Algumas considerações após a viagem e encerramos esse assunto!

Eu tenho um lado meio camelo, depois de ingerir rapidamente as informações, gosto de revisitá-las e fico ruminando e espremendo significados que sei que estão lá, mas não me aparecem de forma tão evidente. Preciso ir juntando as pontas soltas até digerir realmente o alimento.

Por uma questão logística, visitamos dois países culturalmente bastante diferentes entre si, Israel e Jordânia. Não são exatamente inimigos nesse momento, mas também não podemos dizer que sejam amigos. A tensão não é imaginária, ela existe e tem seus motivos em ambos os lados.

Não tenho conhecimento suficiente para julgar quem está certo, ou quem estaria certo em que ponto especificamente. E acho que nem vem ao caso. Não tenho a intenção de comparar duas nações, porque não se compara chocalho com banana! Diferenças são mais ricas quando entendidas e não quando comparadas.

Mas posso traçar analogias com experiências que vivi e é o que vou fazer agora.

Meninas tem a mania de ter uma melhor amiga, não sei se é universal, mas era algo recorrente na minha infância. Com a adolescência isso foi perdendo o sentido e na fase adulta chega ser bobo você querer categorizar seus amigos.

Mas o que importa no momento é que a minha primeira melhor amiga no colégio era judia. A conheci no primário da Escola Paroquial Santo Antônio. Sim, ambas estudávamos em um colégio católico.

Certo dia minha mãe foi chamada à direção para conversar, nada raro de acontecer, porque  vira e mexe eu arrumava alguma confusão. Mas dessa vez, a diretora sabendo dessa amizade e afim de evitar mal entendidos, queria avisar minha mãe que minha melhor amiga era judia e filha de pais separados. Queria saber se ela tinha algum problema em relação a isso. Não, minha mãe já sabia dessas duas informações, afinal frequentávamos as casas mutuamente, e não tinha a menor restrição a respeito. Vale comentar que além do colégio ser de freiras, naquela época, pouca gente se separava, ainda era um tabu. E quanto à religião, acredite se quiser, era motivo de medo ou vergonha se dizer que não era católico. Portanto, mais do que preconceito, honestamente acredito que a diretora estava se adiantando para mediar uma possível situação constrangedora para todos os lados. Hoje isso parece abominável ou ridículo, mas estamos falando de trinta e tantos anos atrás.

Em relação à nossa amizade, não fazia a mínima diferença. Ela me dizer que era judia e não católica era como se me contasse que preferia sorvete de baunilha ao invés de chocolate. Só entendi que havia algo relacionado a uma maneira diferente de pensamento quando descobri que ela era liberada de fazer os deveres de casa e as provas de religião (católica).

Obviamente, no mesmo dia cheguei em casa pedindo para minha mãe: quero ser judia!

_ Hein? E por que você quer ser judia?

_ Não precisa fazer dever de casa de religião. Minha amiga não faz!

_ Bianca, ela não estuda a religião católica, mas ela estuda a religião dela. Se você quisesse ser judia ainda ia estudar mais!

Já não me pareceu tão bom negócio e assim perdi meu interesse em me converter! Mas ela continuava sendo minha melhor amiga.

No ano seguinte, ela foi estudar no turno da manhã e segui no turno vespertino, portanto, acabamos por nos separar. Até que houve uma gincana entre todas as turmas do primário e finalmente nos reencontramos.

Só tinha um problema, como agora éramos de turmas diferentes, também estávamos em times diferentes, competidores! E para completar, a torcida da sua turma se sentava bem ao lado da minha, em uma arquibancada de ginásio. Ficamos completamente divididas e achando aquela gincana um saco!

Até que resolvemos ignorar a competição, fomos nos aproximando e sentamos lado a lado, abraçadas, bem na escada que funcionava como corredor, separando as duas torcidas. Escutamos reclamações dos dois lados, que éramos traidoras, essas coisas de criança. Nos defendemos mutuamente e continuávamos querendo que nosso time ganhasse, mas seguimos abraçadas até o fim.

Eu juro que não me lembro quem ganhou. E não tinha idéia de como esse gesto me serviria várias vezes como metáfora, muitos anos depois.

