Como andei dizendo em textos passados, bem no olho do furacão da mudança, decidi fazer uma festa.
Primeiro porque amo Ano Novo, é minha celebração favorita. Depois, porque acho que devíamos aos amigos um fechamento de ciclo recíproco e à altura. Nunca pretendi dizer adeus a ninguém, mas certamente a nossa vida muda e a deles também. Precisava desse ritual de passagem.
Assim que, apesar do momento ser um pouco estranho, acreditei que ia dar certo e planejei a festa como qualquer outra. O único detalhe é que nossa passagem para Londres estava marcada no dia 2 de janeiro. Por isso, teríamos apenas o dia primeiro para curar a ressaca, arrumar o apartamento e as malas. Um pouco cansativo, mas acho que valeu à pena.
Foi legal, a casa não estava lotada, muita gente viajou e Las Rozas não é o lugar mais fácil do mundo para transporte. Havia uma ordem de grandeza de pouco menos de 40 pessoas queridas, o que garantiu a animação.
Achei que podia rolar uma certa choradeira ou algum mico da minha parte, mas isso não aconteceu (ou não lembro!). Bebi, falei minhas besteiras, mas não exagerei nem fiquei deprimida. Aproveitei, curti e admito que bateu algo de nostalgia. No fundo, sabia que minha ficha ainda levaria um tempo para cair.
Celebramos, comemos, bebemos, cantamos, tocamos, soltamos fogos de artifício, brincamos… e quando me dei conta, já era quase de manhã. Acabei cansada e feliz.
A única perda foi que no fim da festa percebi que um dos meus brincos havia caído. Ainda que não seja muito apegada às coisas, adoro esses brincos. São feitos com peças de leques antigos de madrepérola, no passado os pais presenteavam as filhas quando se casavam. Uma prima do Luiz, que é designer de joias, comprou um lote desses leques e desenvolveu peças exclusivas. Ele quem me deu de presente. Mas enfim, um deles caiu e fiquei meio triste, com alguma esperança de encontrá-lo no dia seguinte.
Conto essa história porque é meio bobinha, mas com um fim inacreditável. Na manhã seguinte, Luiz quebrou meu galho e foi limpar a casa. Nisso, achou metade desse brinco, ou seja, ele se rompeu. Guardei apenas por uma questão afetiva, porque a probabilidade de achar a segunda metade era mínima. Ainda assim, busquei pela casa toda e nada.
Muito bem, viajamos para Londres e já contarei esse pedaço em outro momento. O que importa é que umas duas semanas depois estava de volta em casa, arrumando a mudança.
O tempo em Madri anda horroroso, ventando bastante. Por isso, um regador de plástico que tenho saiu passeando pelo corredor da varanda. Fiquei com preguiça de ir fora buscá-lo e ignorei o barulho chato que fazia às vezes.
Estava tratando de deixar o apartamento direito antes de entregá-lo. Tem coisas que não são minha obrigação, mas se posso colaborar, não me custa. Então, comecei a tapar todos os buracos de pregos que havia deixado pela casa, para o próximo inquilino encontrar tudo lisinho e ajeitar a seu gosto.
Em função disso, precisei buscar umas tintas que guardei do lado de fora, na varanda. E já que precisava sair mesmo, resolvi buscar o tal regador passeante, que inclusive já tinha rolado para mais longe.
Quando abaixo para pegar o regador, bem ao lado, no meio de umas pedrinhas, o que encontro?
Sim, a outra metade do meu brinco! Não acreditei! Provavelmente, caiu quando fomos ver os fogos de artifício que Luiz soltou no réveillon. Porque e como metade estava do lado de dentro e o resto do lado de fora, não tenho ideia!
Gostei de pensar que gentileza gera gentileza, mesmo quando a gente não imagine de onde venha. Se não tivesse me preocupado em deixar o apartamento melhor para o próximo morador, não teria buscado as tintas na varanda, não teria esperado o regador rolar até exatamente esse lugar, nem ido buscá-lo no justo momento que se encontrava ao lado do que procurei tanto.
Por causa dessa bobagem, me senti novamente protegida e tomei como um sinal de como devo me comportar esse ano. Quero ser mais gentil e acreditar nas pessoas. Por piegas que pareça.
