguinha da próxima etapa.

 

Em seguida, subi para o quarto e tentei me lembrar de um dia gigantesco. Era difícil pensar quantos quilômetros e cidades havíamos percorrido, com todos os meios de locomoção possíveis. Aquela manhã parecia estar distante e eu me sentia outra pessoa, fora do corpo.

 

Durante o Caminho, às vezes vínhamos conversando, outras prestando atenção onde pisar. No ônibus, boa parte do tempo vim viajando na maionese, pensando na vida e nas decisões que sempre precisamos tomar. Tudo me parecia diferente das outras vezes. O que mesmo estaria diferente, eu ou o Caminho?

 

A pergunta foi perdendo a importância à medida que o sono foi batendo com vontade. O dia seguinte seria mais fácil, 15 km, moleza.

 

 

 

33 – Pamplona a Puente de La Reina, o início do nosso Caminho

Chegamos em Pamplona de trem, dia 10 de maio, um sábado à tardinha, por volta de umas 18:00 horas. Como anoitece tarde nessa época, ainda tivemos umas quatro horas de luz para conhecer o centro da cidade, tempo mais que suficiente. Inicialmente, passaríamos o dia seguinte por lá mesmo, mas a verdade é que antes do jantar já comecei a ficar entediada e afim de por o pé na estrada de uma vez.

 

 

Meu amigo compartilhava dessa opinião e resolvemos adiantar os planos. No domingo, logo cedo, tomamos rumo a Puente de la Reina, 23.5 Km de caminhada. Foi a primeira prova de como responderíamos à distância.

 

Fomos bem, fizemos em um bom ritmo, andamos em velocidade muito parecida, coisa que não é tão comum no Caminho. É normal você se encontrar e desencontrar ao longo do trajeto. Mas nós fizemos sempre juntos.

 

O que a gente pegou de barro no caminho não é brincadeira! É aquele solo argiloso que gruda nos sapatos e parece que você está caminhando com um tijolo nos pés. Em determinado momento, tentamos amenizar cortando caminho por uma via paralela que subia. Bom, claro que tudo que sobe, desce. Tivemos que despencar logo adiante em um barranco de cerca de um metro e meio escorregadio. Daqueles que você olha para baixo e diz, eu é que não vou! Ao mesmo tempo, qual a outra opção? Não tem, ou desce ou desce. Descemos e nem foi tão mal como parecia.

 

 

O mais importante é que cheguei sem bolhas, sujeira faz parte.

 

Isso me fez recuperar a confiança. A dor que senti nos Pirineus, quando me saltou o couro dos calcanhares, ainda estava presente na memória e me ameaçava um pouco. Fiquei duplamente cautelosa e valeu à pena. Alguma dor muscular a gente sempre tem, mas desde que não te inviabilize continuar é considerada irrelevante. Meus pés ainda chegavam muito doloridos, passei por isso todos os dias, mas era uma dor razoável e ganhei tolerância à ela.

 

A mochila me incomodou um pouco, parecia mais pesada dessa vez, ainda que não estivesse. No princípio, achei que havia perdido um pouco a manha, só no terceiro dia percebi que ela estava era mal regulada. Erro primário de uma macaca velha. Esqueci que havia emprestado a mochila e que, certamente, a pessoa que usou mudou a regulagem. Parti do princípio que estava tudo certo e não verifiquei com a atenção necessária. Tudo bem, foi incômodo, mas não chegou a ser grave. Meus ombros ficaram um pouco assados, mas cheguei a conclusão que foi devido a um compeed diferente. O mesmo que usei nos calcanhares nos Pirineus. Isso me deu quase a certeza de haver descoberto o que me esfolou no passado, mas essa já era outra história.

 

Meu amigo parecia animado, me confessou que não teve tempo de treinar e que precisava aprender durante o caminho mesmo. Tudo bem, ele tinha boa resistência e predisposição a caminhadas. Eu também não havia treinado o suficiente, mas contava com a experiência de outras vezes.

 

Em Puente de La Reina, ficamos no hotel Jakue, que também possui uma parte dedicada a um albergue. Achei interessante eles darem as duas opções a preços correspondentes. A única coisa que me pareceu esquisita foi o fato do albergue ser no subsolo, dá uma impressão de dividirem em castas diferentes e me senti um pouco estranha ao subir para o quarto do hotel. Parecia que meus companheiros de viagem foram para o porão do navio, mas enfim, ao mesmo tempo, foi muito bom chegar em um quarto quentinho, espaçoso, e um banheiro limpo.

 

Logo na recepção, eu malandra, experiente, entendida no assunto, perguntei logo se eles tinham máquina de lavar e secar. No que a recepcionista me disse que sim e me informou que as máquinas estavam no andar de baixo. Dito isso, fiquei tranquila com o horário e combinei de lavar a roupa com meu amigo mais tarde.

 

Não deu dois minutos que entrei no quarto, olhei na janela e havia começado a chover. Escapamos por muito pouco.

 

O que a recepcionista se esqueceu de dizer é que o andar de baixo era o albergue e que as máquinas eram compartilhadas por todos, claro. Foi bem mais tarde que descobri que havia um nível inferior de hospedagem e que, apesar de haver umas quatro máquinas de lavar, só havia uma de secar, com uma fila já estabelecida.

 

Enfim, meu amigo e eu dividimos uma das máquinas de lavar e me atrapalhei toda para acertar seu funcionamento. Não era de todo óbvio, tinha um manual ali por cima, que certamente não tive saco de ler. Bom, depois de fazer a máquina finalmente funcionar, decidimos sair para jantar e conhecer a cidadezinha. Segundo um aviso na parede, levaria meia hora e um euro para lavar e mais meia e outro euro para centrifugar. Beleza, coloquei dois euros no equipamento e em uma hora nós voltávamos.

 

Achei a cidade muito bonitinha e a ponte que origina o seu nome é realmente um charme. Meu amigo ainda se divertia com o visual peregrino e o fato de andar na rua com papete e meia, aquele estilo mendigo.

 

 

Não havia grandes confraternizações, talvez fosse muito no início do caminho. Tentei não fazer comparações com as outras viagens, mas às vezes era inevitável. Além do mais, o tempo não ajudava. Também não encontramos nenhum lugar para comer que parecesse melhor do que nosso hotel.

 

Quando nos demos conta da hora, faltava muito pouco para a máquina de lavar acabar. Lembrei que no albergue as pessoas não costumam ter muita paciência com uma roupa parada dentro da máquina, e se déssemos mole, já chegaríamos com tudo do lado de fora, sabe-se lá onde. Disparamos em direção ao hotel, que não era tão pertinho assim e que a musculatura fria não ajudava tanto.

 

Nossas roupas estavam direitinho dentro da máquina, paguei com minha língua, ninguém mexeu. Por outro lado, só tinha lavado, centrifugar que é bom, nada! Só depois descobrimos que não era automático, tinha que esperar terminar a lavagem, e daí colocar outra moeda e programar tudo outra vez para centrifugar. Não tivemos paciência e achamos melhor levar as roupas pingando para cima e secar no quarto. Ou seja, teria sido bem mais fácil e seguro já ter lavado tudo à mão, na hora em que chegamos.

 

Paciência, dividimos algumas dicas de como secar a roupa mais rápido. Entre torcer dentro de uma toalha, estender em cabides e ajudar com o secador de cabelos, nesse caso disponível. O importante é que, mesmo sendo um pouco tarde, funcionou.

 

Descemos para jantar famintos e exaustos, estava escurecendo. Comida simples, mas boa. Meu amigo é diabético e dizia que o vinho era muito útil para controlar o açucar. Então, apenas por razões medicinais e porque sou uma pessoa muito solidária, o vinho passou a fazer parte da nossa rotina.

 

Cada um subiu para seu quarto e demos nosso dia por terminado. Tentei ligar para o Brasil, porque era dia das mães, mas não consegui completar a ligação interurbana. Pedi ao Luiz para ligar no meu lugar.

