Gosto de metáforas e de analogias. Para mim, é comum aprender comparando situações ou histórias. Não no sentido da comparação entre o que seja melhor ou pior, mas por suas semelhanças. Acredito que uma experiência só sirva se você puder usar esse aprendizado também em outro momento.
Hoje em dia, até a mudança da temperatura em determinado contexto, me faz pensar, me deixa atenta aos sinais. Ontem, em Madri foi um dia assim, 17 graus e um sol maravilhoso, bem no coração do inverno. Totalmente fora do lugar, mas um alívio, uma recarga de energias.
A gente ainda sai de casaco, claro, afinal é inverno e a temperatura pode cair a qualquer momento. Mas me pareceu curioso que, a medida que a temperatura se elevava, quase ninguém tirasse suas jaquetas ou desamarrasse seus cachecóis. Às vezes, as pessoas não acreditam em suas próprias sensações físicas. Elas não podem estar com calor, é inverno.
Não sei se mais alguém percebeu, mas no início desse ano se abriu uma onda de oportunidades. Como se o tempo parasse e abrisse uma fresta para quem quiser embarcar para uma próxima fase, ou consolidar a que está. Pode ser apenas porque é início de ano, mas tive a sensação que vários amigos, com os quais estou em sintonia, estão passando por um período de decisão por alguma mudança. Sinto que é um ano de apostas e resultados, ando prontinha para saltar no cavalo selado.
Ontem foi um dia bom e estranho. Essa semana fomos visitados por um casal de amigos holandeses. Profissionalmente, ambos são contatos bastante importantes na área de negócios. Mas a sinergia não caminha em mão única, e por gostarmos deles como pessoas e da sua companhia, tornaram-se amigos. Muito bem, o marido veio trabalhar um dia em Madri, e a esposa veio acompanhando, porque queria nos encontrar. Saímos para jantar e, como sempre, foi extremamente agradável.
No dia seguinte, ele trabalharia e ela daria uma volta pela cidade até a hora do vôo de volta à Amsterdam. Passei por um certo dilema, porque tinha um monte de coisas para fazer, estava realmente ocupada. Mas ao mesmo tempo, não queria deixá-la sozinha, porque afinal de contas eles vieram nos ver, ela não fala espanhol e ninguém aqui fala inglês. E apesar de não gostar de admitir isso, também não quero perder totalmente a ligação com o mundo de negócios, eu posso precisar dele. Ainda que a gente converse de assuntos totalmente diferentes, ela é uma pessoa que admiro e de certa forma é um vínculo que ainda reluto a perder.
Pois resolvi acordar mais cedo e dar um jeito de fazer caber tudo no meu dia. Mas antes de sair de casa para encontrá-la, chequei os e-mails para ver se havia alguma emergência. Havia. Uma outra amiga brasileira me pedia um currículo urgente! Para uma empresa que intermedia eventos artísticos, governo e empresas. O ideal seria marcar uma entrevista o mais rápido possível.
Caramba! Mas minha amiga holandesa já estava me esperando naquele minuto e agora?
Pensei o seguinte, ainda que a tal empresa que me pedia o currículo urgente estivesse interessada, não posso trabalhar oficialmente a curto prazo. Além do mais tinha um compromisso agendado, que também me interessava. Respondi rápido à amiga brasileira que não tinha como enviar naquele momento, mas falava com ela mais para o fim da tarde do mesmo dia.
Saí correndo para encontrar a amiga holandesa, estava em cima da hora, até um pouco atrasada. Enfim, passamos a manhã passeando e conversando, e não me arrependi dessa decisão. Fui deixá-la no ponto de encontro com seu marido, para de lá eles seguirem para o aeroporto e eu para casa. Minha cabeça já estava voltada para resolver a questão do tal currículo que tinha que enviar.
Muito bem, no taxi, ainda com a amiga holandesa, toca o celular. Era uma outra amiga brasileira, casada com um amigo espanhol. O marido dela conseguiria um convite para que eu entrasse na “Madrid Fusion”, mas precisava ser naquela mesma tarde. Basicamente algo assim, dá para você ir, mas é agora!
