70 – Quando estamos velhos e para que?

Acho que a primeira vez que me dei conta de que a idade poderia ser um limitador, tinha por volta dos vinte e pouquíssimos. Hoje me parece uma idade desproporcional para se sentir velha, mas houve um motivo. Sei lá porque cargas d’água, me deu vontade de aprender a dançar balet e simplesmente não existia turmas iniciantes para essa idade, ou melhor, para qualquer pessoa com mais de doze anos! E não é que quisesse ser bailarina do teatro municipal, mas não importa, seu corpo não responde à altura e você não é mais capaz de realizar os movimentos.

 

Enfim, me pareceu estranho, mas tinha tantas outras possibilidades, que não dei maior importância ao fato.

 

Anos mais tarde, já com Luiz em Atlanta, fomos com um casal de amigos fazer escalada indoor pela primeira vez. Claro que não dei nenhum show, mas fiz e me diverti, assim como nossos amigos. Minha amiga era a única  escaladora profissional. Quando saímos, seu marido nos disse que se sentia feliz em ser capaz de ainda tentar um esporte novo. Não estávamos acima do peso, não tínhamos nenhum problema aparente e tínhamos um histórico de atividade física que nos permitia experimentar. O que ele não sabia é que eu, diferente dos demais, não tinha nenhum histórico de atividade física, sempre fui uma ociosa nesse sentido e, por ignorância, me orgulhava disso.

 

Entretanto, o que ele disse ficou martelando na minha cabeça. Por um lado, compartilhava de sua satisfação por ter sido capaz de, ou mal ou bem, participar da atividade. Por outro, me ressenti de ter sido tão relapsa ao longo da vida, possuindo um biotipo que certamente me favoreceria no esporte. Nunca havia me dado conta que não cuidei do meu corpo com a atenção merecida. E pela segunda vez, senti que a idade poderia ser um limitador.

 

O tempo passou e fomos visitar um amigo em Vermont, que mora perto de uma estação de esquis. Luiz estava louco para tentar, eu tinha alguma curiosidade, mas o frio era maior. De qualquer forma, lá fomos nós. Ele saiu esquiando logo de cara, tem muita facilidade para esportes e também muito equilíbrio. Para mim não foi tão fácil. Difícil dizer o que me atrapalhava mais, se o frio, se a resistência ou o desconhecimento. Só sei que foi duro e fiquei com uma sensação ambígua de curiosidade e decepção. Mas uma coisa era evidente, esse sentimento de ter começado tarde demais. Aos 35 anos, não é que a idade poderia ser um limitador: era um limitador de fato e, nesse caso, o tempo do verbo faz toda a diferença.

 

Um ano depois, em Andorra, procurei ter uma atitude mais positiva. Afinal de contas, Luiz estava tão empolgado com a idéia de esquiar, que não me custava tanto assim tentar. Mas a verdade é que tinha poucas ambições. Queria no máximo ser capaz de acompanhá-lo e brincar um pouquinho nas pistas iniciantes, enquanto ele se atrevia pelas mais complicadas. E digo, sinceramente, que foi quando me bateu forte o ressentimento de não ter começado criança. Não digo só pelos esquis, mas pelo meu descaso físico.

 

O lado positivo é que fiquei com a pulga atrás da orelha e um gostinho de quero mais. Sentia que nunca seria uma esquiadora, mas poderia melhorar. Apesar de tudo que me custava, havia alguns momentos que me superava e era muito bom.

 

Em Madri, começamos a frequentar uma pista de neve artificial, no shopping Xanadú. Já contei algumas vezes essas experiências e como, aos poucos, fui evoluindo e passando a gostar. Lembro-me da primeira vez que fomos até lá e só Luiz esquiou. Fiquei olhando de fora e pensando que nunca conseguiria descer aquela pista com ele. Novamente me enganei que iria ficar na pista de iniciantes, gastando tempo, enquanto ele desceria na maior. O fato é que a pista pequena ficava cada vez mais fácil e entediante. Entre o tédio e o medo, sempre prefiro o medo e comecei a descer a pista maior também. Nos tornamos frequentadores do lugar e, ainda que me custasse muito no início, cada vez desfrutava mais.

 

Um dia em casa, quando saí do banho, notei com uma certa surpresa que minhas pernas estavam diferentes, mais rígidas e com músculos que não tinha. Olha, aos vinte anos, isso poderia não ser nada demais, talvez nem notasse, mas arrastando nos quarenta, quando as únicas novidades no nosso corpo são celulites e uma bunda desaparecente, pode acreditar que ao perceber qualquer coisa mais dura, nem que seja o nariz, a gente quer soltar rojões de felicidade! Não é que seja tão relaxada, me cuido, mas no sentido de comer coisas saudáveis, procurar não sair do peso, um creminho aqui outro ali, enfim, o básico feminino para desacelerar o processo de envelhecimento. Ou em outras palavras, não me importa envelhecer, só quero envelhecer bem.  Mas reverter essa situação e perceber que podia não só estacionar temporariamente esse processo, mas sim melhorar fisicamente, para mim foi uma vitória.

 

Gaiatices à parte, fiquei muito orgulhosa, não apenas pelo lado da vaidade, mas por essa sensação de conseguir correr atrás do prejuízo. De repente, me caiu a ficha que parte da minha dificuldade nos esquis estava na minha cabeça. Tenho limitações, levo dois joelhos operados, sinto vertigens, não sou nenhuma garota, mas e daí? Se cada vez que for fazer alguma coisa tiver que pensar em todas as desvantagens… Isso sim seria cabeça de velha.

 

Percebi que estava reclamando muito e fazendo menos do que poderia. Essa resistência  me deixou com um pouco de raiva. Finalmente, mudei minha atitude de verdade. Decidi que aprenderia a esquiar bem e pronto.

 

Coincidência ou não, depois dessa decisão tomada, minha maneira de esquiar mudou, alavanquei a curva de aprendizado. Continuo tendo dificuldades, mas me limitam cada vez menos. Desço a pista envaretada, nem sempre tão controlada, mas mantendo a pose.

 

Nesse fim de semana, ganhei um par de esquis. Estreiei ontem, quando passamos mais de três horas na pista, até congelar os pés.

 

Posso estar velha para fazer balet, mas para esquiar ainda dá tempo!

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