80 – Volta à rotina

Acho todo fim de férias muito difícil. Sempre embarco de cabeça nas viagens e, na volta, é normal esquecer coisas básicas, como o andar onde moro, por exemplo. Cheguei a pensar que havia esquecido como falar espanhol, de tão desligada da vida que estava. Claro que foi puro delírio, mas o fato é que cheguei em casa meio desconcertada.

 

Começa com uma pilha de roupa suja e a casa para arrumar, que de cara me lembra que estou longe daquela vida aristocrática do dolce far niente. Depois, logo no primeiro dia, precisava fazer compras, pois a geladeira estava completamente anoréxica, tadinha! Mas até aí, tudo bem, era de se esperar. Também não acho que seja uma rotina assim tão horrorosa, pelo contrário.

 

O que me incomodou mesmo foi como me senti andando na rua sozinha nesse primeiro dia. Não consegui ter a sensação de estar voltando para casa, como costumava acontecer. Não tinha vontade de falar, para não assumir que era estrangeira e quis voltar logo para dentro do apartamento. Foi uma sensação de estranhamento muito esquisita.

 

A verdade é que minhas férias, entre outras coisas, foi um belo de um processo de negação. Não me arrependo, às vezes é bom sumir do mapa. Mas voltar ao planeta terra nem sempre se dá em uma aterrizagem suave. Os problemas estavam no mesmo lugar.

 

Enfim, ajeitando a casa fui fazendo o mesmo com minha cabeça e tomando algumas decisões. Voltei com vontade de trabalhar e com alguns planos adiados no ano passado por falta de tempo. Nada melhor do que planos para começar um ano.

 

Alguns dias depois, na quinta-feira, foi o vernissage de uma amiga e também foi o primeiro dia que me animei a sair. Dessa vez me senti melhor.  Na hora de me arrumar achei que estava diferente, com um ar mais maduro e relaxado. Sei lá, acho que o fato de encontrar os amigos que encontramos nas férias, me situou novamente. Ano passado tive uma vida muito universitária e acho que isso me deslocou um pouco.

 

Saltei uma estação de metrô antes do destino, só para caminhar mais, e dessa vez já não estranhei nada. A exposição dessa amiga foi legal e fiquei feliz por ela. Encontrei outra amiga que estava com saudades e  alguns outros amigos também. Aos poucos, fui lembrando que gosto daqui.

 

Fofoquinha básica, os bombeiros de Madri fizeram um calendário para 2007, com fotos, digamos sensuais, com o objetivo de angariar fundos para a instituição. Pois dois desses bombeiros apareceram no meio do vernissage para vender os calendários, com direito a autógrafo. Óbvio que rolou aquele assanhamento das moçoilas e dos amigos gays que estavam presentes. Um dos textos autografados dizia o seguinte: “para chamar em caso de urgência”. Não é o máximo?

 

Luiz, que estava viajando a trabalho, conseguiu chegar nos últimos cinco minutos e de lá saímos com dois amigos para comer alguma coisa e bater um papinho. Onde mais poderíamos ir? No Trifón, é claro! Nesse dia não estava tão cheio, mas é sempre bom saber que está lá, no mesmo lugar.

 

No dia seguinte, foi a desmontagem da exposição coletiva que participei através da Complutense. Fui o mais cedo que consegui acordar e acho que entrei e saí da faculdade em no máximo dez minutos. Não estava aborrecida nem nada, só queria dar por encerrado esse ciclo. Foi um alívio.

 

No sábado, fomos levar o Jack para vacinar e foi quando soube que sua veterinária estava presente no aeroporto no dia do atentado do ETA. Ouvir sua história mexeu comigo e acabou de me fazer colocar os pés de vez na realidade. Em uma hora de conversa me caíram duzentas fichas e entendi finalmente o que é terrorismo.

 

A saúde do meu pai ainda me preocupa. Pensei se devia ir ao Brasil agora. Fico entre altos e baixos, uma hora acho que ele está ótimo, depois acho que não. Enfim, vou esperar um pouquinho mais.

 

De noite, Luiz me chamou para ir ao El Junco. Fui com o pretexto da necessidade de queimar algumas calorias, mas acabei dançando muito pouco. A única coisa que bebi a noite toda foi uma coca-cola… light! De qualquer forma, encontramos outra vez alguns amigos e isso é sempre bom.

 

No domingo a gente quase fez um monte de coisas, mas no fim não fizemos nada. Só à noite saímos para jantar e caminhamos um bom pedaço a pé. Viemos imaginando quando foi a última vez que pudemos fazer isso no Brasil, sem nos sentirmos ameaçados pela violência, e a verdade é que fui incapaz de lembrar. Essa coisa que parece uma bobagem é um dos principais fatores que nos faz permanecer em Madri, a possibilidade de caminhar na rua sem medo.

 

Segunda-feira, resolvi por mãos a obra. Comecei pelo faxinão completo em casa, virei tudo de cabeça para baixo, troquei os móveis de lugar, me desfiz de roupas e sapatos, enfim, toquei o maior barata voa. Hoje já mandei um trabalho para tentar entrar num salão em Canárias, iniciei outra obra e tenho algumas idéias. 

 

Não tem jeito, não posso viver em uma redoma, então, a única maneira é trabalhar. E convenhamos, apesar dos pesares, trabalhar é bom.

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