3 – Feriado em Praga

Há um bom tempo senti que precisava ver Praga. Foi exatamente assim, senti que precisava ir. Não foi porque gostei de uma foto ou de um programa, foi uma intuição. A partir daí, comecei a sonhar com a cidade.

 

Sonhar com uma cidade desconhecida é um problema pois, nos nossos sonhos, tudo se encontra em condições extraordinárias de temperatura e pressão. Na vida real, quase nunca é assim.

 

Na Praga dos meus sonhos, chegava em uma viagem romântica com Luiz, nos hospedávamos em um super hotel de elegância despojada, fazíamos nosso roteiro cultural e gastronômico e, inclusive, arriscava algumas frases em tcheco.

 

Bom, começou que não me preparei bem para a viagem. Na tentativa de não aumentar mais ainda minhas expectativas, e considerando que não íamos sozinhos, tentei deixar as coisas um pouco ao acaso. Só na saída do aeroporto me dei conta que nem eu nem Luiz falávamos uma palavra do idioma, nem tinha idéia de onde ficava o hotel.

 

Quando tentávamos pegar um taxi, alguém que falava inglês ofereceu uma condução a um preço melhor. Vi que era uma van, mas Luiz não percebeu e topou. Nossa chegada começou assim, dividindo uma van com mais três casais estranhos, cada um indo para um hotel.

 

Enfim, pensei que havíamos começado meio mais ou menos, mas meu lado Polyana me dizia que poderia ser mais seguro assim, que era uma forma de conhecer outros pontos da cidade e tal. Chegamos ao centro histórico e fui me animando, me pareceu exótico e interessante. A van fez a primeira parada e me empolguei toda. Não durou mais que 30 segundos, até que percebi que não era meu hotel. A partir daí, a coisa se complicou mais, fomos o último casal a ser deixado e cada vez nos afastando mais do centro.

 

No caminho feio, fui murxando e entristecendo, muito decepcionada.

 

O hotel não era ruim, mas muito diferente do que havia idealizado.  Atravessamos um longo corredor de pé direito muito baixo e de onde tive vontade de voltar para casa. Chegando ao quarto, a primeira surpresa boa, era enorme, acho que uns 40m2.

 

Mal baixamos as malas, o telefone tocou. Alguns dos nossos amigos já estavam na recepção e saímos com eles. Caminhando pelas ruas, achei a cidade sem graça. Não conseguia mais disfarçar meu desânimo. Uma das amigas comentou que não estava achando nada demais na cidade, o que de certa forma me serviu de alívio por saber que não era a única.

 

Nesse momento, decidi tentar aproveitar um pouco. Se não pudesse ser a cidade, quem sabe um bar e a companhia das pessoas. Entretanto, a paisagem começou a ficar mais interessante. Encontramos um restaurante de aspecto agradável e com mesas ao ar livre. Sentamos por ali mesmo, começamos a beber e conversar.

 

Estávamos em três casais e um quarto casal chegou para nos encontrar. Conversa divertida e foi anoitecendo. Estava animada para dançar e descobri que embaixo do restaurante havia uma boite. Acontece que quando li o cartaz de propaganda dizia que havia “sexy dancers”. Ops! Que estranho, o lugar parecia tão normal.

 

A cozinha fechou e decidimos caminhar um pouco em direção ao centro da cidade. Logo notei que a frequência era muito masculina, muitos grupos de homens sozinhos e mocinhas de aparência ambígua.

 

Entramos na parte mais antiga da cidade. Caminhando pelas ruazinhas de paralelepípedos irregulares, finalmente, me senti chegando em Praga. Tudo mudou!

 

Passamos pela praça central, claro, muito turística, mas isso não me incomodou. Não tinha nenhuma chance do centro não ser turístico, simplesmente abstraí e me relacionei diretamente com a cidade, sem intermediários. Sua arquitetura era misturada e rara aos meus olhos.

 

Não pude deixar de notar novamente a incoveniente presença masculina. Não digo inconveniente por serem homens, mas por sua atitude perante o lugar. Descobri que é de praxe os ingleses irem em grupos para fazer suas despedidas de solteiros ou outras bandalheiras. Acho que turistas de outros lugares também, que pena.

 

Chegamos a Karlúv most, a ponte do Rei Carlos. É um dos pontos mais famosos da cidade. De lá vemos o Rio correr em diferentes níveis, com sua margem rodeada com os prédios, agora sim, dos meus sonhos. Também víamos o Castelo de Praga, que conheceria no dia seguinte.