O tempo passou e não sei onde ela foi parar, perdemos o contato. Uma pena, mas isso tudo aconteceu bem antes da internet e dessa facilidade em localizar as pessoas.

Mas enfim, pela adolescência comecei a estudar sobre o holocausto e foi só então que descobri que ser judeu não era apenas como torcer por um time diferente. A coisa era bem mais complexa. Talvez até por causa da minha amiga de infância, me solidarizei à causa.

Vou ser bastante sincera e provavelmente politicamente incorreta, mas alguns anos mais tarde e bastante mais crítica, comecei a notar certo corporativismo no mundo empresarial. E mesmo socialmente, vi nesse universo judaico um espaço fechado e restrito. Interpretei como um tipo de preconceito às avessas que não gostei. Como assim? Eu não devo ser preconceituosa com eles, mas eles podem ser comigo?

E novamente com o tempo, isso já não me fazia diferença, não era algo que me fizesse pensar tanto a respeito e tive pela vida outros bons amigos judeus, que muitas vezes nem sabia que o eram.

Mas agora, com a ida a Israel, não houve como não pensar que poderia ser tratada diferente ou com certa frieza no país. Esperei por isso, talvez de maneira inconsciente. Coisa que não aconteceu e, portanto, me sinto na obrigação moral de ressaltar esse ponto.

Fui muito bem tratada, não sofri absolutamente nenhum tipo de preconceito. As pessoas eram naturalmente simpáticas e abertas. Tem sua cultura? Claro que sim, talvez disso tenha valido sua sobrevivência. E entendendo um pouco melhor essa questão agora que moro na Europa. Todos os países aqui são protecionistas, que não se tenha ilusões a esse respeito. E sim, esse protecionismo em algum momento pode gerar preconceito, mas não é a mesma coisa e não necessariamente o geram.

A grande mensagem que recebi é: se você não me quer o mal, nem me mudar, seja o que quiser e seja bem-vinda. Diga-se de passagem, meu lema de vida!

E agora, mudando o lado da fronteira, vamos até a Jordânia, que dentro do mundo árabe, está entre os mais liberais. Ainda assim, estamos falando de um país muçulmano.

Não é o primeiro país muçulmano que visito e já havia quebrado esse mito de que todos estão prontos para colocar uma bomba na cintura!

A gente escuta muita coisa e acredito que parte deva ser verdade, mas não me sinto confortável em falar do que eu imagino que é, só posso falar com propriedade sobre o que vi e como foi minha experiência.

E na minha experiência, fui tratada com amabilidade, respeito e simpatia.

Uma coisa é fato, absolutamente todas as pessoas que se relacionaram conosco de alguma maneira, a primeira pergunta que faziam era: de onde vocês são? Depois que respondíamos que éramos brasileiros, nos diziam sempre que éramos bem-vindos. Leio isso de duas formas, existe uma preocupação com sua origem além da simples curiosidade. Tenho minhas dúvidas se todos seriam bem-vindos e isso poderia ser categorizado como preconceito. Por outro lado, o Brasil não é um país muçulmano e eles sabem muito bem disso. E ainda assim, nos aceitavam abertamente.

Nós éramos turistas e eles dependem do dinheiro do turismo para viver, certo? Certo, mas sério, me senti infinitamente menos explorada do que quando visitamos a Itália, por exemplo. Existe a abordagem, mas não sofremos nenhum tipo de assédio. E pode acreditar, mais de uma vez nos ajudaram e para nossa surpresa, sem nenhuma expectativa em receber nada em troca.

Tive esse sentimento que eles gostam e se orgulham que você saia de lá com uma boa impressão do país e deles. Um detalhe me chamou a atenção, estão constantemente sorrindo. O brasileiro tem muito dessa atitude também.

Na Jordânia não é obrigatório o uso do véu, nem a rainha usa. Ainda assim, é comum ver as mulheres locais de cabeça coberta e os homens também. Sim, é verdade que funciona como identificação de tribos e origens, mas vai encarar aquele sol a pino sem estar com sua cabeça coberta para ver o que te acontece! Nem sempre é uma questão religiosa. E por não sê-lo, me deu vontade de amarrar minha cabeça também, sabe por que? Eu acho bonito e protege do sol.

