Mudança, micos e afins

A última semana em Madri, arrumando a mudança foi razoavelmente tranquila. As sensações eram ambíguas, vontade de ir, vontade de ficar, euforia e cansaço. Fiquei um pouco ilhada em casa, mas havia muito o que fazer. Mais para o fim da semana tive companhia para sair e no sábado chegou Luiz dos Estados Unidos para ajudar na mudança, que sairía na segunda-feira.

A verdade é que ele chegou absolutamente insuportável! Chato, ranzinza, mal humorado… e juro que tive vontade de mandá-lo logo para Londres e que me deixasse fazer a mudança sossegada! Mas tudo bem, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença… nos dias melhores e nos piores, fazer o que? Eu também não devia estar exatamente uma lady.

Sorte termos uma festa para ir o próprio sábado, o aniversário de uma amiga e temos vários amigos em comum. Acabou nos funcionando indiretamente como uma despedida e deu uma aliviada no peso de ir embora.

Na segunda-feira, cedinho, chegou o pessoal da equipe de mudança. Já conhecia todos pelo nome! O bom foi que, devido a confiança, já tinha umas vinte caixas fechadas, obviamente com nossas cachaças misturadas às roupas e lençóis, umas 40 garrafas! Não é ilegal transportar bebida, mas podem encher o saco, porque teoricamente seria necessário tributar a um custo absurdo. E vamos combinar, não sou comerciante, no nosso caso, elas realmente são para consumo próprio e dos amigos, é claro! O responsável pela mudança deu aquela olhada por cima das caixas e disse, estão bem embaladas, não precisamos refazer, só passou a fita em volta e levou como estavam.

Enfim, não foi uma mudança complicada, estava tudo mais ou menos adiantado e preparado para partir, afinal, ali só havia profissional no assunto, né? Assim que por volta das 13h, o caminhão partiu.

Infelizmente, não partiu diretamente para Londres. Faltavam ainda algumas autorizações, o que acabou atrasando essa saída umas duas semanas. Os móveis foram para o guarda-móveis da empresa aguardar a documentação. Mas nós pudemos liberar e entregar o apartamento de Madri, no dia 21 de janeiro.

Nossa passagem estava marcada para às 21h do mesmo dia. Tentamos adiantar o vôo para não chegarmos tão tarde, mas o custo dessa alteração seria astronômico. Daí decidimos relaxar, fomos almoçar no nosso restaurante favorito, o El Fogón de Trifón e, na sequência, fomos fazer hora na casa de uma amiga que mora pelo centro da cidade.

De lá fomos para o aeroporto, devolvemos o carro alugado e o avião saiu pontual. Admito que ia meio surumbática, não foi muito simples deixar Madri, é uma confusão de sentimentos, queria ir, mas um lado meu queria ficar também. Talvez fosse mais fácil se estivesse indo ao Brasil, não sei. Sei que sempre quero mais, queria todas as vidas ao mesmo tempo, universos paralelos.

Pelas 22h, uma hora menos em Londres, aterrizamos. Um motorista indiano foi nos buscar. Aparentemente, a assistente do Luiz fez uma reserva para que o carro buscasse duas pessoas com bagagem de mão. Nós tínhamos, além das duas bagagens de mão, mais quatro malas! Não sei na cabeça de quem alguém se muda com bagagem de mão, mas enfim, o indiano reclamava que o preço estava errado. Levamos um tempo para entender, me desculpei, expliquei a história e pela terceira vez que ele disse que o preço estava errado, perguntei: perfeitamente, e qual é o preço certo? Porque não ia entrar em um carro de um sujeito que não conheço, para no final da corrida ele me meter a faca, figurada ou literalmente.

Daí ele recuou e disse que não ia mudar o preço, que já estava certo. Pensei, então por que você está me pentelhando? Mas a partir disso ele não reclamou mais. Na hora de pagar, Luiz havia decidido dar uma arredondada para cima, foi quando descobrimos que a corrida já estava paga e ele foi honesto a ponto de não nos cobrar uma segunda vez. Ou seja, ele não estava querendo nos enganar, foi um mal entendido mesmo. E aprendemos que, ao fazer a reserva de um mini cab, é importante definir o número de malas levadas!

