As quintas-feiras estão se tornando dias de boas surpresas. Outra vez Luiz viajava e eu não tinha lá grandes planos. Cheguei a mandar uma mensagem para minha amiga espanhola que dança salsa aqui perto, perguntando se ela passaria em casa. Ela até respondeu, mas a resposta custou tanto a chegar, que bem antes disso ela bateu na minha porta.
Sinceramente, isso era pouco depois das nove e já estava cogitando colocar meu pijamão. Bom, mas daí ela apareceu e me animei. Segundos depois de abrir a porta para ela, outra amiga brasileira liga perguntando sobre os planos para a noite. Ué, vem para cá você também. Ela só podia um pouco mais tarde, mas estava com outro amigo que topou vir naquela hora e ela se juntaria assim que desse.
Com minha geladeira anoréxica, mal que ela padece quando Luiz viaja, descemos para o Trifón e tomamos posse da nossa velha barrica de guerra.
Conversa vai, conversa vem, a amiga espanhola precisou ir, prometendo voltar na próxima quinta. Ficamos eu, a amiga e o amigo brasileiros. A última rodada de café, ofereci em casa, obviamente, com minha super cafeteira nova. Agora, todo mundo que vem aqui tem que tomar café!
Enfim, esse povo toma um vinhozinho e fica um perigo! Vira meu amigo e diz que alugou um carro para o fim de semana. Ele queria ver não-sei-quem em Barcelona… minha amiga também com um rolinho em Barcelona… então, por que mesmo nós não vamos amanhã para Barcelona? E eu? Bom, não tinha ninguém para ver em Barcelona, mas por que não? Temos uma amiga legal que mora em Barcelona, serve? Vou ficar fora dessa? Nem morta.
O pequeno detalhe é que Luiz estava em Milão e só voltava para Madri no início da noite de sexta. Já sei, ele troca a passagem dele para Barcelona, pronto! Então, combinado.
Como era um pouco tarde, não quis ligar para Luiz e acordá-lo. Mandei um e-mail para ele ler logo cedo, avisando dos planos malévolos.
De manhã me liga ele: como assim? Que? Onde? Quando? Mas a passagem não pode ser mudada. Preciso voltar para Madri e pegar outro avião para Barcelona. Então vê os preços para mim. Quanto? Peraí que estou chegando no escritório, já te ligo?
Nesse caso, deixa eu confirmar mesmo se o povo vai ou foi só empolgação do vinho. Liguei para minha amiga que estava de malas prontas desde cedo. A idéia era saírmos por volta das 15:00horas. Beleza, só precisava esperar Luiz ligar de volta para me confirmar. Mas cadê o Luiz? Ele simplesmente desapareceu em uma reunião interminável.
Daí ficávamos nós três nos ligando para saber o que fazer. A não-sei-quem do meu amigo não estava, o rolo da minha amiga muito menos e eu sem saber se Luiz iria ou não. O que mesmo a gente vai fazer em Barcelona, hein?
E se a gente fosse para um lugar mais perto? O Luiz não precisava pegar avião, a gente sequestrava ele no aeroporto e seguia viagem. Salamanca? Salamanca é legal e ainda dá para dar uma esticadinha até León. Fechado!
E meu gato? Que faço com meu felino? Levá-lo seria até maldade, porque é muita viagem de carro sem sossegar em canto nenhum. Plano “A”, deixar um montão de comida para ele. Ele gosta de companhia, mas sozinho mesmo seria só o sábado. Plano “B”, achar uma alma caridosa que possa dar uma passadinha em casa de vez em quando para ver se está tudo bem. Felizmente, o plano “B” deu certo e fui correndo deixar a chave com uma amiga que me quebrou esse galho.
Luiz finalmente apareceu, um pouco mais animado/conformado com seguir viagem para Barcelona. Onde você se meteu? Não, não, mas não vamos mais para Barcelona, agora é Salamanca. A gente passa no aeroporto e te pega. Levo roupa para você.
A verdade é que Luiz gostou muito mais dessa opção, e cá entre nós, eu também. Os amigos animados e lá pelas dez da noite, chegamos em Salamanca.
O hotel ma-ra-vi-lho-so a um preço de pegadinha. Ficamos no Melia Las Claras Boutique. A cidade super alto astral, linda! Só baixamos as malas no hotel, trocamos de roupa rapidinho e fomos para rua.
Acho que estávamos na mesma boa onda e tudo ficava divertido. Ninguém tinha planos rígidos de ir a lugares muito definidos, portanto o que aparecesse a gente aproveitava. Só o nosso amigo conhecia a cidade, para nós três era tudo novidade.
Começamos por um bar de tapas, que obviamente não prestei atenção no nome. Mas era um lugar de aparência tradicional e que estava bem cheio. Demos sorte e literalmente voamos em uma mesa liberada entre distraídos logo no início. Papo bom… vinhozinho… abrimos e fechamos vários negócios… fizemos planos possíveis e impossíveis… e fomos os penúltimos a ir embora do lugar.
