XXXII – Falando em Burdeus

Temos um casal de amigos franceses que gostamos muito. A forma que nos conhecemos foi curiosa. Acompanhei Luiz a um treinamento na Inglaterra, em uma cidadezinha minúscula há mais de uma hora de Londres. Quando estava quase morrendo de tédio, resolvi gastar os últimos dias em Paris. Nesse curso do Luiz, ele fez um amigo francês e lhe contou que eu estava indo para lá. O amigo, por sua vez, também lhe disse que a esposa estava só em Paris. Eles haviam acabado de se mudar e ela ainda não tinha achado emprego. Daí o Luiz deu meu telefone celular ao seu amigo, que repassou para a esposa dele. 

Eu nunca acreditei que ela iria me ligar, mas ela ligou logo em seguida. Ficamos super amigas e saímos a semana toda. O fato curioso é que Luiz ficou amigo do marido, sem eu nunca vê-lo; e eu fiquei amiga da esposa, sem Luiz conhecê-la. Mantivemos o contato e, quase um ano depois, ficamos hospedados na casa deles por um fim de semana, quando finalmente nos conhecemos os quatro juntos! 

Bom, esse ano, essa minha amiga fez 30 anos e o marido lhe preparou uma festa surpresa. Eles agora moram em uma cidadezinha próxima a Bordeaux. Fomos convidados para festa e ficamos hospedados novamente com eles, em Marmande. 

Foi quando descobrimos que os espanhóis chamavam Bordeaux de Burdeus! 

Marmande é uma gracinha. Pequena e interessante, com algumas construções datadas do ano de 1300. 

Os donos da casa onde foi a festa eram os pais do nosso amigo. Um casal muito gentil e simpático. Nem sempre nos entendíamos no idioma, mas íamos misturando as línguas e apelando para mímicas. Funcionou! Como a temperatura estava agradável, quase todas as refeições foram servidas no jardim. Fazia tempo que não relaxava tanto. 

Aparentemente, na região é comum, quando um filho nasce, os pais comprarem uma caixa de determinado vinho e guardarem para as datas de aniversário importantes. No caso, no dia da festa, tomamos um Bordeaux 30 anos. Fantástico! 

Finalmente, estava preparada para tomá-lo e entendê-lo. A primeira vez que tomei um vinho tão antigo e importante quanto esse, não estava pronta. Foi há alguns anos atrás e meu sogro que ofereceu. Na minha ignorância, acreditava que o vinho deveria ser mais gostoso. Acontece que mais gostoso é chocolate. 

O que faz um vinho assim ser inesquecível é a falta de sabores e aromas comparáveis. Ele é único! Apesar da minha boca salivar em lembrá-lo, acho inútil descrevê-lo. Além do mais, é fundamental você se sentir especial a ponto de alguém achar que você mereça dividí-lo. Ter essa possibilidade junto com Luiz e entre amigos, não tem preço!

XXXIII – Cidadã do Mundo

Hoje no curso de espanhol, um dos temas a serem discutidos foi “esteriótipos de cada nacionalidade”. Além de treinar o idioma, também foi uma forma de conhecer um pouco de cada cultura. Sou a única brasileira de aproximadamente vinte pessoas.

Discutimos em grupos de três, depois cada um apresentou para turma um pouco sobre seu país. Ao final, foi a vez da professora falar da cultura espanhola. Independente do que foi dito, percebi em todos um certo orgulho em expôr seu país de origem e uma facilidade em se encaixar no perfil exposto. Havia uma identidade muito clara em cada um deles. Menos em mim.

Fui a última a falar, mesmo assim, sem querer muito, é porque não tinha jeito. Fiz meu teatrinho e ressaltei as coisas boas. Na hora, achei que estava com um pouco de preguiça, o que justificaria a falta de boa vontade.

Mas não pude notar que, quando a tal professora expunha os pontos positivos na cultura espanhola – coisas que eu concordava absolutamente – me incomodava. Eu concordava com tudo, muitas vezes me ouvi contando os mesmos tópicos; então porque me incomodava tanto ouvir de outra boca? E as outras bocas de outros países também me incomodaram.

No caminho do metrô, não achei graça nas figuras caricatas dos passageiros. Hoje eles me pareciam pobres, meio sujos, antipáticos. Mas eram os mesmo. Eu que não era a mesma.

Hoje eu conheci a inveja e me envergonho disso.

Não posso dizer que nunca invejei ninguém, mas nunca assim. Tenho muitos defeitos, mas esse sentimento não pertence a minha natureza. Eu invejo uma amiga que fez alguma coisa que também queria fazer. Quando a gente diz: Ai, que inveja! A chamada inveja boa. No fundo, estou feliz por ela, mas gostaria de compartilhar a experiência. Eu invejo aquela modelo lindíssima que diz que só come besteira, e quando perguntam porque ela é tão magra, ela responde irritantemente simpática que é seu metabolismo. Ai, que inveja!

Mas hoje não foi essa que eu senti.

Fui chamada muitas vezes, de brincadeira ou não, de cidadã do mundo. Eu gostava disso. Essa sensação de internacionalidade me caía bem. Mas hoje me pareceu que um cidadão do mundo pode ser um cidadão de lugar nenhum. Minha nacionalidade eu sei bem, e ainda me orgulho dela, mas não sei mais qual a minha identidade. Não é de agora, mas só hoje me incomodou.

Eu tive inveja de quem morou a vida toda em uma cidade, de quem mora na mesma rua da família, de quem cresceu com um amigo de infância, de quem lembra da sua cama quando tinha dez anos, de quem tem um lugar dos sonhos para colocar a casa desejada, de quem já construiu essa casa, de quem teve filhos porque parecia natural, de quem não percebeu que a parede precisa de pintura, de quem não precisa explicar qual é a sua profissão, de quem fala uma só língua, de quem tem um sotaque que todos reconhecem e de quem tem um livro favorito. Amanhã não me importará mais, mas hoje, e só hoje, eu me incomodei muito com isso.

Hoje eu aprendi a inveja, estou gris e fiquei com vergonha.

XXXIV – Sai pra lá uruca!

Tenho um limite máximo de três dias para ficar muito triste ou aborrecida. Depois disso, me cansa! Das duas uma, entubo ou tomo uma atitude. Nesse caso (raro), resolvi entubar!

 

Tá bom, posso não ter mais uma identidade muito clara, mas pensando bem, faz parte do brasileiro essa capacidade de se adaptar a novas influências e de mesclar culturas diferentes. Nesse sentido, posso dizer que mantenho alguma identidade, certo? Também se não for, que se dane! Tudo na vida tem um preço, fazer o que?

 

Acho que foi o faxinão que fiz hoje em casa. Aqui não temos empregada. Nada como uma boa faxina para colocar as coisas sob perspectiva, não é mesmo? Parece aquelas frases machistas do tipo “vai lavar um tanque de roupa suja!”. Mas juro que não é esse o espírito da coisa.

 

Falando em faxina, desde que mudei para Atlanta, sou eu que faço a limpeza da casa, com alguma ajuda do Luiz, se possível. A diária de uma faxineira nos EUA, para um apartamento, estava por volta de US$ 80; aqui em Madri, por volta de E$ 40. Obviamente, realizada por imigrantes sul americanas. Lembrando que essa diária é por três horinhas de trabalho e só inclui limpeza. Nem pensar em passar uma roupinha ou limpar um vidrinho!

 

Cheguei a conclusão que não me adiantaria tanto e resolvi cuidar disso eu mesma. Aliás, como a maioria das pessoas faz. Não é só uma questão de dinheiro, é que parece estranho alguém de fora cuidando da sua casa. Entendo isso melhor agora.