Muito bem, como chegamos tarde, a imobiliária onde estava a chave do nosso apartamento estava fechada. Além do mais, o apartamento estava vazio e não pensávamos em dormir no chão. Reservamos um quarto o mais barato possível, simplesmente para dormirmos enquanto resolvíamos essa questão.

Por isso, fomos a um Easy Hotel (é da Easy Jet). Eles tem um conceito interessante de hotéis simples, baratos e bem localizados. O quarto é mínimo, cabe só a cama e pouco mais e tem um banheiro pequeno. Custa entre $25 e $40 por noite, o que para Londres é uma barganha! É limpo e só para dormir quebra bem o galho.

Pois é, mas lembra que tínhamos 4 malas razoáveis, 1 mala de mão e uma mochila! Imagina como ficamos no quarto? Entulhados!

Pensei, beleza, porque amanhã pela manhã pego a chave do nosso apartamento e quando Luiz chegar do trabalho, levamos essas malas para lá. Podemos só vir aqui para dormir, até comprarmos o sofá cama que entregam no mesmo dia.

Tudo controlado, né?

Só se fôssemos outras pessoas, porque desde quando a gente consegue seguir o plano A até o final?

Na manhã seguinte, estava terminando de me arrumar para buscar a chave do apartamento, toca meu telefone, era Luiz, tenho que ir para Alemanha agora, vou dar uma passada aí no hotel só para pegar uma roupa.

O que vou dizer? Não, você não vai! Se ele tem que ir, tem que ir, ué!

Esperei com aquela cara de nádegas, caraca o que faço eu agora com 5 malas? Nem que eu queira tenho braço para subir a escadaria (claro que não tinha elevador) com tudo sozinha. Nessas horas, odeio ser o sexo “frágil”!

Bom, vamos uma coisa de cada vez. O pior que pode passar é ter que dormir sozinha aqui nesse hotel entulhada outra noite. Fazer o que?

Encontrei com ele que entrou esbaforido no micro quarto, colocou uma camisa e um pijama na mochila e saiu do mesmo jeito.

Saí em seguinda, em direção à imobiliária. Porque até esse momento, tudo parecia ir bem, mas não tinha em mãos nem a chave do apartamento, nem o contrato assinado pelo proprietário. E se não estivesse tudo certo? A simples possibilidade me gelava a espinha.

Encurtando o suspense, estava tudo certo. Peguei a chave, o contrato e fui para minha casa nova. Meu humor voltou a melhorar, gosto do nosso novo apartamento, nada é perfeito, mas acho que podemos ser felizes aqui. Bom, podemos ser felizes em qualquer lugar, mas em uns mais do que em outros.

A questão é que depois de pegar a chave, me parecia ridículo dormir em um quartículo de hotelzinho, quando tinha a minha disposição e já pago todo um apartamento. E melhor, o apartamento estava mais limpo do que esperava!

Quer saber, meu mal é fome! Tudo isso havia acontecido e eu estava ainda em jejum. Porque só ficaria tranquila com a chave na mão.

Fui para um café simpático da vizinhança, o Café Roma, que mais tarde se tornaria meu quartel general de internet, comi com calma, conectei no wi-fi gratuito para clientes e comecei a raciocinar melhor. Aproveitei, escrevi para um amigo português, perguntando se ele não teria um colchão para me emprestar.

Com as idéias mais claras, saí de lá decidida, vou mudar hoje nem que a vaca tussa!

Voltei ao hotel, minha mala eu aguentava. A mala que tinha roupa de cama, toalha e um edredon era a mais pesada, porque trazia outras coisas também. Então, esvaziei uma mala menor do Luiz, tudo por cima da cama, é lógico, e usei a mala dele para guardar o essencial. Com essas duas malas, eu podia. Peguei um taxi e trouxe para o apartamento.

Montei o edredon no chão, como se fosse um colchão, além do carpete novo que era fofinho. O forro do edredon virou minha coberta. Achei que se me colocasse bem perto da calefação, podia funcionar. Beleza, é aqui mesmo que fico!