 

Não demorei a pegar no sono, tomei a melatonina por via das dúvidas e acredito que o vinho tenha ajudado. O dia seguinte prometia ser longo e precisava recuperar energias.

 

 

 

32 – A volta para casa

Cheguei ontem de Santiago. Estou bem e, agora vou me exibir, sem nenhuma bolhinha! Nada de nada! Os dedões estão um pouco dormentes, mas nem chegou a inchar os pés.

Tínhamos um planejamento inicial de roteiro, mas mudamos tudo desde o primeiro dia. Aos poucos vou contando com calma toda a história porque é muita informação para digerir. Mas dá para adiantar as manchetes, ao final, saímos de Pamplona e caminhamos mais de 200 km, tenho que fazer as contas depois, foram15 dias de viagem. Além das caminhadas, conseguimos usar todo meio de transporte possível para saltar alguns trechos, trem, ônibus, taxi… só faltou carroça!

Demos muita sorte com o tempo. Chuva forte mesmo só nos pegou no último dia, mas daí é até bom para ter o que contar. Além do mais, Santiago é lindo com chuva. E vamos combinar que quem vai para o Caminho preocupado em se molhar, é melhor nem começar. Barro pegamos de monte! Aprendi a andar com um tijolo nos pés.

Nunca vi o Caminho tão cheio de gente, honestamente, houve trechos que pareciam mais procissões. Algo aconteceu na Alemanha, porque diria empiricamente que uns 80% dos peregrinos eram alemães. A lotação nos fez acionar super Luiz e nas últimas cidades foi mais seguro chegar com hotel reservado ou só nos sobraria roubada.

Na volta, ao invés de optar pelo trem, acelerei e vim de avião. O que me fez cair de pára-quedas em uma feijoada com os amigos do coral. Luiz me buscou no aeroporto e fomos direto para lá. Sabia que se passasse em casa antes, dificilmente me arrancariam daqui. Pois lá fui eu, vestida de peregrina e com a papete, único calçado diferente das botas de trekking que possuía ao alcance. Foi muito gostoso rever os amigos e um feijãozinho com arroz era tudo que precisava. Assumo que trouxe uma generosa quentinha para casa, não me fiz de rogada.

Em casa, me esperava meu felino gordo, que nem fez doce. Agarrei ele de monte, sem a menor resistência. A mochila ficou ao lado da porta, intocável junto as botas, não quis nem saber. Só queria um banho e minha caminha.

Pequenas aventuras nos tiram da rotina, mas foi muito bom voltar para casa.

Viajando até 25 de maio

Queridos amigos leitores,

 

Quem acompanha o blog já sabe que viajo entre os dias 10 e 25 de maio. Estarei no Caminho de Santiago, onde nem telefone atendo, que dirá checar internet. Portanto, me desculpem, mas será impossível atualizar os posts. Os comentários, vou pedir ao Luiz para aprovar.

 

Espero também que os escritores colaboradores do buraco continuem postando no sefodeaí.com.

 

Prometo que quando chegar conto tudo. Não desapareçam!

 

Para os que vão e para os que ficam, ¡buen camino!

 

Besitos,

Bianca

 

 

 

31 – Contagem regressiva

Falta bem pouco para a próxima viagem. Amanhã chega nosso amigo do Brasil e no sábado vamos para Pamplona iniciar o caminho. A caminhada mesmo só começa na segunda-feira. Quero aproveitar para conhecer melhor Pamplona.

 

Como nada é perfeito, na segunda-feira à noite me atacou a alergia com tudo que tem direito. Não tenho tempo para curas muito naturebas, portanto parti logo para alopatia pesada. Um coquetel de descon, polaramine e busonid. Parece ter feito efeito e estou bem melhor da garganta e do nariz, em compensação, pareço um zumbi dopado. Durmo mais que meu gato!

 

O treinamento dessa semana ficou bastante comprometido, só caminhei na segunda e na terça. Mas tudo bem, a essa altura, acho que deve ser igual a vestibular, não adianta deixar para estudar na véspera.

 

Estou um pouco preocupada. Da primeira vez, o Caminho mexeu com minha cabeça, da segunda estourou meus calcanhares, espero que agora já não me cobre nenhum preço alto. Também, vai ser insistente assim lá longe, pareço masoquista. Ao mesmo tempo, como abrir mão da possibilidade de uma experiência assim, bem aqui do meu ladinho. Tenho que ir.

 

Na atual programação, não devo andar todos os dias. No total serão por volta de 140 km de caminhada, o restante de trem ou carro. Não é muito usual, mas foi uma maneira de oferecer um panorama geral do Caminho de Santiago para um amigo que só tinha 15 dias de férias. De qualquer forma, se meus pés permitirem, acredito que a gente acabe incluindo outras etapas a pé, vamos ver. Não adianta ter um planejamento extremamente rígido, porque são muitas variáveis. A gente faz um plano A, mas precisamos ser flexíveis. No dia 25 de maio, domingo, gostaríamos de estar em Santiago de Compostela. Acho que conseguiremos assistir a tal missa com o fumeiro, coisa que não pude da primeira vez. O fumeiro estava em manutenção.

 

Acredito que pegaremos chuva pelo trajeto. Não é tão ruim caminhar com chuva, só é complicado quando não conseguimos secar as roupas, principalmente as meias. Talvez leve uns 2 pares a mais por precaução. A temperatura parece que vai cooperar.

 

Tenho a experiência de veterana e, por isso mesmo, sei que assim que pisar na trilha viro caloura de novo. Meu amigo acha que vai com uma guia. Mal sabe ele que todas as vezes são diferentes e que ninguém guia ninguém. Mas isso ele descobrirá em breve e não será mau.

 

Pois lá vou eu tentar de novo! Vamos ver o que aprendo dessa vez.

 

 

 

 

30 – Quinta de la Fuente del Berro

A região onde moro agora é conhecida como Fuente del Berro, o que até então, para mim era só um nome. Há pouco tempo descobri que a fonte existe mesmo e além dela, um parque charmoso e agradável, bem no meio da cidade. E o melhor, do lado de casa.

 

 

Em 1631, o Duque de Frías vendeu a Felipe IV uma extensa propriedade rica em hortas e abundante em água, proveniente de um manancial conhecido por Fuente del Berro. Atualmente, esses jardins dos finais do século XIX e princípios do XX, foram convertidos em um parque com algumas árvores centenárias, monumentos, estátuas e fontes. 

 

 

 

Há um centro cultural, onde se oferece à comunidade aulas de ginástica, artes, história espanhola etc. Qualquer hora dessas, vou lá me inscrever em algumas das atividades. Ao seu redor, se encontram pavões passeando livremente, ainda que um pouco tímidos, pois nenhum queria sair direito nas minhas fotos.

 

 

 

Atrás desse centro há um restaurante chamado Alkalde com uma grande e e elegante terraza, que desce margeando uma escadaria. Não é exatamente barato, mas acho que vale o jantar a luz de velas, ao ar livre e com aquele barulhinho de água no fundo. Muito romântico.

 

 

 

Também tem sua parte feia e estranha, quando fica ao lado da M-30, uma autovia que passa por quase toda sua lateral. Mas prefiro acreditar que estou em um oásis, ignoro os carros, e sempre fico olhando para o lado bonito da vegetação.

 

 

Outro ponto inconveniente para mim é que, diferente do parque do Retiro, é relativamente pequeno para treinar caminhada. Em menos de uma hora é tempo mais do que suficiente para haver recorrido toda sua extensão. Paciência, nem tudo é perfeito, e, por outro lado, possui a vantagem de não ser totalmente plano e posso praticar um pouco de subidas e descidas.

 

 

Nas redondezas desse parque há algumas ruas quase privativas, só de casas. Uma graça, lembra muito algumas partes do Brooklin, em São Paulo. Depois começam a se misturar com prédios bem antigos e outros muito novos, mas sempre baixos. Tem um jeitão de cidade do interior, acho engraçado. Às vezes, as pessoas nos cumprimentam na rua ou puxam papo, como se estivéssemos em um pueblo.