 

Por outro lado, as coisas são mais práticas. Além do apartamento ser menor, os produtos são bons e há todo tipo de paninhos de limpeza descartáveis. Aqui não existe ralo, não se pode lavar um banheiro ou uma cozinha porque não há por onde escorrer a água. Se eu jogar um balde de água no chão da cozinha, vaza lá embaixo na cabeça do vizinho! Também não tem tanque. Isso quer dizer que se eu precisar lavar um pano de chão, posso escolher entre a pia do banheiro ou a pia da cozinha! Eca! Nojenta do jeito que eu sou, uso tudo descartável.

 

Lembrei de uma história, uma vez, brincando com esse negócio que eu faço a faxina, escrevi em uma mensagem para amigos dizendo que a faxineira aqui em casa é universitária e dorme com o patrão. Um dos amigos não entendeu e nos achou muito modernos! A minha piada, em si, era até meio sem graça. Mas ter que explicá-la para ele foi hilário!

 

Outro hábito que adquirimos foi o de tirar os sapatos ao entrar em casa, normalmente, pedimos aos hóspedes que também os tire. As visitas, a gente deixa meio opcional, algumas pessoas ficam desconfortáveis e não é nosso objetivo, por isso não insistimos. Mas é que o Jack – e batatinha quando nasce – se esparrama pelo chão, e depois sobe na nossa cama e no sofá branco. A casa fica mais limpa também quando tiramos os sapatos, facilita minha vida. Adoro a casa arrumada, com cheiro bom de incenso. Pronto! Casa limpa, sai pra lá uruca! 

XXXV – O Mariuzin de Madri

No Rio de Janeiro havia uma casa noturna que foi uma das melhores que conheci, o Mariuzin. Ainda existe, mas mudou de lugar e de frequência. O novo não conheço. O antigo lugar devia ter, no máximo, uns 30 m2. Vermelho com espelhos, num estilo cabaret francês. Na porta, uma senhora de seus 70 anos, de vestido de veludo negro e maquiagem carregada recebia as pessoas. Tenho certeza que ela foi a musa inspiradora do Toulouse-Lautrec! O público do lugar era o mais variado e democrático possível: jornalistas, patricinhas, intelectuais, prostitutas, estudantes, executivos… e tudo mais que você possa imaginar. Mas por algum motivo, ao passarem pela porta, eram todos muito civilizados. Nunca vi uma briga, nunca faltou respeito e nunca ouvi uma música ruim! 

Finalmente, achei algo parecido por aqui, chama-se Berlin Cabaret, fica em La Latina. Uma amiga de Barcelona me apresentou o lugar. Tem um jeitão de Mariuzin, só que maior. Também é vermelho com espelhos. Ao longo da noite, são feitas apresentações por travestis ou drag queens. 

No meio da pista de dança tem um pequeno palco redondo móvel da onde surge uma figura cantando, dançando e fazendo piadinhas com as pessoas. A drag de hoje, vestia um vestidinho vermelho curto e meia arrastão. Uma peruca loira estranha e uns olhos incomensuráveis! Alguém lembra no filme Blade Runner, de uma loira com o cabelo espetado que era uma das robôs? Pois é, parecia com ela, em uma versão mais corpulenta e andrógena. Imagina essa figura surgindo no meio do gelo seco imitando a Lisa Minelli! É surreal, concorda? 

As apresentações são curtas e divertidas, e depois volta o som eletrônico. As músicas excelentes! Isso sim é difícil! Até já relaxei e passei a curtir as músicas cafoninhas da cidade, mas não é nada mal ouvir música boa para dançar de vez em quando. Será que é o mesmo DJ do Mariuzin? 

XXXVI – Nossa comunidade

Quero falar das pessoas do meu prédio. Oficialmente, só conheço o porteiro, mas fico prestando atenção em tudo. Não sei se deveria contar isso, pois parece coisa de matilde fofoqueira, mas vá lá. Digamos que observe antropologicamente falando, assim, como se fosse um estudo científico. Vale? 

Acredito que deva começar pelo porteiro, um espanhol mais alto que a média, de seus 45 anos, com a voz bem grossa e rosto sério. A parte engraçada é que não dá para entender chongas do que ele fala! E não sou só eu não, Luiz que fala fluentemente também não entende boa parte. Cheguei a conclusão que isso é mundial: porteiros falam enrolado e ponto! Nesse sentido, posso dizer que aqui me sinto em casa. Não entendia meu porteiro no Rio nem São Paulo e também não entendo em Madri. Mesmo assim, me arrisco e puxo papo com ele. No início ele ficava meio desconfiado e sem graça, aos poucos vai ficando mais simpático. Com meus pais até conversou. Apesar do que, minha mãe também não entendia nada do que ele falava. Ela sempre descia de escada e nós de elevador, por isso ela descia antes e o porteiro conversava com ela para fazer companhia. Segundo minha mãe, de cinco minutos que ele ficou falando, ela só entendeu a palavra “marido”. Mas na dúvida, ela sorriu e concordou com tudo. Espero que ele estivesse perguntando pelo meu pai e não lhe propondo em casamento! 

É um bom porteiro. Aqui os prédios não tem muitos funcionários. O nosso só tem ele e já é considerado luxo. Fica na portaria na parte da manhã, até às 13:00 horas,  e depois volta de 18:00 às 20:00 horas, quando também aproveita para recolher o lixo. É normal nos prédios os próprios moradores descerem com seu lixo no fim do dia, costuma ter um horário limitado para isso. Aqui, só precisamos por na frente da porta por volta das sete da noite e o porteiro recolhe. De novo, é considerado um luxo. As garrafas e o papelão a gente separa e leva na esquina, onde há containers para lixo reciclável. 

A portaria é só a porta do prédio mesmo. Não tem esse negócio de grades por aqui. Muitas vezes a porta fica aberta sem ninguém. É normal, vejo isso em muitos prédios. 

Meus vizinhos são mayores. O mais novinho tem uns 80 anos! Meu vizinho de andar é o velho-cuco. A porta do apartamento dele é bem de frente para o elevador. Quase todas as vezes que aperto o botão do elevador, ele abre sua porta e põe o rosto para fora, igual a um cuco! Daí falo bom dia, ele responde, vira para trás, finge que alguém o chamou e fecha a porta outra vez. Totalmente pancada! 

Tenho uma vizinha que faz peixe frito todos os dias, literalmente! Outra que não sabe fazer torrada, sempre queima o pão. Poucos fazem carne de boi. Todos cozinham com azeite e muito alho, o que é quase uma regra por aqui. Sei pelos cheiros que sobem na janela. 

Tem outro casal que possui um gato persa branco lindo. Não tenho certeza se é gato ou gata, mas pelo tamanho, acho que é macho. Me dá um pouco de nervoso porque eles deixam a janela aberta sem proteção. Tenho medo de brincar com ele e fazê-lo cair. Mas não resisto a cumprimentá-lo e ele já me conhece. Falo baixinho da minha janela: oi, gato emprestado! E ele me escuta, vira na hora para mim. Eles têm uma audição fenomenal. Tentei mostrar o Jack uma vez, mas o meu gordo deu o maior pulo para trás, não gostou muito da história. O gato emprestado nem ligou ou dissimulou. 

Definitivamente, há um surdo que escuta a TV em alturas absurdas! Sempre tem alguém que reclama na janela, daí ele abaixa. Até o Luiz mesmo já reclamou. Agora, faz um bom tempo que não o tenho escutado mais. Não sei se é porque o frio começou e as janelas estão fechadas, ou se pela idade das pessoas… mór-reu! Credo! Aqui no prédio uma se foi, fiquei com pena, mas não sei quem era. Soube da história porque colocaram um convite para missa em sua memória no elevador. E não é que o elevador começou a pifar sem parar! Parece filme de terror! Eu, hein! Será que temos direito ao nosso próprio fantasma? 

Tem outro surdo (ou será o mesmo) que deixa o despertador tocando horas! Um saco e em horários estapafúrdios. 