Mas no hotel ainda estavam uma máquina fotográfica e jóias. Não me pareceu razoável deixar isso por lá. Voltei com a mala do Luiz vazia, dessa vez de metrô. No quarto, voltei a arrumar a mala dele outra vez. Peguei minha mala de mão, coloquei a máquina fotográfica, as jóias e o vinho mais caro que veio na bagagem, um Vega Sicilia. E novamente, pela terceira vez no dia, vim para o apartamento.

Dizem que faz frio em Londres, mas para ser sincera, com esse para lá e para cá, eu já suava em bicas! De frio, nada!

Fui no comércio local comprar o essencial para sobrevivência, papel higiênico, água, suco de laranja para o café da manhã, pão e requeijão. Vale comentar que, se em Madri o pequeno comércio é controlado pelos chineses, “chinos” como dizemos ali, aqui em Londres me parece que são os árabes ou indianos. Perto da minha casa tem umas quatro lojinhas, todas de árabes. Desconfio que são família, qualquer dia escrevo sobre isso.

Enfim, deixei tudo em casa, tomei meu primeiro banho quentinho e marquei meu território!

Foi engraçado quando fui beber água e não conseguia abrir a garrafa. Sempre peço esse tipo de coisa ao Luiz ou uso um tipo de abridor de potes que temos em casa. Fiquei rindo sozinha, isso Bianca, tão independente, se virando em outro país, fazendo na marra uma mudança improvisada… e incapaz de abrir uma bosta de uma garrafa de água! Ao final, consegui, era uma questão de orgulho, né? (e também de prestar atenção que havia um lacre nada difícil de ser aberto)

Nisso já era noite, não sei exatamente que horas porque aqui escurece bem cedo.

Pensei, já que vou encarar esse chão, melhor me preparar psicológicamente. Fui para o pub da esquina, The Elgin, onde teria wi-fi e álcool!

Apesar de ter passado por altos e baixos no dia, e ainda sem saber que essa oscilação seguiria pela semana, só de pensar que dormiria na minha casinha, me sentia melhor e até bem animada.

Pedi meu vinho, alguns aperitivos e abri meu ipad para ver como andava o mundo.

Nisso, liga meu amigo português que vive por essas bandas, o mesmo que escrevi de manhã, perguntando se tinha um colchão para emprestar. Ele tinha! A única coisa é que estava saindo para a Ópera naquela hora. Sem problemas, para hoje estou tranquila. Mas para o dia seguinte seria ótimo, porque Luiz não ia querer dormir no chão e estava sem vontade de voltar para nosso mini quarto de hotel (verdade que agora menos apertado de malas). Combinamos de almoçar na terça e ele traria o colchão para mim. Fantástico!

Outro amigo ligou, perguntando se precisava de alguma coisa, mas estava com tudo encaminhado. Combinamos de ir ao Ikea na quinta-feira, já com Luiz na cidade. É que ele tem carro e tem nos quebrado o maior galho nesse comecinho de mudança.

Falei com Luiz também, na Alemanha, parecia de melhor humor, talvez porque soubesse que as coisas estavam caminhando tanto aqui, quanto em seu trabalho. Ele jantaria com clientes e me ligaria no fim da noite.

Depois fiquei papagaiando pelas redes sociais e é engraçado como levei algum tempo para cair a ficha que era uma mulher sozinha em um pub, em um novo país. Porque me sentia acompanhada e absolutamente à vontade tomando meu vinho.

Pela terceira ou quarta taça, achei que estava de bom tamanho. Não sei se pelo vinho ou pelo cansaço do dia, me entrava um pouco de sono. Aliás, essa é uma coisa que notei aqui, provavelmente pela luz ou ausência dela, tenho mais sono. Para algumas pessoas, isso pode ser um problema, mas para mim que durmo mal, é bastante bem vindo. Principalmente, naquela noite.

Voltei para casa, encarei o chão, mas honestamente, não era tão ruim. Nem custei muito a cochilar. Pelas tantas, já passava da meia noite, ligou Luiz, tinha acabado seu jantar. Devia estar mortinho, coitado! Mas estava satisfeito com o clima de camaradagem e a empatia que rolou com os novos clientes. Beleza!

Fiquei naquela preguiça até o sono voltar outra vez e pensei: essa noite está bem melhor para o que me preparei!