 

Nossos amigos queriam entrar em algum lugar para dançar e curtir a noite. Para ser muito sincera, também queria, poderia dançar a noite toda. No caminho, ao ver aquela quantidade de homens muito jovens e muito bêbados e a tristeza das mulheres de vida não tão fácil, me senti mal. A cidade não merecia. Tive a impressão de estar na sala de visitas de uma senhora idosa e sábia que assistia em silêncio a falta de educação de seus hóspedes. Achei bom que o pó negro cobrisse os olhos das estátuas. Entre nós, Luiz e eu nos aproveitamos das desculpas fáceis de frio e sono, mas no fundo, abdiquei da balada por puro respeito. Desconfio que Luiz também.

 

Durante o dia, o astral do lugar melhora muito, e olha que sou uma notívaga!

 

Estávamos em um grupo de dez pessoas que chegaram de direções diferentes. Todos muito legais, mas para mim é muito difícil passear em um grupo tão grande em uma cidade que não conheço. Conciliar os gostos e os tempos de todos é uma arte que não domino. Sempre estou em uma velocidade diferente, quero comer outra coisa, parar em outro lugar… Enfim, sempre acho que estou atrapalhando. Achei que seria mais fácil nos separarmos durante o dia e nos encontrarmos, quando possível. Além do mais, acabou sendo necessário, pois Luiz teve que trabalhar todos os dias de manhã.

 

No fim da manhã de sábado, Luiz e eu nos dirigimos ao Castelo de Praga. Fomos sozinhos, mas sabíamos que nossos amigos estariam por lá. Assim, tentaríamos nos encaixar na programação nos momentos que nossos gostos coincidissem.

 

O dia estava chuvoso, mas não me atrapalhou. O Castelo não é um um único prédio, é todo um complexo contendo catedral, galeria de arte barroca,  torre, jardins etc. Leva-se uma boa parte do dia para conhecer tudo com calma.

 

Há algumas viagens atrás, me prometi nunca mais subir em nenhuma torre que não tivesse elevador! É sempre roubada! Mas dessa vez, Luiz me convenceu e subi os 287 degraus! Joder, tío que fuerte! Em compensação, a vista realmente me tirou o fôlego, ou será que foi a escada? Enfim, vi uma Praga linda! E cada vez gostava mais dela.

 

Visitando a basílica, descobrimos que no fim da tarde haveria um concerto de música clássica com a orquestra real de Praga. Como poderia perder essa? Eu amo concertos e se forem ao ar livre ou em igrejas, melhor ainda. As igrejas possuem uma acústica interessante e um tipo de energia que favorecem o clima, e não sou religiosa, simplesmente é um fato. Muitas vezes vejo cores e penso em outras dimensões. Totalmente sóbria, juro! Nesse dia, o que senti foi a música girando em espiral sobre a orquestra e alternando a iluminação para mais claro e mais escuro. Ficamos e viajamos com Mozart, Grieg, Sibelius, Dvorak. Mas foi Tchaikovsky quem me explicou o que faltava.

 

Não é comum me surpreender dessa maneira com uma cidade, levei um tempo para entendê-la. Gosto de muitos lugares, mas não me parecem mais novidade. Praga foi diferente de tudo, me surpreendeu em muitos sentidos, a começar pelo idioma que, mesmo sem entender absolutamente nada, me soava estranhamente familiar. Foi como um quebra-cabeças de fragmentos soltos, em que Tchaikovsky me deu um fio condutor. A música me ajuda a entender os lugares. É um idioma que não falo, mas entendo com fluência.

 

Ao fim do concerto, descemos a escadaria em direção a Malá Strana. Ia flutuando, feliz da vida. A maior parte das atrações já estavam fechadas e pudemos desfrutar a vista e o caminho com tranquilidade. Achei a região muito bonitinha e acho que talvez queira me hospedar por ali em uma próxima viagem. Passamos pelo museu de Kafka e nos dirigimos à Karlúv most.

 

A idéia era ir para o hotel trocar de roupa e encontrar com nossos amigos para jantar. Havia esfriado razoavelmente e eu de sandália e uma sueter fininha. Apesar do que, não sentia tanto frio assim, acho que meus hormônios enlouqueceram ou estou realmente resistente ao frio. Só que daí passamos pela praça e havia um show de rock. Era um tremendo contraste, considerando que acabávamos de sair de um concerto clássico, em uma igreja! Mas exatamente esse contraste nos pareceu divertido. Quer saber, que voltar para o hotel nada!

 

A banda não era má, e ouvir rock em tcheco me pareceu bizarro. Como sou uma palhaça, apesar de disfarçar bastante e ter um jeito sério, participei ativamente dos aplausos, dancei, fiz mímica de quem cantava os refrões… e tudo com a maior cara de quem sabia o que estava fazendo. Depois disse ao Luiz que adoraria saber do que estava participando. Já pensou se a gente estivesse no meio de um concerto de rock religioso? Pronto, depois disso ele não conseguiu mais parar de imaginar refrões de música crente na boca do roqueiro tcheco. Foi engraçado e definitivamente ajudou a espantar o frio.