Também rola o casal baixaria. Para ser sincera, não sei se é um casal ou mãe e filho. Devem ter aprendido espanhol com meu porteiro, não se entende muito. Eles normalmente escolhem os domingos que tenho hóspedes para dar escândalo. Ultimamente, se quietaram. Vai ver que, também pela chegada do frio, resolveram fazer as pazes. 

Há uma cantora lírica e todos nós escutamos seus exercícios diários. Por sorte, é uma voz bonita e ela não costuma treinar em horários impróprios. Mesmo assim, às vezes, eu e Luiz a copiamos de casa imitando sua voz de ópera. 

Dos outros, não escuto nada. Umas risadas, um cheiro de comida, um barulho de chaves, passos de salto… nada comprometedor. Parecem normais, sempre educados. De um modo geral, aqui é tranquilo. Vamos ver quando eu der a primeira festa! 

Escuto isso tudo, porque os prédios normalmente tem uma área de ventilação interna, onde se estendem as roupas. O som sobe por ali e todo mundo sabe da sua vida. Ainda não me acostumei com esse negócio de estender as roupas do lado de fora. Sei lá, tem coisas meio íntimas, né? Fico constrangida em estender minhas calcinhas assim em público, puxa! Tudo bem que é um pátio interno, mas mesmo assim, da mesma maneira que vejo as coisas dos vizinhos, eles não são cegos! Apesar do que, acho que ninguém liga, só eu. De qualquer forma, comprei um tendedor de armar dentro de casa. Se não tenho visitas, uso o banheiro social como área de serviço e fico mais tranquila. 

Só mais uma fofoquinha. Outro dia, na corda de estender roupa havia um sutiã incomensurável! Parecia um pára-quedas! Sério, era assustador! Preto com estamparia cafonérrima colorida! Se já era difícil acreditar que alguém podia comprar aquela peça, imagina alguém que a utilizava! Visualizar essa cena quase comprometeu minha vida sexual para sempre! Devia ser proibido como atentado violento ao pudor! Será que é da vizinha que frita peixe ou da que faz torrada queimada? 

XXXVII – Luiz perdeu todos os documentos

Meu quarto é muito escuro de manhã. Como se não bastasse minha dificuldade natural em acordar, pois troco a manhã pela noite. Raramente, durmo antes das três e acordo antes das dez. Na prática, depois que passei a trabalhar por conta própria, não faz tanta diferença, simplesmente vivo em outro fuso. 

Mas estava eu naquele soninho bom de manhã cedo, quarto escurinho… e toca o telefone! Se não fosse engano, muito raro de acontecer, só podia ser o Luiz. E a essa hora? Só podia ser encrenca! Pois não deu em outra! Era o Luiz desesperado porque esqueceu sua carteira no taxi com todos os documentos. Se perder sua carteira em seu país já é complicado, perder em outro é multiplicar a encheção de saco por dez!  

Perdeu de uma só vez todos os cartões de crédito (o que era a parte mais fácil), sua carteira de motorista americana (a única que ele tem no momento) e o documento de identidade da espanha (o tal do NIE que levou meses para ficar pronto). Pequeno detalhe, meus pais chegando no fim de semana e a gente querendo sair, viajar, alugar carro etc.  

Ele estava tão angustiado que nem tive coragem de reclamar! Notou a mancada assim que saltou do taxi, mas não a tempo de conseguir ser ouvido. Ficou pulando de raiva sozinho na rua. Posso imaginar a cena. 

Nossa esperança era que no NIE do Luiz constava o endereço de casa e quem sabe o motorista tivesse a alma boa de nos devolver a carteira. 

Fiquei tentando pensar o que podia fazer para ajudar, enquanto tomava um café. O interfone tocou. Nem acreditei! Será que seria resolvido assim tão rápido? Atendi, mas nada a ver com a carteira, e sim com o carteiro. Era o correio, uma encomenda para mim. Parecia até filme de suspense, viu! 

Fui até o ponto onde Luiz pegou o taxi pela manhã para ver se dava sorte, mas ninguém sabia de nada. Além do mais, não é um ponto oficial e sim um local onde os taxis costumam parar para esperar clientes aleatoriamente. A boa notícia é que todos me informaram a respeito de um “objetos perdidos” e me deram o endereço. Disseram-me que era melhor esperar uns dois dias, para dar tempo de entregarem a carteira por lá. 

Na volta, conversei com meu porteiro, contei a história toda e avisei que podia aparecer um motorista de taxi nos procurando e tal. Ele também ficou alerta e todos nós na torcida pelos documentos. 

E não é que por volta das 13:00 horas, nem tinha saído para a aula ainda, me aparece o motorista com a carteira do Luiz e TODOS os documentos e cartões de crédito! É verdade que o dinheiro sumiu e não era pouco, mas era o menor dos problemas. Não dá para saber se foi o motorista ou algum cliente espertinho. Prefiro pensar que foi distribuição de renda. Alguém precisava mais que nós! E que faça bom proveito! 

Liguei correndo para o Luiz, que ficou muito aliviado. Até ouvi uma ou outra voz no fundo da ligação perguntando algo como “achou?”. Ou seja,  todo mundo no trabalho já devia saber da história. Deve ter sido uma manhã muito produtiva! 

Enfim, tudo bem quando acaba bem! 

XXXVIII – Aula de dança flamenca

O curso de espanhol que estou fazendo oferece uma série de atividades culturais complementares. As aulas são obrigatórias e vão de 15:00 às 18:00 horas. Depois disso, há uma parte opcional, onde são oferecidas palestras sobre filosofia ou arte espanhola, filmes e aulas de dança flamenca. Acho interessante essa preocupação cultural que vai além da língua. 

Nas primeiras semanas, não consegui fazer nada além das aulas de idioma. Não tive tempo e depois tive visitas. Enfim, essa semana resolvi correr atrás do prejuízo. Estava muito interessada na aula de dança flamenca, mas não sabia se conseguiria frequentá-la. As vagas são limitadas e havia perdido umas três aulas. Como um “não” eu já tinha, resolvi perguntar se poderia assisti a tal aula. Dei sorte, hoje faltou gente e me encaixei.  

Fiquei um pouco apreensiva no início porque não sabia o nível da turma e se havia perdido o bonde. Por outro lado, o fato de ser latina e gostar de uma boa farra, me dá uma certa segurança nesse tipo de situação. Além do mais, frequentávamos alguns bares onde se dança um pouco de flamenco-pop, se é que esse termo existe, e eu tentava imitar os ciganos dançando. Afinal de contas, se rio das pessoas, preciso dar-lhes a chance de rirem um pouco de mim também, né? É justo! 

Não destoei da turma, mas não dei nenhum show, viu? O fato é que, enquanto a dança está nos pés e nos quadris, me viro bem. O problema são mãos e braços. Não sei dançar com mãos e braços! A expressão “não consegue andar e mascar chiclete ao mesmo tempo” nunca me fez tanto sentido! Já vi que vou ficar igual a uma maluca pela casa com as mãos de carmem-miranda-alucinada. Mas uma hora vou aprender! 

Pelo menos hoje entendi o compasso da batida: 1,2…123, 456, 78910. Também descobri que existe um “palmeiro” oficial. Ou seja, há gente especializada em bater palmas em ritmo flamenco! As palmas até que bati direitinho, tem jeito para batê-las, sabia? Posição das mãos, intensidade, altura do som… não é à toa que há o palmeiro! 

Será que conseguirei assistir as aulas novamente na semana que vem? 

XXXIX – Cigarros

Cacete! Como se fuma aqui! E se me achou mal educada, queria ver cheirar essa porcaria todos os dias! Chego a ter um tipo de ressaca de cigarro nos dias seguintes que saio à noite, e nem fumo! 