Para que? Lei de Murphy total! Pelas duas ou três da matina, acordo com um tipo de apito! Hein? Que isso? É aqui dentro? É lá fora?

Se ouvia um apito, parava uns dois minutos e outra vez… apitava, parava uns dois minutos… outra vez! Taquiupariu, eu mereço!

Levantei e saí pela casa procurando, comecei pela cozinha e não achava nada. Quando passo pelo corredor, a porcaria apita sobre minha cabeça! Era o alarme de incêndio, um tipo de detector de fumaça que havia enlouquecido! Não soava tão alto nem continuamente, parecia estar com a bateria fraca, sei lá! Só sei que era torturante e ficou impossível dormir.

Por que não tentei desarmá-lo? Porque o infeliz ficava sobre um pé direito altíssimo e lembra que não tinha nenhum móvel em casa? Pois é… Depois de pensar um pouco até lembrei que poderia usar um pedaço de um cabideiro solto no armário embutido. A questão é que não tinha certeza que se apertasse um tal botão vermelho aquela porcaria se desarmaria ou desataria a apitar mais forte. Daí não só eu não dormiria, como sacanearia toda a vizinhança! Ou seja, bela maneira de fazer amizades no novo edifício, né?

Optei por entubar e escutei aquela bosta a noite inteira. Liguei o ipad com música no meu ouvido. Amenizava o ruído, mas também não me deixava dormir.

Quando deu um horário razoável, levantei para me arrumar e esperar meu amigo português.

Juro por qualquer coisa, na hora que resolvi levantar e passei no corredor para entender como devia funcionar a merda do alarme, acredita que ele parou de soar?

Eu devo ter tacado pedra na cruz!

Liga meu amigo português, avisando que não sabia, mas o marido havia emprestado o colchão para a irmã. Ui, e agora? Nada, sem problemas, ele podia buscar mais tarde, assim que a irmã voltasse do trabalho. Almoçamos assim mesmo? Claro!

Assim, recebi minha primeira visita! Mal ele entrou, a porta tocou novamente. Era o zelador do edifício. Simpático e doido para conversar. Feliz da vida que a obra no meu apartamento havia acabado, afinal, significava menos sujeira para ele limpar no corredor. Me mostrou o contador de luz, para que eu não precisasse pagar uma energia que não havia consumido e me avisou que, se eu quisesse, era só deixar o lixo pela manhã até as 10h, ao lado da porta, que ele recolhia. Nem acreditei! Achei que tivesse entendido errado! Sorte meu amigo estar comigo e confirmar, não foi isso mesmo, pode deixar o lixo fora que ele leva! Notícia que me fez cair de amores por estar morando aqui!

Quando comecei a mostrar o apartamento, adivinha o que começou a apitar? Ah, danado, mas agora é dia e estou acompanhada! Peguei o pedaço de pau do armário e escalei uma janela que ficava em frente, afinal, agora podia me apoiar no amigo visitante. Mas não parou. Acho que não apertei com vontade, mas quer saber, que se dane esse alarme, vamos para a rua e o caos que se encarregue! Agora já sei que se apertar o tal do botão vermelho, não dispara o bicho!

Fomos tomar um lanche e colocar o papo em ordem, era seu dia de folga, assim que estava tranquilo. Devidamente alimentados, me perguntou, quer tomar um vinho? Ele estava fazendo hora para voltar para casa e buscar o tal colchão na casa da cunhada (são vizinhos) que chegaria pelas 18h. Pensei, não vou fazer ele voltar aqui carregando um colchão para mim, também é abuso, né?

Peraí, vamos nos organizar! A única coisa que preciso fazer hoje é deixar minha chave no hotel onde dormimos a primeira noite. Porque a idéia era Luiz passar lá na volta do aeroporto e aproveitar o taxi para trazer o restante das malas para nossa casa. Havia perguntado a ele se queria que estivesse junto, mas ele disse que não precisava, porque chegaria tarde e não tinha certeza da hora.

Então, fazemos assim, passamos no hotel, que era perto, deixo a chave e pego uma das garrafas de vinho que trouxemos. Assim, garanto que tomaremos um vinho excelente e ainda diminuo o peso que Luiz carregará!

