Não sou Poliana

De modo geral, me considero uma pessoa otimista, não adianta muito ficar me lametando. Mas também não sei viver no mundo de Poliana e ficar agradecendo a cada problema, porque tem gente que está muito pior. Quem estiver pior, sinto muito, mas hoje estou de saco cheio.

Meu pai já leva duas semanas no hospital, estou longe de casa, sem previsão de voltar. E de cara também sei que quando voltar, na melhor das hipóteses, será sem tudo estar resolvido. Não tenho a menor ambição de assumir um papel heróico, minha vontade real é de ir embora e que alguém tomasse conta de tudo e me dissesse que está tudo bem.

Deve ser pior não ter pai, deve ser pior não ter condições para se tratar, deve ser pior ficar longe… mas nesse momento, isso não me consola em absolutamente nada. Alguém acha que não me lembro disso? Que não havia pensado nessas possibilidades? Isso não ajuda, não resolve nada pensar que poderia ser pior.

Mesmo antes desse quiprocó todo acontecer, me peguei algumas vezes na rua olhando para senhores idosos de aparência independente e pensei, por que meu pai não está assim? É egoísmo mesmo, faria minha vida mais fácil e mais feliz. Em algum momento também chegará minha vez.

Hoje é a apresentação do coral, deve começar em no máximo duas horas, em Madri. E eu aqui no quarto do hospital, vigiando um pouco de sono e a falta de simancol alheia. É impressionante a capacidade que as pessoas tem de se tornarem estúpidas e começarem a fazer perguntas e comentários idiotas por não saberem o que dizer. Não fazem por mal, mas vou perdendo a paciência.

Em quartos de hospital a gente entende literalmente a expressão “ver o tempo passar”. Mesmo quando a gente não tem nada para fazer, fica com a sensação de ter os dias roubados. Os dias em Madri, nessa época, são bonitos e longos, estão bonitos aqui também.

Não está tudo tão mal, temos progressos diários, mas essa indefinição de tempo de espera para cada etapa vai minando a resistência. Ele não sabe quanto tempo precisará ficar amarrado na cama, minha mãe não sabe quanto tempo levará até poder acordar em hora de gente, eu não sei quando dormirei na minha casa outra vez. É uma merda, com todas as letras.

Meus planos de maternidade foram para as cucuias de vez, já era. Não adianta ficar dando murro em ponta de faca. Essa vida não é para mim. Os simbólicos 40 anos não serão tão diferentes assim e em algum momento vou achar alguma vantagem nisso.

Pronto, escrevi, agora o problema não é mais meu, é da tela do computador.

Daqui a pouco devem começar a chegar as visitas, sempre anima um pouco. E lá vou eu repetir tudo outra vez, assim também vou me convencendo. Sim, está tudo bem, agora ele aguarda a cicatrização da bexiga, de onde foi retirado todo o tumor. O resultado oficial da biopsia sai pela próxima segunda-feira. Independente desse resultado, o marcapasso definitivo foi pedido e acreditamos que o plano de saúde deva aprovar até o meio da semana que vem. Com o marcapasso definitivo, tudo melhora, porque ele é liberado da cama e provavelmente receberá a alta do hospital em seguida. E aí, vamos ver como seguimos o tratamento da bexiga, mas só de não estar internado já ajudaria muito.

O aniversário da minha mãe é no meio de junho. Ela nasceu dia 16, mas foi registrada em 18, ou seja, acabamos comemorando os dois dias. Enfim, seria um presentão poder comemorar em casa.

7 comentários em “Não sou Poliana”

  1. Também já tive estes sentimentos egoístas que você descreveu tão bem, e não se pode lutar contra eles. E também já descobri que este lance de ser mãe não é para mim! Espero que teu desejo de passar o niver da tua mãe fora do hospital se realize …
    Beijos

  2. Oi Bi!!

    Pois é… o que eu vou te dizer que você já não saiba? Nada, certamente.

    Porque a verdade é essa mesma que comentaste. É uma merda, é um saco toda essa situação.

    E sim, no hospital as pessoas estão no inferno. Acredito que poucas vezes nos sentimos (cada um de nós, doentes ou acompanhantes) tão impotentes, não é mesmo? Mas justamente aí que muita coisa faz sentido. Bem, esse papo seria para algumas horas…

    O que eu queria dizer – e que sei que já sabes também – é que nós somos as senhoras das nossas decisões. Nada mais, nada menos. Você ESCOLHEU estar com teu pai no hospital. Escolheu estar neste inferno. Terias outra saída? Pelo que eu te conheço, provavelmente não. Mas por que estou dizendo isso? Porque apenas nós sabemos o que passamos, ninguém mais. E, ainda assim, é importante lembrarmos que tudo isso foi e é uma escolha. Acho que dá para encarar melhor as coisas assim.

    De qualquer forma, está sendo pior para teu pai, tenha certeza. Sei que às vezes é difícil entender isso no “calor da hora”, até porque enxergamos algumas responsabilidades aqui e ali. Mas quer saber? Independente de responsabilidade ou de fatalidade, teu pai está ali, tentando se manter, e isso é muito mais difícil para ele do que para ti ou qualquer outra pessoa. Bem, mais um zilhão de horas para falar de tudo isso…

    Para tentar resumir o que eu quero dizer é que tens razão em não ser Poliana. Assim como tens razão em querer ir para casa. Mas cada escolha nossa significa abrir mão de algo. Espero que fiques em paz em saber que estás abrindo mão, agora, neste instante, do que era preciso. Porque tua escolha está significando muito, por outro lado – ainda que isso nunca seja dito ou revelado.

    Sei que é um saco ouvir isso, mas força por aí. E que tudo se resolva bem, no mais curto tempo possível.

    Beijos gigantes.

  3. Nao vou dizer nada, somente que estou aqui!

    Cuide um pouco de voce tbem e quando tiver que gritar , grite, quanto tiver que chorar , chore, pq afinal vocÊ também nao pode carregar sozinha ” as dores do mundo”!

    Escolhas….. sempre sao PHODAS !!!!

    Beijos

  4. Oi Bianca

    Estamos aqui fazendo pensamento positivo para que tudo termine bem e rapido.
    Se a gente puder ajudar em qualquer coisa é só pedir.
    Beijos

    Marianne

  5. Ai minha querida….

    Com tudo isso até me estranha que vc nâo tenha tido um ataque antes….bom, talvez tenha tido e só agora desabafou, “botou no papel”, o que ajuda um pouco.

    Beijos gigantes, que vc saiba que tem um monte de gente aqui que te adora e esta torcendo pra tudo ficar bem logo, seu pai recuperado, sua familia em paz e vc….leve. E te encheremos de mimos.

    Ficou um buraquinho ontem ao lado das Lavadeiras. Um buraquinho que é seu e que ta la te esperando tranquilamente….

    Beijos enormes.

  6. Força Bi!
    Você é importante agora nesse papel.
    Aqui te esperamos quando chegar a tua hora de voltar!
    beijos

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