 

Em seguida, entrou uma dupla de apresentadores e falaram um monte de coisas. Após uns dez minutos, completamente concentrados no discurso, Luiz e eu nos olhamos e nos perguntamos por que estávamos prestando tanta atenção… em tcheco! E o pior é que estávamos prestando a maior atenção mesmo,  nem era deboche!

 

Depois disso, resolvemos sentar em um dos bares da praça, com mesas exteriores, e esperar nossos amigos por ali. Apesar de ser um restaurante turístico, as cadeiras eram muito confortáveis, tinha aquecedores externos, a bebida era boa e os aperitivos bem caprichados. Aproveitei para comer um pouco antes do jantar. É que sou uma Magali e acabo comendo mais que todo mundo. Dessa maneira, quando sentasse para jantar com o grupo, não destoaria tanto.

 

Nesse meio tempo, entraram duas bandas, bem ruinzinhas, mas a essa altura, já estava com o astral alto e tomando meu vinhozinho. Então, tudo era festa. A primeira, era um trio de mocinhas tentando fazer algum tipo de dança sexy, mas que no fundo era bem cafoninha. Depois entrou uma banda que não sabemos se era turca, tcheca, cigana ou alguma coisa do gênero, mas com um jeitão de gipsy kings.

 

Nisso, os amigos chegaram e, enquanto decidiam onde comer, fugimos correndo para a praça e demos uma dançadinha, só para ter um mico em Praga. Jantamos em um restaurante que gostei, aliás, comi muito bem sempre. O bom gosto na preparação e apresentação dos pratos superou minhas expectativas. E o preço era muito razoável, considerando que o euro é bem mais forte que a moeda tcheca.

 

Depois do jantar, Luiz, eu e outro casal voltamos para o hotel. Queríamos aproveitar melhor o dia, que nos pareceu bem mais interessante.

 

Na manhã de domingo, Luiz trabalhou e só saímos próximo a hora do almoço. Queria ir a um restaurante tradicional ou que se parecesse a um. Fomos ao Sarah Bernhardt, restaurante do Hotel Paris, de pé direito alto, paredes em mozaico azul turquesa e luminárias douradas. Para completar o clima, um trio tocava jazz e bossa nova. Tomamos um brunch e nos encorajamos a experimentar o vinho local. O vinho branco não estava nada mal. Não tinha grandes personalidades, mas era ligeiro, agradável e combinou bem com a comida, cardápio internacional, mas com sotaque francês, principalmente nos queijos, toques orientais e uma interessante oferta de pescados defumados. Luiz se atreveu a experimentar o vinho tinto. Felizmente, não fui tão ousada, porque era bem ruinzinho. Voltou o mais rápido possível para o branco.

 

Chovia enquanto comíamos, mas não demorou muito a estiar. Assim que terminamos, pudemos voltar a caminhar pela cidade. Fomos até o bairro judeu, também bonito e com as lojas de marcas famosas. Nesse dia ocorreu uma maratona e estavam terminando de desmontar a pista que passava por ali.

 

De lá, resolvemos fazer um passeio de barco. Adoro um barco! Escolhemos um menorzinho em que o trajeto não fosse tão longo. O passeio não foi divino, mas deu para tirarmos boas fotos. Além disso, caiu a maior tempestade e estávamos bem abrigados. Outra vez, salvos da chuva.

 

Quis caminhar de novo por Malá Strana, e assim fizemos. Luiz ficou com vontade de ir ao banheiro e resolvemos sentar em um café. Poucos minutos depois de sentados e, novamente abrigados da chuva, caiu uma tromba d’água ainda maior. Pela terceira vez no dia, nos livramos do inconveniente de nos ensoparmos, não sei se por sorte ou se a velha senhora nos agradecia o respeito com sua educação discreta.

 

Passada a chuva, estava quase na hora de nos encontrarmos com um dos casais de amigos para assistir a um outro concerto de música clássica, em outra igreja. Há uma série de concertos em igrejas espalhadas pelo centro da cidade. Infelizmente, esse já não foi tão bom, não pelos músicos, mas achei o repertório demasiado religioso, me senti em um casamento chato. Vá lá, também não doeu.

 

Quando saímos do concerto, fomos nos encontrar com todos os amigos no Jazz Club Reduta. Fiquei muito empolgada com esse programa. O lugar fica na parte mais nova da cidade, que para ser sincera, não me pareceu tão nova assim. De qualquer forma, era um clube pequeno, com sofás verdes apertados e decorado com fotos de pessoas famosas que  o visitaram. O grande destaque foi dado as fotos do ex-presidente Clinton. Na verdade, nada disso importa em um bar de jazz, o importante é ter um bom whisky e música boa. E tinha!

