A proximidade da ida ao Brasil tem me deixado pensativa. Vou uma vez ao ano, sempre sozinha, e as sensações são diferentes a cada visita. Agora vou com Luiz, há mais de quatro anos nossos amigos de lá não nos encontram juntos.
A primeira vez que fui de férias foi intensa. Havia passado um ano difícil nos EUA, me sentia sufocada. Era uma iniciante na burocracia de documentação estrangeira, ano de reeleição do Bush, processo de mudança para Espanha no ar, imposição de medos novos que não me faziam sentido. Até a última semana da viagem fui no suspense de aprovação de vistos, sem saber se poderia ou não embarcar. Cheguei no Brasil querendo festa, família, amigos, uma recarga de energia. Não tinha vontade de voltar ao meu país, mas não havia perdido muitos vínculos.
A segunda vez que fui ao Brasil foi mais tranquila e muito diferente. Aproveitei mais a família, e já não sentia uma necessidade de desabafo. Era também o aniversário de 60 anos da minha mãe, outra vez fui no suspense até o final com a documentação, mas consegui resolver a tempo e isso funcionou para mim com um “tá vendo, posso compatibilizar vidas em países diferentes sem perder nada importante”.
Entretanto, o ambiente brasileiro me provocava constante estranhamento, não era mais minha casa, me sentia visita. Fui visitar cidades onde ia na infância e adolescência, por um lado, por curiosidade, mas agora que o tempo passou, não sei se não buscava algumas raízes, lembranças, sensações, algum rosto remotamente conhecido.
A terceira e a quarta vez, fui em função de problemas de saúde na família, e isso acaba alterando suas prioridades. Mesmo assim, notava que estava começando a esquecer caminhos por onde sempre dirigi, que minha alimentação não era a mesma, que ouvir a TV em português era engraçado, enfim alguns detalhes pequenos que parecem ir apagando aos poucos quem você era. Não quero ser dramática, não é que você vá desaparecendo, você vai mudando, é só isso. Se estivesse ainda morando no Brasil, continuaria mudando também, mas ficaria menos evidente e talvez a velocidade fosse menor.
Uma coisa era bastante clara, era quando voltava, nesse caso para Madri, que me sentia chegando em casa. O fato do Luiz estar aqui com Jack certamente contribuía bastante para isso, mas também acho que era muito em função de estabelecer algum ponto de referência, mesmo que esse ponto pudesse mudar.
Na última vez que viajei, de novo foi diferente. Quando cheguei no aeroporto do Rio, na imigração fui recebida por um agente que perguntava às pessoas sua nacionalidade, respondi brasileira com o sotaque que é meu. Recebi de volta um bem vinda, pode passar direto por ali… Havia um respeito no seu “bem vinda”, que pode até ser minha imaginação, mas senti honestidade e orgulho. Bateu uma emoção esquisita, de filha pródiga.
Na volta, para me confundir um pouco mais, havia muita notícia de brasileiros sendo barrados e mal tratados na imigração da Espanha, isso foi em 2007. Fiquei apreensiva, apesar de não ter absolutamente nada de irregular na minha situação. Essa é outra coisa maluca, você se sente vulnerável mesmo sabendo que está com tudo certo. Ao contrário dos prognósticos, fui recebida com um sorriso dizendo “brasileira residente, pode passar”. Foi um gesto simpático e correto que me encheu de boa vontade e me fez sentir bem recebida novamente.
E é esse dilema que me confronta regularmente: quero ser brasileira residente ou quero ser brasileira? Eu preciso ser brasileira? E se não for brasileira, sou o que?
Complicado, porque as respostas se alternam. Quando estou no Brasil e alguém fala mal da Espanha, fico muito brava e defendo a cultura. Quando estou em Madri, fico injuriada com o lado provinciano. É um processo neurótico, mas muito comum entre estrangeiros residentes, não só aqui na Espanha, você vira embaixadora dos dois países, só que defende ao contrário.
Mas alguma coisa aconteceu do ano passado para cá, quase todos meus amigos brasileiros expatriados que foram de férias ao Brasil sentiram algo diferente na volta. No início, achei que poderia ser pelo clima que anda na Espanha. É época de eleições e o tema imigração vem sendo explorado das maneiras mais absurdas, vai te enchendo o saco. Acredito que melhore um pouco no futuro, vamos aguardar.
Depois observei que vai além disso, tem alguma espécie de padrão nesses sentimentos de acordo com o tempo que você está fora do seu país de origem. É óbvio que as pessoas não seguem todas uma receita pronta, mas vejo uma tendência.
