Sempre vou de metrô para a faculdade. Normalmente, os horários que ando são movimentados, mas não é hora do rush. Isso quer dizer que costumo ir confortavelmente, quase sempre sentada.
Ontem, o curso acabou mais cedo e precisei tomar o metrô em uma das horas mais requisitadas. Para complicar, havia um tipo de greve em que o número de trens foram diminuídos. Ou seja, o metrô estava um inferno de cheio! Se soubesse, até teria tentado pegar um taxi, mas só descobri sobre a tal greve dentro da estação.
Quando entrei no vagão, estava cheio, mas possível. Umas três estações depois foi se tornando mais e mais impraticável. Por sorte, estava encostada na parede do fundo do vagão, o que é menos sofrível. E, claro, como a lei de Murphy sempre funciona, justo nesse dia resolvi tomar uma linha diferente, ou seja, não sabia exatamente quantas paradas ficava da minha casa. Com o vagão cada vez mais cheio, não conseguia ler o nome das estações do lado de fora.
Acho que o resto dá para imaginar, quando chegamos na parada que devia saltar, não percebi. Mas tive a impressão de ler nos lábios de alguém o nome Manuel Becerra, minha estação. Virei correndo para a moça do meu lado e perguntei se ela sabia onde estávamos, e lógico que era onde precisava descer.
E aí? Como fazer? Tinha poucos segundos e nenhum espaço para passar. Não sabia se o pior era perder a parada ou andar mais tempo naquela claustrofobia e ainda ter que voltar outra vez naquele aperto. Foi quando fui salva pela solidariedade entre meus recentes amigos-sardinha. Também não sei se eles me ajudaram pela necessidade do espaço, mas acho que foi porque se colocaram em meu lugar. Foi um tal de “deixa ela passar”, “vai por ali”, “rápido”, “acho que não vai dar”… Até que vi uma brecha mínima de ar e mergulhei como um vocalista de banda punk mergulha no público. Chega senti a porta fechando arrastar no meu pé. Acho que saí do vagão como uma rolha de champanhe, meu corpo até fez o barulhinho da pressão “ploc”!
Aterrizei meio desequilibrada e rindo comigo mesma. Nunca achei que fosse passar por isso novamente e ainda achar graça. Fiquei lembrando de Brasília, o único lugar onde usava transporte público com regularidade, porque afinal de contas, tinha menos de dezoito anos e não podia dirigir.
A primeira vez que andei de ônibus sozinha tinha por volta dos treze anos, em Brasília. Lembro exatamente como foi assustador e libertador, ao mesmo tempo. Vivia enchendo o saco da minha mãe porque queria aprender a andar de ônibus, o que significava para mim ter a liberdade de me locomover na cidade, sem depender de ninguém. Um dia, ela simplesmente me deu dinheiro e disse: volta hoje de ônibus.
Como assim? Volta hoje de ônibus? Mas em qual ônibus? Quanto custa o ônibus? Por onde entro no ônibus? Como aviso que quero saltar? Perguntas que hoje me soam absolutamente óbvias, mas que o fato de fazer pela primeira vez sozinha me deixou apavorada! Claro que minha mãe não tinha a menor idéia das respostas, afinal de contas, ela também não andava de ônibus, portanto ela fez a cara de que aquilo era óbvio e eu que me virasse. Até hoje não sei se ela queria que eu acertasse ou desistisse e ligasse para ela ir me buscar. Também não importa mais, quando saí, achei que ela queria que eu desistisse, quando chequei achei que ela queria que eu acertasse.
Foi depois do curso de inglês, lembro perfeitamente de não prestar atenção em nada, só pensava, cassilda e como é que vou pegar o tal do ônibus? Para quem vou perguntar isso sem parecer uma jeca ou uma fresca?
Para minha sorte, saí do curso conversando com uma amiga mais velha, que costumava vir andando comigo boa parte do caminho e depois pegava seu ônibus. Contei meio sem graça da minha missão do dia. E ela achando muito engraçado, mas no fundo solidária, porque também havia passado por isso, se propôs a ir comigo para eu ver que não era nada demais. Ufa! Pois ela me salvou a pele, nem a porta da entrada eu sabia qual era!
Chegando em casa, minha mãe estava me esperando para eu contar o que tinha acontecido. Também fiz a mesma cara que ela fez antes, como se nem estivesse entendendo o que ela queria saber. Simplesmente, tinha pego o ônibus ora, que bobagem! No meu quarto sozinha, comemorei aquela grande vitória, havia dado o primeiro passo para minha independência, ou nisso acreditava naquele momento.
Depois de alguns anos tomando o maldito “Grande Circular” lotado, mudei de idéia. Bom mesmo era andar de carro! Precisava fazer dezoito anos rápido! A piada dos alunos era que dentro do ônibus se contradizia a lei da física onde dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. A gente não precisava se segurar, porque não havia onde cair! Entrar e sair era sempre uma missão quase impossível, que a gente nem sabia como podia dar certo no final. Nós, meninas, desenvolvíamos a técnica do cotovelo, para nenhum engraçadinho vir se esfregando. É verdade que também havia uma certa solidariedade, sempre quem estava sentado se oferecia para levar os cadernos ou a mochila de quem estava em pé. De qualquer maneira, enchi o saco e jurei que quando começasse a dirigir nunca mais encararia essa situação.
Hoje já não me parece tão ruim, provavelmente porque não preciso encarar o problema todos os dias. Quem sabe foi a experiência passada que me ajudou a saltar do vagão lotado com tamanha desenvoltura depois de adulta e acostumada a uma boa mordomia.
Quer saber, que se dane a poesia social, amanhã vou de taxi!