Estou de volta a Madri, cheguei anteontem. Gosto de escrever as coisas logo que acontecem, enquanto estão frescas na cabeça e as emoções e sensações ficam bem à flor da pele. Depois a gente acaba racionalizando e, às vezes, perdendo a espontaneidade. Mas fazer o que? Nas últimas semanas precisei eleger entre experimentar ou escrever e daí é até covardia.
Não gosto de definir nada como o melhor ou o pior, porque fica impossível não cometer alguma injustiça, mas poderia dizer que essa foi uma das minhas melhores viagens ao Brasil. Também acredito que meu olhar estava mais analítico, sem a preocupação de julgar ou comparar, mas simplesmente de tentar entender e crescer com isso.
Sei lá, de uns tempos para cá, talvez depois desse último Caminho, nada me parece tão urgente ou impossível. Não sei por quanto tempo, mas de repente a vida ficou um pouco mais leve.
Já contei a primeira semana da viagem enquanto estava no Rio, agora conto mais um pedaço.
No dia 13 de junho, chegou Luiz bem cedinho. É fácil lembrar porque foi uma sexta-feira 13, coisa que não me importou. Nos primeiros dias, passei na casa dos meus pais. Depois que Luiz chegou, nos mudamos para a casa dos pais dele, assim ficava mais justo e tentávamos agradar a todos.
Acontece que ainda faltava visitar os amigos de São Paulo e esse seria o único fim de semana disponível, já que no seguinte era o aniversário da minha mãe. Portanto, logo no sábado pela manhã, fomos de carro para Sampa.
Chegar pela marginal Tietê foi forte. Voltei a São Paulo outras vezes depois que saímos do Brasil, mas entrar novamente com Luiz por aquele caminho me fez pensar em quando cheguei à cidade, há quase 15 anos, para morar sozinha. Namorava com ele, que foi comigo no primeiro fim de semana para ajudar com a bagagem. Quanta coisa aconteceu nesse período e quanto devemos à cidade mais generosa do mundo! Continuava horrorosa e linda ao mesmo tempo.
Quando souberam que íamos juntos a São Paulo, duas amigas organizaram o maior festão para encontrarmos com toda a “diretoria”. Um DJ foi contratado, cada um contribuiu com alguma coisa e, como sempre, foi uma delícia encontrá-los. Para mim a noite passou em cinco minutos e é difícil descrever o quanto fiquei feliz. Uma sensação ambígua de que somos e não somos os mesmos. Quando nos encontramos, parece que o tempo não passou, parece que foi ontem. E da mesma maneira, ver os filhos crescendo e outros chegando, novas relações se construindo, os cabelos e os empregos mudando… é gostoso ver que, cada qual a sua maneira, foram todos evoluindo. Nos sentimos muito queridos e a recíproca é totalmente verdadeira.
No dia seguinte, fomos tomar um brunch no Empório Santa Maria. Alguns amigos não puderam ir à festa na noite anterior e aconteceu uma coisa engraçada, aos poucos, foram simplesmente aparecendo pelo local, que se tornou nossa sala de visitas. Chegamos e saímos em um grupo de seis pessoas, que inflou e diminuiu algumas vezes ao longo de umas sete horas que passamos no estabelecimento. O dia mudou de temperatura algumas vezes, os garçons alternaram seus turnos e nós continuamos por ali, encontrando os amigos que também se alternavam.
Adoro essa disponibilidade das pessoas de São Paulo. Acho que a quantidade de gente de fora que chega na cidade deixa todo mundo com um pouco de vida de estrangeiro. A distância e o tempo que precisamos percorrer para ver um amigo são absolutamente secundários. Acho engraçado no Rio como parece difícil dirigir até outro bairro e como tudo necessita de uma logística complicada. Hoje em dia, vindo do outro lado do oceano e depois de morar em uma cidade do tamanho de São Paulo, tudo me parece perto e fácil, e se não é, não ligo.
Na segunda-feira, Luiz tinha um almoço agendado que não aconteceu, o que fez mudarmos os planos e pegar a estrada de volta ao Rio mais cedo. Sair da cidade ainda foi mais difícil que entrar, eu tentei, mas não deu para segurar a emoção. Era impossível passar pelos lugares e não ter um milhão de lembranças, foram dez anos morando em São Paulo e justamente quando começamos a construir nossa vida em comum. Por alguns minutos, acho que entendi uma parte do que é envelhecer. Não tive vontade de voltar, porque nunca se volta ao que fomos, mas quis muito ter várias vidas em paralelo e uma delas deixar ali.
“Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João
É que quando eu cheguei por aqui
Eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e Av. São João
Quando eu te encarei frente a frente
Não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto
O que vi de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio
O que não é espelho
E a mente apavora
O que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes
Quando não somos mutantes
E foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso
Do avesso do avesso
Do povo oprimido nas filas
Nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue
E destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe
Apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas
De campos, espaços
Tuas oficinas de florestas
Teus deuses da chuva
Pan Américas de Áfricas utópicas
Do mundo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
Que os novos baianos passeiam
Na tua garoa
E novos baianos te podem curtir
Numa boa”
Caetano Veloso
Oi Bianca e Luiz
Eu tive essa sensação também de ter achado pouco. A noite foi 10 mas um pouco mais não era demais.
Eu gosto muito de morar aqui e acredito que depois de morar em São Paulo a gente se adapta em qualquer outra.
O Luiz parece que mora numa tumba de algum faraó que não deixa que o tempo faça algum estrago qualquer nele, esta ÓTIMO (com todo respeito).
Voce sempre aquela gata! Seus amigos sim mudaram um pouco. Alguns casadinhos, outros quebrados, outros malhado, e os carecas…
Os donos da casa são uns amores, o marido mesmo “danificado” não parava, a esposa dele muito legal e animadíssima. A turma estava ótima, eu adorei, vamos repetir quando???? Já tô com saudades.
Beijos
Marianne
Oi, Marianne!
Dá vontade de repetir mesmo, mas acho que em Sampa só no ano que vem. Agora se você quiser, nesse sábado tem festinha junina aqui em casa… heheheh… dá tempo de pegar um avião!
Também acho que Luiz está ótimo, e no meu caso, sem nenhum respeito! 😛
Foi muito bom encontrar vocês! Ia almoçar com a Anna na segunda, mas furou tudo. Enfim, pelo menos aproveitamos um pouco na festa, né?
Besitos
Confesso que em alguns pontos fiquei pensativo, em outros revoltado com os governantes desse país, devido, por exemplo, ao que diz de São Paulo, sobre estar horroroza e tal….mas enfim, diante de tudo meus olhos se encheram de lágrimas….muitas pessoas que nascem aqui e se vão, tentar a vida em outro país, chega aqui analizando e julgando mesmo, eu detesto isso, dá vontade de partir pra cima! é como se esquecesse de onde veio e o que isso aqui tem ainda a oferecer, creio que essa naçao ainda vai surpreender o mundo!
Oi, Roberto! Espero que sim e que seja o mais rápido possível! Lembro que os governantes, apesar de enormes distorções, são eleitos pelo povo. Todo mundo tem uma parcela de responsabilidade, até quem está de fora. E não se aborreça com quem chega julgando o país, nem sempre é porque se esqueceram suas origens, às vezes é frustração mesmo de não ver as coisas melhorarem. Todo mundo quer ter orgulho do seu próprio país, pode acreditar. E apesar dos pesares, sinceramente concordo que há muito do que se orgulhar do Brasil. Besitos