Quer dizer, cigarros normais não fumo e odeio! Charutos, fumo de vez em quando, mesmo assim, apenas se não há ninguém comendo por perto e em áreas arejadas. Por outro lado, ficar ao lado de quem fuma charuto, sem fumá-los é a morte lenta e dolorosa. 

Estou mais tolerante. Fiz um trabalho psicológico antes de mudar para não me estressar muito. Afinal de contas, se for radical, aqui não terei amigos. Todo mundo fuma em Madri! 

Não sou contra fumantes, mas acho que um pouco de civilidade e respeito ajudaria muito. Se estamos em um bar, é complicado separar os ambientes, e entendo que seja difícil para os fumantes evitarem os cigarros enquanto bebam. Mas em restaurantes é o fim da picada! Atrapalha muito o paladar. 

Em toda Europa é assim, mas nem sempre pelos mesmos motivos. Aqui há um resquício pós-franquista, a coisa da “movida madrileña”, que não sei se posso explicar em poucas palavras. A ditadura na Espanha foi coisa séria, deixou a do Brasil parecendo brincadeirinha de criança. Quando acabou, houve uma explosão de agora-faço-o-que-quero. Depois disso, qualquer tentativa de ordenar ou se criar alguma regra, soa como autoritarismo. Na cabeça deles não é só uma “coisa de americanos”, como acreditava antes de chegar, e sim um início de regular o que eles devem ou não fazer.  

Aos poucos, mas muito aos poucos mesmo, há algum progresso nesse sentido. Já existe uma meia dúzia de restaurantes onde há espaço para fumantes e não fumantes. Acredite, já é um grande avanço! 

XL – Colesterol existe?

Será que colesterol existe mesmo? Alguém já viu de perto um colesterol? Porque se alguém conseguir concentrá-lo e industrializá-lo, pode ter certeza que aqui ele será vendido em poções generosas! 

Na verdade, ele terá um balcão exclusivo nos supermercados do El Corte Inglés e será vendido em lonchas (fatias) ou trozos (pedaços). Também terá sua versão ralada, a ser salpicada sobre os ovos com batatas. 

Nos anúncios da TV aparecerá uma mocinha bem magrinha passando colesterol sobre uma torrada e um mocinho atlético comendo uma barra de colesterol enquanto faz seus exercícios diários. 

Bom, é claro que haverá o comércio ilegal de colesterol líquido injetável na veia! Quem sabe o em pó, para se cheirar; e por que não a versão em fumo, para os mais práticos que querem resolver tudo ao mesmo tempo. 

Olha, sei que exagerei para ser didática. Mas garanto que não estamos muito longe disso. Madri é um milagre! Não há outra explicação! Aqui se bebe, se fuma e se come para caramba (porque hoje estou educada)! Entretanto, praticamente não há obesos e as pessoas parecem saudáveis, além de viverem muitos anos! Será que o álcool derrete a gordura e o fumo queima as calorias? 

Como diz a piada, o que mata é falar inglês!  

XLI – Palavrotas

Vamos ser sinceros, afinal de contas, depois de quarenta capítulos, mesmo quem não me conhece já pode dizer que tem alguma intimidade, certo? Então, falemos a verdade, qual a primeira coisa que queremos aprender quando estudamos uma nova língua? Os palavrões, é claro! Mesmo que a gente nunca use, a curiosidade é quase infantil. Que tal um intervalo para baixar o nível sem culpa e satisfazer a curiosidade da galera? 

Palavrões são chamados palavrotas, entretanto, se você tiver mais de doze anos, é melhor dizer tacos. O Espanhol fala uma porrada de tacos. Viu? Já comecei a baixar o nível. A partir de agora, favor tirar as crianças da sala. 

O que mais escuto, escrevi uma vez, é o tal do Joder. Joder, quer dizer foder e se usa com tranquilidade. É muito falado assim no infinitivo: joder! Entretanto, existe a versão foda-se, que é jódete. Essa é a versão light, você pode falar para um amigo sem problemas. Mas se quiser ser ofensivo, tem que dizer que te jodan!. Foder-se você pode, mas que te fodam é muito agressivo! 

Bom, o mierda é universal, né? Ninguém precisa de explicações.  

Hostia é ambíguo. Não é exatamente um palavrão, mas dependendo de como é dito, soa como um. Pode-se dizer la hostia! para uma coisa muito legal, ou hostia!, que soa como mierda. 

Acho que há um pouco de machismo na língual. Quando uma coisa é boa, pode-se dizer que é cojonuda, que provém de cojones ou culhões. Cojonuda é do cacete! Mas se é ruim, se reclama dizendo coño! (órgão sexual feminino). Também há a variação coñazo, muito ruim. 

Outra machista, um zorro é uma raposa, uma zorra é uma puta. 

Conhecidíssimo é o “me cago en…”. O espanhol, aparentemente, adora cagar em alguma coisa. Isso normalmente quer dizer que ele está puto. O mais comum é o me cago en la leche, não se preocupe tanto com a tradução, afinal de contas, cagar no leite não parece muito ofensivo nem inteligente. Mas é muito utilizado quando você quer reclamar no trânsito com o outro motorista barbeiro. Grite com voz grossa e testa franzida: me cago en la leche!  

Pero, você pode cagar em muito mais coisas para xingar os outros. Os que já ouvi na rua são: 

Me cago en la hostia

Me cago en tu puta madre
Me cago en la mierda (isso não seria um pleonasmo vicioso?)
Me cago en la virgen (ou a derivação “me cago en las tetas de la virgen”)
Me cago en dios (desculpem-me os religiosos, mas só estou repetindo)
Me cago en tus muertos (gravíssimo para um cigano! Cuidado ou ele puxa uma faca e será crime com atenuante)
Me cago en… etc… a criatividade nunca acaba! Cague no que quiser!
 

Há uma coisa divertida, as pessoas mais velhas, às vezes se sentem constrangidas em dizer “me cago en…” e substituem por “me cachís…”. Acho que nesse caso, é só uma cagadinha. 

Por outro lado, se você bostezar, está apenas bocejando. 

Pegadinha: se alguma coisa é de puta madre, isso é bom! 

Como no Brasil, também há um ritual masculino de confraternização. Nunca vi meu marido cumprimentar um amigo dessa maneira: Olá, Jorge! E o outro responder, Como vai Luiz? É sempre assim: Oi, homossexual-passivo-cachorro-corno! E o outro responde, Fala viadinho-filho-da-puta-beijo-na-bunda! Daí eles se abraçam e isso quer dizer que são muito amigos. Aqui é a mesma coisa. Só que sai algo como cabrón-hijo-de-puta-jódete 

Nessa linha, há o gilipollas. Esse é bastante utilizado, mas difícil de traduzir, é algo como babaca ou dick-head. Pode ser dito entre amigos nos rituais masculinos se – e somente se – forem muito amigos, mas é preciso dominar a arte ou pode pegar muito mal. Na dúvida, não utilize. Segue a mesma cartilha do homem carioca, cuja lógica diz que filho-da-puta, tudo bem, mas otário o cacete, “mermão”!  

Também há as expressões sexuais, não necessariamente palavrões, mas é bom saber para não falar bobagem e não parecer um guiri (gringo, turista). Assim como o brasileiro pode “molhar o biscoito”, o espanhol molha outra coisa, ele pode “mojar el churro“, o que anatomicamente faz até mais sentido. Também pode “pasar por la piedra”, “echar un kiki” ou “echar un polvo“. Atenção! Estoy hecho polvo, quer dizer apenas que você está cansada/o, como em “estou o pó”! Você só “afogou o ganso” mesmo se disser “hecho un polvo”. Esse “un” faz toda a diferença.  Agora, se quiser ser mais direto, é “follar”. 

Um rapazinho pode “ponerse burro“. Na verdade, ele teve uma ereção. Essa é outra que faz sentido, um homem pode ficar meio burro nessa situação! Mas acho mais engraçadinho o termo “ponerse cachondo/a”. Se uma mulher disser a seu parceiro, “hombre, me pones cachonda!”, não estará reclamando e sim cheia de amor para dar. 

