29 – Feriado intenso

Semana passada, aqui foi puente. Como no Brasil, chamamos de ponte os feriados onde se emenda a quinta-feira ao final de semana. Também como no Brasil, as capitais se esvaziam, porque todo mundo quer aproveitar para viajar. Ou seja, prometia ser tranquilo para os que permanecessem em Madri.

 

Entretanto, por coincidência, boa parte dos nossos amigos do coral não viajaram e nós marcamos um churrasco na sexta-feira, aqui em casa. Feito a várias mãos, cada um trouxe alguma coisa e colaborou da sua maneira. Éramos em umas vinte e poucas pessoas, é a primeira vez que recebemos esse número de convidados na terraza. Isso não me preocupava, não era só minha responsabilidade, eu era parte da festa de um grupo.

 

E esse grupo funciona sempre! É legal encontrar tanta gente diferente, com experiências, idades e profissões diversas, mas que quando se junta, combina. Dá vontade da falar da sua vida e de escutar a dos outros, por uma questão de confiança, simplesmente por compartilhar.

 

Certo ou não, é natural termos uma expectativa em relação às outras pessoas, e humano se decepcionar com elas. Porque também é natural que essa expectativa seja em função de nossos próprios valores e maneira de pensar. Mas por alguma razão, nesse grupo tenho a sensação que estamos predispostos a gostar do que o outro fará ou dirá. Por isso, se alguém canta, cantamos junto; se alguém conta uma piada, a gente ri; se alguém conta um problema, a gente ouve. Não importa se realmente queremos cantar, rir ou ouvir e acredito ser essa generosidade contagiante que traz uma energia boa. Pelo menos para mim, tem sido um aprendizado do quanto cooperar, tentar animar ou ajudar alguém me faz bem.

 

Porque eu sou aquela que não gosta de cuidar de ninguém. Continuo não gostando, e é um alívio perceber que não preciso cuidar de ninguém, apenas fazer minha parte, ou melhor dito, uma parte. E saber que do outro lado, também há alguém que cantará comigo, vai rir das minhas besteiras e ouvir meus problemas, se eu precisar.

 

Como bem observou uma amiga nesse mesmo dia, estou mais emotiva. Pode ser a proximidade do Caminho. Não tenho expectativas específicas dessa vez, eu acho, mas sei que sempre é um encontro comigo mesma. Sei também que as coisas acontecem no momento que devem acontecer e por isso reconheço a importância de ter essa energia e amigos para lembrar que não preciso caminhar só.

 

E voltando ao churrasco, durou 12 horas! Começou às 15:00hs de sexta-feira e acabou pela madrugada de sábado. Como sempre, eu achava que devia ser no máximo umas dez da noite quando os últimos amigos se foram.

 

Acordamos no sábado à tarde acabados. Parecia que fomos atropelados por uma jamanta, coisa que a quantidade de cachacinha envelhecida do dia anterior não deve ter ajudado em nada. Falando com amigos, descobrimos que um tinha dor no pé, outro nas costas, outro no joelho… Estamos velhos! Na hora da farra, todo mundo participa, no dia seguinte quase precisamos ser hospitalizados para nos recuperar! Achei engraçado.

 

Com tudo isso, não tinha um pingo de ressaca, só estava cansada mesmo.

 

Acontece que não paramos por aí, porque no sábado à noite tinha o aniversário de uma amiga muito legal em um bar danceteria. Sinceramente, só de imaginar essa situação no início da tarde me dava preguiça. Aquela coisa que você quer fazer mas se sente meio incapaz. Pensei se deveria deixar uma ambulância de plantão na porta do bar, para nos trazer para casa na base do oxigênio.

 

Daí a noite foi chegando… e fui me animando outra vez. O lugar era ótimo, chama Larios. O serviço, sabe como é, madrileño típico, mas a casa lembra o padrão paulista, bem decorada, elegante e um pé direito altíssimo. No andar de cima, esse do pé direito alto, tocava uma banda que imagino ser cubana, excelente. No andar de baixo a danceteria. A música não é fantástica, mas é o que os espanhóis gostam de ouvir. Como estávamos em um grupo grande e animadíssimo, isso nem me importou, baixei a cigana Sandra Rosa Madalena que existe em cada um e me acabei de dançar.