 

Enfim, aos poucos vamos descobrindo a nova vizinhança e cada vez mais gosto desse pedaço. Nossa casa fica a cerca de 10 minutos caminhando do apartamento anterior e, assim mesmo, parece que mudei de país.

 

Muito bom descobrir coisas novas só de olhar em volta, praticamente no mesmo lugar.

 

 

 

29 – Feriado intenso

Semana passada, aqui foi puente. Como no Brasil, chamamos de ponte os feriados onde se emenda a quinta-feira ao final de semana. Também como no Brasil, as capitais se esvaziam, porque todo mundo quer aproveitar para viajar. Ou seja, prometia ser tranquilo para os que permanecessem em Madri.

 

Entretanto, por coincidência, boa parte dos nossos amigos do coral não viajaram e nós marcamos um churrasco na sexta-feira, aqui em casa. Feito a várias mãos, cada um trouxe alguma coisa e colaborou da sua maneira. Éramos em umas vinte e poucas pessoas, é a primeira vez que recebemos esse número de convidados na terraza. Isso não me preocupava, não era só minha responsabilidade, eu era parte da festa de um grupo.

 

E esse grupo funciona sempre! É legal encontrar tanta gente diferente, com experiências, idades e profissões diversas, mas que quando se junta, combina. Dá vontade da falar da sua vida e de escutar a dos outros, por uma questão de confiança, simplesmente por compartilhar.

 

Certo ou não, é natural termos uma expectativa em relação às outras pessoas, e humano se decepcionar com elas. Porque também é natural que essa expectativa seja em função de nossos próprios valores e maneira de pensar. Mas por alguma razão, nesse grupo tenho a sensação que estamos predispostos a gostar do que o outro fará ou dirá. Por isso, se alguém canta, cantamos junto; se alguém conta uma piada, a gente ri; se alguém conta um problema, a gente ouve. Não importa se realmente queremos cantar, rir ou ouvir e acredito ser essa generosidade contagiante que traz uma energia boa. Pelo menos para mim, tem sido um aprendizado do quanto cooperar, tentar animar ou ajudar alguém me faz bem.

 

Porque eu sou aquela que não gosta de cuidar de ninguém. Continuo não gostando, e é um alívio perceber que não preciso cuidar de ninguém, apenas fazer minha parte, ou melhor dito, uma parte. E saber que do outro lado, também há alguém que cantará comigo, vai rir das minhas besteiras e ouvir meus problemas, se eu precisar.

 

Como bem observou uma amiga nesse mesmo dia, estou mais emotiva. Pode ser a proximidade do Caminho. Não tenho expectativas específicas dessa vez, eu acho, mas sei que sempre é um encontro comigo mesma. Sei também que as coisas acontecem no momento que devem acontecer e por isso reconheço a importância de ter essa energia e amigos para lembrar que não preciso caminhar só.

 

E voltando ao churrasco, durou 12 horas! Começou às 15:00hs de sexta-feira e acabou pela madrugada de sábado. Como sempre, eu achava que devia ser no máximo umas dez da noite quando os últimos amigos se foram.

 

Acordamos no sábado à tarde acabados. Parecia que fomos atropelados por uma jamanta, coisa que a quantidade de cachacinha envelhecida do dia anterior não deve ter ajudado em nada. Falando com amigos, descobrimos que um tinha dor no pé, outro nas costas, outro no joelho… Estamos velhos! Na hora da farra, todo mundo participa, no dia seguinte quase precisamos ser hospitalizados para nos recuperar! Achei engraçado.

 

Com tudo isso, não tinha um pingo de ressaca, só estava cansada mesmo.

 

Acontece que não paramos por aí, porque no sábado à noite tinha o aniversário de uma amiga muito legal em um bar danceteria. Sinceramente, só de imaginar essa situação no início da tarde me dava preguiça. Aquela coisa que você quer fazer mas se sente meio incapaz. Pensei se deveria deixar uma ambulância de plantão na porta do bar, para nos trazer para casa na base do oxigênio.

 

Daí a noite foi chegando… e fui me animando outra vez. O lugar era ótimo, chama Larios. O serviço, sabe como é, madrileño típico, mas a casa lembra o padrão paulista, bem decorada, elegante e um pé direito altíssimo. No andar de cima, esse do pé direito alto, tocava uma banda que imagino ser cubana, excelente. No andar de baixo a danceteria. A música não é fantástica, mas é o que os espanhóis gostam de ouvir. Como estávamos em um grupo grande e animadíssimo, isso nem me importou, baixei a cigana Sandra Rosa Madalena que existe em cada um e me acabei de dançar.

 

Fomos embora outra vez de madrugada com Luiz de olhos pequenos, me chamando de imparável. Já havia me recuperado, só evitei exagerar na bebida, primeiro porque não aguentava, segundo porque precisava dar uma caminhada no domingo para não perder o ritmo.

 

No domingo, só acordei por disciplina e por uma fome do cão! Um pouco de dor muscular, o que me animou à caminhada. Quando a musculatura esquenta dói menos. Luiz não estava muito afim de me acompanhar, mas se animou quando me viu pronta, com a fantasia de peregrina.

 

Fomos conhecer um parque que fica bem perto da nossa casa, chamado Quinta de la Fuente del Berro. Uma graça de lugar, vale uma crônica só para ele. É bem menor que o parque do Retiro, mas muito charmoso e com um jeito de Parque Lage do Rio.

 

A caminhada leve me azeitou as articulações e me lembrou que falta menos de uma semana para voltar ao velho Caminho de Santiago. Quando falta pouco dá o maior friozinho na barriga e é difícil não pensar nele. Nesse fim de semana comprei as passagens para Pamplona, de onde partirei dessa vez.

 

Na cabeça agora martela Sá de Miranda, lembrado por um amigo. Não posso viver comigo, nem posso fugir de mim.

 

Comigo me desavim

 

Comigo me desavim,

sou posto em todo perigo;

não posso viver comigo

nem posso fugir de mim

 

Com dor, da gente fugia,

antes que esta assi crecesse;

agora já fugiria

de mim, se de mim pudesse.

Que meo espero ou que fim

do vão trabalho que sigo,

pois que trago a mim comigo,

tamanho imigo de mim?

 

Francisco Sá de Miranda

 

28 – Entre crises e festas

A bruxa anda meio solta. Olho em volta e vejo uma pá de amigos com problemas. Conheço essas ondas e, da mesma maneira que percebo quando chega uma boa maré de oportunidades, pressinto agora um período difícil. O que não necessariamente é ruim. Isso sempre depende das decisões que tomamos e o quanto conseguimos crescer com as crises.

 

Sempre tenho essa sensação que se abrem portais de caos e a gente escolhe se pula nele ou não. Eles se fecham muito rapidamente e quem não entrou nunca saberá o que perdeu. Quem se atirou também não tem nenhuma garantia, mas tem ao menos uma chance. Entrar só quer dizer que o jogo começou e que você pode fazer parte dele. E isso às vezes já é muita coisa.

 

Estava lendo algo sobre um estudo, que não sei se realmente ocorreu, mas dizia que uma pessoa só era feliz de verdade depois dos quarenta. Sou um pouco relutante a esse tipo de postura classificatória, mas enfim, é quando percebemos que da mesma maneira que não há felicidade eterna, mas momentos de felicidade; também não há tristeza eterna, apenas seus momentos. É uma inversão sutil e otimista de abordagem que fez muito sentido. Talvez porque, em breve, chegue aos quarenta.

 

Ainda me impressiona como em um mesmo dia posso ser tão feliz e tão triste, e cada vez mais esses sentimentos interferem menos um no outro. Acredito que seja pela consciência que são só momentos e que, sem nenhuma demagogia, preciso dos dois.