Há alguns meses atrás, disse a mim mesma e aos meus amigos que a temporada de festas em casa havia se encerrado. Foi quando fui roubada embaixo do meu próprio teto por gente conhecida. Isso dói, porque faz você perder a crença nas pessoas e me deixou como mensageira da desconfiança alheia, o que é bastante feio.
Com o tempo, a poeira baixou e cheguei a conclusão que a culpa não era minha por confiar e sim de quem não soube merecer essa confiança. E além do mais, seria muito injusto fazer gente querida e bacana se sentir mal por causa de um único idiota, seja quem for.
Quando surgiu o convite para mudar de Madri, refleti e voltei atrás na decisão de não receber as pessoas em casa. Não seria justo com ninguém. Sou o que sou, gosto de gente. E não me arrependi em abrir as portas novamente, porque assim é como deve ser, aqui ou em qualquer lugar.
Alguns dias depois, jantando e conversando com Luiz em Londres, ele me falava que ainda estava entendendo como funciona o preconceito no país. No sentido de se proteger ou de saber navegar nesse próximo mundo. Parei mais ou menos três segundos para pensar a respeito e simplesmente desisti. Quer saber, não me interessa! Ignorance is bliss (a ignorância é uma alegria).
Honestamente, não quero saber se terão ou não preconceito em relação a mim. Esse problema, por contraditório que pareça, não é meu, é de quem o levar. Continuarei tentando seguir meus princípios, me esforçando para ser gentil e dando um voto de confiança aos demais. Exatamente, o mesmo que quero que me concedam.
Posso estar mais atenta? Posso. Devo. Até por não querer ofender nem incomodar ninguém. Mas não quero me proteger de gente nem da vida.
Por tudo isso, assim comecei 2013, novo ano de portas e coração abertos.
Em algum momento, é bem provável que vá me machucar, tudo tem seu preço. Também posso machucar alguém, porque erro. Não sou santa e não tenho o privilégio de estar imune, mas realmente acredito que a couraça da gentileza e o acaso me protegerão. E que assim seja!
Bom dia Bianca! Nao peguei a pratica ainda nesse teclado ingles, risos, entao faltara acentuacao. Eu desde pequena ouvia minha mae dizer algo como… Circulo da vida, o bem circula e retorna pra ti. No meu ponto de vista a nossa essencia e que vale e nao merece ser alterada devido a terceiros sem a mesma essencia. Ui, cordei filosofando risos Sobre preconceito… em qual sentido o Luis se referia, desculpa a pergunta. Digo por ter opiniao diferente, por exmplo dos paises que conheci, capitais, Londres e a minha linda, acho que por ser tao cosmopolita e multiracial ela naturalmente faz com que os de fora dela se sintam bem vindos. Minha impressao nao ta baseada nos primeiros meses aqui, mas sim das vezes, viagens passadas que estive aqui risos veremos daqui pra frente, mas sinto que nao. Preconceito claro vi em Madrid com equatorianos etc… cada qual no seu canto, a forma de tratamento dado pelos espanhois com relacao a certas nacionalidades. Aqui em Londres amizade entre ingleses e outra nacionalidade achei bem comum. Bom, cada caso e um caso. Com certeza com a energia e essencia de voces London recebera voces com os bracos abertos, mas sem o Cristo Redentor risos e sim com o Big Ben! xxx
Bom dia, próxima vizinha! 😉 Quem diria que, em breve, nos conheceríamos em outro país… rsrsrsrs… A questão do preconceito surgiu porque estávamos conversando sobre como seria o comportamento em Londres. A gente gosta de entender os hábitos e afins de onde moramos, facilita bastante o processo de comunicação. Ele, como estrangeiro no mundo empresarial, sempre sofre algum tipo de pressão inicial nesse sentido, logo se adapta. Achamos que Londres é misturada e cosmopolita, o que facilita bastante nossa adaptação. Mas acho que ele não quer se iludir que vai ser fácil, quer se preparar. Até porque, ainda que indiretamente, presenceamos muito preconceito aqui na Espanha. Da minha parte, sempre quis me preparar um pouco também, mas dessa vez, acho que mudei, não quero ficar levantando expectativas, acho que a gente encontra o que busca. Enfim, já falaremos sobre isso pessoalmente, né? Beijo