Fomos para casa do meu amigo português e ficamos conversando e tomando vinho bom, enquanto a cunhada não chegava. Na hora marcada, fomos até lá, buscamos o colchão inflável, que sim, era um pouco pesado para eu carregar sozinha muito tempo. Daí, como ele tinha que sair e viria na minha direção, pegamos a sacola e o metrô juntos. Mas ele saltava uma estação antes e eu não faria ele vir aqui outra vez. Deixa comigo, me viro, você já me ajudou bastante! O metrô é perto de casa, não terei que andar tanto. Se você diz… mas me manda uma mensagem quando chegar, para eu ficar tranquilo.

Subi a escadaria do metrô parecendo uma sacoleira e a bolsa parecia ficar mais pesada. Quer saber, a elegância que se dane! Mico, mico e meio! Apoiei o sacolão no ombro, no melhor estilo estivadora, e fui equilibrando entre o braço e a cabeça até a portaria. Que glamour é a vida européia!

Montei o colchão, mais confortável do que esperava, porque era alto e ficava como uma cama. Comparado ao edredon fino que havia dormido a noite passada, todo um luxo! Escrevi para meu amigo: sã, salva e com cama para dormir!

O alarme voltou a dar sinal de vida! Dessa vez, apertei o botão vermelho com vontade, acho que o próximo passo seria dar uma cacetada naquela porcaria e jogar longe! Fez um barulho mais forte e, ou adivinhando que seria eliminado ou porque finalmente fiz direito, parou de perturbar.

Luiz acabou chegando mais cedo do que pensava. Fiquei de olho na janela para ajudá-lo a saltar do taxi com o restante das malas. Dessa vez, estava bonzinho e carinhoso, sem as rabujices da semana anterior. Que alívio!

Lá fomos nós para o pub, comer alguma coisa, tomar um vinhozinho e conectar na internet.

Dia seguinte, quinta-feira, havíamos marcado de ir com um amigo ao Ikea, lembra? A única coisa é que havia decidido não comprar o sofá cama e sim um colchão inflável mesmo. Ainda precisaríamos de uma mesinha para computador, duas cadeiras baratas dobráveis e alguns cabides para quebrar um galho antes da mudança chegar. Mas isso seria só no fim da tarde.

Fui para o Café conectar e vi fotos de um evento gastronômico em Madri. Aconteceu exatamente na semana que me mudei para cá e, se não houvesse sido assim, teria a chance de participar. Indiquei gente que participou. Fiquei feliz por eles, mas triste por haver perdido a oportunidade. Essa sensação que conheço bem de morrer na praia, de quando começo a me estruturar para algo, simplesmente me vou. Meu humor não estava dos melhores.

Durante o dia, fiquei resolvendo coisas de casa, limpeza, compras básicas… Tento abrir as janelas, nada! Tento abrir a porta dos fundos, nada! Tudo grudado! Até que resolvi lavar a roupa, aqui temos máquina de lavar e secar. Geralmente, não gosto tanto de máquina de secar, mas em Londres, muito húmido, é bastante útil.

Ligo a máquina de lavar e cadê que sai água? Achei uma válvula que parecia a entrada de água, mas não consegui virar a chave para confirmar.

Caraca, mas vai ser assim todos os dias? Fico esperando qual vai ser a encrenca de hoje? Que saco! O que estou fazendo aqui? Tudo outra vez… foi apenas um momento, mas me senti só, cansada e um pouco triste.

Liga Luiz que está chegando e nosso amigo chegando também. Terminei de me arrumar e sentei na bancada da janela, afinal não tínhamos cadeira, para esperar.

Luiz entra em casa com um novo colchão inflável, começa a trocar de roupa rápido. Avisei que o problema do dia era a máquina de lavar roupa que não tem água. Ele não dá muita atenção e pergunta se é só isso. Não, não é só isso, as janelas não abrem, a porta dos fundos não abre, o radiador vaza quando fecha, a máquina de lavar não lava, a mudança não dá sinal de vida… quer a lista?

Ele respondeu que são coisas normais que iam acontecer. Voltei a sentar na bancada da janela calada e apenas pensei, normal para você que passa o dia na rua e chega à noite achando que os pepinos se resolvem sozinhos. Por acaso quando você chega preocupado eu digo que não há motivo porque seu trabalho é besteira?

