Seguindo com a intensa programação de férias corridas, no sábado fui a um jantar, promovido por um amigo carioca. Fui acompanhada da minha amiga de Brasília, afinal de contas, ela veio de longe para me encontrar, me senti prestigiada.
Esse amigo do jantar, conheci da primeira vez que fiz o Caminho de Santiago e foi muito legal revê-lo. Chegou a ser um pouco engraçado, pois estávamos em um contexto bastante diferente, sem as roupas típicas de peregrino. Além do mais, durante o Caminho, ele às vezes contava sobre sua esposa e seus amigos, naturalmente a gente imagina como são as pessoas, mas finalmente pude colocar rostos nos nomes ouvidos.
Estávamos em um grupo de umas onze pessoas e foi muito divertido. Tem uma coisa que sinto falta, que é esse bom humor carioca, mesmo que as pessoas nem sejam do Rio, mas se contagiam. Os lugares possuem um senso de humor próprio, muito característico, que ao viver em diferentes cidades ou países aprendemos a diferenciar. O humor carioca é irreverente e despojado, há uma maneira irônica e inteligente de contar as situações e de rir de si mesmo e dos outros, porque afinal de contas, é o melhor remédio.
No edifício onde moram meus pais, o porteiro abre a porta do elevador debochado: conexão Rio – Nova York! E minha mãe morre de rir, aponta para ele e me diz: esse é o sem terra! E ele, sou eu mesmo. E essa é aquela minha filha que te falei que não mora aqui… E aos poucos vou descobrindo que os porteiros do Leme conhecem minha vida! A propósito, o jornaleiro já me cumprimenta.
No domingo, encontrei com minha amiga que mora em Madri e está passando seis meses por essas bandas. Conheci também seu namorado. Sentamos em um quiosque em frente a praia para bater papo e atualizar as fofocas. Não tinha dez minutos que sentamos, começaram uns fogos do nosso lado, nada demais. Logo em seguida, me liga meu irmão de casa, fica esperta que está rolando tiroteio no morro. Eu achei que ele tivesse se confundido com os fogos que acabara de ouvir, mas ele insistiu que estava ouvindo os tiros.
Paramos para prestar atenção e era o maior tiroteio que havia começado. E agora? A gente fica aqui ou vai embora? O namorado da minha amiga nem ligou e disse que havia muitos prédios na frente, que o tiroteio era só lá na favela. Bom, essa afirmação não me deixou de todo tranquila, porque na semana anterior os tiros chegaram na areia da praia. Resolvemos subir para a casa dos meus pais e esperar a situação se acalmar.
Pensei, agora sim cheguei ao Rio, como teria a pretenção de passar três semanas e não ouvir nenhum tirinho? As pessoas em volta continuavam a agir com uma certa normalidade, o que não deixa de me chocar. Dizia, não estou mais acostumada com isso, e minha amiga respondia, e não é para se acostumar, isso não é normal!
Isso não é normal! A gente pode se acostumar, as pessoas não podem deixar de viver, de trabalhar, de se divertir, mas em nenhuma hipótese podemos nos convencer de que isso é normal.
Procurei me informar um pouco do que estava acontecendo. Ocorre que há uma disputa de poder nos morros Chapéu Mangueira e Babilônia. Os líderes do tráfico do Pavão-Pavãozinho estão tentando tomar esse poder. Pelo que entendi, a Rocinha está mandando apoio ao Chapéu Mangueira. Os confrontos aumentaram a partir de abril, quando o traficante José Ricardo Ribeiro Rosa, o Cágado, assumiu, com o apoio de traficantes da Rocinha, o tráfico na região.
Isso soa normal para alguém? Eu tô maluca? Existe uma verdadeira estratégia sofisticada de guerra operada por um poder absolutamente marginal e paralelo.
Hoje o dia amanheceu como se nada tivesse acontecido.
Enfim, minha vida também precisava continuar. Na segunda pela manhã, fui fazer a prova do Detran para renovar a carteira de habilitação. Passei! Na quinta-feira pego meu novo documento. Agora é torcer para a convalidação na Espanha evoluir. De qualquer maneira, precisava de alguma carteira na mão.
E assim os dias vão passando, alguns fico feliz por matar a saudade, ouvir minha língua e por me sentir brasileira. É bom ter meus documentos e minha identidade de volta. Outros me bate uma enorme desesperança de não ver por onde os problemas do país possam ser resolvidos. Não vejo um caminho de volta para mim e, ainda que não busque, no fundo gostaria de tê-lo.
Paciência, a violência urbana é muito triste e não sei se saberia viver assim novamente. Mas hoje, prefiro ficar com a proximidade da família, o encontro dos amigos e o delicioso bom humor carioca.
Oi Bi!
Bom te ler. Muito bom te acompanhar, ainda que de longe – e há algum tempo já.
Realmente, ninguém deveria se acostumar ao absurdo, seja ele qual for. Especialmente ao absurdo que tira a liberdade e/ou a vida das pessoas, seja de forma figurada ou literal.
Compartimos do mesmo desejo. De alguns, na verdade. O Brasil realmente tem um longo caminho para ficar melhor, para ter soluções que deixem a sua gente – nós e todos os demais – mais segura e com perspectivas na vida. Pessoalmente, quero fazer parte da solução. Seja como for, levando minha gota de água no bico… E espero, sinceramente, um dia te receber de braços abertos e sorriso no rosto, mais feliz em ver-te retornar com mais esperança no país na alma.
Não sei se é carioca, mas eu adoro o teu humor. E tua sensibilidade. Te cuida muito por aí e aproveita cada minuto com a família e os amigos. Beijos grandes
Bi, eu sinto exatamente a mesma coisa quando estou no Rio. Um medo que antes não tinha por estar “acostumada” e uma tristeza por não ver possibilidade de melhora o que me faz crer que não há como voltar (também gostaria de ter a opção).
Apesar te tudo isso o bom carioca segue dizendo:
“Fazer o que? O que não tem remédio – remediado está”.
Oi Bianca!
Ai, estou atrasadíssima nos seus posts! Não li nenhum do Caminho, e você já está no Rio!
Curta muito a terra brasilis!
Bjs!
Oi filha, estou morrendo de rir lendo seus comentários. Parece que estou vendo sua cara assustada qdo saiu da práia e veio conversar em casa com seus amigos. Desde aquele dia não houve mais tiroteio. Acho que foi para lhe dar Boas Vindas rssss.
bjs
Oi para todas, meio atrasada, porque agora já estou em Madrid! Até minha mãe apareceu aqui!
Besitos