 

Ontem foi um dia feliz e triste. Tínhamos nossas razões para comemorar e sempre faço questão absoluta de comemorar. Celebramos. Estava feliz e orgulhosa.

 

Mas o fim da noite e da segunda garrafa de vinho me fez lembrar que ainda tenho uma situação mal resolvida. Do ano passado para cá tenho esse dilema da maternidade. Quando penso nele, continuo chegando a uma resposta negativa. Mas por que raios ele não vai embora de uma vez? Nem sei se posso chamar de dilema, no fundo nem sei mesmo se tenho dúvidas. Por que ainda sofro com isso?

 

O fato é que fuçar esse assunto sempre me traz um prisma novo e talvez ainda não tenha explorado de verdade as razões. Elas doem. É foda admitir a total incapacidade de ser mãe. Porque eu não quero e porque eu não tenho coragem.

 

Pior é a contradição do alívio do Luiz não querer ser pai e ao mesmo tempo me sentir mal por ele não me querer como mãe de um filho dele. É insano! Mas me peguei nessa dúvida idiota do por que não comigo? E para que? Para no final eu responder, não quero. Por que a gente cresce com essa estúpida mania de achar que tem uma resposta certa, uma fórmula única.

 

Não há mais o que ser dito, não há mais nada que precise ouvir sobre esse assunto.

 

As pessoas tem padrões de comportamento, todo mundo tem. O meu é arriscar, na dúvida, quase sempre digo sim. Eu troco o certo pelo duvidoso, é a minha natureza. E acho que pela primeira vez na vida, quebro esse padrão por algo importante. A bosta do portal está aberto na minha cara, está quase fechando, e eu não pulo.

 

E apenas posso esperar que seja só um momento.

 

Sexta-feira tem festinha com o pessoal do coral. Faremos um churrasco aqui em casa para quem não viajar no feriado. Amigos queridos, com e sem problemas, e cada um com seu próprio momento. Sei que é gostoso encontrá-los, faz minha família ficar maior. Quem sabe assim, quando a bruxa chegar, descubra que veio bater em endereço errado.

 

 

 

Canelone invertido – receita da Mari

Gosto de gente assim, que diz que vai  mandar a receita… e manda! Essa, achei especialmente simples, gostosa e fácil de encontrar os ingredientes.

 

Ingredientes:

 

          Presunto cozido fatiado

          Queijo mozzarella fatiado

          Macarrão cabelo de anjo (aquele bem fininho)

          Requeijão ou queijo cremoso

          Molho de tomate

          Queijo parmesão ralado

 

Como fazer:

 

          Cozinhar o macarrão cabelo de anjo e reservar para o recheio

          Esticar a fatia de presunto. Sobre o presunto, colocar uma fatia de mozzarella

          Sobre a mozzarella, colocar um pouco do macarrão cabelo de anjo e uma colher de requeijão ou queijo cremoso

          Enrolar o presunto, com esse recheio, em forma de canelone

          Organizar em um pirex a quantidade de canelones desejada

          Cobrir tudo com molho de tomate batido e salpicar de queijo parmesão

          Levar ao forno para gratinar

 

Segundo a Mari, depois de levar os canelones para gratinar, ajoelhar e rezar, de tão bom! O que estou plenamente de acordo.

 

Só vou dar um palpite, que vai depender do gosto de cada um. Antes de gratinar, além do queijo parmesão, salpicaria também um pouco de orégano ou manjericão.

 

 

 

27 – Ogum com Clara Nunes, só pode dar certo!

Acabamos de chegar do show da Vanessa Borhagian, o mesmo que fiz propaganda alguns posts atrás. Eu adorei! O pessoal do coral deu uma palhinha em três músicas, acho que foi nossa melhor apresentação. Uma energia tão legal, que fiquei com a sensação que todo mundo saiu hoje do bar mais feliz. Eu estava.

 

Mas vou voltar um pouco o filme para entender e tentar passar porque me sinto tão bem.

 

Dia 23 de abril é dia de São Jorge, santo atribuído pelos brasileiros a Ogum.  Sou encantada pelas histórias dos orixás, coisas que escutava da minha avó. Quem aliás, me garantia que sou de Iemanjá. Ela não se importava muito se eu acreditava ou não, ela tinha a fé para mim. De maneira que as histórias, os cantos e as danças me são familiares, e o fato do candomblé ser meio mal visto na época me deixava a sensação de conhecer algo misterioso e proibido. Convenhamos, era muito mais interessante.

 

O show era em homenagem à Clara Nunes. A primeira música que o coral cantou se chama “O Canto das Três Raças” e, apesar de não ser nada religiosa, tem uma batida afro que me lembra bastante os rituais do candomblé.

 

Todos nós fomos vestidos de branco, o que imediatamente me deixou no astral de Ano Novo. O reveillon no Brasil era o único momento onde me vestia totalmente de branco, sempre fiz questão. Saindo de lá, minhas viradas de ano passaram a acontecer no inverno, em lugares onde esse ritual de paz não existe e portanto a roupa não fazia a menor diferença.

 

E por todos esses motivos, mais cedo, quando ensaiava para o show no bar, era inevitável não lembrar da minha avó. Sem tristeza, mas também sem vergonha de pedir proteção e de matar a saudade.

 

Enfim, chegamos no bar e agora vou me exibir um pouquinho, porque logo na entrada tive uma experiência inédita. Uma pessoa chegou para mim e perguntou, você é a Bianca do blog? Juro que olhei achando que era alguma amiga de farra comigo. Não era, era uma leitora super simpática. Eu achei simplesmente o máximo! É bacana ver o alcance que te dá uma ferramenta absolutamente gratuita e democrática. Enfim, “leitora”, porque não costumo publicar nomes, prazer em conhecê-la. Quem sabe nos encontramos em algum outro evento. 

 

E para mostrar que o mundo é muito, mas muito pequeno, há pelo menos um ano tento encontrar com uma outra amiga, que conheci através da minha prima de Belo Horizonte. Sempre acontecia alguma coisa e nos desencontrávamos. Essa semana ela me escreveu no orkut, sabia do show, disse que ia e quem sabe, finalmente, nos encontrássemos. Pois sim, nos encontramos. Havia ficado curiosa como ela descobriu sobre o tal show. Acontece que ela não conhece só uma, mas duas outras integrantes do coral que participo. Pode? Mundinho minúsculo, né não? Dessa vez, nos prometemos não demorar mais tanto tempo para nos reencontrar, no que pretendo me empenhar.

 

A sensação que tinha era de conhecer todo mundo que chegava, de encontrar um milhão de amigos que adoro, alguns mais antigos, outros recentes. Fiquei feliz, me senti em casa.

 

O show começou no maior alto astral, com uma das minhas músicas favoritas à capela, salve o samba, salve a santa, salve ela… salve o manto azul e branco da Portela… Sou Portela, e ainda que não acompanhe mais tão fervorosamente, fico sempre emocionada quando escuto essa música. Foi um arraso de bom, como todos os shows da Vanessa. Além do mais, na primeira parte a gente não entrava, portanto estávamos tranquilos e curtindo bastante o momento.

 

Nossa surpresa acontecia na segunda parte, logo após a terceira música. Não fomos anunciados, a gente se misturou com o público. Bom, no que dava para se misturar discretamente aquele povo todo de branco, né? Lógico que não éramos nada discretos. Chegaram a nos perguntar por que os brasileiros gostavam tanto assim de se vestir de branco. Fora o ti-ti-ti de quando é que entramos mesmo… a gente canta no primeiro ôôô… não só no segundo… começa a batucar no guém do nin-guém… mas onde é que a gente fica… e vai caber todo mundo…

 

Mas enfim, nos misturamos, com coquinhos na mão para o batuque. Tínhamos nossa deixa, já citada acima, para começar a batucar em direção ao palco. Não é que deu certo? Se não estivesse tão concentrada para não errar a batida, acho que tinha até me emocionado. Aquela massa branca de energia pura, cantando do jeito que sabíamos. No grupo, as imperfeições individuais se diluem, se complementam, sei lá, mas funciona.