Veio ele me perguntar, mas você já está puta com o apartamento? Acho que não era intencional, mas o tom era de cobrança e eu já havia chegado ao meu limite de paciência! O que ele esperava, que ficasse pulando de alegria feito uma maluca em volta dele? Casou com a Pollyana? Estourei e já com vontade de chorar. O que você quer que eu faça? Onde você quer que eu sente? Onde você quer que eu espere? Não tem uma merda de um móvel nessa casa, só posso ficar aqui! Não me enche! Me deixa em paz!

Ele me olhou com expressão arregalada de interrogação masculina, aquela do “Ih, apertei o botão errado!”. Me abraçou, pediu desculpas e disse que não queria brigar. Sábia decisão de homem casado. Também não estava afim de brigar, só queria um pouco de sossego.

Chegou nosso amigo, da carona ao Ikea. Amenizou um pouco o clima e começamos a mostrar o apartamento. Chegamos onde ficam as máquinas de lavar e mostrei ao Luiz onde achei que era a válvula que não consegui abrir. Claro que ele conseguiu! Já fiquei mais feliz e, consequentemente, ele também.

Bem em frente, fica à porta dos fundos que não abria. Na verdade, não é uma porta de saída, mas dá para uma pequena bancada externa, onde posso guardar algumas tranqueiras que não me caibam.

Os dois machos se interessaram pelo tema, principalmente Luiz, que só faltou quebrar o ombro, mas finalmente, conseguiu arrombar a tal porta, grudada pela tinta e sabe-se lá mais o que! A sensação que tive era que ele seria capaz de se rasgar todo mas ia abrir a tal da porta, em plano herói da mocinha em perigo!

Quer saber, achei lindo! As feministas que me perdoem, mas amo ter homem em casa! Principalmente, um que tem força para abrir coisas e se alegra em me exibir seus dotes!

Com o humor bastante melhor, saímos todos em direção ao Ikea. Compramos o que precisava, deixamos em casa e fomos ao pub jantar juntos.

Nosso amigo estava um pouco na dúvida, porque não queria jantar sem beber, nem beber e dirigir depois. Olha, Luiz acabou de trazer um outro colchão inflável para casa, só não temos roupa de cama. Ele pareceu pouco se importar, na verdade, pareceu nem se importar de dormir no chão mesmo, desde que estivesse liberado para aproveitar o jantar tranquilo.

Pelas 23h, voltamos para casa. Para mim, parecia ser no meio da madrugada!

Lá fomos nós encher o segundo colchão inflável. Pequeno detalhe, descobrimos que a bomba enchedora levava 24h para carregar! Ups! Mas… poderia ser inflado desde o isqueiro de um automóvel. Hein? Mas isso não faz o menor sentido! Pensamos nosso amigo e eu.

Bom, mas Luiz insistiu que era o que estava escrito. Então, se não há outra alternativa, vamos ao próximo mico!

Fomos para o meio da rua, com o colchão na cabeça, porque claro que não queria que ele tocasse no chão, e ligamos o tal motorzinho no carro do nosso amigo. Não é que funcionou? Fora o vexame de inflar e carregar um colchão pela rua à noite, deu tudo certo! Tiramos até foto!

E nessa noite, sem móveis na casa, além de dois colchões infláveis, um deles emprestado, tivemos nosso primeiro hóspede!

No sábado, menos de uma semana que morávamos na cidade, mais uma estreia. Um casal de amigos de Madri visitava a cidade e combinamos de nos encontrar. Foi legal e um pouco surrealista, como um deslocamento de tempo e espaço. E bom também para me lembrar que o mundo segue pequeno e as distâncias podem ser menores se nos empenhamos.

E nessa noite, tivemos nossa primeira visita internacional!

Faltou contar mais um detalhe das encrencas de começar na casa nova. Havia no apartamento algumas tranqueiras velhas, panelas, multiprocessador, cafeteira… muito sujos e tenho tudo dobrado, além de poucos armários e falta de espaço. Ou seja, já havia pedido duas vezes que fosse retirado. Na segunda vez, a corretora me indicou que guardasse em uma caixa de plástico no balcão de fora da cozinha. Ou seja, guardar lixo em casa em um espaço útil para mim. Hã-ham… pode deixar comigo!