Com ou sem a cabeça coberta, as pessoas me olhavam igualzinho. Inclusive fisicamente, não senti nenhuma barreira. Gostavam de fotos e de sair nas fotos conosco, tinham vontade de se relacionar.

Não percebi ninguém nos julgando, ninguém tentou me converter e ninguém me tirou nenhum pedaço. Ah, mas se você for para o interior… mas no fundo no fundo… mas outras 32 mil hipóteses que não aconteceram. Como já disse anteriormente, só posso avaliar o que vivi.

Muito bem, fizemos praticamente toda a viagem por nossa conta e risco, mas em dois dias tivemos guias nos conduzindo. Um deles em Jerusalém e outro em Wadi Rum; um judeu e um muçulmano.

Conversando com o judeu, lembro dele falando algo como que no fim das contas a religião de cada um pouco importava, cada qual que acreditasse em suas verdades e respeitasse os demais. No fundo, o que provocava todo conflito era o dinheiro e não a religião. Atrás de todas as guerras, conspirações e afins, sempre há alguém ganhando economicamente e será o que regerá a direção. O resto segue a boiada. Não foi exatamente com essas palavras, mas a idéia era essa.

Do outro lado da fronteira, o muçulmano, em jejum pelo Ramadán, reclamava que o mundo árabe era muito unido contra seus inimigos, mas entre si, cada um seguia seus interesses. Que o dinheiro estava estragando as pessoas que perderam o foco do que importava de verdade.

O judeu simplesmente queria circular sem medo de ser atacado em sua casa, ficar em paz com sua família e suas crenças. O muçulmano queria ficar em paz no seu deserto, com sua família e seus cavalos. Se alguém ganhava com o conflito, certamente não era nenhum dos dois e tinham bastante clareza quanto a isso.

Eles nem sabem que desde pontos antagônicos, acreditavam na mesma coisa. Porque o ser humano é muito mais parecido do que imagina.

Mesmo Luiz e eu, pela nossa aparência, poderíamos ser um casal  de uma judia e um muçulmano. Não somos, mas temos nossas diferenças e nem sempre são tão pequenas. Tem dias que me lembro da oração das mulheres casadas: deus, daí-me paciência… porque se me deres força, mato ele! Não tenho dúvidas que ele terá suas queixas também, mas no fundamental nos parecemos em muita coisa. Chega uma hora que você já não faz questão absoluta de ter razão, não quer mudar mais ninguém, só quer que te aceitem como você é e ficar em paz na sua casa.

Pode ser entre duas amigas, um casal ou dois países, mas o conceito é muito parecido, respeito.

Sei que é uma utopia quase ingênua, mas tem dias que a gente descobre que vale mais a pena sentar no meio da escada e assistir a partida abraçados. Afinal, há muito mais chance de você recordar desse momento do que se lembrar de quem ganhou o jogo.

9 comentários em “Algumas considerações após a viagem e encerramos esse assunto!”

  1. Lindaaaaaaaaaaa, amei a historia da melhor amiga 🙂 Vejo minha sobrinha agora com 11 anos falando de melhor amiga, rsrs o engraçado é que a cada dia ela nomeia uma rsrs ela tem dó de ter só uma melhor amiga rsrss entao ela tem umas 3 ou 4 melhores amigas. Amei todos os relatos Bibis. E claro que sim, assistir ao partido abraçados é e sempre será bem melhor !!!! Grande beijo.

    Vou assinar porque agora com esse monte de coisas aqui pra me identificar sempre acabo aparecendo como anonima rsrsrss.

    Didis

  2. Bi!
    Toda vez que leio teus escritos me encanto.

    e essa frase “vale mais a pena sentar no meio da escada e assistir a partida abraçados. Afinal há muito mais chance de você recordar desse momento do que se lembrar de quem ganhou o jogo”. todos deveriam levar pra vida toda.
    bj

  3. Bianca querida, como não poderia ser diferente, vc. nos encanta com sua narrativa.Amei amei!!! Sabe, me identifico muito com suas posições, tanto em relação às “diferenças”, como às “semelhanças” que vc. tão bem identificou nos dois povos que visitou.Em realidade penso, também, que maiores são as
    diferenças que implicam no dinheiro, pois todos preferem viver suas vidas e
    criar seus filhos para um mundo melhor, sem a violência da guerra, uma constante lá
    para aquela região, infelizmente. Muito lindo o relato sobre sua melhor amiga,emocionante e muito você mesmo! beijo saudoso, Anna Hilda