 

Entraram no palco nada menos que dezessete músicos, um maestro e o cachorro do pianista. Não é que o pianista fosse um cachorro, ele levou seu cachorro mesmo, que inclusive passeava pelo local com a maior intimidade. Muito bem, com tanto homem no palco, me perguntei se isso daria certo. Só posso fazer um comentário: uau! Aliás, uau três vezes! O maestro se chama Milan Svoboda, e conduziu o show com guitarra, tuba, bateria, piano, baixo, quatro trumpetes, três trombones e cinco saxofones.

 

O único problema é que o local estava muito iluminado. Jazz pede uma luz mais baixa. Principalmente para mim, que faço caretas, bocas, toco com os dedos e conduzo junto. Puxa, no claro dá um pouco de vergonha, né? No escurinho o mico é menor e não preciso ficar me controlando.

 

Bom, o show foi dividido em duas partes. No fim da primeira, todos os amigos estavam com fome e queriam sair para jantar. Eu queria ter um filho pela orelha! Ensaiei ficar, mas percebi que Luiz ficou meio sem graça e com razão porque passamos quase o tempo todo do dia separados deles. Paciência, comprei o CD e na próxima ida a Praga o local estará definitivamente no meu roteiro.

 

Saímos pela rua tentando achar um lugar para comer,  já era bem tarde e não foi fácil. No final encontramos um até bonitinho, um tipo de cave. Para ser franca, mal consegui me concentrar na conversa, na minha cabeça ainda tocavam muitas músicas e tinha muitas informações para digerir. Estava em transe.

 

De lá fomos todos para o hotel em três taxis diferentes, com os quais negociamos os preços. Isso é uma coisa bem chata lá, os taxis quase nunca seguem taxímetro, você meio que chuta e negocia os valores que podem variar muito. Fora o fato que os homens me dão um pouco de medo. São muito grandes e com cara de mau.

 

Aliás, me senti uma baixinha! Como tinha gente grande! No Brasil sou normal, aqui na Espanha sou super alta, inclusive mais alta que boa parte dos homens. Mas ali eu não tinha a menor chance, fiquei pequena.

 

Na segunda-feira, nosso último dia de viagem, novamente Luiz trabalhou um pouco pela manhã e saímos na hora do almoço. Já tinha em mente onde queria almoçar, queria fechar com chave de ouro. Fomos a um restaurante bem na margem do Rio, com vista para a ponte, um cartão postal. Novamente, arriscamos o vinho tcheco, dessa vez um chardonnay que não decepcionou. Comi um tartar de salmão divino, um tempura de atum mal passado sobre pure de batatas com um toque suave de wasabi e uma torta de maçã com sorvete de nozes. Clima agradável e ensolarado, serviço simpático, dia perfeito.

 

Voltamos para o hotel com o primeiro taxista honesto da cidade e ainda deu tempo de nos despedirmos de nossos amigos na recepção. Nos sugeriram fazer o passeio de pedalinho, o que deve ser realmente interessante, mas com a quantidade de vinho que tínhamos na cuca, ni hablar! Demos uma cochiladinha básica e acordamos na hora de ir para o aeroporto.

 

Na fila para entrar no avião, reconhecemos rapidamente nossos companheiros latinos. Primeiro que espanhol adora fazer uma fila, eles começam super cedo a se juntar na porta. Ninguém despacha bagagem e para se acomodar tudo é um caos! Até que achei divertido e foi muito bom voltar a me sentir alta outra vez.

 

Sou do tempo em que o pouso de vôos internacionais era aplaudido pelos passageiros. Achei que isso fosse coisa antiga. E não é que a espanholada toda aplaudiu o pouso? Mas essa não foi a melhor parte. Na saída do avião, a senhora que estava na minha frente deu umas moedinhas de gorjeta para a aeromoça. Juro! A pobre da menina não sabia o que fazer. Não aguentei, caí na gargalhada de tão chocada, essa eu nunca tinha visto!

 

Voltar para casa foi um pouco difícil. Fiquei com gosto de quero mais. Não é só mais férias, é mais tudo. Queria saber mais da cidade, do país, da cultura, da língua… me deu vontade de ser um pouco tcheca. É verdade que a essa altura da minha vida, preciso ter muito cuidado com o que desejo.

 

Chegando ao apartamento, um felino gordo e carente nos aguardava ansioso. Meu gato me ajuda a achar melhor acabar uma viagem. Voltei diferente, mas aqui ainda é minha casa.

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