110 – Monotemática

Ando ansiosa e monotemática. Quase não consigo pensar ou falar nada que não seja ou não esteja relacionado ao Caminho de Santiago. Agora falta pouco mais de uma semana para começá-lo. Nem acredito.

 

No último mês, tenho andado diariamente em ritmo pesado por pelo menos duas horas, faça chuva ou faça sol. Não tive nenhuma bolha, o que é muito animador. Ou seria anima-dor? Porque todo dia me dói, ou o joelho, ou a coluna, ou os pés, ou os músculos…. Está melhor, porque antes doía tudo junto ao mesmo tempo.

 

Hoje me perguntaram se estava preparada fisicamente. Respondi pela primeira vez que estou e com a consciência tranquila. Não quer dizer que acredite que vá ser fácil, mas finalmente acredito que é possível.

 

Acontece que acho que essa parte física talvez não seja a mais complicada. Ou mal ou bem, sempre se pode caminhar menos ou mais devagar. É o que o Caminho representa  e suas possíveis consequências que tem me posto para pensar.

 

Essa semana uma amiga me trouxe uma reportagem da Newsweek que tratava desse tema, de uma certa onda que parece haver surgido no que diz respeito ao redescobrimento do poder da peregrinação. Estaria eu nesse movimento mundial sem ter me dado conta? Pois se já está difícil entender meus próprios motivos, imagina tentar entender o dos outros. Resolvi deixar um pouco de lado o inconsciente coletivo e concentrar no meu umbigo.

 

Tenho curtido muito cada passo que é dado. Comprar equipamento, testar as roupas, amaciar os sapatos, ler, planejar, pesar, abrir mão do vinho, acordar mais cedo e andar até as pernas anestesiarem. Surpreendentemente, aproveito momentos antagônicos ao meu estilo de vida.

 

A questão é que me caiu uma ficha intrigante. Todo esse tempo tenho procurado manter as expectativas no seu devido lugar. Não me vejo em uma fase de grandes transformações, não vou buscar revelações nem respostas. Só quero usar o privilégio de poder pensar um pouco na vida fora do contexto habitual. Quero as metáforas, quero ocupar minha cabeça com coisas básicas, com os próximos quilômetros, o que vou comer e onde vou dormir. Esse é um luxo primário que nem todos querem ou podem. Mas me ocorreu que essa história pode se inverter. Percebi que estava me preparando para não mudar e não me decepcionar com isso, simplesmente caminhar. Até hoje, não havia contado com uma probabilidade concreta: e se funcionar? E se eu tomar grandes decisões? E se minha vida mudar? A única coisa que não me preparei até agora é justo o que todo mundo normalmente busca ou relata.

 

A verdade é que se for olhar mais de perto, já mudei. A forma com que tenho tratado meu corpo, a saúde, os limites e a maneira de ver as coisas não é definitivamente a mesma. Portanto, entre crenças e descrenças, melhor não subestimar o poder do caminho.

 

Confesso que isso me assustou um pouco, mas acho que essa consciência foi um passo importante. Não sei o que vai acontecer e não posso por o carro diante dos bois, mas devo estar atenta a possibilidades diferentes. Preciso de um amuleto rápido.

 

Proteção eu tenho, não posso reclamar. Gente do bem tem cruzado meu caminho e o caos conspira a favor. Tive companhia para caminhar por praticamente todo o treinamento, conheci pessoas que tem compartilhado informações preciosas, não estarei sozinha durante o trajeto e Luiz me apoia. É um excelente começo que espero poder retribuir em algum momento.

 

Por agora, só posso dizer que preciso ir e preciso andar…

 

Deixe-me ir preciso andar,
Vou por aí a procurar,
Sorrir pra não chorar
Deixe-me ir preciso andar,
Vou por aí a procurar,
Sorrir pra não chorar

Quero assistir ao sol nascer,
Ver as águas dos rios correr,
Ouvir os pássaros cantar,
Eu quero nascer, quero viver

Deixe-me ir preciso andar,
Vou por aí a procurar,
Sorrir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar,
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar

 

Candeia

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