A terça-feira amanheceu prometendo ser um dia complicado. Mesmo assim, sinceramente não estava de mal humor. Acordei cedo, sou pontual, mas como costuma acontecer quando não estou muito afim de fazer as coisas, me enrolei com besteiras e me atrasei um pouco.
Hoje iniciou a montagem da próxima exposição coletiva que participarei. A inauguração será na quinta-feira, dia 14 de dezembro. Como na última exposição, com o mesmo grupo, não estava lá muito animada. Sempre fico achando que em cima da hora pode dar algum pepino, sei lá, acho que no fundo é o saco cheio do curso.
No caminho fui melhorando a atitude e procurando pensar coisas positivas, aquele jeito Pollyana de ser. Ainda era cedo para ligar para o Brasil e estava preocupada em saber notícias da família. Daí tentei lembrar de um tipo de versinho que minha mãe me ensinou quando era bem menina. É bobo, mas me distraiu, diz assim “na vida, só há dois motivos para se preocupar: vencer na vida ou perder a partida. Se você vencer na vida, não há motivo algum para se preocupar. Mas se perder a partida, das duas uma: ou seu estado é excelente, ou seu estado é de um doente. Se seu estado é excelente, não há motivo algum para se preocupar. Mas se seu estado é de um doente, das duas uma: ou você vai para o céu, ou você vai para o beleléu. Se você vai para o céu, não há motivo algum para se preocupar. Mas se você vai para o beleléu, vai encontrar tantos amigos a penar, que não há motivo algum para se preocupar”. Acho que foi a primeira vez que parei para pensar no que isso queria dizer, e não me pareceu muito maternal alguém me ensinar que podia ir para o inferno tranquila que iria encontrar muitos amigos. Entretanto, o fato é que quando era criança, o que achava divertido era decorar o verso e pensar que não deveria me preocupar tanto.
Cheguei na faculdade meio desengonçada, sem graça, com uma mochila pesadíssima e minhas obras debaixo do braço. Mas a verdade é que quando piso numa sala de exposições para os preparativos, me baixa um não sei o que inexplicável. Esqueço da vida, me absorve. É um momento solitário onde parece que o mundo anda em outra frequência. Sinto que ainda estou aqui e é muito bom.
Simplesmente adoro o clima da preparação, os bastidores. Todo mundo ajuda todo mundo, ferramenta para lá, tinta para cá, palpites, nervoso, escada. Tem problemas também, mas acho que entro em um tipo de transe e até o que é ruim acho bom.
Claro que rolou um barraco. Toda exposição coletiva que se preze rola um. Às vezes mais discreto, às vezes mais violento, às vezes até engraçado. O importante é que na hora que se grita o luz-câmera-ação, a coisa tem que funcionar. E normalmente funciona. A propósito, o barraco nem foi comigo… por enquanto! Tenho aprendido a facilitar minha vida.
Voltei para casa suada, carregando um monte de tralha, com as unhas cheias de tinta nos cantinhos, cabelo mais ou menos, musculatura dolorida, ou seja, resumindo, feliz. Vai ser peão de obra assim lá longe!
A medida que ia chegando perto do apartamento, fui voltando ao planeta terra e, automaticamente, a ansiedade em ligar logo para o Rio foi aumentando. Queria saber como estavam as coisas com meu pai. Meu bom humor soava como bom preságio, mas preferi ir com cautela. E para acabar com o suspense, está tudo bem, meu pai já saiu do hospital e atendeu o telefone em casa.
Um dia de cada vez, e por hoje só posso agradecer.