Viu só como morar na Europa deixa as pessoas mais cultas?  

Carai, que hoje estou uma lady! Joder! 

XLII – Meu urso

Quem assistiu o filme “Lendas da Paixão”? Pelo menos, acho que assim foi o título em português. Aquele onde o Brad Pitt aparecia com a cabeleira longa e loira. Não é o máximo quando o irmão certinho, apaixonado pela mesma mulher, lhe diz com raiva: você nunca a fará feliz! E ele seco e decidido responde, tentarei. Vá lá, não é para um Oscar, mas bem que animou a mulherada! 

Bom, mas falei desse filme por uma coisa que lembro. A história que ele desistiu de matar um urso e, desde então, seus espíritos se misturaram. Quando o urso acordou dentro dele,  precisou partir e buscar seu destino. Quase no fim do filme, o narrador diz algo como, finalmente seu urso acalmou. 

Pois também tenho meu urso. Nunca me atraquei com ele, felizmente. Acho que no meu caso veio no sangue mesmo. Pelo lado materno, minha bisavó era índia. Como minha avó costumava contar, “índia pega no laço”. Os outros foram imigrantes italianos. Uma geração mais tarde, meus avós não mudaram de país, mas de casa e de cidade algumas vezes. Dos dois lados, mais do lado da minha mãe, normalmente, por causa da minha vó. Meus pais também mudavam; de cidade por causa do meu pai e de casas por causa da minha mãe. Uma parte considerável dos meus trinta endereços veio daí. Com essa origem, acho que comecei minha vida predestinada a mudar. 

No início, era natural, era a vida que eu conhecia. Quando comecei a ter meus próprios amigos e me apaixonar, foi mais complicado. Entretanto, depois da primeira mudança mais difícil, aprendi que resistir era pior. A resistência não mudava meu destino, me fazia perder tempo e ficar triste. Um dia tomei uma decisão: queria ser feliz. 

Por experiência própria, aprendi que se pode matar uma saudade quando se sabe que a pessoa está bem, mesmo que não esteja ao seu lado. E que muitas vezes, os amigos que sentia tanta falta se viam entre si na mesma frequência que os encontrava. Que desperdício! Entendi também que boa parte dos meus planos de mudar o mundo nunca se realizaria e era melhor que cuidasse do meu próprio umbigo. Quem sabe aprendendo mais me torno útil em alguma coisa? Nunca se sabe, até o momento em que você precisa. 

Mas o mais importante mesmo é que aprendi na pele que no dia seguinte não te falta um pedaço e o mundo não parou. Tirando a morte, praticamente todo o resto é reversível. E normalmente, não importa que seja, pois a gente acaba nem querendo voltar atrás. 

Daí você começa a gostar e se vicia na mudança. Ainda é desconfortável e continua dando medo, mas você sabe que pode e isso torna impossível negá-la. Começo a sentir no ar, parece que fica mais pesado, os lugares ficam pequenos e tenho um sentimento que não caibo mais ali. Tem sido menos angustiante, não sei se meu urso está envelhecendo. 

Entretanto, devo admitir que cansa! Dessa última vez estava muito cansada. Antes de vir, tinha uma estranha sensação de estar indo para casa. O que era um pouco absurdo, considerando que estava vindo para Espanha. Agora já não sei mais se era uma premonição ou cansaço mesmo. Acho que, naquele momento, precisava acreditar que teria uma casa em algum lugar concreto e que não me sentisse afogada como nos EUA. 

Descansei. 

E contei essa longa história para dizer que meu urso acordou. Sereno, sem fome e sem pressa, mas só para me lembrar que ainda está vivo. 

XLIII – As estações do ano

O frio está começando agora. Quer dizer, frio para uma brasileira. Estamos no outono e a temperatura cai na velocidade das folhas, está entre 5 e 18 graus. Ainda há muitas folhas para cair. 

Gosto das estações definidas, uma te prepara para a outra. Chegamos aqui na primavera, minha favorita. Temperatura agradável, pura poesia. No primeiro solzinho corre todo mundo para rua. Os parques se enchem e as mesas dos bares se mudam para o lado de fora. É uma delícia! 

Até que chega o verão infernal! Seco e pesado, 40 graus fácil. O pior é que à noite não refresca, não tem brisa, o calor é físico, bate na sua cara. Madri se muda de cidade. Todo mundo tira férias, ninguém fica! Até o escritório do Luiz fechou por duas semanas. Nós ficamos por aqui e era difícil até achar um restaurante bom para jantar, porque eles também entram de férias. Restaurantes, lojas, escolas, galerias… todos fecham suas portas e colocam uma placa avisando que voltam a funcionar em 01 de setembro. Até vaga para estacionar sobra! Agosto é morto! 

O interessante é notar que ninguém vai à falência. No Brasil a gente se culpa tanto por causa de umas fériazinhas. As empresas fazem o maior escarcéu! Tá aí, todos os anos eles fecham as portas por um mês e pronto. Ninguém morre por isso. 

E que calor! Na rádio, Luiz escutou um programa avisando que entraria uma frente de calor africano. Ele achou que fosse força de expressão, como a gente costuma dizer, um calor sahárico! Mas não, era da África mesmo! A África está aqui embaixo, lembra? Quente para cassilda! 

A parte triste é que muita gente viaja e abandona seus animais de estimação, e se achou chocante, também abandonam seus parentes idosos nas emergências dos hospitais. Não entendo! Fico mal só de pensar! Cada vez que via um animal na rua ficava desesperada até achar o dono (eles andam muito soltos aqui). Dos idosos então, nem se fala, que coisa cruel! Está melhorando, nessa época há campanhas para conscientizar as pessoas, mas ainda ocorre.  

Setembro entra como um suspiro de alívio. Sacode a cidade. Do dia para a noite as ruas voltam a se animar, os carros voltam a buzinar e fica tudo mais feliz. A temperatura é bem amena também. 

Em outubro, começa a esfriar, é quando fazemos a troca de armário. Aqui não guardamos todas as roupas no armário do dia-a-dia. Primeiro, que espaço é coisa difícil; segundo, porque é inútil e a roupa ficaria com cheiro de mofo. No fim da primavera, guardamos os casacos e as roupas pesadas em malas e vai tudo para o maleiro ou para os trasteros. Trastero é como um quartinho para guardar trastes, tralhas. Costuma ser fora do seu apartamento, na garagem ou no terraço do edifício.  

Mais ou menos pelo meio de outubro, descemos a casacada toda. Alguns já nem me lembrava mais que tinha. Finalmente a época das roupas bonitas e da maquiagem que não derrete! 

No dia 01 de novembro, oficialmente, as caldeiras dos aquecedores devem ser ligadas. Sinto frio no apartamento antes disso, mas é bem tolerável.  

O resto, ainda vou descobrir. Deve esfriar mesmo em dezembro, e até fevereiro é congelante. É a época que você aproveita para fazer os esportes de neve.  

Nos EUA, pegamos inverno. Não era nenhuma novidade, mas pela primeira vez fiquei todo o inverno morando no local e não uma viagem de alguns dias. No sul, onde morei, o inverno é mais ameno. Além disso, você vive em uma temperatura artificial. Dentro do apartamento tinha o aquecedor com termostato, ou seja, fosse a temperatura que fosse lá fora, dentro de casa era a mesma o ano inteiro. Todos os lugares que você vai também tem aquecimento.  

Na prática, acho que sentia mais frio mesmo era no inverno de São Paulo. O apartamento e os locais públicos não tinham estrutura para temperaturas mais baixas. Não eram tantos dias assim, mas quando esfriava era fatal! 

Por enquanto, deixa eu aproveitar. Para mim, o ano só deveria ter primavera e outono! Só isso que queria, fácil, né? 