 

No final, estava leve, com a maior vontade de abraçar todo mundo. E até esse momento só tinha bebido água! Vou logo avisando.

 

Acabou nossa parte e nos acabamos de dançar com o resto do show. Ainda nos juntamos para cantar uma última música com nossa professora-cantora e até no improviso ficou legal. Sabe esses dias que tudo parece que dá certo?

 

No final, com a casa já vazia, ainda fiquei dançando e rindo de bobagens com uma amiga. Culpa dela que tomei minha única dose de whisky, da qual também não me arrependo. Pensava que coisa surreal essa de participar de um show num bar cheio, e em Madri! Eu sei que o show não era nosso, mas cantar em um bar era algo impensável há alguns anos, e em outro país então, nem se fala. E como podia estar tão à vontade e me sentindo tão em casa. Conhecer essas pessoas é um privilégio.

 

Luiz e eu saímos do lugar quase varridos, quando já não havia mais praticamente ninguém. Mesmo assim porque ele precisava acordar cedo, haja energia.

 

Em casa, não aguentei esperar o dia seguinte para começar a escrever, queria estar na emoção do momento. E lembrando dos detalhes da noite foi quando percebi que o nome daquela leitora lá do início do post é o mesmo nome da minha avó.

 

Acho que ela deu seu jeito de me dizer agora, eu fui boba. 

 

 

 

 

26 – 22 de abril, e que?

No tempo que fui a escola, e acredito que ainda seja assim, estudava-se que o Brasil havia sido descoberto em 22 de abril de 1500. Cresci com essa idéia plantada na minha cabeça, como outras tantas, sem parar para pensar no que realmente significava.

 

Sempre me surpreende que só burra velha me caiam fichas tão evidentes, mas fazer o que? Resta o consolo de que pelo menos ainda tenho tempo de protestar com a ferramenta que disponho.

 

Vamos começar pelo começo, ontem fui ao lançamento de um livro da Sabrina Morais, O Direito Humano Fundamental ao Desenvolvimento Social. Ela fez uma apresentação breve da sua tese, que gerou o livro. Ainda não o li, coisa que devo fazer no futuro, pois a conversa rápida com ela depois no coquetel me fez pensar que era um estudo bem mais aprofundado do que ouvi na apresentação. Normal, o tempo é sempre um limitador de conhecimento.

 

Antes de falar sobre o livro, houve duas apresentações. A primeira, sobre um vídeo independente gravado em 2000, mostrando um pouco dos bastidores do que aconteceu na cidade de Porto Seguro, enquanto era preparada a famosa festa dos 500 anos do descobrimento do Brasil. A outra apresentação era sobre folclore.

 

A apresentação sobre folclore, me gerou um problema. Conheço a pessoa que expôs e infelizmente consegui discordar de absolutamente tudo, da forma ao conteúdo. Minha língua não cabe muito dentro da boca e fiquei com vontade de discutir no final, civilizadamente é óbvio. Achei melhor deixar para outro momento, até porque não era o assunto principal do evento. Depois, estava com o Luiz, que é bem mais radical nas discussões do que eu, melhor não por lenha na fogueira.

 

Mas vamos ao que interessa, o vídeo foi gravado por uma amiga, a mesma que fez a apresentação, mostrando o outro lado da festa dos 500 anos. O lado dos excluídos, dos que não foram convidados e do que não se mostrou na TV.

 

Pela primeira vez, percebi que o Brasil é o único país que comemora a sua própria invasão! Sim, porque no dia 22 de abril de 1500, o Brasil foi invadido por portugueses, tão simples quanto isso. Não vou entrar na discussão babaca de dívidas históricas, isso é passado, mas daí a comemorar? O nosso herói é um invasor? E pior, como assim descobrimento, não havia nada antes? Os índios eram o que? Parte da paisagem? Árvores? As línguas faladas eram grunidos? O conhecimento das ervas eram acaso?

 

Aceitar que o Brasil foi descoberto é um desrespeito com a nossa origem. A imagem folclórica do indiozinho sorridente com um penacho na cabeça e uma flechinha na mão é ofensiva, é fantasia de carnaval. Quantos índios na sua vida você viu sorrindo?

 

Tenho uma bisavó índia que nunca conheci. Não sei o que levo dela, meus hábitos e minha aparência é branca européia. E também não tenho porque negar esse lado, eu gosto da mistura. Mas sei que minha primeira peça de arte é uma escultura em argila de uma índia grávida, altiva e brava. Não sei porque a fiz, mas talvez em alguma parte do meu sangue haja a memória genética, aquela que nem sabemos. Espero que sim, pode ser meu lado mais forte.

 

Por isso, hoje estou brava, pelos meus ancestrais invadidos, pelos negros levados à força escravizados e pelos brancos que deixaram seu próprio país por falta de opção. É essa minha origem, foi desse barro que saí, independente da onde esteja e de que cara tenha.

 

Queria um dia ter muita vontade de voltar ao Brasil e que não fosse pela saudade, mas porque representasse a melhor escolha. E que não fosse por ser mais desenvolvido do que outros países, mas tanto quanto.

 

Não quero ser mais associada à uma mulata pelada nem a um jogador de futebol equilibrando uma bola no nariz como uma foca. As brasileiras são trabalhadoras, os jogadores são atletas, os índios são guerreiros, nossa raça é a mistura. Respeito pelo meu país.

 

Pausa para comerciais madrileños

Nessa quarta-feira, dia 23 de abril, tem show da Vanessa Borhagian em homenagem a Clara Nunes y otras cosillas más, há também participações especiais e composições próprias. Faz parte do evento Sarau Brasilis, que acontece no AK Bar, às 21:00hs, Calle Barquillo, 44, Metro Chueca. É grátis e alto astral garantido.

  • Vanessa Borhagian – voz, cavaquinho, percussões
  • David Tavares – violão
  • Bruno Lopes – baixo
  • Mancuso – bateria/percussões

Participaçôes especiais:

  • Grupo Cantoria Dumbaiê, Bailarinos (Arnaldo e Natali), Nadia (violino), Urano de Souza (violão) e outros…

Lembro que o grupo Cantoria Dumbaiê é o coral do qual Luiz e eu fazemos parte, a Vanessa é nossa maestra. Isso quer dizer que também daremos uma palhinha! Inclusive, adianto que o grupo está preparando uma surpresa, que como é surpresa, não posso contar…  mas estamos ensaiando em casa para sair caprichado!

Povo de Madri, apareçam por lá e sejam bem vindos! As apresentações da Vanessa & Cia são sempre show de bola! E quanto ao coral, podem rir da minha cara cantando à vontade, me divirto também! Amigos do resto do mundo, depois conto como foi!

 

 

25 – Começou

Está difícil tirar o Caminho de Santiago da cabeça. Não sei que raio tem nesse lugar que me puxa dessa maneira! Passo o dia calculando rotas, fazendo analogias e agora já comecei a ver conchas de vieira em tudo que é canto!

 

Eu mudo quando sei que vou para lá e mudo porque sinto que vou voltar. Sempre fico me enganando que dessa vez vou para curtir, relaxar, desfrutar o caminho. Quando também sei que ninguém volta impune. E mesmo assim, preciso ir.

 

Os planos foram adiantados, parto dia 10 de maio, com um amigo do Brasil, calouro no Caminho. O que também não importa muito, considerando que tudo é sempre diferente. A experiência ajuda no conhecimento dos próprios limites, mas ninguém passa por ali igual todas às vezes.

 

Eu hoje caminho na chuva como uma coisa normal, porque é natural. Não entendo como antes tinha tanto medo de me molhar. É só água. No ano passado, quebrei duas vezes os dedinhos do pé, coisa que nunca havia acontecido. No primeiro, andava devagar, mas andava do mesmo jeito; no segundo, pulei carnaval. É só dor. E antes de enfrentar uma situação difícil, penso que já andei 40 km seguidos, molhada, com frio e sem haver dormido na noite anterior. É só uma fração de tempo e que passa.