 

Fomos embora outra vez de madrugada com Luiz de olhos pequenos, me chamando de imparável. Já havia me recuperado, só evitei exagerar na bebida, primeiro porque não aguentava, segundo porque precisava dar uma caminhada no domingo para não perder o ritmo.

 

No domingo, só acordei por disciplina e por uma fome do cão! Um pouco de dor muscular, o que me animou à caminhada. Quando a musculatura esquenta dói menos. Luiz não estava muito afim de me acompanhar, mas se animou quando me viu pronta, com a fantasia de peregrina.

 

Fomos conhecer um parque que fica bem perto da nossa casa, chamado Quinta de la Fuente del Berro. Uma graça de lugar, vale uma crônica só para ele. É bem menor que o parque do Retiro, mas muito charmoso e com um jeito de Parque Lage do Rio.

 

A caminhada leve me azeitou as articulações e me lembrou que falta menos de uma semana para voltar ao velho Caminho de Santiago. Quando falta pouco dá o maior friozinho na barriga e é difícil não pensar nele. Nesse fim de semana comprei as passagens para Pamplona, de onde partirei dessa vez.

 

Na cabeça agora martela Sá de Miranda, lembrado por um amigo. Não posso viver comigo, nem posso fugir de mim.

 

Comigo me desavim

 

Comigo me desavim,

sou posto em todo perigo;

não posso viver comigo

nem posso fugir de mim

 

Com dor, da gente fugia,

antes que esta assi crecesse;

agora já fugiria

de mim, se de mim pudesse.

Que meo espero ou que fim

do vão trabalho que sigo,

pois que trago a mim comigo,

tamanho imigo de mim?

 

Francisco Sá de Miranda

 

4 comentários em “29 – Feriado intenso”

  1. Sentirei tua falta minha amiga!!!
    Mas estarei contigo na tua caminhada!!!!
    Beijos

  2. Oi minha querida amiga!

    Primeiro de tudo, queria dizer que realmente é um saco quando criamos espelhos por toda a parte… ou seja, quando criamos expectativas de outras pessoas. Aprendi muito com uma simples frase que um grande amigo me disse há muito tempo atrás: “Não julgue os outros por você”. Desde que ouvi isso a minha conduta com as pessoas mudou.

    Te entendo sobre se decepcionar, mas acho uma pena… não que isso nunca aconteça comigo, mas é raro. Porque eu não tento mais colocar nos outros as minhas expectativas, os meus espelhos, tentar ver o que eu gostaria… o que eu gostaria EU e mais ninguém tem que alcançar. Por aí…
    Também acho que quando a gente espera demais dos outros ou espera basicamente o que nós achamos “certo”, acabamos por não conhecê-los de verdade. Eu, pessoalmente, acho que sou compreendida por pouquíssima gente, no duro. Mas enfim… isso também não me preocupa. Cada um entende o que quiser.

    A sintonia do grupo realmente é algo incrível. E algumas pessoas muito, mas muito especiais no meio. Sempre agradeço por ter tido a sorte de conhecer várias delas, inclusive você. Sempre me considerei uma pessoa de muita sorte.

    Só discordo de ti em um ponto: que não sabes cuidar das pessoas. Sabes de uma maneira que talvez ainda não entendas, mas quem sabe um dia tua ficha vai cair. Tu cuidas dos outros assim, sem querer, naturalmente. E te sais muito bem com este teu dom.

    Te desejo uma ótima caminhada. E que tudo que esteja aí dentro, mal resolvido, encontre um pouco mais de luz no caminho. E, por favor, não fuja de você. O que seríamos de nós com você fugindo?

    Um grande beijo desta amiga que te admira e que gosta de ti exatamente do jeito que você é, sem decepções.

  3. Eu acho que quando a energia é boa, nao há ressaca, nao vemos a chegada da madrugada, e se temos dores no dia seguinte, sao dores boas! Muito bom churrascar com vcs, beijoss

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