15 – Surpresas

Não gosto muito de surpresas, acho que já improvisamos o suficiente na vida. Sou caxias, paciência! Quer dizer, pelo menos para mim, quando é para os outros posso achar divertido e colaboro, isso se a pessoa curtir também. Luiz é parecido comigo nesse aspecto, ainda que normalmente conte mais com o improviso do que eu. Acho que a gente fica com vergonha, sei lá. Talvez porque sejamos assim, até o último momento das surpresas alheias, quando a pessoa leva bem a situação, ficamos meio nervosos.

 

Então, tá. Estava de manhã em casa e toca o celular, óbvio, do outro lado do mundo. Eu e meu celular temos um acordo, nunca estou perto quando ele toca. Quando cheguei já havia parado de tocar e não reconheci o número. Pensei, vão ligar para o fixo, meus amigos sabem que raramente atendo o celular. Tocou novamente e me senti tentada a não atender, mas pela insistência podia ser algo importante e depois lembrei que pouca gente tem o novo número de casa. Atendi. Sem problemas, era um amigo.

 

_ Meu (paulista, né?), você precisa me fazer um favor!

 

Ui, pensei, será que ele está em uma encrenca? Respondi, fala, vou tentar. Esse meu amigo está noivo e quer entregar o anel de compromisso amanhã, obviamente, fazendo uma surpresa para sua amada. E logo com quem ele vai contar? Putz! Que mêda! Mas gosto dele e dela, como ia deixá-lo na mão?

 

_ Vai lá, me conta seu plano malévolo…

_ Você precisa ligar para ela hoje e convencê-la a jantar na quarta-feira.

_ Mas se ela não puder? Pode ser outro dia?

_ Não tem jeito, tem que ser na quarta de qualquer maneira! Ela pode dizer que não sabe se eu estarei em Madri, porque talvez estivesse em Barcelona. Mas pode dizer que o Luiz falou comigo e eu disse que podia. Tem que parecer natural.

 

E eu pensando, natural? Eu no telefone natural? Não sou natural nem falando a verdade! Já comecei a ficar nervosa só de imaginar… ainda por cima ela é espanhola, vou ter que enrolar em outro idioma!

 

_ Vou tentar, então posso dizer que você confirmou com Luiz?

_ Sim, mas não chama muita atenção. Outro problema é que na quarta-feira é dia do plantão dela…

_ Ai, cassilda, como é que vou convencê-la a sair para jantar no dia do plantão?

_ Não sei, mas tem que ser na quarta! Dá um jeito! Ela pode sair um pouco mais cedo.

_ Tá bom, então eu chamo. Mas, de verdade, é para a gente ir no jantar ou não?

_ Não, no dia, você vai ligar para a gente na mesa e dizer que vai furar.

_ Ãh? Deixa eu recapitular, eu sei que ela está completamente enrolada no trabalho, quase enlouquecendo com os preparativos do casamento, completamente sem tempo! Daí preciso me virar para ela matar o plantão, sair para jantar conosco e ainda por cima não vamos? Ela vai ficar muito brava!

_ Beleza! Essa é a idéia. Daí, sem ela saber, vou contratar um mágico, desses que faz truques na mesa e ela vai ficar mais enfurecida ainda. Só que no truque final, virá o anel de compromisso! Vai ser aquele mico total no restaurante, mas ela vai adorar, ela gosta dessas coisas.

 

A propósito, também não sou chegada a mágicos, fico sem paciência. Ele não vai me contar mesmo como faz o truque no final! Para que quero ficar curiosa? Mas voltando ao assunto…

 

_ Mas você tem certeza que ela vai gostar disso? Eu ia te matar! E se ela levantar antes e for embora?

_ Não vai, pode deixar que ela vai gostar. Ela adora esses pedidos americanos, pode dizer que é meio cafona, mas ela vai gostar. Fizeram algo parecido para não-sei-quem e ela adorou…

_ Jooooder… mas depois você vai limpar minha barra, né? Olha lá…

_ Ela vai gostar… ela vai gostar… liga para ela e depois me avisa.

 

Claro que desliguei o telefone em cólicas! O que vou dizer? E se ela disser não, a culpa da surpresa não funcionar será minha! Mas e se ela disser sim e detestar a surpresa? Ai, meu Deus! Bom, problema deles, ele me garantiu que ela ia gostar… Então, deixa eu embasar melhor essa mentira, para ela não me pegar em um detalhe bobo.

 

Fiquei ensaiando um pouco algumas probabilidades de viagens e motivos que não dariam para que o tal jantar fosse depois nem antes. Por sorte, tinha também um bom álibi, porque Luiz vive viajando, se digo que ele vai viajar, todo mundo acredita. Resolvi ligar logo, antes que ficasse mais agoniada.

 

Nesse período, ele ligou para ela, dizendo que Luiz havia os convidado para sair, de maneira que não a peguei tão desprevinida. Aproveitei que ele veio à nossa casa no sábado, mas ela não pôde vir, justamente porque estava de plantão. Inventei que Luiz e eu tínhamos uma surpresa para eles, mas que só queria falar com os dois juntos, por isso não falamos nada com ele no sábado. Ela começou a se desculpar por não ter podido vir e que parecia que era pessoal, mas a verdade é que ela estava ocupadíssima com o casamento e o trabalho. Juro, fiquei com uma dó danada, porque a pobre estava realmente enrolada e nunca iria fazer essa chantagem sentimental em um momento desse, mas vá lá. Disse que entendia, que não tinha problema e que perdoava tudo se eles fossem jantar conosco na quarta-feira. Ela não tinha como dizer não e felizmente não disse. Respirei aliviada por ter mentido só um pouquinho e nos despedimos.

 

Liguei para meu amigo, pronto, está armado! Agora é com você! Depois me passa o endereço do restaurante que mando para ela.

 

O que aconteceu? Deu tudo certo! Ela realmente adorou, se sentiu lisongeada dele ter pensando e cuidado de tantos detalhes. Ficou um pouco chateada no começo, como planejado, por a gente ter furado na hora e não percebeu nada até que recebeu o anel do mágico. Falei com ela no dia seguinte e estava super feliz. Ufa!

 

Pensando bem, surpresas podem ser muito legais.

 

 

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