  4. Hà alguns anos fomos ao Egito. Sabia de toda a questao do dinheiro (comércio) que por qualquer coisa queriam te vender até a “mae da vizinha”, a pechincha e todo esse tipo de coisa que eu nao suporto. Desde o sul do Egito até o Cairo, o que encontrei foram pessoas super simpàticas, amàveis, cheias de sorrisos, que na primeira conversa abriam as carteiras pra mostrar as fotos dos filhos … e lembro até hoje de uma lojinha em que fomos onde nao comprei nada e saì de là com um presente que o dono da loja amavelmente e com muita insistencia me deu (um colar que representava a chave da felicidade). Muitas vezes criamos ‘pré-conceitos’ que, embora pertençam a um certo tipo de realidade, no final nada mais sao do que formas e maneiras que podem ser vistas e vividas de modos distintos.
    Aquela velha història: a gente recebe de volta aquilo que dà. Vcs os respeitaram. Pq nao obteriam o respeito de volta?
    E como vc mencionou a Itàlia, nao posso deixar de contar um fato.
    Um dia, conversando com um pizzaiolo egìpcio que conhecemos aqui, ele comentou que adorava Roma … sobretudo pq parecia muito com o Cairo, sò que là as pessoas eram mais simpàticas 🙂

    Bjinhos!

  5. Obrigado, Bi, pela generosidade de compartir momentos tão íntimos dessa pessoa gostosa que é você e nos levar para viajar com vocês. Agradeça aos seus pais também, por terem feito você com esse talento de expressão, fazendo essa viagem tão mais prazeirosa do que seria se um simples mortal estivesse no comando da narrativa (imaginem se fosse o Luiz a narrar, aff, acho que eu não chegava nem em Barajas). Esse último post está lindo, vc foi fundo e disse coisas profundas, A metáfora verdadeira da arquibancada é genial, e o melhor é saber que você não floreoou nem inventou, foram fatos vividos em primeira pessoa que nem um poeta querendo criar uma metafóra talvez criasse um episódio tão singelo. Não sei se é original ou se já tem autor catalogado e vc somente citou. Nem vou me preoucpar em googlar para investigar um possível plágio. A minha frase preferida da sua narrativa e que eu vou usar e cotar como sendo sua daqui para frente é: como diz a minha amiga Bianca: “Diferenças são mais ricas quando entendidas e não quando comparadas.” !!!
    Annibal

  6. Oi, Didis! Pois é, tive algumas melhores amigas… heheheh… e algumas primas que ocuparam o posto, até melhores amigos (sem namorar) eu também tive! Hoje é bobagem, mas na época acho que ajudou a dar mais segurança nesse lado social, principalmente porque não tinha irmã, só um irmão mais novo.

    Sonia e Anna, muito obrigada! Saudade de vocês! Anna, cadê Marianne?

    Oi, Tati! Tenho ascendência italiana, o que me deixa por um lado mais à vontade de falar da Itália. Com certeza, morando deva ser bem diferente, mas fazer turismo por lá… putz! É lindo, mas tem que ter saco e estar atento o tempo inteirinho, porque tentam se aproveitar de você de todas as formas possíveis! Verdade que sempre com um sorriso encantador, mas te metendo a faca! Lógico que também tem gente boa e adoro Roma, diga-se de passagem! Acontece que Biancosa aqui só vai fazer as pazes com a Itália quando o maledetto Berlusconi estiver bem longe do poder!

    Annibal, que bonitinho, fiquei até emocionada! Obrigada! E onde está o blog honconguense?

    Besitos

  7. Oi, Bianca!
    Pois é … se fazer turismo por aqui jà é complicado, imagina morar … afff 🙂
    Eu sò fiz “as pazes” e desisti de sair correndo daqui depois de dois anos vivendo a rotina romana. (no final é aquela velha història: a gente acaba acostumando)
    Sabe uma coisa que eu nao entendo, ninguém aguenta o “Berlusca”, mas ele se elege :O
    Aqui necessitamos urgentemente de uma atitude por parte das pessoas, senao creio que por muito tempo ainda teremos que atura-lo.
    Baci!

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