Já havia separado tudo para jogar fora, quando recebemos um inventário detalhadíssimo sobre o que constava no imóvel, e incluía as velharias. Sendo que afirmava que não haviam sido testadas. Ah, é? Esse é o sistema? Então, jogamos com o sistema.

Passei ítem por ítem do inventário, fazendo observações tão detalhadas quanto. Mesmo o que estava disposta a conviver, deixei bastante claro que existia e que estava fazendo uma concessão.

Em respeito às janelas que não abriam, escrevi que me preocupava por não ser seguro nem saudável. O que em outras palavras é o mesmo de dizer que se houver algum acidente (isola), eles seriam responsabilizados. Americanos e ingleses tem um medo que se pelam disso!

No caso das velharias, não disse mais que não queria, disse que não estavam adequadas ao uso e se quisessem, poderiam checar, levar eles mesmos ou poderia gentilmente jogar no lixo. Como constava em inventário, se disse que não estava adequado ao uso, eles teriam que repor por iguais objetos em boas condições e claro que não estavam afim de comprar e investir em algo que eu nem precisava. Portanto, dessa vez não houve nenhum problema que eu me disfizesse do assunto.

Se foi pela metodologia utilizada ou por simples boa vontade do proprietário, nunca vou saber, mas sei que resolveu.

E vamos ao próximo mico, que é o último que contarei nessa tacada!

Acordo pela manhã, estou tomando meu café e toca o interfone. O interfone aqui faz um esporro impossível de ser ignorado!

Se identificou um rapazinho para medir o gás e luz. Abri a portaria, achando que seria do lado de fora, mas ele tocou na minha porta.

Vou eu atender, mas lembra que tinha acabado de acordar, né? Pois é, estava ainda meio descabelada e com pijama de vaquinha! E assim abri, tentando inutilmente me esconder um pouco atrás da porta.

Ele me diz que o medidor de luz era do lado de fora, mas que não estava achando o medidor de gás. Não seria na minha cozinha?

E eu, olha, acabei de mudar, não tenho idéia, mas espera que vou dar uma olhada. Fui na cozinha e não achei nada!

Voltei com o tal inventário que tinha uma foto do aparelho de gás. Falei para o indivíduo que não havia encontrado o medidor, mas tinha aquela foto. Ele olhou o valor, perguntou se eu usava muito o gás, quanto tempo havia mudado… acho que estava tentando calcular mais ou menos quanto poderia ser.

Mas ao mesmo tempo, como boa brazuca, poderia estar meio desconfiada de um estranho batendo à minha porta, dizendo que era leitor de energia e fazendo perguntas sobre nossos hábitos. Ele estava uniformizado, tinha um aparelho leitor na mão… enfim, parecia sério.

Pedi desculpas, disse que ia me informar, mas não poderia fazer muito mais. Ele foi educado e disse que tudo bem e iria verificar o contador de luz, do qual tinha a chave.

No que entro e com a imagem da foto que mostrei na memória, lembrei de uma caixa no banheiro que poderia ser, fui verificar e era!

Saio eu, com meu modelito bovino quitapasiones, atrás do indíviduo: achei! Bom, não dava mais para me esconder na porta, porque ele precisava entrar em casa.

Ele marcou o que constava no leitor de gás e se retirou rápido.

Pensei, beleza, se era um funcionário oficial, sua meta está cumprida. Se era algum ladrão, deve ter saído com a seguinte informação: cara, vamos assaltar outra casa, essa é esquisitíssima! Não tem móveis e a dona é uma louca que não sabe onde é nada e, ainda por cima, se veste de vaca!

O primeiro fim de semana foi inacreditavelmente de sol! Não um solaço, um solzinho tímido, mas suficiente para alegrar um pouco o espírito. Assim que começo a semana mais otimista e animada.

Um pepino aqui, um mico ali, mas vamos levando. Começos são complicados, mas também há sempre um lado instigante. E é inegável que há coisas bacanas.

