As bolhas secaram, ainda tenho duas bolas vermelhas atrás dos calcanhares, não sei se ficará com cicatriz, acho que não, mas também não me importa muito. Na verdade, a pele até parece mais grossa e assim espero que fique. As mocinhas querendo pés de Cinderela e eu doida para deixar o meu cascudo! Bom, não precisamos exagerar, mas bem que queria que eles ficassem mais resistentes.
Havia bem uns dez dias ou mais que não calçava minhas botas de trekking e na minha memória distorcida pela dor, elas se tornaram duras, desconfortáveis, verdadeiros instrumentos de tortura. Luiz e outro amigo dizendo que deveria trocá-las. Eu me sentindo como quando a gente briga com um irmão, estamos aborrecidos e falando horrores dele, mais que ninguém concorde conosco que a casa cai.
Pela primeira vez, depois que voltamos da caminhada, tirei elas do armário e as examinei. Não pareciam assim tão duras e por dentro tinham o formato dos meus pés, podia ler meus dedos em braile. Quantos quilômetros e quanta bosta de vaca já pisamos juntas! Esses momentos nos unem, e não é que sentia um certo carinho pelas minhas botas?
E aí, fazemos as pazes? Eu olhei para ela, ela olhou para mim… vamos tentar. Calcei-as devagar e ainda encaixavam como uma luva. Não senti dor. Já levantei diferente, o mesmo efeito de menino quando veste fantasia de super-herói. Beleza!
Ontem foi dia de coral, e o local do ensaio fica a uns 5 km da minha casa. Meu plano malévolo: vou a pé para ver o que acontece.
Fiz um curativo com um compeed gigante, não custa prevenir. No início, caminhei devagar, meio que testando os limites. Não doeu nada e voltei a me sentir à vontade com minhas amigas de couro resistente. Ganhei confiança e velocidade. Em uma hora chegava ao meu destino. Feliz da vida!
A temperatura também melhorou, o que me deixou na maior dúvida em voltar ao Caminho agora. Racionalmente, sei que devo deixar para a primavera. Não só pela temperatura, meus pés estão bons em 5 km, mas não sei se em 25 km diários eles responderiam da mesma maneira. Mais prudente esperar cicatrizar de vez.
Tudo bem, como se diz por aqui, “poquito a poco”. De qualquer forma, foi muito legal ainda poder sentir tanto prazer em um ato tão simples que é andar em bom ritmo.
Durante o caminho, no fim do dia as dores musculares sempre me remetiam à velhice. Pensava que quando a gente fica bem idoso, deve ser assim, os movimentos mais básicos são lentos e pensados. Não há volta, as pessoas precisam se acostumar a conviver com essas limitações. Outro dia estava lendo um blog de uma senhora de 95 anos, até ficou conhecida por ser a blogueira mais velha da rede. Em um trecho ela diz algo como, quando você é jovem e fica gripada, é só uma gripe. Quando tem 95 e pega um resfriado, acha que vai morrer. A espectativa é completamente diferente. Tenho mais paciência com a velocidade de um idoso hoje. E me alegro porque minha limitação foi passageira e porque quando fico gripada, é só uma gripe.