 

Tudo passa.

 

E meu caminho já começou.

 

 

Arroz à carreteira

Ando em uma fase de churrascos, aliás, uma coisa engraçada, acho que nunca gostei tanto de churrasco como depois que saí do Brasil. Sei lá, acho que a possibilidade da falta faz a gente gostar mais.

 

Mas hoje vou falar do final do churrasco, quando geralmente fica um pouco da carne, já com cara de passada, aquela picanha meio dura, o vinagrete, que deu um trabalho danado em picar tudo pequenininho e você vai deixar sobrar…

 

Enfim, escutei mais de uma versão de como nasceu o arroz à carreteira ou arroz carreteiro, bem como distintas receitas. Uma coisa sempre coincide nas histórias, é um prato criado pelos peões que transportavam gado e preparavam a comida pelo caminho. Por esse motivo, a receita original leva charque, carne salgada e portanto pouco perecível, além do arroz. Faço um pouco diferente, usando o que sobrou do churrasco.

 

Muito bem, faço assim, primeiro recolho as carnes que sobraram. Obviamente, não estou falando das que sobraram no prato de ninguém, simplesmente das que não foram consumidas. Na verdade, já vou separando as que esfriam e ninguém pega ao longo do churrasco. Uso tudo, carne de boi, linguiça, frango, porco, o que tiver, só não uso peixe. Das carnes tiro a gordura e do frango tiro a pele, porque depois de cozinhar na água do arroz ficam com aspecto feio. Pico tudo pequenininho e reservo.

 

O vinagrete que sobra, escorro para não amargar muito e também reservo.

 

Quando entra a noite e a fome começa a voltar, além da bebida começar a tirar a energia das pessoas, é a hora de fazer.

 

Em uma panela, deixar um jorro de azeite no fundo e fritar uma cabeça de alho machacado. Se estiver com preguiça de descascar o alho, tudo bem, põe só o azeite. Refogar o arroz nesse azeite. Quando ele começar a fritar, adicionar o vinagrete escorrido e mexer. Adicionar também toda a carne picada de uma vez e misturar bem. Não costuma ser necessário sal, normalmente o sal da carne e do vinagrete é suficiente, mas isso é a gosto de cada um. Adicionar água, a quantidade de água é o dobro da quantidade de arroz, igual ao arroz normal. Esperar a água secar e pronto! Normalmente, deixo só secar no fundo da panela, gosto desse arroz mais molhadinho, como se fosse um risotto.

 

Além de ser uma delícia, quando é daqueles churrascos longos, que vão noite adentro e certamente as pessoas acabam exagerando um pouco na bebida, esse arrozinho comido antes de dormir é praticamente milagroso. Te alimenta com o carboidrato e proteína, o azedinho do vinagrete equilibra a gordura que, nesse momento, protege seu estômago dos efeitos do álcool.

 

Mas entre nós, sinceramente, o que gosto mesmo é do ritual. Fecha o ciclo da festa, muitas vezes é feito a várias mãos entre amigos e renova algo que seria sobra. No dia seguinte, estou nova em folha!

 

24 – Viagens a caminho e ao Caminho

Na segunda-feira, conseguimos nossa autorização de regresso à Espanha. É o seguinte, quando seu visto vence, você entra com o processo de renovação. Entretanto, até que seu novo período de estadia seja aprovado e sua carteira seja emitida, se você quiser deixar o país, precisa de uma autorização oficial.

 

Quando planejamos ir ao Brasil em maio desse ano, nos esquecemos desse detalhe da documentação e nossos vistos venceram em abril. Não é um problema, a renovação é praticamente automática, mas existe uma certa burocracia, passos e prazos a seguir e você não pode perdê-los.

 

Não sei se a gente já está mais acostumado ou o processo melhorou, mas dessa vez está sendo menos traumática toda essa encheção de saco dos vistos. Pelo menos, por enquanto, não gosto de elogiar nada antes de terminar.

 

O fato é que nossos planos de viajar em maio para o Brasil foram para as cucuias. Tudo bem, mas agora que as coisas se definiram melhor, finalmente marcamos nossas passagens para junho. Yes! Claro que estou rindo à toa.

 

Dessa vez, vou com Luiz. Acho que já contei que há uns cinco anos não vamos juntos ao Brasil. De maneira que estou tão animada que tenho até medo que apareça algum abacaxi. Credo, isola!

 

Acontece, que tinha um outro plano malévolo em paralelo, voltar a fazer mais um trecho do Caminho de Santiago. As épocas de se fazer são primavera e outono, por causa da temperatura. Portanto, estava só esperando definir essa viagem do Brasil para saber se botava o pé na estrada antes ou depois.

 

Depois, ficaria muito tarde, porque já seria verão. Logo, fui amadurecendo a idéia de ir antes. Sabia que seria muito difícil para Luiz ir comigo, ele não conseguiria assim duas férias seguidas. Tenho um amigo no Brasil que parecia animado, mas fiquei um tempo sem internet e nos desencontramos.

 

Tem umas coisas engraçadas, parece que quando você toma uma decisão, tudo começa a conspirar a seu favor. Enquanto estava nessa lenga lenga de vou não vou, nada se resolvia. Daí, essa semana me chegou um texto de um amigo do Rio que fez um bom pedaço do Caminho comigo e mantemos sempre contato. Ele está escrevendo sobre o Caminho de Santiago, que trilhou inteiro, e os textos são ótimos! Muito bem, justo essa semana chega o texto da chegada em León, que era meu principal objetivo dessa vez.

 

Pois me bateu os cinco minutos e comecei a cogitar a possibilidade de ir sozinha mesmo. No instante que Luiz marcou a passagem para o Brasil, passada a euforia inicial, sentei no computador e comecei a calcular quando poderia partir para a caminhada.

 

Mas vou ser franca, me deu preguiça. Andei relaxando e me despreparei um pouco, ganhei peso e perdi fôlego. Ontem, cheguei a conclusão que precisava tomar uma atitude e resolvi começar o treinamento no mesmo dia. Pensei, se eu esperar até a famosa segunda-feira, não vou.

 

Coloquei minha fantasia de peregrina, que nem me dá mais vergonha e saí para caminhar no parque. Aos poucos, fui me animando novamente e ganhando coragem.  Senti que não estava preparada e precisava correr atrás do prejuízo. O que você não soluciona no treinamento, vai sentir em dor no Caminho, não tem jeito. E se ia sozinha… melhor estar bem.

 

Assim que cheguei em casa, e-mail do meu amigo brasileiro com a corda toda, pronto para marcar a passagem e fazer o Caminho. Não é que terei companhia? Nem acreditei! Escrevi para meu outro amigo, o dos textos que espero virar um livro, e fiz algumas perguntas. Ele me respondeu se propondo a me ajudar com um roteiro. Show!

 

Dia 17 de maio, minha mochila estará nas costas! Dessa vez, vou tentar fazer uma mistura de caminhada, taxi e trem. É que só terei 10 dias e queria fazer uma passada geral, ao invés de um trecho específico. Gostaria de fazer a pé, pelo menos, uns 100 km, mas não é nada tão rígido.

 

Agora estou quicando, doida para começar! Sanduíche de Caminho de Santiago com Brasil! Ai, ai… são muitas emoções!

 

 

23 – Festa de casamento, roupas e viagem feminina na maionese

Sábado fui a uma festa de casamento, a primeira que vou desde que moro na Espanha, desses festões de botar para quebrar. Lembro do tempo que as pessoas reclamavam quando iam a um casamento, e quando era criança, realmente achava bem chato. Não sei se as festas mudaram ou mudei eu, provavelmente ambas as coisas, só sei que simplesmente adoro ir a festa de casamento!

 

E essa era melhor ainda, porque não havia a cerimônia, festa pura! Beleza, nesse caso, podia usar meu super vestido preto sem ser gafe.