O que tenho gostado mais é da diversidade de gente e sotaques pela rua. Quando a diferença é o padrão, com um mínimo de boa vontade, todos podem fazer parte. Não me sinto estrangeira quando falo, pelo menos por enquanto. Não me incomoda não falar perfeitamente, desde que me comunique. Não há nada em minha aparência capaz de chamar atenção, a não ser que eu mesma provoque. E toda essa mistura me faz sentir bem e com a confiança de que uma hora, o que quer que seja, vai dar certo.

17 comentários em “Mudança, micos e afins”

  1. hahahah aqui acompanhando as suas aventuras.. faltou fotinhos amiga elfa..
    sorte e um feliz caminho nessa nova etapa! bjao
    amiga elfa fer e elfinha naruê!

  2. Mudança é sempre complicado. Mas uma vez passado o tumulto normal de início, logo que chegam nossos móveis, a gente vai se adaptando à nova casa, novo lugar, nova rotina e tudo entra “nos eixos” 🙂
    Bom, vc sabe disso perfeitamente, né?! É expert no assunto …rs
    Estou adorando acompanhar as crônicas made in London 🙂
    Bjinhos!

  3. Muito bom ler as crônicas britânicas…Será que você poderia colocar fotos do apto? Estou curiosa pra ver o “pé direito” alto, adoro casas assim. Um bj pra vc e Luiz.

  4. Oi, gente! Coloco fotos sim! É que ainda estou com internet improvisada, postando do café da esquina! rsrsrsrs… Deixa chegar uma internet decente e meu computador que já dou uma atualizada nisso! Beijão

  5. OI, Bianca acabei de ler, adorei. Realmente tambem fiquei curiosa para ver fotos. Beijos e sejam felizes Tia Anna

  6. Sou uma velha leitora silenciosa das suas crônicas. Você é uma escritora de talento – e talvez nem o saiba. Se reunir os melhores textos, terá um livro de qualidade excepcional. Parabéns!

  7. 🙂 Welcome again Bianca! Ai, mas eu ri tanto na parte “estilo estivadora” e se o funcionário fosse um ladra com a história do pijama 🙂 Mas a parte legal foi saber que ” despues de la tormenta cuando menos piensas sale el sol”. Ah! Sobre a confusão de sentimentos, passou comigo também, afinal foram 5 anos em Madrid. Nas vezes que eu ia de Londres pra lá eu voltava bem, mas na vez que a minha mudança foi definitiva pra London e já casada, no caminho do aeroporto pra casa pensei Adios Madrid 😦 Foi como um flash back de emoções, foi lá que me descobri, que cresci, mesmo tendo saído de casa tarde 🙂 mas foi quando sai do meu pais pra descobrir novas direções. Foi Madrid que deu bienvenida, então deve ter sido por isso tudo que me fez sentir a confusão de sentimentos também . Fica bem xxx

  8. Bianca vou repetir uma frase tua que sempre gostei 🙂 “pergunta se macaco quer banana” Respondendo a tua pergunta sobre o carnaval no Guanabara 😉 Eu perguntei para o Mr. Frost agora mesmo e ele topou !! Me envia um email com detalhes dia hora pra gente combinar direitinho ok? xxx Ah! Depois de 3 anos como leitora , virei blogueira também 😉

  9. Bem historias de voces!!!!!!! Dei muita risada sozinha, Biancosa!!!!! Nao estou rindo DE voces, estou rindo COM voces, lembrando minhas mudancas por esse mundao a fora tambem!!!! Acho tudo isso otimo, sao assuntos para seerem divididos em get together :):):) Enfim, CHEERS!!!!!! beijos mil

  10. Olguita, diria que são assuntos para serem divididos em um pub em Londres, em breve… rsrsrsr… Te esperando 😉 Beijo

  11. Oi Bi!!!Estou super atrasada nas crônicas e vou demorar um pouco pra colocar em dia! rsrs Me diverti com suas primeiras aventuras e seu pijama de vaquinha! kkkkkk Bjs

  12. Nossa kkkk…. perdi a noção do tempo aqui kkkkk…. não era nem 23Hrs que eu achei teu Blog e to saindo agora quase 2 hrs da manhã kkk… Parabéns você escreve muito bem…
    Um dia quem sabe néh eu num vo ai em Londres…..
    Até mais espero volta aqui assim que acordar

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