XLIV – 5 minutos

Todo mundo tem ou deveria ter seus 5 minutos. Aquela pequena fração de tempo quando o universo parece que explode e você sente que brilha. Cada um a sua maneira. Pode ser público ou secreto, reconhecido ou não. O que vale é que você sabe. Não deve depender de ninguém além de você. Nada tem a ver com felicidade ou com as pessoas que ama. É um momento só seu. 

Os meus 5 minutos são quando percebo que estou no caminho certo para realizar um trabalho importante, ou quando termino de realizar esse trabalho. Não me interessa se vai vender, se vai para alguma exposição, se alguém vai ver ou se vai cair da mesa e se destruir no dia seguinte. Não importa! Eu sei que fiz! Sei que é meu e é bom! É quando lembro quem sou. 

Acho que todo ser pensante se pergunta alguma vez, ou várias, o que faz aqui? Por que? Para que? Às vezes, esse ritmo louco da vida nos  faz esquecer. Mas quando vem os 5 minutos a gente sabe. 

Passo meses martelando uma idéia, é angustiante e solitário. Tento executá-la de maneiras diferentes e falho em muitas delas, ainda não é. Acordo sem vontade de levantar porque não sei bem o que fazer naquele dia. Meu sono é uma droga. Mesmo assim, continuo por fé. A arte me ensinou a acreditar sem lógica. É olhar para o vazio e crer que vai dar certo. E na hora que funciona é puro êxtase! Dura 5 minutos, mas parece que é mais porque o tempo para. 

Comecei uma escultura que gostei. Acho que foi porque no fundo tocava Nina Simone e não se pode ouvir à Nina impunemente, há responsabilidades. Passou minha fome, passou a dor de cabeça e passou o cansaço. Tive meus 5 minutos e foi muito bom! Hoje vou dormir bem. 

XLV – Um pouco de história espanhola recente

Para se entender a Espanha atual, principalmente Madri, é importante saber pelo que passaram há bem pouco tempo. Muitas coisas, inclusive, foram semelhantes no Brasil; algumas foram bem piores.  

A falta de liberdade até o final dos anos 70 explica essa vontade de exagerar em tudo. Se sai muito, bebe-se muito, fuma-se muito. É como se houvesse uma urgência em se viver o presente, uma necessidade constante em se fazer o que quer. 

Até 75, foi o período da ditatura de Franco. Na minha opinião, bem mais barra pesada do que no Brasil. Principalmente, porque antes eles ainda enfrentaram uma violentíssima Guerra Civil. Depois houve um período de transição e as últimas barreiras foram caindo a partir de 77.  

Vou dar alguns exemplos. O primeiro deles é em relação à liberdade religiosa. Que não havia! A única possibilidade era ser católico. A diciplina religião foi obrigatória nas universidades até 1977. Dois anos depois se tornou optativa ou não avaliável no ensino secundário. As pessoas que gostariam de ser protestantes, tiveram que esperar até 1980. 

O casamento civil só foi possível a partir de 1978. Até esse momento, só se casava no religioso. Se um casal quisesse realizar a cerimônia civil, devería pedir permissão à igreja católica e passar por intermináveis barreiras burocráticas. 

Os homossexuais eram presos sempre que as autoridades queriam. Como justificativa, bastava dizer que eram exibicionistas ou que estavam causando escândalo público. Considerava-se que eram perigos sociais até 1979. Costumavam ser presos e torturados, nos subsolos de onde é hoje a Puerta del Sol. Muitas vezes, junto com professores delatados por estudantes (espiões contratados). 

As mulheres não podiam trabalhar à noite, nem tinham acesso a trabalhos considerados duros ou significativos, como a mineração e o exército. Em 1988, começaram a entrar para o exército e em 1994 puderam trabalhar nas minas, com autorização do Supremo Tribunal. 

Até 1977, mulheres não tinham o direito a vender seus bens móveis ou imóveis, nem possuir passaporte sem autorização do marido. As raríssimas mulheres que frequentavam uma faculdade eram extremamente mal vistas e consideradas não dignas para o casamento. 

A “camisinha” era mal vista por todos. Proibida pela igreja (até hoje) e ignorada nas farmácias. A pílula era um luxo permitido apenas aos que tinham amigos médicos, pois se necessitava receita e não era simples conseguí-la. A legalização só chegou em 1978. 

O divórcio era proibido até 1981. As pessoas que viviam juntas sem se casar, as adúlteras que mantinham sexo fora do casamento, poderiam ser presas. 

Só existia um informativo. Apenas a partir de 1977, as emissoras privadas puderam emitir suas notícias. 

A pena de morte se eliminou em 1978. 

E por aí vai… 

Observando-se essas datas e fazendo algumas contas, percebe-se que é tudo muito recente. Nos anos 80, surgiu um tipo de movimento conhecido por “La Movida”, que foi como uma explosão de liberdade. Surgiram muitas bandas, artistas, escritores etc. Poucos permaneceram em destaque, foi quase como um grito. Radical e imediato, mas não muito persistente. Muita gente morreu, houve um excesso de consumo de drogas e sexo. Um tipo de movimento hippie atrasado e fora do contexto mundial – com a aids, drogas mais pesadas e quando os países desenvolvidos estavam bem mais maduros. Mas aqui fazia algum sentido. 

Essa poeira baixou e a vida tende ao equilíbrio, felizmente. Mesmo assim, ainda há resquícios muito claros. Os excessos, a maneira de se viver intensamente, a desconfiança das pessoas e a neurose com a perda de direitos. 

Por outro lado, acho louvável como eles deram a volta por cima. Como conseguiram correr atrás do prejuízo e se recuperar dessa forma. É um país culturalmente moderno, economicamente bem e politicamente atuante. Tiro meu chapéu! 

46 (cansei dos algarismos romanos!) – Meu niver

Está chegando meu aniversário! Adoro fazer aniversário! Gosto tanto, que nem ligo em ficar mais velha. Aliás, nunca sei quantos anos tenho e nem dá para dizer que é conveniente, porque sempre erro para mais. Só penso nisso quando entra novembro, daí faço as contas direitinho, porque sei que vão me perguntar. De qualquer forma, vivo errando! 

Meu niver, ou meu cumple – como eles abreviam cumpleaños – é dia 09 de novembro, mas vai cair em uma quarta-feira. Por isso, resolvi dar a festa nesse sábado, dia 05. Será nossa primeira festa em Madri. Será que meus convidados virão? Será que são animados? Será que os vizinhos vão reclamar? Terei alguma vizinha penetra? 

Queria ter dado uma festa antes, com o pretexto de inaugurar a casa nova. Mas Luiz fica me assustando. Aliás, fica todo mundo me assustando com essa história de que espanhol é desconfiado, arredio etc. Quer saber? Não me importa mais. Não é possível que alguém se sinta ofendido por ser convidado para uma festa, certo? Resolvi arriscar, posso dar o primeiro passo. 

Convidei algumas alunas do curso de espanhol, algumas pessoas do atelier de artes que frequento, algumas do trabalho do Luiz, outros brasileiros exilados… e quem mais passar na calçada olhando para cima!  

Hoje é quinta e já estou agoniada! Doida para que chegue sábado! Passa logo semana! 

47 – O dia em que fui negra

Ontem, quando pegava o metrô para casa, entrei no último vagão. Foi estranho, 90% dos passageiros era de negros. Não é o fato de serem negros que achei estranho, mas achei esquisito estarem todos juntos no último vagão. Como se estivessem separados. 

Entrei com outra menina branca. Ela nem sentou, ficou em pé na porta. Eu sentei, queria entender o que estava passando e porque me sentia desconfortável. Liguei minha antena. 

Na parada seguinte, ficou mais esquisito ainda. O único branco, além de mim, que estava sentado entre eles, se levantou e saltou. Do fundo do vagão, o único negro que estava entre os poucos brancos, levantou-se e sentou no lugar em que estava ocupado pelo primeiro branco que havia saltado. Como se juntasse ao grupo. 