De lá, nosso amigo nos encaminhou a uma rua onde haviam vários lugares para dançar. A princípio iríamos em uma tal de Camelot. As boites costumam contratar uns rapazes ou moças como se fossem relações públicas, que ficam na rua tentando convencer os passantes a entrar na casa onde trabalham. Parte desse convencimento, inclui oferecer um drink. Muito bem, pois no caminho para a Camelot, um desses relações públicas nos abordou com um sotaque familiar. Claro que o sujeito era brasileiro e, verdade ou não, nos disse que onde iríamos só havia pirralhada, que a dele era muito melhor. Tá bom, conterrâneo, vamos te ajudar! Fomos na Capitolio. E não é que incrivelmente a música estava boa! Além de uma rodada de bebida grátis!
Chutamos o baldinho, mas uma hora achei que Luiz estava realmente cansado. Voltamos para o hotel mais cedo que nossos amigos. Verdade que mais cedo é só maneira de dizer. Pegamos chuva no caminho e nos perdemos um pouco. Nem assim perdi o bom humor.
Uma coisa engraçada é que pela cidade haviam vários rapazes vestidos com uma roupa preta meio medieval, uma calça curta um pouco bufante e uma capa de príncipe. Acho que essa roupa se chama tuna. Vamos combinar que se o menino tem mais de oito anos, a roupa é bem ridícula, mas por outro lado, um cidadão precisa ter uma grande auto estima para sair vestido assim na rua sem se importar. Bom, digamos que tenho uma certa amiga que também não se importou muito em relacionar-se com um mocinho de calça bufante e capa negra, afinal de contas, quantas oportunidades na vida existem para você ficar com um príncipe encantado?
Nosso amigo descobriu um afther hours e emendou sua noite até amanhecer.
No dia seguinte, quem é que conseguia pensar em dirigir até León? Todos de ressaca! E nem assim perdemos o bom humor.
Luiz, eu e nossa amiga passeamos pela cidade a pé. Até pegamos um trenzinho que faz um tour de 20 minutos, é um pouco pagação de mico, mas em uma cidade onde os rapazes se vestem de príncipe, por que não andar de trenzinho?
Dia de primavera super bonito. Pelo meio da tarde sentamos em uma vinoteca, quase em frente ao hotel, com mesinhas e cadeiras confortáveis do lado de fora. Começamos meio devagar, com água e coca-cola. Sentamos ali para esperar nosso amigo que ainda não tinha conseguido acordar. Acontece que o lugar era ótimo! Comi o melhor hamburguer da Espanha, gourmet mesmo. Na verdade, comemos um monte de coisinhas gostosas e tomamos um vinho branco geladinho. Nosso amigo se juntou a nós e ficamos horas aproveitando o sol agradável.
Mas foi batendo uma lombeira daquelas! Quer saber, que tal aderir ao costume local e fazer uma bela siesta? Fechado! Aproveitei também para mergulhar em uma banheira de espumas e esquecer um pouco do aquecimento global e da falta de água no planeta! Só hoje, prometo me comportar no resto do ano!
Anoiteceu e fomos caminhar na Plaza Mayor. Chegamos no tempo perfeito para ver a iluminação ser ligada e a praça mudar de cara e de cores. Ao redor da praça, assim como nas igrejas, há uns medalhões com rostos esculpidos em alto relevo, como se dessem uma saidinha para olhar na janela. Isso não é comum, normalmente se fazem pinturas ou esculturas de corpos e bustos. Essa coisa mesclada com relevo, assim tridimensional mas ao mesmo tempo lembrando um quadro, é difícil encontrar. Na praça tocava uma banda de jazz, que não interessou muito ao resto do grupo. Fui andando bem devagarzinho para aproveitar o máximo possível das notas e de como elas ajudavam a colorir a praça.
Em uma das ruelas que saem da Plaza Mayor, encontramos um restaurante bem no meio de um pátio interno, meio escondido e charmoso, chamado Valencia. Fome mesmo, não tínhamos tanta, afinal, exageramos na vinoteca. Mas comer e coçar…
De lá fomos dançar um pouco, não consigo me lembrar mais o nome da boite. Era bem maior do que parecia por fora e de decoração medieval interessantíssima. Já a música estava bem ruinzinha, espanhola demais. Nos divertimos do mesmo jeito, mas não ficamos até tão tarde. É duro admitir, mas estou ficando velha, ainda aguento um pique acelerado, mas meus dias seguintes são fatais.
E no dia seguinte a esse, domingão, acordamos tarde, colocamos as malas no carro e tomamos direção à serra Peña de Francia. Uma subida razoavelmente vertiginosa e uma vista muito bonita. Aliás, com a quantidade de chuva que caiu no país esse ano, está tudo verde pela estrada. Seguimos em direção a La Alberca, onde almoçamos muito bem. Aliás esse pueblo é uma surpresa, uma arquitetura diferente da dos arredores, bonitinha mesmo e com ótimos restaurantes.
Na estrada para Madri, ainda passamos ao lado das muralhas de Ávila. Pegamos um pouco de trânsito na entrada da cidade e estávamos em casa por volta das 20:00 horas.
Meu gato estava indócil e não sabia mais o que fazer para se exibir! Ficava até engraçado subindo e descendo a escada, miando, fazendo gracinha… é uma figura mesmo!
Pois bem e assim passamos o fim de semana. Não fomos nem a Barcelona nem a León e quem mesmo está reclamando? Sempre bom ter um pretexto para mais uma boa viagem. Mas também acho que a próxima viagem de trabalho do Luiz, na quinta-feira, vai deixá-lo meio na dúvida do que faremos com ele na volta.