 

O vestido, eu já tinha desde o Brasil, e é o meu favorito. Pena que tenho poucas chances de usar. É clássico e ousado ao mesmo tempo, negro liso com um tecido maravilhoso, o decote na frente é daqueles que sobem pelo pescoço e atrás vai até a cintura, da cintura para baixo é ligeira e discretamente rodado, o que disfarça o quadril e acaba exatamente onde valoriza minhas pernas, a um palmo do joelho. Alguns centímetros a menos, seria vulgar; alguns a mais, seria comum. Mas ele é perfeito e sexy. Saber que ele ainda cabia em mim me deixou quase histérica, também, se não coubesse, passaria uma semana inteira de fome sem me importar.

 

Bom, mas precisava de outro sapato, que coisa desagradável, né? Acho que um homem nunca entenderá o poder do salto alto feminino. Caminho muito pelas ruas, o que me fez praticamente abandonar os saltos, além do mais, ultimamente quase durmo com minhas botas de trekking, não exatamente femininas. Portanto, a possibilidade de um novo sapato de festa me alegrava igual a um brinquedo novo.

 

Gosto dos saltos estratosféricos, daqueles que aumentam suas pernas até a lua! Uma mulher coloca um salto alto e imediatamente ganha poder. Começa porque muda a postura, o bumbum empina e a panturrilha pula, parece que você malhou. Depois, porque ao aumentar a altura, também melhora a proporção do peso, claro. Veja bem o pensamento feminino: cada centímetro corresponde mais ou menos a um kg que você pode ter a mais, logo, se você usar um salto 10 cm, é como se emagrecesse também 10 kgs em um piscar de olhos! Olha que coisa divina, eu não precisava emagrecer, só precisava crescer mais 10 cm! Pronto!

 

Para completar o figurino, tinha que ser com minha gargantilha lindíssima em pedras vermelhas. Depois, aquela maquiagem que perco um tempão para parecer que foi fácil, um penteado meio preso e meio solto, et voilà!

 

Bom, tinha feito todo esse quadro na minha cabeça, mas tive preguiça de experimentar tudo junto e no dia, quase perdendo a hora, me arrumei às pressas, torcendo para o que imaginei desse certo. E deu.

 

Sabe quando você se olha no espelho confiante e pensa, hoje eu tô podendo! Fui subindo o olhar, comecei pelo sapato fantástico, meias finas modelando melhor as pernas, o vestido que ainda era lindo e me caiu bem, a gargantilha combinou… mas quando cheguei no meu rosto, alguma coisa estava diferente do que esperava e não sabia o que. Putz, esqueci de colocar a máscara! Imperdoável! Corrigi rapidamente esse lapso e fomos.

 

No espelho do elevador, me olhei novamente e não eram os olhos, era o jeito de olhar. Por que raios eu penso tanto? Não estava bom ficar feliz em me sentir poderosa? Qual é o problema de inflar seu próprio ego só um pouquinho, cassilda! Meu corpo é relativamente jovem, talvez por não ter tido filhos, não sei, mas passaria por alguém mais nova. Acontece que o olhar não mente e olho com a idade que tenho. E me ocorreu naquele instante que a roupa ainda me caía bem, mas não seria por muito tempo. A gargantilha ainda era linda, mas a pele do meu pescoço já não é mais a mesma e talvez também tenha que parar de usá-la um dia.

 

Não sei se alguém mais compartilha daquela situação irritante de ter que esticar o pescoço a cada fotografia, porque senão começa a fazer papada. No meu caso, tem um complicador porque costumo fechar os olhos na hora “h”. Portanto, agora para tentar sair melhor nas fotos, preciso me cuidar para não parecer uma tartaruga assustada, com aquela cabeça esticada para frente e os olhos arregalados!

 

Papada é uma merda! Isso quer dizer que a pele do seu pescoço está ficando flácida. E a pior combinação de palavras em todo universo é “papada flácida”, sinto uma pontada no coração quando falo as duas juntas.

 

Eu me julgava uma mulher bem resolvida depois dos trinta, porque havia entendido que celulite é parte da vida, você não precisa ser uma laranja, mas umazinha aqui, outra ali é parte do organismo feminino. Rugas? Não tenho tantas, mas honestamente, não me assustam e, se mudar de idéia, taí o botox para um momento de desespero. Energia? Musculatura? Nunca pratiquei tanto esporte como agora. Mas, perto dos quarenta, ninguém me preparou para a maldita papada! Isso sim é uma sacanagem!

 

Paciência, chegamos na festa e estava tudo muito bonito e bem cuidado. Comecei a reparar nas roupas e achei, de maneira geral, as pessoas elegantes. Nem sempre isso é verdade, acho que nos casamentos as mulheres sempre enlouquecem um pouco e aqui, os que passo e olho de relance, me parecem um show de horrores. Mas nesse não e olha que estava especialmente exigente esteticamente, por motivos óbvios.

 

Afinal de contas, será que roupa tem idade? Sempre achei isso meio preconceituoso e exagerado. Será que precisamos mudar tão radicalmente nosso visual? Por que de repente parece que todas as mulheres cortam o cabelo acima dos ombros, pintam da mesma cor loiro-menopausa e começam a usar laquê?

 

Acho que vou fazer um pacto pessoal, a partir dos 40, a cada 10 anos farei uma tatuagem! Nem que seja para ser do contra! Talvez eu corte o cabelo, talvez até pinte de loiro para disfarçar melhor os fios brancos, mas por favor, se eu usar laquê, me internem! Não estarei mais no meu juízo normal!

 

No meio da minha ruminação tentando buscar algum otimismo, vi uma senhora com um vestido vermelho e dourado que achei interessante. Se eu colocasse aquele vestido, pareceria um Papai Noel, mas juro que nela estava muito elegante. Luiz dizia achar a roupa um pouco senhorial, mas que nela funcionava. Foi quando dividi com ele um pouco o tema em que estava pensando, e que não havia me incomodado antes a idade, mas achei ruim imaginar que em algum tempo, estaria inadequada com exatamente a mesma roupa que estava usando. Ele me disse que até então, sempre adicionei coisas à idade, e agora parecia ser um limitador.

 

É verdade, a idade sempre me caiu bem porque também sempre me trouxe mais. Sentir a possibilidade de perder ou limitar foi ruim.

 

Até que vi outra senhora, pelo menos uns 20 anos a mais que eu, e outra vez não pela pele, mas pelo jeito de olhar. Na minha opinião, a mais elegante da festa. Corpo de senhora, a barriga muda de lugar, parece ir um pouco mais para baixo, mas ainda era uma mulher bonita. Um vestido tubo salmão liso, clássico, simples mas bem cortado, caimento perfeito. Um par de broches que fazia uma composição. Estava longe de ser um modelo senhorial, mas não tenho dúvidas que em mim pareceria assim. Nela não, ela podia!

 

Ela conseguiu ganhar com a idade, então por que eu não conseguiria? Pronto, quando eu crescer posso ser assim! Ufa! Uma luz no fim do túnel.

 

Relaxei e fui curtir a festa, afinal de contas, tenho uma reputação de imparável a manter.

 

Quer saber, que se dane! Meu corpo não será o mesmo ao longo dos anos, mas meu maravilhoso vestido negro também não durará tanto tempo. O cabelo muda, os gostos mudam, a vida muda.

 

A propósito, a coroa do vestido salmão se acabou de dançar no salão com seu marido. E nós também.

 

 

 

 

 

 

 

Farofa de ovo – dica da Conceição

Na minha memória, os dois primeiros pratos que aprendi a fazer foram farofa de ovo e omelete de salsicha. Não sei em que ordem, mas lembro com certeza que o omelete de salsicha foi meu avô paterno quem me ensinou. Não acredito que eu tivesse mais que uns seis ou sete anos de idade, quando a salsicha me parecia ser uma iguaria inigualável.