Eles pareciam da mesma etnia, mas não trocavam uma palavra nem se olhavam. Fiquei sem entender se eram conhecidos ou se aquilo foi uma coincidência. Infelizmente, essas coisas não se perguntam. Principalmente, porque poderiam ser imigrantes ilegais com medo de serem descobertos em grupo. Essa questão da imigração é bem complicada, mas vou deixar para outro capítulo porque esse já me é difícil o suficiente. 

Enfim, na segunda parada, onde salto, saí. Pude notar, com um certo alívio, que entrariam várias pessoas brancas ou não. O vagão tornaria a se misturar. A mistura me conforta. 

Senti algo parecido em Atlanta, onde a população negra é bem grande. Nunca havia parado para pensar no Brasil que os lugares que ia eram frequentados por uma maioria branca. Era algo que olhava e não via. Confessar isso hoje me parece estúpido, mas é verdade. No início, quando passei a conhecer lugares onde se via igualmente negros e brancos, me senti feliz. Foi estranho aos meus olhos, era uma paisagem diferente da que estava acostumada, de alguma maneira, sentia que era mais justa. Me sentia bem.  

Mas depois comecei a notar, que nos mesmos lugares onde via igualmente negros e brancos, eles não se misturavam. Simplesmente, estavam no mesmo lugar. Nos restaurantes havia mesas com brancos, mas só brancos; e mesas com negros, mas só negros. Isso não gostei. E nem estou falando de casamentos entre raças, porque também passa por gosto pessoal que é outra história, estou dizendo amigos mesmo. Pessoas que, ao menos, saem juntas. 

Nesse ponto, acho o Brasil mais democrático e vou me explicar. Existe uma barreira econômica, que vem sendo vencida, mas ainda é muito forte para as pessoas descendentes de negros, porque no fundo, estamos falando de descendentes de escravos. E infelizmente, a escravidão condenou algumas gerações à pobreza. 

Entretanto, entre os pobres brasileiros há negros e brancos, e eles se misturam entre si. É difícil até se ver uma pele muito negra ou muito branca. Os negros daqui e dos Estados Unidos são muito mais pretos. Aqui, inclusive, pela proximidade da África, podemos identificar diferentes etnias negras. 

E ainda falando do Brasil, o negro que chega a ser rico não vai morar em uma comunidade para ricos negros, como nos Estados Unidos. Ainda são poucos, mas quando conquistam seu espaço, também se misturam. 

Isso me leva a pensar que entre os brasileiros não há um racismo propriamente dito, mas um preconceito social. Essa coisa de branco que não gosta de preto e de preto que não gosta de branco, simplesmente pela cor, é rara! Quando existe é entre os mais velhos e é muito mal visto! 

Pois bem, se isso talvez, e disse talvez, seja menos mal, ainda não é o suficiente. E vou descrever uma experiência também em Atlanta que me fez pensar novamente nesse assunto. 

Uma vez, Luiz e eu fomos jantar no Red Lobster. É uma cadeia de restaurantes relativamente popular que serve uma boa lagosta. Simples, informal e bom preço. Procurei na internet onde havia um desses restaurantes e anotei o único endereço que constava. Olhamos no mapa e era longe para burro! Mas como estávamos com tempo e afim de conhecer o lugar, não custava nada. 

O que não sabíamos é que era um bairro de negros. Nos Estados Unidos há essa separação, branco mora em um lugar, latino em outro e negro em outro. Eventualmente, latinos e negros moram no mesmo lugar. Admito que existe um esforço para se quebrar essas barreiras, inclusive com propagandas na TV e campanhas, mas ainda ocorre e em alguns casos, pode ser perigoso você ultrapassar essas tais barreiras. E quando digo perigoso é literalmente! Em muitos casos a agressão é física, de todos os lados. Às vezes, é só desconfortável. Mas por que desconfortável? 

Quando entramos no restaurante, estava lotado, com fila. Todos negros. Eu branquela e Luiz moreno, talvez como latino. Ele ficou apreensivo, mais pela minha segurança que pela dele. Não posso dizer que não fiquei, mas ao mesmo tempo, decidir ir embora naquele momento seria aceitar o preconceito e isso não seria justo com ninguém. 

Decidimos fazer exatamente como faríamos em uma situação “normal”. Pedimos nossa mesa e aguardamos nossos lugares. Se ali alguém tivesse sido hostil, me retiraria, caso contrário, não faria sentido. 

Esperando nossa mesa, comecei a refletir o que me deixava tão incômoda. E foi muito claro que não era a presença das pessoas que me incomodava, e sim a sensação que eu poderia estar incomodando alguém. Ninguém me olhou feio, ninguém me disse nada ofensivo, ninguém me ameaçou, e mesmo assim, me senti totalmente deslocada porque era visivelmente diferente de todos ao redor. Nesse momento queria ser negra. Não por que era melhor ou pior, mas para me sentir parte do contexto. Naquele dia eu fui a negra em um mundo de brancos. Dei sorte, eram brancos educados. E não foi fácil! 

Talvez isso explique o que algumas pessoas brancas chamam levianamente de negros que são racistas. Essa frase sempre me soa como uma justificativa ridícula e infantil. Como apontar um dedo para o outro lado, dissimulando sua própria culpa. Que importa? Preconceito é feio de qualquer lado que se olhe, seja negro ou seja branco. 

Imaginei o que os poucos amigos negros que estudaram comigo deveriam sentir. Conto no dedo quantos foram. Os primeiros dias de aula, naturalmente difíceis a todos, para eles continha uma dificuldade a mais. Ainda que fossem aceitos e bem tratados, é difícil não ver nenhum rosto parecido com o seu. Nunca pensei nisso na época, até porque para mim essa diferença não parecia relevante. 

Na situação do restaurante, tentei entender se havia alguma coisa que alguém pudesse fazer para que eu me sentisse melhor. Porque poderia repetir esse gesto no mundo de brancos. Mas não havia nada a ser feito. Tudo foi perfeito. O atendimento foi cordial, a comida estava boa e ninguém ficou me olhando. No fim, relaxei e aproveitei a noite e a lição. Nada além da mistura me faria mais confortável.  

Hoje, nos restaurantes que frequento em Madri, novamente não há muitos negros. Sinto falta do colorido nas mesas, mesmo que em mesas separadas, pois ao menos estavam ali. Meu olhar havia se habituado. 

Fico na esperança que na próxima parada, as pessoas voltem a se misturar no vagão. 

48 – A maior fila da minha vida!

Aturar o processo de imigração não é para qualquer um! Mesmo que seja absolutamente legal, é sempre burocrático e complicado. Mas essa chatice vou me abster de contar integralmente, contarei só esse finalzinho. 

Estou no penúltimo passo para conseguir meu NIE, que é a carteira de identidade de estrangeiros. A do Luiz saiu primeiro, como a minha é atrelada a dele, fica pronta depois. Esse passo consiste em ir até um órgão público, no dia que eles marcam, para tirar suas impressões digitais. Aqui se diz “sacar las huellas”, o que sempre me soa como alguém que vai arrancar as minhas orelhas.  

Isso quase foi verdade! Com o frio que passei, quase que minhas orelhas caíram! Juro! 

É claro que o dia que marcaram para mim caiu num sábado, no dia que marquei também minha festa de aniversário aqui em casa. Ou seja, se tivesse dado algum problema, meu humor na festa seria uma bosta! Além disso, os advogados encarregados do caso não trabalham no fim de semana. Assim que não havia ninguém que pudesse adiantar o procedimento. 

