77 – Um tema delicado

Há alguns meses comecei a notar algo que me incomodava, mas de maneira muito abstrata: a questão da imigração. Não falo só do meu próprio umbigo, talvez um pouco, mas do que tenho observado pela rua.

 

Sinceramente, não sei se minha percepção é um pouco distorcida. Cheguei na Espanha muito empolgada e talvez tenha feito vista grossa para uma série de problemas. E quando via, me convencia rapidamente que era uma questão isolada, que gente boa e ruim tem em todo canto. Certamente, há verdades e meias verdades em tudo isso.

 

Mas o fato é que não posso mais fazer de conta que não vejo o preconceito crescente em relação à imigração aqui, e isso me incomoda cada vez mais. Para ser justa, nunca me tocou diretamente, acontece que moro em um bom bairro e tenho aparência européia. Mesmo meu sotaque, apesar de claramente estrangeiro, nem sempre é identificado da onde. Não conto isso com nenhum orgulho, muito menos pelo contrário, é só uma descrição. Não sei se de certa forma, por sorte, fui protegida.

 

Entretanto, de um tempo para cá, algumas cenas e histórias soltas começaram a se juntar em um quadro que não me parece nada bonito. Um homem negro dirigindo um carro se atrapalhou em uma faixa de pedestres, e uma senhora espanhola disse bem alto “está pensando que está na sua terra? Tá acostumado com as vacas?“; foi acompanhada de risos de outros pedestres. Um estudante de dentro de um carro, do nada, gritou para uma mocinha grávida, romena, que limpava pára-brisas “rumana hija de puta”. Uma senhora no supermercado insistia em furar a fila na frente de uma amiga brasileira e ao não conseguir, esbravejada que isso era culpa dessa imigração. Nos restaurantes, o atendimento de merda, que sempre foi de merda, agora se diz que antes era bom, começou a piorar depois da imigração e dos contratos ruins. Todos os dias os jornais mostram barcos carregados de homens negros chegando em Canárias, de maneira que você não sabe se sente pena ou medo, e francamente, não sei qual dos dois sentimentos seria pior. E não é difícil ouvir que os imigrantes estão roubando empregos de espanhóis.

 

A culpa é da imigração! De repente, essa se tornou a desculpa fácil para boa parte dos problemas do país. Na dúvida, culpe os imigrantes!

 

Complicado. Atrás de todos esses comentários, se esconde uma enorme ignorância e uma completa falta de justiça. O simples fato de estar consciente disso deveria me colocar acima dessas questões, mas na prática não é tão fácil assim. Sei me defender muito bem, mas é desagradável ter que me posicionar na defensiva cada vez que abro a boca. E cada vez que abro a boca, colo um crachá no peito: sou imigrante. E a cada vez que levanto a cabeça por não ter do que me envergonhar, quantos precisam abaixar a sua, por pura necessidade?

 

Engraçado como as pessoas tem o dom de esquecer a parte da história que não interessa. Quantos espanhóis imigraram para buscar melhores condições de vida, para fugir da guerra, para escapar da ditadura e, por que não lembrar, para fugir da fome? Por que não divulgar que com toda essa legalização de imigrantes, além de ser uma atitude exemplar, foi também uma maneira fantástica de evitar que a previdência falisse? Por que não explicar à população que para um estrangeiro ser contratado, precisa provar judicialmente que um espanhol não quer ou não pode exercer o mesmo cargo?

 

Quer saber de uma coisa, detesto admitir isso, mas aqui na Europa as pessoas são muito mais preconceituosas com os imigrantes do que, por exempo, nos Estados Unidos. Ali o sistema é uma máquina de fazer loucos, mas as pessoas, nesse sentido, estão mais abertas. Não é perfeito, mas por incrível que pareça, são bem mais acessíveis. Aqui, a cabeça dura começa na própria população. Paguei com minha língua.

 

Eu gosto de morar em Madri, aprendi a adorar essa cidade com seu melhor e seu pior. Tenho amigos espanhóis que respeito e que não se enquadram nessa massa de ignorância. Mas hoje preciso dizer que estou muito aborrecida e decepcionada com esse lado perverso.

 

Colorín colorado, este cuento se ha acabado…

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