Luiz faz aniversários secretos. É o meu oposto, detesta festa nessa dia, fica meio bicho-do-mato, ainda que venha melhorando ao longo dos anos. Conheço algumas pessoas assim, que até são animadas normalmente, mas no dia ou perto do aniversário, ficam meio borocochô ou não muito sociáveis.
Enfim, estava louca para fazer uma feijoada e agosto não costuma ser muito propício. Primeiro porque é muito quente, segundo porque tem um monte de gente viajando. Então, já havia decidido fazê-la no início de setembro, que coincidia com o aniversário do Luiz.
Perguntei a ele se queria aproveitar para comemorar e ele ficou meio reticente. Quando uma amiga nossa disse o que estava na minha cabeça: que ela vai fazer a feijoada, ela vai. Ela quer saber se você quer ganhar presente ou não?
Ele acabou concordando, se fizesse algo menor e mais “low profile”. Sem problemas, o fato de ser um almoço já restringia o número de convidados. Queria chamar mais amigos e foi uma escolha de Sofia. Optei por chamar apenas brasileiros, com exceções de quem sabia do que se tratava uma feijoada. Poucos espanhois apreciariam o prato e dá muito trabalho conseguir os ingredientes para desperdiçar. Fiquei um pouco preocupada se teria lugar para todo mundo sentar, afinal, comer uma fejuca em pé, com o prato na mão, seria razoavelmente desconfortável. No fim, deu certo, o pessoal é legal e bem informal.
Bolo e parabéns para você: nem pensar! Ele me mataria! Tudo bem, ninguém aguenta bolo depois do feijão.
Comecei os preparativos no dia anterior, como tem que ser. Dessa vez, tinha ingredientes de primeira, trazidos fresquinhos da última viagem ao Brasil. Essa foi a mala que quase ficou na alfândega, mas fui salva pelo gongo! Ou seja, foi sofrido! Merecia ser bem aproveitada e apreciada. Bons ingredientes falam sozinhos, portanto, tomei o dobro de cuidado para não atrapalhar. E ainda por cima era aniversário do Luiz e ele topou a festa! Caraca, que responsabilidade! Caprichei.
Demos um jeito até de fazer couve à mineira. Aqui não tem a nossa couve, tem uma tal de “berza” que se parece, mas nem sempre a gente consegue achar no mercado. Entretanto, tenho meus macetes, em caso de emergência, há outras duas opções, a folha de acelga e a couve-de-bruxelas picada e preparada da mesma maneira. A folha de acelga é melhor. Claro que o vendedor da mercearia não entendeu nada quando perguntei se tinha berza e, depois da resposta negativa, perguntei pela acelga que também funcionaria. Comprei uma braçada de acelga, literalmente, porque aquilo mingua bastante depois que cozinha. Refogada com muito alho, bacon e costelinha em cubos… ¡hombre!
Deu um trabalho do cão, mas valeu a pena. Fiz com gosto e modéstia às favas, a fejuca ficou de “puta madre”! E isso em espanhol é um elogio!
Não sou daquelas que fazem cerimônia em relação à própria comida, como tanto ou mais que meus convidados. Pois me atraquei com as lingüicinhas defumadas, carne seca e aquele feijão grosso. Qualquer tentativa de dieta seria impossível, não que tenha me esforçado muito por isso.
Luiz me pareceu bem tranquilo e ouvi da sua própria boca a possibilidade de transformar a feijoada do seu aniversário em tradição da casa. Isso sim é uma revolução! Ou será que foi a caipirinha?
Estranhei a falta de um casal de amigos que havia me confirmado presença. Como eles tem uma bebezinha, e crianças são imprevisíveis, imaginei que talvez na hora de sair houvesse algum contratempo. Depois ligaria para ver o que aconteceu.
Enfim, passado meu habitual stress se teria comida e lugar para todos, me diverti bastante e matei o desejo de comer a tal da feijoada. E o principal: Luiz satisfeito e amigos repletos! Fiquei feliz.
Só faltou uma coisa: uma fileira de redes para dormir. Lógico que bateu a maior lombeira generalizada! A conversa começou a ficar um pouco lenta, os olhos meio caídos, o sofá mais disputado… e assim a festa foi chegando ao fim, com a promessa sem muita credibilidade de nos encontrarmos mais tarde para a “movida madrileña”.
Logo que o pessoal saiu, dei aquela encostadinha básica de quinze minutos no sofá, só para descansar um pouquinho. Quando abri os olhos, havia passado uma hora e meia e a casa já estava mais organizada. Em caso de reuniões, sou especialista no antes e Luiz no depois.
Daí fomos bater aquele papinho no quarto da TV e resolvi checar os e-mails no computador. Era por volta das 21:00hs e o interfone tocou. Brinquei com o Luiz: são nossos amigos que não vieram no almoço! Ele foi atender e não é que era mesmo nosso amigo! Começamos a rir pela confusão, mas ao mesmo tempo, fiquei na dúvida se havia acontecido alguma coisa e achei melhor ver primeiro o que tinha ocorrido.
Chegou nosso amigo sozinho, sem a esposa e a filha. Ele estava com o rosto de quem achava algo estranho e perguntei a ele, assim meio desconfiada, você sabia que era almoço, né? Claro que não. Coitado, acho que ele queria sumir! O pior é que se eles soubessem que era um almoço, a esposa e a filha poderiam ter vindo.
Esclarecido o mal entendido, demos boas gargalhadas e convenhamos, pode ter sido um pouco constrangedor, mas foi muito engraçado! Nesse momento, ele só podia agradecer o fato de não ser uma festa a fantasia! E, já que estávamos ali mesmo, por que não o segundo turno da feijoada? Começamos outra vez e no final, ainda mandei uma quentinha para minha amiga não ficar aguada.
Óbvio que depois ninguém aguentou sair coisa nenhuma! Enrolamos um pouco vendo televisão e dormimos como duas rochas.