Tirar as huellas foi mole! O problema é que antes disso tive que enfrentar uma fila literalmente quilométrica! Nunca vi uma fila daquele tamanho! É de deixar qualquer fila do INPS com inveja! Por sorte, Luiz ainda foi comigo e me fez compania nas três horas e meia esperando em pé, na rua, em um frio de 5 graus. A última meia hora, completando quatro horas de espera, foi um pouco melhor, pois já estávamos dentro do prédio. 

Putz! Aturar 5 graus em pé, três horas e meia e sem poder andar muito é de matar! E olha que estava bem agasalhada! Quando nossos pés começavam a ficar dormentes, Luiz e eu nos revezávamos na fila para dar uma andadinha e fazer o sangue circular. O nariz não para de escorrer, é nojento! Mas é igual para todo mundo, todos com lencinhos de papel no bolso. 

E nem adianta querer ir embora e voltar outro dia. Primeiro que o “outro dia” vai estar tão cheio quanto, segundo porque você recebe um papel pelo correio com uma data fixa para ir. O meu era dia 05 de novembro e acabou. É quando você se pergunta: o que estou fazendo aqui? Haja saco! Ninguém merece! 

Daí, fazer o que? Comecei a tomar conta da vida dos outros, né? Atrás de mim, havia uma moça que devia ser do leste europeu, mas não tenho certeza de onde. Na minha frente, definitivamente hispânicos, mas também não sei de que parte. Talvez equador. Ela com as sobrancelhas pintadas. Não era feia, mas não sei porque, raspava toda a sobrancelha e a desenhava em negro. Ficava horível! Era hipnótico, difícil de não ficar olhando. Mas acho que o marido gostava, parecia apaixonado e ela estava grávida. Na frente deles, tenho quase certeza que eram marroquinas, uma loira e uma morena. Essas já sabiam da fila incomensurável, pois levaram água, frutas secas e pistache. Quase no fim da espera, chegou outra marroquina se fazendo de amiga delas para ver se podia pegar lugar na frente. Não entendo o idioma, mas entendo muito bem os espertinhos, fiquei olhando com a cara bem feia, o que naquele momento não era nada difícil, e a furadora de fila acabou desistindo. Acho que não foi pela minha cara, mas as duas marroquinas também não deviam estar muito afim de quebrar o galho só pela nacionalidade da outra. 

Finalmente, chegou minha vez. Fico sempre na expectativa que na hora eles vão me dizer que falta algum papel. Não faltava nada e saquei minhas orelhas, quer dizer, huellas. Agora é só esperar mais quarenta dias e voltar lá para buscar o documento pronto. Aparentemente, a fila é menor, mas não vou marcar bobeira e chegarei bem cedo. 

Que bom que ainda pude chegar em casa a tempo de dar uma cochiladinha e me recuperar para a festa de aniversário. Meio gripada, mas satisfeita por, no fim das contas, ter dado tudo certo. Que parto! 

49 – Nossa primeira festa em Madri

Vou logo acabando com o suspense, foi ótima! A-do-rei! Caramba, depois de sete meses de jejum, que vontade que estava de dar uma festinha! 

Vieram umas vinte pessoas, para variar, uma torre de babel. Divididos, mais ou menos igualmente, entre brasileiros, espanhóis, franceses, alemães, uma coreana e um casal de argentinos. O idioma comum foi o espanhol mesmo e, finalmente, o meu não era o pior! Na minha opinião, é claro! Tá certo que eu estava sendo ajudada pelo Mr. Glenfiddich, mas os outros também tiveram ajuda. 

Gostei de todo mundo! A maior parte já conhecia, óbvio, mas não conhecia alguns acompanhantes nem alguns amigos do trabalho do Luiz. 

Aliás, o sucesso da festa foram as caipirinhas do Luiz, a clássica de limão e a de uva, considerada novidade. Foram devidamente evaporadas, duas garrafas de cachaça – das boas! É a primeira festa que damos que, ao final, temos mais vinho que no início! Excelente pretexto para uma próxima.

Ultimamente, só tenho tomado vinho. Mas na festa, queria fumar um puro, Hoyo de Monterrey na umidade perfeita, e aí com vinho não dá. Como não misturo, parti logo para agressão e fui de single malt 15 anos no tradicional copinho de shot. Como é bom chutar o balde! 

Comidinhas, havia de todos os tipos, afinal de contas, era a primeira vez que esses amigos vinham aqui em casa. Tentei fazer um pouco de cada nacionalidade. Mas acho que o forte mesmo foram as caipirinhas. 

Só tocamos música brasileira, começando por bossa e evoluindo para MPB, Pop Rock, Funk (sem baixaria), os baianos etc. Um pouco de tudo. No Brasil, temos uma variedade musical riquíssima! Dá para oferecer uma festa inteira com música nacional, variando o tempo todo. 

Os últimos convidados, brasileiros é lógico, saíram por volta das 4:30 da manhã. Me arrependi de não ter feito a tradicional sopa para fofocarmos juntos. Que seja a primeira de muitas! 

50 – A ressaca sem culpa

No dia seguinte, inevitável, a boa e velha ressaca!  

Normalmente, as ressacas são seguidas de uma interminável lista de desculpas esfarrapadas e de não-faço-isso-nunca-mais, por-que-bebo, charuto-que-idéia-de-jirico, etc-etc-etc. Pois quer saber, dessa vez veio sem um pingo de culpa, talvez porque não tenha sido tão forte. 

Alguém acha que depois de passar a manhã em pé num frio de 5 graus faria algum bem beber e fumar charuto? Claro que não, né? Isso eu já sabia! Mas também, ia ficar me regulando no aniversário? Nem morta! A única coisa que sempre tento me lembrar é de tomar bastante água.  

No dia seguinte, arcar com as consequências: uma gripe chata e uma alergia horrorosa! Sem falar do cérebro que não cabe na cabeça e parece que vai derreter pelas orelhas. A culpa foi muito mais do frio da fila da manhã que do balde chutado – ou será essa uma das desculpas esfarrapadas?  

Pois que seja, tudo bem, vai curar. 

51 – Uma boa idéia!

Na verdade, não tenho nenhuma boa idéia, mas não resisti ao capítulo “51”. Vai ver o álcool ainda está circulando pelo meu sangue desde a festa! 

O que quero contar é que costumo eleger um esquisito por dia. Sim, porque esquisitos vejo o tempo todo, mas sempre tem um que se supera. O problema é que hoje haviam três e fiquei na maior dúvida quem eleger. Alguém quer votar? 

O primeiro esquisito vi no metrô, infelizmente foi rápido e só pude notar seu visual, mas não consegui estudar seu comportamento. Muito bem, era um homem todo vestido de jamaicano, com direito a boina colorida, cabelo dred e camiseta com raminho de cannabis. Até aí, vá lá. O que deixava essa figura curiosa era que tinha uns 60 anos, cabelos grisalhos,  barba por fazer e branco. Desculpe, mas um coroa branco vestido de jamaicano com trancinhas afro me parecia uma contradição em si mesmo. Não havia nada errado, mas a imagem não batia com o conceito. Era tão exagerado que parecia uma fantasia ou caricatura. Preconceito meu? Tá bom, tá bom, então vamos às próximas candidatas. 

A próxima era uma “Christina-Aguilera-wanna-be”, ainda por cima, com a imagem ultrapassada. Um cabelo de medusa pintado com mechas claras, uma maquiagem fortíssima de olhos coloridos e uma bota vermelha, bico fino, por cima da calça. 

A terceira candidata era uma “colegial”, vestida com saia curta plissada, meia até o joelho, sapatinho comportado, camisa e casaquinho por cima. Até aí, imagino que rola um fetiche, sei lá, não entendo, mas sei que há. O engraçado era olhar o rosto de CDF que ela tinha, com óculos fundo de garrafa e tudo! E não era uma estudante de verdade, ok? Pela idade era impossível. De qualquer maneira, uma CDF fetichista, para mim, era outra contradição!  

E aí? Quem ganha?