 

Há muitos anos não faço mais o tal omelete, mas ainda sou louca por farofa de ovo. É possível que também tenha sido meu avô a me ensinar, mas a dica que darei hoje, aprendi com uma bronca da Conceição, quando tinha por volta de uns dez anos e quase arruinei sua farofa. A Conceição trabalhou na casa da minha avó materna desde que minha mãe tinha uns onze anos, fez parte da nossa família até sua morte. Ela e minha avó tinham uma cumplicidade bacana e difícil de entender para quem estava de fora, talvez em outro momento escreva sobre isso. Mas hoje, vou contar da farofa.

 

Acho que a farofa comporta um monte de coisas gostosas, bacon, ovos, azeitonas, cebola, alho, cada um elege sua própria mistura. A generosa farinha agradece. Como acompanhamento, prefiro a farofa simples, aquela só fritinha na manteiga, quem sabe com um refogadinho de pouco alho.

 

E confesso que tenho mania de comer farofa de ovo pura. Pode ser afetivo, sei lá, os americanos tem um bom nome para isso, “comfort food”. Só sei que quando bate aquela fominha, junto com a preguiça de preparar toda uma refeição, coloco na frigideira umas duas ou três colheres de sopa de manteiga, deixo derreter, coloco um ou dois ovos, dependendo da fome, adiciono farinha e sal. Se tiver aquela farinha baiana fina e amarelinha então… ui! Deixo ganhar um pouquinho de cor, e lá está ela: a deliciosa farofa de ovo!

 

Qual é a dica?

 

Assim que você colocar os ovos na manteiga derretida, e veja bem, deixar só derreter, não deixar ficar aquela manteiga preta, mas continuando, não mexer os ovos imediatamente. Se você fizer isso com eles ainda muito crus, os pedaços ficam pequenos, separados, parecem um omelete que não deu certo, e quando você adiciona a farinha, ao invés de ter aqueles pedaços consistentes que você pode mastigar e sentir o sabor, você tem umas bolinhas indefinidas ou pedacinhos mínimos de ovo. Foi isso que fiz com a farofa da pobre Conceição, que depois de se aborrecer, ficou rindo e me ensinou a fazer direito.

 

O truque é simples, após adicionar os ovos inteiros à manteiga derretida na frigideira, quebrar as gemas e deixar o ovo ganhar um pouco de corpo, só quando a clara já está esbranquiçada é que se mistura devagar um pouco a gema e a clara, e se começa a partir o ovo em pedaços, com a própria colher de pau. E só então, com os pedaços de ovos em um tamanho definido e com a clara já branca, é que se deve adicionar a farinha e misturar tudo. É uma bobagem de nada, mas faz toda a diferença na aparência e no sabor.

 

 

De volta ao mundo virtual

FI-NAL-MEN-TE, temos internet em casa! Nem acredito!

O importante é que se resolveu e prometo colocar tudo em ordem, o mais breve possível. Sinto muito pela falta de respostas aos comentários, mas já cuidarei disso também. Enfim, hoje já está meio tarde e tenho milhões de mensagens para responder e apagar, mas amanhã vou tentar colocar algumas fotos do apartamento novo.

Besitos a todos, Bianca

 

 

22 – Casamento de amigos x Internet

O amigo que ajudei na surpresa do anel de noivado casou no civil ontem, quarta-feira, em Navacerrada. Fomos o único casal de amigos convidados para essa cerimônia, só havia família muito próxima, de maneira que nos sentimos honrados com o convite. A festa mesmo é no sábado.

 

Por que estou contando isso? Muito bem, porque se pode notar que era um convite imperdível. Na semana anterior já havia combinado com o Luiz para ele se virar e dar um jeito de ter o dia livre. Acontece que na terça, véspera desse casamento, me liga a Telefónica avisando que vinha alguém no dia seguinte para fazer a entrega do ADSL, ou seja, a tão esperada internet.

 

Depois que armamos o maior barraco para adiantar essa entrega prevista para o dia 19, como recusar o tal pedido que finalmente chegaria? Disse que sim e fomos ver o que dava para fazer.

 

Meu plano A era ficar pronta para o casório, que seria na hora do almoço, e torcer para nosso pedido ser o primeiro da manhã. De repente, iria o Luiz nos representando e eu ficaria esperando a Telefónica, mas essa opção nos deixava muito desconfortáveis. Pensei em pedir que o porteiro recebesse, mas Luiz acreditava que eles instalariam alguma coisa dentro de casa. E a verdade é que o porteiro nem fica o dia inteiro na portaria, também era arriscado. Minha chave não queria deixar, porque tem o Jack em casa. Bom e se de repente eles nem viessem? Ou só aparecessem no fim da tarde? E se a gente contasse com a sorte, fosse no casamento e torcesse para eles não aparecerem antes? Mas e se aparecessem? Dependo da internet para tudo!

 

Enfim, Luiz saiu ligando para Deus e o mundo para ver se algum amigo poderia ficar aqui em casa, esperando pela Telefónica. Eu morro de vergonha de fazer isso, mas ele não queria ir à cerimônia sozinho e acho que tinha razão, eu também não achava legal. O problema é que no meio da semana é difícil achar alguém disponível de manhã e de tarde. Roubadaça, né?

 

No final das contas, aos 45 minutos do segundo tempo, uma amiga de um amigo topou. Nós a conhecíamos e é uma gracinha de pessoa, mas não teríamos intimidade de pedir esse favor diretamente, afinal ela nunca tinha vindo aqui em casa antes. Quando Luiz me contou, fiquei imaginando a confusão que ele tinha montado, pois a história já havia se transformado em uma verdadeira corrente.

 

O importante é que ela topou e é super gente boa, está terminando veterinária e adora bichos. Segundo ela, era também uma curtição ficar no apartamento porque matava um pouco a saudade das suas gatas. Isso eu entendo, porque quando viajo sinto muita falta do meu felino gordo. Foi a salvação a lavoura porque assim pudemos ir os dois tranquilos ao casamento.

 

Pois lá fomos nós subir a serra. A cerimônia foi no cartório de Navacerrada, e foi o próprio alcade (prefeito) quem realizou. Ainda que seja uma cidadezinha pequena, é muito charmosa e achei legal isso dele realizar pessoalmente os casamentos. De lá, seguimos para um almoço, também muito agradável e bom astral.

 

Quando eles disseram que só iam as pessoas muito próximas, não estavam exagerando. Do lado da noiva, havia seus pais, seu irmão com a esposa e um casal de tios; do lado do noivo, sua mãe, sua irmã com o marido e uma filhinha. E nós, ou seja, realmente foi um prestígio e tanto, Luiz inclusive assinou como testemunha no cartório. Se não tivesse ido por causa da Telefónica, eu não me perdoaria jamais, além de perder esse momento, seria uma tremenda falta de educação. Mas enfim, o fato é que deu tudo certo.

 

Chegamos em casa perto das 17:30 e nossa amiga ainda estava aqui, até porque a Telefónica não havia dado as caras. Imagina isso? Conversamos um pouquinho e Luiz foi deixá-la em casa, o mínimo de gentileza que podíamos retribuir. Nesse período que ele estava fora, finalmente, a Telefónica chegou!

 

Fiquei até nervosa com a probabilidade de conectar naquele mesmo dia. Bom, o representante subiu, me entregou um pacote e pediu para assinar o recebimento. Mas não precisa entrar? E ele, não, só entregar. Então, tá.

 

Isso quer dizer o seguinte, toda essa confusão era só para entregar o aparelho, que nós já temos, ele não precisava instalar nada. E não, ainda não tenho internet disponível no apartamento, simplesmente, tenho dois aparelhos. De matar, né não?

 

Luiz ligou para lá assim que chegou em casa, mas como de costume, nenhuma explicação razoável. O operador disse para aguardar um pouco que em breve o aparato deveria reconhecer o sinal, ou alguma coisa parecida com isso.

 

E eu tô aqui esperando… Ainda bem que fui ao casamento!