Os que se casam, por amor, com um nativo do país estrangeiro, tendem a ficar. O que faz muito sentido, considerando que se aproximaram por características e valores que se atraem. Principalmente, depois que tem filhos, porque daí também são outras raízes. Enfim, é uma seara que não entro muito porque não posso falar por conhecimento de causa, só por observação.
Os solteiros e os casais, onde nenhum dos dois é nativo no país, o que é meu caso, me parecem passar por um processo parecido no primeiro e no quinto ano residindo fora.
O primeiro ano costuma seguir dois caminhos. Um é o da rejeição, onde tudo parece mais difícil e se resiste à mudança. O outro acontece principalmente em casais que já fizeram isso antes, tendem a achar tudo uma maravilha. Ou talvez, melhor dizendo, mesmo o que a gente não gosta, é possível ver com bom humor. Estamos o tempo todo tentando entender o que é cultura e o que são acontecimentos isolados. As coisas são novidades, há um período de aprendizado que apesar de eventualmente ser difícil, é ao mesmo tempo motivador, interessante ou curioso.
Passado o primeiro ano, quase todo mundo está adaptado. Pode gostar ou não, mas já não sofre intensamente, nem se deslumbra. Você começa a separar o que te interessa e deixar de lado o que acha pior. A gente se questiona com frequência sobre identidade e vê os defeitos com maior senso crítico. Acho que no fundo, estamos constantemente pesando se realmente vale à pena. Enquanto os pontos positivos superam os problemas, ficamos.
Claro que estou falando de quem tem opção, porque infelizmente também chega gente que não tem grandes alternativas em seu próprio país e aceita qualquer condição.
Muito bem, me atrevo a dizer que o quinto ano é decisivo, parece meio cabalístico. Acho que equivale ao sétimo ano de casamento, ou você rompe ou fortalece. Em abril completarei três anos de Madri, mais de quatro fora do Brasil, estou prestes a entrar no emblemático quinto ano.
Não me separei quando fizemos sete anos de casados, sempre achei que esse negócio de crise era lenda. Quando a crise chegou me pegou de surpresa e foi sofrido. Superamos e nas próximas semanas faremos 14 anos de casados, muito bem obrigada. Talvez seja bom não acreditar em crise e só tratá-la se realmente aparecer, mas quem sabe não seja útil saber da sua probabilidade? Pelo menos ficamos mais atentos.
E justo nesse quinto ano, vou com Luiz ao Brasil, parece uma provação. Posso me sabotar e dizer que é o quinto ano fora, mas na Espanha ainda será o quarto… ufa, tenho tempo! Mas sei que isso não importaria tanto, mais do que um fato matemático, é uma ordem de grandeza.
No fim de fevereiro foi aniversário do meu pai, fez 69 anos e uma grande festa, quem me conhece já sabe que sou de uma família festeira. Ver as fotos e os vídeos da festa tem um lado gostoso de saber que as pessoas estão bem e outro nostálgico de saber que estou perdendo momentos. É duro me pegar prestando atenção nas expressões e detalhes, e ter a intuição pretenciosa de perceber minha mãe pensando que eu poderia estar lá.
Eu poderia estar lá, mas a que preço?
Engraçado porque me lembro dos primeiros anos na Espanha, quando ouvia qualquer queixa a respeito da cultura, me irritava, não queria estar próximo a isso, negava mesmo. Estava na minha bolha de proteção onde nada de mal poderia me alcançar, se eu era capaz de me adaptar a quase tudo… E da minha própria boca saiu várias vezes a frase: se não está satisfeito, por que não vai embora? Se está aqui é para se adaptar!
Com o tempo fui notando que algumas coisas era eu sim quem deveria me adaptar, mas outras não. O mundo segue direções e não adianta ficar para trás, seja lá em qualquer cultura. A gente precisa o tempo inteiro exercitar o “não” sem raiva. Ter um objetivo e ir atrás dele de maneira mais fria. Isso me custa, porque sou passional por natureza, mas posso ser bem calculista se for necessário e nesse momento sou assim.
Portanto, hoje quando escuto esse “se não gosta, por que não vai embora?”, tanto para mim quanto para outras pessoas, me parece uma pergunta tão existencial quanto “quem é você?”. Como se isso fosse possível responder em um parágrafo. Existe pelo menos um milhão de respostas e motivos! Cada um tem os seus e sabe a dor e a delícia de ser o que é.