Explicando melhor, um dos caminhos que venho pensando em seguir esse ano é o da gastronomia. Esse meu amigo espanhol trabalha no ramo e tem me orientado sobre possibilidades, cursos, pessoas etc. A Madrid Fusion é uma feira de gastronomia voltada para profissionais da área. Só vai o topo do topo, super chefs, donos de restaurantes, fornecedores, enfim, gente grande que atua nesse mercado. Conseguir um convite não é tão fácil, e perder a chance de ir em um evento assim, nem se fala!
Cassilda! Tanta coisa interessante e eu não conseguindo dar conta!
Despedi dos amigos holandeses e tomei o caminho de casa. A idéia era ligar para a amiga brasileira para entender melhor como eu encontrava o marido dela e tal. Lei de Murphy, o telefone me avisava que estava praticamente sem crédito!
Putz! Enviei então uma mensagem, avisando que ia para casa, ligava para ela de lá e se ela pudesse já enviar o telefone do seu marido, eu também já ligava direto para ele para ver se ainda dava tempo da gente se encontrar.
E tinha planos ingênuos de conseguir enviar o currículo para a outra amiga antes disso.
Andando para casa, meio como barata tonta, de repente percebi que estava bem no meio de uma encruzilhada de decisões. Quase me queixei, mas me parecia absurdo, porque todas eram oportunidades interessantes. Talvez pudesse ser um bom momento para sentir e decidir o quero mais, o que gosto mais. Decidir entre opções é muito melhor do que decidir pela falta delas. Mesmo assim ainda é difícil.
Por um lado eu tinha o contato no mundo de negócios. Um mundo onde ainda sei navegar, mas que não me traz realização. Traria dinheiro, e não é isso que no fundo a gente busca com várias caras? As pessoas são legais, os ambientes frequentados são fantásticos, a proximidade do poder é sedutora, mas por algum motivo, não tenho vontade de voltar. Mas também não consigo simplesmente deixar de vez.
Depois havia a opção da empresa de eventos, que talvez seja o meio termo entre o lado artístico e o de negócios. Da mesma maneira, sei como navegar. Mas me pergunto se as concessões que faria não me trariam a um mundo muito próximo ao da consultoria, só que ganhando menos. Ao mesmo tempo, poderia viabilizar algum salário e não estar tão desvinculada a artes. O problema é que normalmente o “meio termo”, também pode se parecer muito à metade, ao mais ou menos, e isso me preocupa.
Em paralelo, as outras coisas que já tinha para fazer e empurrei um pouco com a barriga, pelo dia cheio. Sou curadora, junto com outro amigos artista, para uma exposição que acontecerá agora em fevereiro. Um trabalho do cão, totalmente vinculado a artes, mas sem nenhuma possibilidade financeira. E vamos ser francos, como artista eu nunca vou me sustentar no padrão que estou acostumada, é incompatível. É uma carreira que não quero deixar, mas está mais do que claro que não pode ser a única.
Não esquecendo desse universo da escrita, que se abriu para mim e hoje é mais do que uma realização, é um vício. Tive meu primeiro trabalho pago como escritora, a biografia de uma amiga. Acho que posso ampliar esse aspecto, mas me faltam contatos, por onde ir, e novamente é muito mais uma possibilidade de prazer e realização do que financeira. De toda maneira, também não poderia ser uma única carreira.
E de repente uma coisa nova, o mundo da gastronomia. Um setor que escutei por anos que deveria investir meu tempo e habilidades. Não era o momento e não teria cacife para entrar antes mesmo, sempre foi algo que ficou meio de lado me rondando. Só que agora talvez seja o momento e pode dar certo. É compatível com uma carreira artística e pode dar dinheiro, se os passos forem corretos. Entretanto, o tempo e o risco de investimento são altos. E, outra vez, estaria recomeçando, tudo de novo.
Não consegui decidir o que queria mais, acho que quero tudo. Encontrei minha amiga holandesa, corri para o Madrid Fusion, enviei o currículo para a empresa de eventos, sentei rápido para escrever as crônicas e fui resolver unas cosillas dos artistas da exposição. Daqui a pouco vou ao Madrid Fusion outra vez e de lá sigo para o coral.
Talvez em algum momento eu precise escolher entre tudo isso, mas hoje, não. Se até o inverno pode ser primavera de vez em quando…