Não sei o que nos reserva esse ano, mas vamos um passo de cada vez. Por hoje, quero saúde, paciência e lucidez para decidir.
Ai chica, ja vivi esses fantasmas , crises tbem mas…
Graças a Deus passou !!!!
Ano passado qdo fui com o Nando, geralmente vou sozinha tbem, foi tudo de bom, e na volta a Madrid , senti realmente que estava voltando pra casa!!!
Nós estamos de aniversario tbem essa semana, alias , amanha !!! 8 Anos!!!
Espero de coraçao que vc tenha essa lucidez pra decidir!
E puxando a bola pro nosso lado , rsrss, claro que seja a decisao de ficar!!! 🙂
Beijosss
Oi, Didis! Mais coisas em comum? Caramba!
Vocês fazem aniversário dia 11, a gente faz dia 18! Tem que rolar comemoração dupla esse finde!
Besitos
Oi Bianca
Bom nunca morei fora do nosso país, fiz outros caminhos. Mas minha filha Luciana tem muuuuita vontade de ter essa experiência. Assim estamos nos programando para depois que ela fizer 18 aninhos vá para Londres fazer ingles, ainda não sei o período, mas temos que ir nos preparando não é?
Será que com o passaporte portugues, que ela pode ter por conta dos avós, facilita essa rejeição???
Beijos
Oi, Marianne!
Com o passaporte português ela pode inclusive trabalhar legalmente na Inglaterra. Além de ter portas abertas para entrar na Europa. Se fosse você, corria atrás disso urgente! Nunca se sabe quando as portas podem fechar.
A única coisa é que é caro para burro! Há algumas alternativas de ir trabalhando ou conseguir bolsa de estudos, o que é mais razoável. De qualquer maneira, acho a experiência imperdível.
Besitos, Bianca
Que dilema hein amiga!
É a vida, né? A gente está sempre fazendo escolhas… Mas dando uma de Polyana, pelo menos ainda tenho escolha! 🙂
Exatamente!
Vc ainda tem escolha. Isso não é pouca coisa, minha amiga! Não é mesmo!!
Garota, esse tema é vasto, amplo e podemos ficar dois dias falando dele – aliás, pelo menos meio dia a gente já usou para falar, né? hehehehehehehe
Mas o que eu acho que posso acrescentar em relação ao que eu sempre falo e repito é que eu acho que essa sensação de gostar ou não de onde se está, seja em “terra estrangeira” (que também é nossa por adoção, nem que for pelo breve tempo que estamos vivendo ali) ou na nossa terra natal, tem muito a ver com o que estamos vivendo. Ou melhor: com o que nos permitimos viver. Tem muito a ver com o fato de estarmos ou não fazendo o que a gente sonha em querer fazer, o que a gente tem tesão de fazer… digo isso profissionalmente, em especial, mas também no demais da vida.
Pessoalmente, muitas vezes, tenho vontade de dar um chute em tudo e voltar para o Brasil para começar JÁ a fazer o que eu realmente quero fazer. Mas sei que isso é impossível, porque para chegar lá, no que eu quero fazer, tenho que passar pelo que estou passando agora. E é isso. Quando você sabe o que você quer fazer – ou se não sabe, pelo menos intui o que não quer -, fica mais fácil “sentir” se terminou o tempo em um lugar ou não.
Voltar ou não para o Brasil é uma questão de cada um. Assim como determinar o tempo em que se deve ficar em um outro lugar – que pode ser o nosso lugar para o resto da vida, também. O que determina essas coisas passa por família e sonhos… pelo que a gente quer pra gente. O difícil, às vezes, é encarar isto… a verdade sobre o que a gente quer.
Por isso te desejo força, paciência e sabedoria para saber o que é e correr atrás. Seja onde for. Eu estarei por perto, de uma maneira ou outra. Sorte, minha amiga! Bjs
O fantasma comecou a rondar em Terras Coreanas… Ainda estamos no segundo ano, e a lista de duvidas ja’ e’ imensa. Besitos!
Acho que o pior é nao estar presente nos eventos da família….nem nas fotos, nem em nada, parece que você se apaga da sua própria família.
Eu tive uma crise dessas depois do aniversário de 4 anos do meu sobrinho…foto família, sem mim. Por isso movi mes pauzinhos e dei uma passadinha basica no fim do ano. Vi meu sobrinho nascer e nao parei de tirar fotos com a family…acho que o problema está, por hora, solucionado 🙂
besos!